Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0905/13
Data do Acordão:06/18/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:GARANTIA
JUROS DE MORA
Sumário:I - O nº 10 do artigo 199º do CPPT, na redacção introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12, não se aplica ao reforço da garantia determinado pela superveniência de nova “orientação administrativa” sobre a forma de cálculo dos juros de mora para prestação de garantia e não pelo facto de ter ocorrido qualquer “diminuição significativa” do valor da garantia prestada.
II - No âmbito dessa norma apenas cabem garantias reais e pessoais que onerem bens susceptíveis de diminuição de valor, o que não é o caso da garantia bancária, que não está sujeita a depreciação.
III - O momento relevante para o cálculo de juros de mora, com o limite de cinco anos, é a data em que se efectua o pedido para se prestar a garantia e não a data da apresentação do meio impugnatório da dívida exequenda ou a data da sua efectiva prestação.
IV - O ofício-circulado nº 60.090 de 15/5/2012, da DSGCT, apesar de autovincular a administração fiscal e de eventualmente se lhe poder atribuir carácter normativo, tem que ser entendido em conformidade com o artigo 112º, nº 5 do CRP, ou seja, não faz uma interpretação autêntica da lei, sendo a sua legalidade susceptível de controlo judicial.
Nº Convencional:JSTA000P15933
Nº do Documento:SA2201306180905
Data de Entrada:05/20/2013
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. A Fazenda Pública interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 27/2/2013, que julgou procedente a reclamação judicial deduzida pela A…………, S.A, com sinais nos autos, contra o despacho do Chefe de Serviço de Finanças de Lisboa 2, de 30 de Novembro de 2012, que determinou o reforço da garantia ou apresentação de nova garantia para efeitos de manter a suspensão da execução fiscal nº 3247200601109146 na pendência da impugnação em que se discute a legalidade da dívida exequenda.
Nas suas alegações, conclui o seguinte:
A) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida pela A…………, SA, contra a decisão proferida pelo chefe do órgão de execução fiscal que determinou o reforço da garantia anteriormente apresentada pela executada ora reclamante com o objectivo de obter a suspensão do processo executivo face a pendência de impugnação judicial respeitante ao IRC do exercício anual de 2002.
B) Da análise efectuada ao caso em apreço determinou o Tribunal a quo conceder provimento a presente reclamação, considerando que ” … pela ilegalidade do despacho reclamado, o qual não pode manter-se na ordem jurídica por ofensa do caso decidido ou resolvido que, no concreto procedimento de fixação do montante da garantia em processo executivo assuma valor em tudo análogo ao do caso julgado das decisões judiciais.”
C) Ou seja, considerou a sentença, de que ora se recorre, que uma vez fixado o valor da garantia a prestar, e sendo a mesma apresentada e aceite pela Administração Tributária, não poderá esta exigir nova garantia, uma vez que tal procedimento se assume na ordem jurídica com valor análogo ao de caso julgado das decisões judiciais.
D) Com tal entendimento não se pode a representação da fazenda pública conformar porquanto:
E) O pedido de reforço da garantia efectuado pelos Serviços da Administração Tributária resulta do cumprimento da norma contida no nº 8 do art. 189º do CPPT no âmbito do qual se determina que Quando a garantia constituída nos termos do artigo 195º, ou prestada nos termos do artigo 199º se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prego de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução”.
F) Pelo que prevendo a lei a possibilidade de exigir o reforço da garantia prestada, face à insuficiência do seu valor para fazer face ao pagamento do montante devido afinal, deveria ter sido considerada legítima a actuação do órgão de execução fiscal.
G) Porquanto não pode o decisor olvidar o fim último a que se destina a prestação da garantia.
H) Ora na decisão tomada, o Tribunal a quo não atentou a norma supra mencionada e determinou a procedência da reclamação.
1) E desta forma mais não fez, em nossa opinião, e salvo o devido respeito, que desvirtuar o objectivo primordial da figura da garantia no âmbito do processo executivo fiscal.
J) Por fim importa ainda referir que não se conforma a Administração Tributária com a menção efectuada na sentença que refere que a reforço da garantia prevista na lei, se destina somente a casos em que a mesma consista em garantia real ou pessoal.
K) Isto porque a norma que prevê o reforço da garantia não refere tal limitação, pelo que em nossa opinião será de observar o fim prático subjacente à garantia.

1.2. Nas contra-alegações, conclui-se o seguinte:

A. Nos termos expostos deve ser mantida a sentença recorrida porquanto se demonstrou a idoneidade e até excesso da garantia prestada para assegurar o pagamento da divida e legais acréscimos na pendência do pleito, quer à data do pedido quer à data da sua nova solicitação e posteriormente.
B. A sentença andou bem ao reconhecer que a decisão reclamada padece de ilegalidade por erro nas normas legais aplicáveis pois fundamenta-se em normas — artigos 169.°, n.º 8 e 199.°, n.º 8 e 10, todos do CPPT — que, regulam sobre o reforço de garantias ou a prestação de novas garantias em situações diferentes da situação sub judice.
C. Com efeito, as referidas normas legais estabelecem que o órgão de execução fiscal pode exigir o reforço da garantia prestada ou a prestação de uma nova garantia nos casos de perda de valor do bem garantido, bem como nos casos em que o montante da garantia se mostre insuficiente para cobrir o total em dívida em virtude dos juros de mora que se foram vencendo.
D. Acresce que o cálculo dos juros de mora de € 29.660,00 foi efectuado à taxa de 1% mês que é o dobro da legalmente permitida.
E. É por este facto que se vem fazer o pedido de €14.830, precisamente o mesmo valor da diferença entre a taxa de 0,5 e 1% indevidamente calculada.
F. A Fazenda pública vem atacar debilmente a sentença veiculando o entendimento que a essas quantias deve ser adicionado o montante de 25%, para apurar da idoneidade em cada momento da mesma.
G. Segundo a Recorrente, o tribunal desconsiderou o acréscimo de 25% sobre o valor da quantia exequenda e acrescido.
H. Porém, se quaisquer duvidas existissem sobre a razão que assiste a Recorrida e o bem que o tribunal a quo decidiu elas ficariam dissipadas face às próprias alegações da Fazenda “Sendo certo que a garantia in casu é suficiente para o pagamento do montante em dívida no momento do seu recalculo, poderá não vir a sê-lo no momento da decisão da impugnação que determina a necessidade de suspensão do processo executivo” (ponto 17 das alegações da Fazenda).
I. Deste modo, resta concluir que a própria recorrente considera idónea a garantia e não tem qualquer motivo e fundamento de facto e de direito válido a opor à decisão.
J. Deste modo, quando se procede ao juízo da sua suficiência não deve ser de novo calculado um acréscimo de 25% que à taxa de juros actual corresponderia a um cálculo de 8 anos de juros...
K. Ficou demonstrada a ostensiva ilegalidade da decisão do órgão de execução fiscal a notificar para a prestação de uma nova garantia ou seu reforço para manter suspensa a execução fiscal enquanto continuar pendente o litígio sobre a legalidade da liquidação subjacente.
L. E, que a garantia que havia sido inicialmente prestada pela ora Recorrida para suspender a presente execução na pendência do pleito sobre a legalidade da liquidação de IRC subjacente a este processo, é mais do que suficiente e até excessiva.
M. O Tribunal decidiu e bem que não houve perda de valor de garantia no caso dos autos.
N. E, constatou-se que a própria Fazenda não tem dúvidas sobre essa suficiência.
O. Por outro lado, verificou-se que a decisão em crise se apoiou numa instrução administrativa entretanto revogada pela própria administração fiscal pela sua natureza abusiva.
P. A interpretação veiculada no oficio-circulado n.º 60090, de 15 de Maio de 2012, sob o que se considera a “data do pedido” é ilegal e, ainda que assim não se entendesse, o que só em hipótese académica se admite e sem conceder, seria inconstitucional por violação do princípio da irretroactividade da Lei fiscal, da legalidade e do princípio da confiança.
Q. Também por este motivo o referido ofício foi revogado, motivo pelo qual a decisão que se fundamenta no mesmo é nula.

1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.


2. A sentença deu por assente a seguinte factualidade:

1. A Reclamante foi notificada de uma liquidação adicional de IRC e Juros Compensatórios, relativa ao exercício de 2002, no montante de €593.200,02, com prazo de pagamento voluntário até 17/07/2006 (capa do PEF, certidão de dívida e doc. de cobrança, fls. 19, 21 e 101 do apenso);
2. Em 10/10/2006, deduziu impugnação judicial do acto de liquidação e apresentou na execução, em 28/11/2006, garantia bancária no montante de €644.080,00, valor fixado pela Administração tributária no seguimento do pedido feito pela Reclamante em 22/09/2006 (fls. 13, 20 a 22, 23 e 51 do apenso);
3. Na fixação do valor da garantia já foi tido em conta pela Administração tributária a redução do valor da dívida para €491.349,10 por dedução do montante de €101.850,92 correspondente a um pagamento por conta (lis. 12, 15 e 61 do apenso);
4. Na fixação daquele valor da garantia foram incluídos juros de mora à taxa de 1% ao mês correspondente ao período de 18/07/2006 a 22/09/2006 sobre a importância de €593.200,02 (folha de cálculo da garantia, a fls. 21 do apenso);
5. Em 30/11/2012, a Administração tributária procedeu a um novo cálculo do montante da garantia a prestar com referência à dívida de €491.349,10, de que resultou o valor de €658.910,38 superior em €14.830,00 ao montante anteriormente fixado (folha de cálculo da garantia, a fls. 27 do apenso);
6. Que resultou do recalculo dos juros de mora — agora correspondentes ao período de 18/07/2006 a 28/11/2006, “...à taxa de 1% ao mês ou fracção cf. art. 3° do DL 73/99, de 16 de Março; conforme alínea iv) do ponto 1 do Ofício Circulado n° 60090, de 2012-05-15, da DSGCT” –, alterados de €17.796,00 para €29.660,00 e do acréscimo de 25% “sobre o somatório do valor da dívida, juros de mora e custas com reporte à data do pedido “, que por inclusão da diferença dos juros de mora apurada, passou de €128.816,08 para €131.782,08 (cf. folhas de cálculo a fls. 21 e 27 do apenso);
7. Por despacho do Sr. Chefe de Finanças, de 30/11/2012, exarado sobre a informação executiva constante a fls. 249 do apenso que lhe serve de fundamento e que damos aqui por integralmente reproduzida, foi a Reclamante notificada para que “...no prazo de 15 dias venha reforçar a garantia ou apresentar nova garantia, sob pena de levantamento da suspensão do PEF”;
8. Aquela notificação concretizou-se em 04/12/2012 (informação a fls. 27);
9. A presente reclamação deu entrada no serviço de finanças em 14/12/2012, remetida por correio registado (fls. 3 e informação a fls. 27).


3. Para efeitos de suspensão da execução fiscal cuja legalidade da dívida exequenda foi impugnada judicialmente, a executada prestou garantia bancária sobre a quantia de €491.349,10, acrescida de juros de mora, calculados desde o termo do prazo de pagamento voluntário – 18/7/06 – até à data do pedido da prestação de garantia – 22/9/2006 – de custas do processo e mais o acréscimo de 25% previsto no nº 6 do artigo 199º do CPPT, perfazendo o total de €644.080,38; através do acto reclamado, o órgão de execução solicitou à recorrida o reforço da garantia, com fundamento na insuficiência da mesma, uma vez que do ofício-circulado nº 60090 de 15/5/2012 resulta que os juros de mora devem ser calculados desde o termo do pagamento voluntário até “à data da prestação efectiva da garantia” – até 28/11/06 – pelo que o valor a garantia é de €658.910,38, ou seja, mais €14.830,00 do que o inicialmente garantido.
A recorrida reclama judicialmente do solicitado reforço da garantia com fundamento em que: (i) a interpretação do ofício-circulado, sobre o que se considera “data do pedido”, é ilegal e inconstitucional por violação dos princípios da irretroactividade da lei fiscal, da legalidade e da confiança; (ii) a dívida está excessivamente garantida, porque o cálculo dos juros de mora à taxa de 1% ao mês é o dobro da taxa legalmente permitida.
A sentença recorrida julgou a reclamação procedente com dois argumentos: (i) a decisão que calculou os juros de mora tendo por referência a data do pedido é insusceptível de nova pronúncia, por se ter formado “caso decidido ou resolvido”; (ii) o reforço de garantia previsto no nº 10 do artigo 199º do CPPT “tem em vista as situações de perda de valor das garantias reais (penhor e hipoteca) ou pessoais (mudança de fortuna do fiador – cfr. art. 633º do Código Civil), a que não se subsume o acaso em análise”.
A Fazenda Pública considera que essa decisão padece de erro de julgamento, porque: (i) do nº 8 do artigo 169º do CPPT resulta que a administração tributária pode exigir o reforço da garantia sempre que constar que a anterior é insuficiente para assegurar o pagamento integral da quantia exequenda e acrescido; (ii) o reforço da garantia destina-se a todas as garantias e não apenas às garantias reais ou pessoais que perderam o valor.
Em nenhum destes argumentos a Fazenda tem razão.
Começando pelo último, ele refere-se à aplicação do nº 10 do artigo 199º do CPPT, na redacção introduzida pela Lei nº 64-B/2011, de 30/12 (mas com aplicação imediata aos processos pendentes – art. 154º), que diz o seguinte: «Em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, o órgão da execução fiscal ordena ao executado que a reforce ou preste nova garantia idónea no prazo de 15 dias, com a cominação prevista no nº 8 deste artigo».
Tendo em conta o facto que motivou a prolacção do acto reclamado, parece evidente que esta norma não se aplica ao caso dos autos. O reforço foi determinado pela superveniência de nova “orientação administrativa” sobre a forma de cálculo dos juros de mora para prestação de garantia e não pelo facto de ter ocorrido qualquer “diminuição significativa” do valor da garantia prestada. A sentença considera que no âmbito dessa norma apenas cabem garantias reais e pessoais que onerem bens susceptíveis de diminuição de valor, o que não é o caso da garantia bancária, que não está sujeita a depreciação, juízo decisório que nos parece correcto. Ou seja, não foi a garantia bancária que diminuiu de valor, mas o facto de se ter calculado os juros de mora até ao momento da apresentação do pedido e não até à data da sua efectiva prestação. A insuficiência da garantia resulta, assim, do eventual erro na forma de cálculo e não na diminuição do seu valor.
Resulta do nº 3 do artigo 52º da LGT que a administração tributária pode exigir ao executado o reforço da garantia no caso de esta se tornar «manifestamente insuficiente» para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; e em concretização dessa norma, prescreve o nº 8 do artigo 169º do CPPT, na redacção dada pela Lei, nº 64-B/2011 de 30/12 «quando a garantia constituída nos termos do artigo 195º, ou prestada nos termos do artigo 199º, se tornar insuficiente é ordenada a notificação do executado dessa insuficiência e da obrigação de reforço ou prestação de nova garantia idónea no prazo de 15 dias, sob pena de ser levantada a suspensão da execução».
O reforço da garantia estabelecida nesta norma visa dar uma segurança ao órgão de execução fiscal de que se efectuará a cobrança da prestação tributária em caso se incumprimento do executado e independentemente da sua vontade. Para se conseguir tal objectivo, a garantia, no que respeita ao seu valor, deve manter-se ao longo do tempo em que se discute a legalidade e exequibilidade da dívida, impendendo sobre os serviços tributários a dever de vigilância permanente da sua validade, vigência e idoneidade, notificando o executado para proceder ao seu reforço sempre que seja necessário.
Mas, no caso dos autos, não se está perante circunstâncias supervenientes que tornaram manifestamente insuficiente a garantia bancária oferecida e aceite pelo órgão de execução. Não foi a garantia que se «tornou insuficiente», mas sim a superveniência de uma forma diferente de calcular os juros de mora incidentes sobre o montante da dívida: enquanto a garantia prestada considerou a «data do pedido» como o momento relevante para a contagem de juros de mora, o reforço exigido pelo acto reclamado fixou esse momento na «data da apresentação efectiva da garantia».
Ora, se há insuficiência da garantia, em virtude do diferente modo do cálculo dos juros de mora, ela é contemporânea do acto que a aceitou, não resultando de qualquer circunstância que tenha diminuído o valor inicialmente fixado. Foi em consequência da diferente interpretação da lei, constante do ofício-circulado, que a garantia se mostra insuficiente e não porque diminuiu de valor na pendência do processo impugnatório.
A aceitar-se a interpretação que a administração tributária faz da lei, a garantia era originariamente inválida, na parte relativa aos juros de mora, porque foram calculados relativamente ao um período inferior ao previsto na lei. E daí que se compreenda que a sentença recorrida tenha apelado ao conceito de «caso decidido e resolvido» para concluir que, decorrido um ano sobre o acto que fixou o valor da garantia, a mesma consolidou-se na ordem jurídica e, porque constitutiva do direito à suspensão da execução, não pode ser alterada.
Mas não se precisava ir tão longe, porque o que resulta da letra da lei, de forma que não deixa quaisquer dúvidas, é que os juros de mora são calculados até á data em que a garantia é pedida. O nº 5 do artigo 199º do CPPT (na redacção dada pela Lei nº 66-B/2012 de 31/12) preceitua que «a garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores, sem prejuízo do disposto no nº 13 do artigo 169º».
Quer nesta redacção quer na vigente na data em que a garantia foi prestada (anterior à redacção introduzida pela Lei nº 64-A/2008 de 312/12), o momento relevante para o cálculo de juros de mora, com o limite de cinco anos, é a data em que se efectua o pedido para se prestar a garantia e não a data da apresentação do meio impugnatório da dívida exequenda ou a data da sua efectiva prestação. A lei refere-se sempre à «data do pedido», e não a qualquer outro momento, como sendo o momento em se consideram vencidos os juros de mora.
E compreende-se que esse seja o momento relevante para o vencimento dos juros de mora, pois o pedido do executado torna evidente que o retardamento do pagamento da dívida exequenda se deveu ao facto de a considerar ilegal e não à vontade pura e simples de não cumprir a prestação tributária. Se a falta de pagamento é devida à ilegalidade da dívida exequenda, causa que não é imputável ao executado, não se pode dizer que haja atraso culposo no seu cumprimento (cfr. art. 804º do CCv). É por isso que o requerimento para constituição ou prestação de garantia, ao dar a conhecer a pretensão impugnatória da dívida exequenda, deve ser o momento relevante para o termo da mora debitória.
Sendo o valor da garantia determinado pela administração tributária, que procede ao cálculo de juros de mora já vencidos, não se compreende que, após o notificar ao executado, se exija a este que proceda ao cálculo dos juros entre a data da notificação e a data da efectiva prestação. Tal entendimento contraria mesmo a razão de ser do acréscimo de 25% exigido naquele artigo, o qual tem em vista assegurar o pagamento dos juros de mora que se vão vencendo durante a pendência do processo. Como este acréscimo faz parte da mesma operação que fixa o valor da garantia, os juros de mora e custas, então ele já garante os juros que são devidos após a data do pedido da prestação da garantia, não sendo necessário obrigar o executado a recalcular o juros vencidos entre a data do pedido e a data da apresentação do meio impugnatório ou a data da efectiva prestação.
O facto do ofício-circulado nº 60.090 ter fixado a orientação de que, «no caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou oposição à execução, até à data da sua apresentação» (ponto ii) do nº 1) ou «no caso de o interessado prestar garantia após o decurso do prazo previsto no nº 7 do art. 169º do CPPT (15 dias após apresentação do meio de reacção) ou, quando se verifique a sua insuficiência se vier a reforçar/prestar nova garantia após o termo do prazo previsto no nº 8 do art. 169º do CPPT (15 dias após notificação enviada para o efeito, também previsto no nº 10 do art. 199º do CPPT para o pagamento em prestações) até à data da apresentação efectiva da garantia, desde que ainda se encontre pendente algum dos meios de reacção previstos no nº 1 do artigo 169º do CPPT, ou ainda se encontre a decorrer o plano de pagamento em prestação», (nº iv do ponto 1), não tem qualquer influência na interpretação que se dá ao nº 5 do artigo 199º, por dois motivos: (i) vinculam exclusivamente a administração tributária que procedeu à sua emissão (cfr. nº 3 do art. 55º do CPPT); (ii) o princípio da legalidade impede a violação ostensiva de normas legais através da via interpretativa.
Ora, a interpretação que o ofício-circulado faz da expressão normativa «juros de mora contados até (…) à data do pedido», estende-o o cálculo à «data da apresentação efectiva» da garantia não tem a mínima correspondência nas palavras da lei, pois a expressão «data do pedido» comporta apenas um sentido, o de que os juros de mora devem ser calculados até à data da apresentação do requerimento de prestação da garantia, e não qualquer outra data, sendo certo que não há qualquer outra norma de onde se possa concluir que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador. E se o texto comporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma.
É por isso que ofício-circulado, apesar de autovincular a administração fiscal e de eventualmente se lhe poder atribuir carácter normativo, tem que ser entendido em conformidade com o artigo 112º, nº 5 do CRP, ou seja, não faz uma interpretação autêntica da lei, sendo a sua legalidade susceptível de controlo judicial. Como refere Ana Paula Dourado, «a tipificação, seja ela administrativa ou judicial, é, por definição, um método de interpretação e aplicação da lei, de conformação jurídica, de concretização de conceitos legais, e por isso mesmo eles constituem a sua matéria-prima. Se a tipificação contrariar o sentido da lei é ilegal (viola a preferência de lei), e sendo ilegal, não há princípio constitucional que a salve» (cfr. O Principio da Legalidade Fiscal, Almedina, pág. 685).
Se a orientação administrativa não tem o apoio da lei, naturalmente que o recurso improcede.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 18 de Junho de 2013. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.