Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0629/16
Data do Acordão:06/23/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE MAGISTRADO
Sumário:I - O art. 120º, nº 1, 2ª parte do CPTA, prevê actualmente que a providência cautelar seja deferida se for possível formular um juízo de probabilidade de procedência da pretensão a formular na acção principal, uma vez reunidos os restantes requisitos.
II - Significa isto que no regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.
III – Sendo de considerar, sumariamente, que se verifica um dos vícios imputados ao acto suspendendo, deve considerar-se que existe o fumus boni iuris previsto na 2ª parte do nº 1 do art. 120º do CPTA.
IV - A perda do vencimento pelo período da suspensão, impedindo a requerente de manter o seu nível de vida e mesmo de prover às necessidades normais suas e da sua filha não pode ser colmatada com o pagamento posterior do vencimento que auferiria durante o período da suspensão do exercício de funções, e se a pena vier a ser anulada, sendo susceptível de causar prejuízos de difícil reparação à Requerente.
V – Quer esta situação, quer a transferência também determinada pelo acto punitivo determinam para a Requerente o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, já que mesmo com a procedência da acção não será possível reverter os prejuízos que acarreta para a Requerente ver-se privada do seu vencimento pelo período da pena e ter que se deslocar para outro Tribunal, pelo que se deve ter por verificado o requisito do periculum in mora.
VI - Considerando que os factos imputados à Requerente e pelos quais foi punida disciplinarmente são susceptíveis de assumirem em si mesmos alguma gravidade para o prestígio do Ministério Público e a imagem da justiça, o certo é que, se a acção principal improceder, a suspensão de eficácia apenas determinará um retardamento na execução da pena. Já a imediata execução do acto determinará que a Requerente sofra os prejuízos indicados.
VII – Não se estando perante um caso em que o diferimento do cumprimento da pena afecte intoleravelmente o prestígio e imagem do Ministério Público ou ponha gravemente em causa os valores que a Justiça deve prosseguir, devidamente ponderados, aquele interesse público e o interesse privado, em presença, é de concluir que a suspensão de eficácia não causa ao interesse público, um dano superior ao que resulta da sua recusa, pelo que o nº 2 do art. 120º do CPTA não obsta a que seja decretada a providência.
Nº Convencional:JSTA00069773
Nº do Documento:SA1201606230629
Data de Entrada:05/20/2016
Recorrente:A............
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:SUSPEFIC
Objecto:DEL CSMP
Decisão:DEFERIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO - SUSPEFIC.
Área Temática 2:DIR JUDIC - EST MAG.
Legislação Nacional:CPTA02 ART120 N1 N2.
CPA91 ART112.
EDF84 ART42 N1.
L 35/14 DE 2014/06/20 ART203.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0548/05 DE 2006/10/17.; AC STA PROC0148/14 DE 2014/03/20.; AC STA PROC01030/08 DE 2009/01/28.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA LIÇÕES 9ED PAG347.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A…………, Procuradora da República, vem requerer providência cautelar de suspensão de eficácia da “deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (Acórdão) no âmbito do processo nº 9/2015-RMP-PD, que negou provimento à reclamação do Acórdão proferido pela Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público apresentada pela Requerente, mantendo a pena disciplinar de 40 dias de suspensão e transferência para Tribunal ou serviço diferente (…)”, sendo o acórdão do Plenário do CSMP de 1 de Março de 2016.
Em síntese alega quanto aos pressupostos da providência requerida que:
- deve considerar-se verificada a probabilidade da procedência da pretensão a formular no processo principal, nos termos do nº 1, 2ª parte do art. 120º do CPTA, face às ilegalidades que imputa ao acto impugnado, a saber:
a) preterição de formalidade por falta de notificação do despacho que deferiu o pedido de consulta do processo;
b) omissão de notificação dos quesitos e do depoimento prestado pelo Exmo. Juiz Desembargador B…………;
c) prescrição do prazo para instauração do processo disciplinar;
d) omissão de notificação da acusação no prazo de 48 horas;
f) atipicidade da conduta;
g) falta de fundamentação do acórdão do Plenário do CSMP;
h) violação do direito de defesa da arguida, quer na decisão da SD quer na do Plenário;
- deve considerar-se verificado o periculum in mora face ao alegado nos artigos 273º a 311º do requerimento inicial.
- quanto à ponderação de interesses, refere que não só não há qualquer grave prejuízo para o interesse público no decretamento da tutela cautelar, uma vez que nada impede a entidade demandada de executar a pena se e quando a acção for julgada improcedente. Acrescendo que é notória a superioridade dos prejuízos sofridos pela requerente com a execução de deliberação punitiva em face dos eventuais prejuízos que a suspensão de tal medida cause ao interesse público, visto que esta suspensão apenas retarda a execução da pena punitiva – caso a acção venha a ser julgada improcedente – ou até tem a vantagem de impedir que o erário público tenha que suportar uma indemnização – caso a acção venha a ser julgada procedente.

Citada a Entidade demandada veio deduzir oposição defendendo que deve ser indeferida a providência cautelar requerida.

Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. Os Factos
Com interesse para a decisão, consideram-se indiciariamente assentes os seguintes factos:
1 - A Requerente é magistrada do Ministério Público com a categoria de Procuradora da República desde 14 de Setembro de 2000.
2 – Em 25.01.1985 foi colocada como Delegada do Procurador da República na Comarca de ………, em 01.06.1985 foi colocada na Comarca do ………, sendo transferida, a seu pedido, para a Comarca do ………, trabalhando na área do círculo do ……… desde 1987.
3 – Em 1992 foi classificada de Bom o seu serviço na Comarca do ………; em 1999 foi classificada de Bom com Distinção o seu serviço de Procuradora Adjunta no Tribunal de Trabalho do ………; e em 2010 foi classificada de Muito Bom o seu serviço como Procuradora da República no mesmo Tribunal.
4 - Por deliberacão do CSMP de 27.01.2015 foi ordenada a instauração de inquérito disciplinar para averiguação de três queixas apresentadas contra a Requerente, sendo os processos apensados, passando a correr sob o nº 9/2015-RMP-PD.
4 - Em 3 de Julho de 2015 foi a aqui requerente notificada da acusação contra si deduzida no dia 26.06.2015, sendo-lhe imputadas as seguintes condutas:
- não ter aceitado nem patrocinado a queixosa C………… quando faltavam 9 dias para o termo do prazo para intentar a respectiva acção;
- durante uma tentativa de conciliação ter mandado descruzar a perna a D…………;
- ter agido no sentido de influenciar decisões no processo da menor E………… - cfr. fls. 747 a 851 do processo disciplinar (de agora em diante processo instrutor – p.i.).
5 – Por solicitação do Senhor Inspector a Mandatária da aí arguida, ora requerente, apresentou determinados requerimentos via e-mail, sempre através do endereço de e-mail profissional ……@......pt.
6 – Este endereço está certificado na Ordem dos Advogados, tem a sua assinatura digital, é o associado ao seu citius, é o único que tem associado uma conta de MDDE, e é o que consta do site da sociedade para efeitos de contacto com a subscritora do requerimento inicial, tendo esta, em 10.12.2014, informado o IGFEJ nesse sentido e de que pretendia eliminar o endereço ……@adv…pt – cfr. doc. 4, fls. 128 a 132.
7 – Para além de serem enviados através de endereço de e-mail certificado na Ordem e contendo a sua assinatura digital, todos os requerimentos apresentados por esta via têm aposta a sua assinatura electrónica, e foram remetidos com recurso a Marca do Dia Electrónica, vulgo MDDE.
8 – O serviço de MDDE é um serviço prestado pelos CTT e a MULTICERT, que possibilita a utilização do correio electrónico com um elevado grau de segurança e fiabilidade, atribuição de uma “estampilha electrónica” nos envios por correio electrónico, que não só assegura a veracidade da data e hora de envio, como também a integridade e o não repúdio do conteúdo, ou seja, é fornecida uma prova em como o correio electrónico não sofreu alterações.
9 - O Senhor Inspector, representado pelo seu Secretário foi comunicando à mandatária alguns aspectos práticos via e-mail, através de uma conta gmail, sempre para este endereço de e-mail ……@......pt.
10 – As notificações relativas a actos processuais foram sempre realizadas por carta registada ou por fax seguidas de carta registada, conforme as notas de notificação de 04.08.2015 e de 11.08.2015, respectivamente a fls. 883 e 923 do p.i.
11 - Em 11 de Agosto de 2015, a requerente apresentou a sua defesa, na qual invocou, em síntese, que (i) a acusação era nula por omissão de notificação no prazo de 48 horas; (ii) que se encontrava prescrito o prazo para instauração do processo disciplinar relativo à queixosa C…………; e, (iii) que a sua situação não podia ser sancionada porquanto cumprira todos os deveres de diligência, zelo, correcção, isenção e imparcialidade que lhe eram exigíveis – cfr. fls. 857 a 875 do p.i..
12 – A testemunha Juiz Desembargador B…………, arrolada pela arguida no seu requerimento de defesa, exerceu o seu direito a depor por escrito.
13 – O seu depoimento não foi comunicado à arguida por carta registada, fax ou para o endereço de e-mail ……@......pt.
14 – Foi comunicado, em 22.09.2015, para o endereço da Mandatária ……@adv….pt– cfr. fls. 959 do p.i..
15 – No dia 18.09.2015 a arguida apresentou um requerimento com vista à consulta dos autos – cfr. fls. 1111 a 1115 do p.i..
16 – O requerimento de consulta dos autos foi apresentado em suporte informático e dirigido ao endereço do Senhor Secretário, através do endereço……@......pt, por ter sido indicado à Mandatária ser esse o meio indicado para o efeito.
17 – Por acórdão da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, proferido em 03.11.2015 e notificado em 09.11.2015, foi aplicada à Requerente a “pena única de 40 dias de suspensão e a respectiva transferência para cargo idêntico em Tribunal ou serviço diferente”.
18 - Em 4 de Dezembro de 2015, a requerente apresentou reclamação para o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, onde, além do mais, expressamente alegou que não lhe foi permitida a consulta dos autos e que não foi notificada dos quesitos dirigidos à testemunha Juiz Desembargador B………… ou do seu depoimento.
19 - Por acórdão de 1 de Março de 2016, o Plenário do Conselho Superior do Ministério Público indeferiu a reclamação e manteve a pena disciplinar aderindo aos fundamentos constantes do acórdão da Secção Disciplinar do CSMP.
20 – A Requerente nasceu na ……… e foi criada na Comarca do ………, onde estudou e sempre residiu. – cfr. doc. 1, fls. 102.
21 – Os rendimentos provenientes do exercício da sua actividade profissional são os únicos rendimentos da Requerente e a sua única forma de sustento,
22 – Sendo também uma fonte de subsistência para a filha da Requerente, F………… que depende dos mesmos para o respectivo sustento. – cfr. doc. 7, fls. 135/136.
23 – Actualmente, F…………, filha da Requerente, sofre de graves problemas de saúde, estando obrigada a realizar consultas e tratamentos médicos. – cfr. docs. 8 a 20, fls. 135 a 150.
24 – A Requerente tem passado um período muito difícil no acompanhamento dos tratamentos médicos da sua filha, os quais implicam um grande desgaste físico e psicológico.
25 – A transferência do local de trabalho para fora da área do ……… não permitirá o acompanhamento constante e necessário à sua filha, numa altura em que esta precisa do seu apoio.
26- Também a requerente teve um agravamento da sua condição clínica nas suas mãos, apresentando tenossinovite no 3º dedo da mão direita e ruptura do tendão afectando a mobilidade dos restantes dedos, e uma tendinite na mão esquerda.
27 – Situação que a impede de conduzir em segurança.
28 - O agravamento da sua doença profissional determinou que tenha dado entrada em urgência hospitalar em 20 de Janeiro, onde lhe foi recomendado imediato repouso às duas mãos.
29 – Nessa sequência esteve de baixa entre 20.01 e 12.02. 2016,
30 – Tendo pedido, em 20 de Janeiro de 2016, a reavaliação da sua situação clínica à CGA, ou seja, a realização de nova junta médica,
31– Após curta apresentação ao serviço teve recaída estando ainda de baixa (o requerimento inicial foi enviado em 19.05.2016).
32 - O processo disciplinar ora em causa foi e é do conhecimento generalizado no Tribunal do ……… por força do elevado número de funcionários judiciais, procuradores e juízes inquiridos – cfr. fls. 401 e ss., 480 e ss. e 593 e ss. do p.i..


3. O Direito
Como acima ficou dito, na presente providência a Requerente vem pedir a suspensão de eficácia da deliberação do plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 1 de Março de 2016, que, indeferindo a reclamação por si apresentada, manteve a pena disciplinar de 40 dias de suspensão e a respectiva transferência para cargo idêntico em Tribunal ou serviço diferente.
Conforme decorre do art. 120º do CPTA, são requisitos do procedimento cautelar administrativo:
- O periculum in mora, traduzido no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação (nº 1, 1ª parte do art. 120º do CPTA).
Com efeito, para o decretamento da tutela cautelar, tem o Tribunal de descortinar indícios de que essa intervenção preventiva é necessária para impedir a consumação de situações lesivas, que, de outro modo, resultariam com a demora do processo principal. Esse juízo judicial terá que ser baseado na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efectiva, e não uma mera conjectura;
- O fumus boni iuris, que se traduz num dever de o juiz avaliar, em termos sumários, a probabilidade da procedência da acção principal (nº 1, 2ª parte do referido art. 120º);
- Por último, e caso se verifiquem aqueles dois requisitos cumulativos, o critério de proporcionalidade estabelecido no nº 2 do art. 120º, que funciona como limite, obrigando a uma «ponderação dos danos e prejuízos que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar». (v. Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, 9a ed., Almedina, pág. 347 e seg.).
No caso presente no requerimento inicial vêm invocadas as ilegalidades acima elencadas, as quais a Requerente profusamente trata no seu requerimento inicial, com a descrição dos factos e infracções que lhe são imputados e dos motivos pelos quais entende que as suas condutas não foram devidamente apreciadas, tendo o processo disciplinar incorrido naqueles vícios.
Face a todo o alegado defende a Requerente nos artigos 270º a 272º que deve dar-se como verificada a probabilidade de procedência da acção principal de impugnação a instaurar.
Por sua vez o Requerido defende que o acto suspendendo não enferma de nenhum dos vícios que a Requerente lhe atribui, não sendo possível considerar preenchido o fumus boni iuris que se exige nos termos do art. 120º, nº 1, 2ª parte do CPTA, pelo que deverá ser recusada a providência.

O art. 120º, nº 1, do CPTA, prevê actualmente que a providência cautelar seja deferida se for possível formular um juízo de probabilidade de procedência da pretensão a formular na acção principal (uma vez reunidos os restantes requisitos).
Significa isto que no regime do CPTA a decisão a proferir sobre o pedido de suspensão de eficácia exige que o julgador constate se há probabilidade de que a acção principal seja procedente, o que implica a probabilidade da ilegalidade do acto ou da norma.
No caso em apreço não cabe proceder à análise de todos os vícios invocados, ainda que apenas com vista a avaliar da sua probabilidade, constituindo essa apreciação uma antecipação de juízos sobre o objecto da acção a intentar, assim se invadindo uma área que há-de ser tratada no processo principal.
Com efeito, a simplicidade, provisoriedade e sumariedade, face à urgência que caracteriza este meio cautelar, não se coadunem com a ideia de que os vícios devam ser apreciados exaustivamente, até porque tal apreciação envolveria, no presente caso, uma análise cuidada do processo disciplinar, mormente de toda a prova aí recolhida e da tramitação desse processo, de forma a poder aferir-se dos invocados vícios do processo disciplinar e do acto suspendendo.
No entanto, sempre será de exigir que possa formular-se um juízo positivo de probabilidade da procedência da pretensão.
No caso, no que respeita à invocada omissão de notificação dos quesitos e do depoimento prestado pela testemunha Juiz Desembargador B………… afigura-se-nos ser já possível formular um juízo sumário e perfunctório de probabilidade sobre a omissão dessa notificação.
Com efeito, dispõe o art. 112º do CPA que:
1 – As notificações podem ser efetuadas:
a) Por carta registada, dirigida para o domicílio do notificado ou, no caso de o ter escolhido para o efeito, para outro domicílio por si indicado;
(…)
c) Por telefax, telefone, correio eletrónico ou notificação eletrónica automaticamente gerada por sistema incorporado em sítio eletrónico pertencente ao serviço do órgão competente ou ao balcão único eletrónico;
(…)
2 – As notificações previstas na alínea c) do número anterior podem ter lugar nos seguintes casos:
(…)
b) Mediante o consentimento prévio do notificando, nos restantes casos.
(…)”.
A Requerente afirma que não houve prévio consentimento para a notificação por correio electrónico, estando provado que as notificações de diversos actos processuais foram realizadas por carta registada.
No entanto, mesmo que se considere que a “prática” no processo disciplinar permitia a notificação com recurso ao correio electrónico, não há dúvidas de que o endereço utilizado para a notificação do depoimento da testemunha e matéria a que a mesma depusera não era o correcto, conforme resulta do probatório.
A falta de notificação do mandatário para assistir à inquirição das testemunhas arroladas constitui omissão de formalidade essencial a uma defesa adequada, a qual o Pleno deste Supremo Tribunal, no acórdão de 17.10.2006, Processo nº 0548/05, já qualificou como nulidade insuprível prevista na 2ª parte do nº 1 do art. 42º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL nº 24/84, de 16/1 (agora prevista no art. 203º, nº 1 da Lei nº 35/2014, de 20/6), à qual pode ser equiparada a falta de notificação dos factos perguntados à testemunha que depôs por escrito e o teor do seu depoimento.
Mas mesmo que não se entenda que esta falta de notificação constitui nulidade insuprível, nos termos do nº 1 do art. 203º da Lei nº 35/2014, sempre consubstanciará nulidade prevista no nº 2 do mesmo preceito, que não se pode considerar suprida ao ter sido invocada pela requerente quando lhe foi notificado o acórdão da Secção Disciplinar do CSMP, sendo objecto da reclamação que dirigiu ao Plenário daquele Conselho Superior.
Nestes termos, sendo de considerar, sumariamente, que se verifica um dos vícios imputados ao acto suspendendo, deve considerar-se que existe o fumus boni iuris previsto na 2ª parte do nº 1 do art. 120º do CPTA.

Quanto ao periculum in mora, pode assumir ou a vertente de fundado receio de constituição de facto consumado, ou a da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
No caso presente estamos perante a produção de prejuízos de difícil reparação e o receio de constituição de facto consumado.
Com efeito, a requerente alegou e provou a este respeito que a imediata execução do acto suspendendo acarretará danos patrimoniais, visto que fica privada do seu vencimento, sua única fonte de rendimento, durante o período da pena disciplinar de suspensão do exercício de funções por 40 dias, pelo que não terá condições económicas para nesse período suprir as necessidades do seu agregado familiar.
Alegou a requerente que os rendimentos provenientes do exercício da sua actividade profissional são os únicos rendimentos que aufere e a sua única forma de sustento. E que tais rendimentos são também uma fonte de subsistência para a filha da Requerente que depende dos mesmos para o seu sustento.
Com efeito, resulta dos documentos juntos aos autos que a filha da Requerente tem problemas de saúde, tendo sido submetida a uma intervenção cirúrgica, tendo necessidade de ser submetida a tratamento para descompressão discal, composto por vários actos médicos, tendo entre 18.02.2016 e 18.03.2016 sido submetida a três tratamentos, cada um deles no valor de 600 euros (cfr. doc. 13, 16, 18, 19 e 20).
É certo que não é possível dar como provado que o custo destes tratamentos foi suportado pela Requerente, visto que os respectivos recibos se encontram em nome da sua filha.
No entanto, tendo-se dado como provado que os rendimentos de trabalho da Requerente são também uma fonte de sustento da sua filha, é um dado da experiência comum que tais rendimentos ajudem a suportar os tratamentos de que aquela necessita.
Assim sendo, a execução do acto suspendendo implicará que deixe de dispor do único rendimento que assegura o seu sustento e ajuda no da sua filha, colocando a requerente numa situação de produção de prejuízos de difícil reparação.
Efectivamente, a perda do vencimento pelo período da suspensão, impedindo a requerente de manter o seu nível de vida e mesmo de prover às necessidades normais suas e da sua filha não pode ser colmatada com o pagamento posterior do vencimento que auferiria durante o período da suspensão do exercício de funções, e se a pena vier a ser anulada.
Constitui jurisprudência pacífica deste STA, que “a privação do vencimento de um funcionário ou agente do Estado e, designadamente de um magistrado, em consequência da imediata execução do acto punitivo que o afaste de funções, causa prejuízos irreparáveis ou, pelo menos, de difícil reparação ao visado com esse acto, se tal privação diminuir drasticamente o seu nível de vida ou do seu agregado familiar, pondo em risco a satisfação das necessidades normais, correspondentes ao padrão de vida médio das famílias de idêntica condição social” (cfr. neste sentido, v.g., os Acórdãos deste STA de 28.01.2009, Proc. 1030/08 e de 20.03.2014, proc. 0148/14).
Aplicando esta jurisprudência ao caso dos autos, temos que concluir que a perda da remuneração por parte da Requerente, durante o período de suspensão do exercício de funções de 40 dias, é susceptível de causar prejuízos de difícil reparação à Requerente.
Ao que acresce que, quer esta situação, quer a transferência também determinada pelo acto punitivo determinam para a Requerente o fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, já que mesmo com a procedência da acção não será possível reverter os prejuízos que acarreta para a Requerente ver-se privada do seu vencimento pelo período da pena e ter que se deslocar para outro Tribunal, até face ao seu próprio estado de saúde, pelo que se deve ter por verificado o requisito do periculum in mora.
Estando preenchidos os requisitos cumulativos previstos no nº 1 do art. 120º do CPTA, haverá que proceder à ponderação a que obriga o nº 2 do referido art. 120º.
Alegou a requerente nos artigos 312º a 321º do seu requerimento inicial que inexistem prejuízos para o interesse público com a concessão da providência, existindo mesmo um prejuízo com a sua saída, face à falta de meios humanos e a excessiva pendência processual.
Na sua oposição o Requerido invocou que a Requerente não tem razão para estar preocupada, falhando a sua alegação por completo, já que não é insubstituível, e, ao CSMP caberá cuidar de prover o Tribunal com os recursos humanos necessários ao exercício da competência que lhe está conferida.
Mais alega que a conduta da Requerente, quer no que respeita ao seu relacionamento funcional com os utentes da justiça, quer no que respeita ao seu envolvimento no processo de confiança da menor E…………, colocou em causa valores da justiça de tal forma que chocou a sensibilidade de funcionários e magistrados do Tribunal, criando uma situação de mal-estar, e foi valorada negativamente pelos utentes da justiça, sendo do interesse público a afirmação de uma reacção tempestiva de censura do órgão com poder disciplinar sobre a Requerente, e a constatação de que a Requerente foi responsabilizada disciplinarmente.
Tem razão o Requerido quando considera que não cabe à Requerente preocupar-se com a sua substituição. Essa função cabe, sem dúvida, ao Requerido.
Mas não é esse interesse que cabe ponderar enquanto atinente à requerente. O interesse que lhe diz respeito é o de não se ver, pelo menos por enquanto, privada do seu vencimento e não ser transferida, o que lhe acarreta os prejuízos já indicados.
Os factos imputados à Requerente e pelos quais foi punida disciplinarmente são susceptíveis de assumirem em si mesmos alguma gravidade para o prestígio do Ministério Público e a imagem da justiça (mormente os respeitantes ao seu envolvimento no processo de confiança da menor, a comprovar-se), mas, o certo é que, se a acção principal improceder, a suspensão de eficácia apenas determinará um retardamento na execução da pena. Já a imediata execução do acto determinará que a Requerente sofra os prejuízos referidos supra.
Quanto ao dano para o interesse público prosseguido pelo Requerido, afigura-se-nos, no caso concreto, menos relevante.
O CSMP exerceu em devido tempo e com brevidade os seus poderes disciplinares, o que é, seguramente, do conhecimento dos envolvidos, magistrados judiciais e do Ministério Público e oficiais de justiça do Tribunal do ……… . E, não estamos perante um caso em que o diferimento do cumprimento da pena afecte intoleravelmente o prestígio e imagem do Ministério Público ou ponha gravemente em causa os valores que a Justiça deve prosseguir.
Assim, no caso concreto devidamente ponderados, o interesse público e o interesse privado, em presença, é de concluir com segurança que a suspensão de eficácia não causa ao interesse público, um dano superior ao que resulta da sua recusa, pelo que atento o disposto no nº 2 do art. 120º do CPTA não há obstáculo a que seja decretada a providência.

Pelo exposto, acordam em:
a) - deferir a providência cautelar requerida, suspendendo a eficácia da deliberação em causa, até decisão final da acção principal;
b) - condenar o Requerido nas custas.

Lisboa, 23 de Junho de 2016. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – José Francisco Fonseca da Paz - Vítor Manuel Gonçalves Gomes.