Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01448/15
Data do Acordão:04/14/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:ÂMBITO DO PROCESSO EXECUTIVO
EXECUÇÃO DE JULGADO
RECONSTITUIÇÃO DA SITUAÇÃO ACTUAL HIPOTÉTICA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - O processo previsto no art.º 173.º do CPTA destina-se a, primacialmente, a “reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado” e só depois, reconstituída aquela situação, a ressarcir outros danos causados por aquele acto.
II - Deste modo, encontrando-se já satisfeita a primeira daquelas finalidades, não fará sentido propor acção executiva visto que esta já não se poderia destinar a obter a reconstituição da situação hipotética — fundamento primeiro dessa acção — e sem a formulação desse pedido a mesma ficaria privada da sua razão de ser.
Nº Convencional:JSTA00069654
Nº do Documento:SA12016041401448
Data de Entrada:12/11/2015
Recorrente:A.....E OUTRO
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ÉVORA
Votação:UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT- EXECUÇÃO DE JULGADO
Legislação Nacional:CPTA02 ART173 N1 N2 ART176 N1 N2 ART178 N1 ART179 N1 ART175 ART163 ART45 N5 ART47.
CCIV66 ART566 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0913/08 DE 2010/03/25.; AC STA PROC045899A DE 2010/03/17.; AC STAPROC01067/06 DE 2007/02/15.; AC STA PROC0909/07 DE 2008/01/16.; AC STA PROC047307A DE 2015/05/07.
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA E FERNANDES CADILHA - COMENTÁRIO AO CPTA NOTA 4 ART176 E ANOTAÇÃO AOS ARTS166 A 175.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A………….. e marido B……requereram, contra o Município de Évora, a execução do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 10/05/2007 (rec. 01082/06) que anulou a deliberação da Assembleia Municipal de Évora, de 11.05.2001, que declarou a utilidade pública da expropriação urgente dos terrenos necessários à construção da variante à EN 18 que abrangia dois prédios dos Recorrentes (a "…………." e o "…………..") na qual pediram condenação do executado a cumprir aquele Acórdão, cumprimento esse que deveria consistir na prática dos seguintes actos e operações:
a) Reparação de todos os danos emergentes e lucros cessantes suportados pelos Exequentes, desde 2001 até ao presente, nos termos indicados nos art.ºs 22º e seg.s da petição inicial.
b) Pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento daquele Acórdão em valor diário não inferior a 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor à data da decisão condenatória que vier a ser proferida:

O T.A.C. de Lisboa considerou que aquele pedido era legalmente inadmissível, por extravasar o âmbito próprio do processo executivo. Ocorria, assim, erro na forma de processo e sendo impossível convolá-lo na forma processual adequada – a acção administrativa comum - importava anular todo o processado. Em consequência, absolveu o Réu da instância.

Os Exequentes recorreram para o TCA Sul mas sem êxito já que este negou provimento ao recurso e manteve a decisão do Tribunal de 1.ª instância.

É desta decisão que vem o presente recurso no qual foram formuladas as seguintes conclusões:
A - DA ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO
1. É manifesta a admissibilidade do presente recurso, pois verificam-se in casu todos os pressupostos da revista excepcional, fixados no art. 150° do CPTA (vd. Acórdãos STA de 2007.02.15, Proc.º 01067/06 (Rel. Cons. Costa Reis); de 2011.04.13, Proc 01032/10 (Rel. Cons. Isabel Marques da Silva); de 2010.03.17, Proc.º 45899-A (Rel. Cons. Adérito Santos); e de 2004.07.07, Proc.º 046544B (Rel. Cons. Jorge de Sousa, todos in www.dgsi.pt) - cfr. texto n°s. 1 e 2;
2. No presente processo os ora recorrentes pretendem que sejam apreciadas e decididas as seguintes questões:
a) O processo de execução de julgados constitui o meio processual legalmente próprio e adequado à reconstituição da sua situação hipotética actual e ao ressarcimento de todos os prejuízos decorrentes da prática do acto anulado (v. art.ºs 47°, 173°, 176° e 179° do CPTA; cfr. art. 6° do ETAF/85 e art.ºs 24° e seg.s da LPTA)
b) Inconstitucionalidade das normas constantes dos art.ºs 173°, 176° e 179º do CPTA com o sentido e dimensão normativa que lhes foi atribuído no douto Acórdão recorrido, por violação dos princípios do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, que pressupõem um processo equitativo, da protecção da confiança e da segurança jurídica, consagrados nos art.ºs 2°, 18°, 20°, 204°, 212°/3 e 268°/4 da CRP - cfr. texto n.ºs 3 e 4;
3. As referidas questões revestem-se de importância fundamental, pela sua relevância jurídica e social, sendo a admissão do presente recurso claramente necessária ainda para uma melhor aplicação do direito (vd. art. 150° do CPTA -cfr. texto n.ºs 5 e 6);

B - DAS QUESTÕES JURÍDICAS
BA - DA PROPRIEDADE DO PRESENTE MEIO PROCESSUAL

4. No presente processo os ora recorrentes peticionaram a condenação do Município de Évora no pagamento de indemnização pelos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes dos actos que determinaram a expropriação dos imóveis em causa (v. alínea a) do petitório e art.ºs 22° a 52° do r.e.) - no qual se englobam, além do mais, “os encargos e despesas com processos judiciais, bem como pelos honorários que serão devidos aos advogados constituídos(vd. art. 38° do r. e.) - e no pagamento de sanção pecuniária compulsória (v. alínea b) do petitório) cfr. texto n.ºs 8 e 9;
5. Conforme tem decidido este Venerando Supremo Tribunal “reparação de todos os danos resultantes da prática de um acto administrativo judicialmente anulado terá de ser feita através do referido processo de execução e é a este, e só a este, que o interessado tem de recorrer na falta de cumprimento espontâneo do julgado por parte da Administração (v. Ac. STA de 2007.02.15, Proc.º 01067/06 (Rel. Cons. Costa Reis); cfr. Acs. STA, de 2011.04.13, Proc.º 01032/10 (Rel. Cons. Isabel Marques da Silva); de 2010.03.17, Proc 45899-A (Rel. Cons. Angelina Domingues); e de 2004.07.07, Proc.º 046544B (Rel. Cons. Jorge Sousa), todos in www.dgsi.pt) tanto mais que tal pedido indemnizatório não podia ser e não foi deduzido no recurso contencioso de anulação intentado em 2001, que culminou com a anulação jurisdicional da deliberação da Assembleia Municipal de Évora, de 2001.05.11 (v. art. 20° da CRP, art. 6° do ETAF 85 e arts. 24° e segs. da LPTA) - cfr. texto n°. 9;
6. O douto Acórdão recorrido enferma de manifestos erros de julgamento, pois o presente processo constitui o meio processual próprio e adequado ao ressarcimento dos prejuízos decorrentes da prática do acto anulado, conforme resulta dos arts. 47°, 173°, 176° e 179° do CPTA, e tem sido decidido por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo - cfr. texto nºs 9 e 10;

BB - DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 173°. 176° e 179° DO CPTA
7. Os art.ºs 173°. 176° e 179° do CPTA, com o sentido e dimensão normativa que lhes foi atribuído no acórdão recorrido, são manifestamente inconstitucionais por violação dos princípios do acesso ao direito, da tutela judicial efectiva, que pressupõe um processo equitativo, e da protecção da confiança e da segurança jurídica, enunciados nos art.ºs 2°, 18°, 20°, 204°, 212°/3 e 268°/4 da CRP e concretizados nos art.ºs 2°, 7°, 47°, 76° e 176°/3 do CPTA - cfr. texto nºs 11 a 14.

Não foram apresentadas contra alegações


FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos:
1) Os Exequentes são proprietários do prédio denominado "…………….", sito no Bairro …………., em Évora, inscrito na matriz predial da freguesia …………, sob o artigo 8 da Secção E, com a área total de 77.000 m2; e do prédio denominado "………….", sito em Évora, inscrito na matriz predial da freguesia …………., sob o artigo 348 da Secção E, com a área total de 54.500m2.
2) Os referidos prédios estavam abrangidos pela expropriação determinada por deliberação da Assembleia Municipal de Évora, de 11.05.2001, que declarou a utilidade pública da expropriação urgente dos terrenos necessários à construção da variante à EN 18 - Ramo Norte (Troço) - Via de Cintura, Ramo Norte, ligação entre a Variante à EN18 (Ramo Norte) e as Portas de Aviz, bem como dos terrenos circundantes destinados à execução de edificações.
3) Por deliberação da Assembleia Municipal de Évora, de 11.05.2001( Apesar desta ser a data que consta da matéria de facto do Acórdão recorrido certo é que se trata de manifesto lapso visto tal deliberação ter tido lugar em 28/09/2002.) foi aprovada a proposta da Câmara Municipal de Évora de "Alteração de Declaração de Utilidade Pública com vista à expropriação dos terrenos necessários à construção da variante à EN18 - Ramo Norte (Troço) - Via de Cintura, Ramo Norte, ligação entre a Variante à ENI8 (Ramo Norte) e as Portas de Aviz, bem como dos terrenos necessários circundantes destinados à execução de edificações", abdicando da expropriação dos terrenos necessários à construção da faixa adjacente à via em si, para edificações, mantendo apenas a expropriação dos terrenos necessários à construção da via em si.
4) No âmbito do processo de recurso contencioso com o n.º 628/01, ao qual a presente execução se encontra apensa, em que foram Recorrentes os aqui Exequentes e Recorrida a Assembleia Municipal de Évora, foi proferido acórdão pelo STA, em 10.05.2007 que, concedendo provimento ao recurso que vinha interposto da sentença proferida em 1.ª instância, anulou a referida deliberação da Assembleia Municipal de Évora, de 11.05.2001, com fundamento no facto de o procedimento expropriativo ter violado o preceituado no artigo 12º, nº 1, al. d), do Código das Expropriações, por se ter mostrado provado que a entidade expropriante (Câmara Municipal) remeteu à Assembleia Municipal o pedido de declaração de utilidade pública urgente sem o instruir com qualquer programa de trabalhos.
5) Os Exequentes, entre outros, celebram escritura de troca e permuta com o Município de Évora, em 31.07.2007, na qual foi objecto de permuta, além do mais, duas parcelas de terreno a desanexar do prédio denominado ………….. (doc. fls. 50/52 dos autos.)
6) A presente execução deu entrada em juízo em 25.03.2008.



II. O DIREITO
Resulta do antecedente relato que a Assembleia Municipal de Évora, por deliberação de 11.05.2001, declarou a utilidade pública da expropriação urgente dos terrenos necessários à construção da variante à EN 18 que abrangia dois prédios dos Recorrentes a "……….." e o "………….." – e que esse acto foi anulado pelo Acórdão deste Supremo de 10.05.2007 (rec. 1082/06). Na sequência dessa decisão os Exequentes e o Município de Évora celebraram, em 31.07.2007, escritura de permuta na qual foram integradas duas parcelas de terreno a desanexar do prédio “………….”.

Invocando nunca terem recebido qualquer indemnização pela expropriação daqueles prédios, situação durou por quase 6 anos e que tal “impediu a sua alienação em condições normais de mercado”, os Exequentes intentaram a presente acção pedindo a execução integral da referida decisão anulatória a qual, além do mais, implicaria:
“a) A reparação de todos os danos emergentes e lucros cessantes, por não ter vendido o imóvel em condições normais de mercado e não ter sido possível o licenciamento ou autorização de loteamento, construção ou quaisquer obras, enquanto se manteve em vigor a d.u.p. (art.º 24.º/1/b) do DL 555/99).
b) A reparação dos danos extra patrimoniais, sofridos e suportados pelos exequentes, resultantes da angústia e incerteza com a decisão final do processo.
c) A realização de todas as demais providências necessárias à reconstituição da situação actual hipotética dos ora exequentes (vd. art.º 20.º e 265.º da CRP; cf. art.ºs 173 e 176.º/3 do CPTA), designadamente o pagamento de todos os encargos e despesas que tiveram com a interposição do recurso contencioso e com a presente execução.

Sem sucesso já que o TAC de Lisboa decidiu:
“a) Considerar legalmente inadmissível o pedido de indemnização fundado em responsabilidade civil por acto ilícito formulado pelos Exequentes através do presente processo de execução de sentença de anulação por se tratar de pedido que, extravasando o âmbito próprio do processo executivo, deve ser deduzido em acção administrativa comum;
b) Considerar verificado o apontado erro na forma de processo, bem como a impossibilidade de convolação dos autos na forma processual adequada, por total inidoneidade da petição inicial e consequente anulação de todo o processado.
c) Em consequência, absolver o Réu da instância, sem prejuízo do disposto nos art.ºs nos artigos 279º do CPC 2013 (correspondente ao artigo 289º na versão anterior do CPC) e 323º, 327º e 332º do C. Civil.”

Decisão que o TCA Sul sufragou.
Para tanto - remetendo para o Acórdão do mesmo Tribunal, de 5/06/2008 (rec. 03049/07) - considerou:
“O conteúdo do dever de executar uma sentença anulatória de acto administrativo não se confunde com a reparação dos eventuais danos causados por esse acto, ainda que possam coexistir.
……….
Pelo contrário, o instituto da responsabilidade civil não tem por escopo a satisfação do direito do lesado, visando apenas reparar os danos por este sofridos, colocando-o em situação equivalente àquela em que ele se encontraria se o facto lesivo não se tivesse verificado (cfr. Mário Aroso de Almeida, ob. cit., pg. 457).
Da conjugação dos n.ºs 1, 2, al. b) e 3, todos do art. 47.º do CPTA, resulta claramente que o pedido de reparação de danos causados por um acto administrativo ilegal não se confunde com o pedido de reconstituição da situação actual hipotética e que, embora ambos possam ser cumulados com o pedido de anulação, aquela pretensão da reparação de danos não pode ser accionada no âmbito do processo de execução da sentença de anulação (cfr. referido nº 3 do art. 47.º, que alude apenas aos pedidos mencionados no nº 2 desse preceito).
Assim, são distintos o direito à execução e o direito à reparação dos danos de acordo com as regras da responsabilidade civil, sendo o processo previsto nos art.ºs 173º a 179º do CPTA o próprio para fazer valer em juízo apenas aquele direito.

Entendimento que considerou reforçado pelo Acórdão de 05/12/2013 (rec. 10148/13) do mesmo TCA, do qual transcreveu a seguinte passagem:
Ou seja, a indemnização peticionada, que se reconduz a uma indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual do Município, por facto ilícito e culposo, não pode ter lugar através do presente processo executivo.
Não pode ter lugar, primeiro, porque não derivaram da sentença anulatória - tomada no âmbito do anterior recurso contencioso de anulação, em que apenas se concedia ao tribunal poderes cassatórios - quaisquer pronúncias ou factos que permitam prosseguir a presente execução aferindo da existência e quantitativo daqueles danos.
Segundo, porque se considera, que não obstante o novo CPTA permitir a abertura de uma fase declarativa, enxertada no processo de execução, este não é o meio adequado para fazer valer um pedido indemnizatório por responsabilidade civil por facto ilícito, com a complexidade inerente ao mesmo, como ocorre no presente caso. Para o efeito deve o particular interessado socorrer-se da acção administrativa comum e não de utilizar a acção de execução de sentenças de anulação de actos administrativos. Isto porque, o processo de execução não está funcional e estruturalmente concebido para nele serem formulados novos e autónomos pedidos indemnizatórios decorrentes de responsabilidade civil por factos ilícitos. A fase declarativa que pode ocorrer no processo de execução, face à tramitação e prazos aí previstos, terá de ser abreviada ou sumária, o que não é necessariamente compatível com a complexidade de tal pedido indemnizatório, que pode exigir uma ampla e complexa indagação factual, com a produção de prova testemunhal (ou eventualmente pericial) a isso inerente, nomeadamente, para a averiguação do nexo de causalidade e dos danos efectivamente verificados.”

Ou seja, o Acórdão recorrido fundou o seu julgamento na convicção de que havia que separar o pedido de reconstituição da situação actual hipotética do pedido de reparação de danos causados pela prática de um acto ilegal e que, muito embora essas pretensões pudessem ser cumuladas com o pedido anulatório, certo é que a pretensão ressarcitória não podia ser accionada no âmbito do processo regulado nos art.ºs 173º a 179º do CPTA por este não se destinar a indemnizar o exequente pelos prejuízos causados pelo acto anulado mas, unicamente, a reconstituir a situação da situação em que ele se encontraria se o acto anulado não tivesse sido praticado. O que não afrontava “os princípios constitucionais do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, dado os recorrentes terem à sua disposição o meio processual próprio para fazer valer a pretensão indemnizatória que, indevidamente, formularam em sede de execução de sentença, a acção administrativa comum.”

É desta decisão que vem a presente revista.
Vejamos, pois.

1. É sabido que, anulado o acto impugnado, a Administração tem o dever de executar espontaneamente essa decisão e que, se tal não suceder, o interessado pode requerer a sua execução judicial a qual, não sendo possível a prática de um novo acto, passa pela reconstituição da “situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado (art.ºs 173.º/1 e 176.º/1 e 2 do CPTA). O que quer dizer que, por via de regra, a execução do julgado passa pela prática, por parte da Administração, dos actos jurídicos e operações materiais necessárias a colocar o Exequente na situação que ele teria se, em vez do acto anulado, tivesse sido praticado o acto legal. Tarefa que pode exigir a prática de actos dotados de eficácia retroactiva, desde que estes não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, e obrigar a Administração a “remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação (art.ºs 173.º/2 e 176.º/1 e 2 do CPTA).
Deste modo, anulado o acto, a primeira obrigação da Administração é a de colocar o exequente na situação que por direito lhe cabe, ainda que essa reintegração possa exigir a prática de actos dotados de eficácia retroactiva e colidir com os direitos de terceiros de boa fé (art.º 173.º/2 e 3 do CPTA). Só lhe sendo lícito libertar-se dessa obrigação quando a mesma for impossível ou dela resultar grave prejuízo para o interesse público e, portanto, quando, por essa razão, se justifique o decretamento de existência de causa legítima de inexecução. O que tem por efeito a imediata paralisação da obrigação de reconstituir a situação actual hipotética (art.º 178.º/1).
É, assim, claro que a execução do julgado é uma tarefa bem mais complexa do que aquela que, numa análise mais ligeira, poderia parecer uma vez que, por regra, a mesma envolverá a prática de múltiplos actos jurídicos e operações materiais, actos e operações essas que não tendo sido objecto do pedido formulado no processo impugnatório e, portanto, não tendo sido identificados na decisão aí proferida, terão de ser fixados no procedimento executivo.

2. Por ser assim, e porque, maioritariamente, a pretensão anulatória não é cumulada com o pedido de condenação à prática dos actos destinados à plena reintegração da ordem jurídica violada, o processo previsto no art.º 173.º e seg.s do CPTA não foi previsto como um procedimento executivo tout court destinado a executar o que se decidiu no processo impugnatório, isto é, destinado a materializar o título executivo ali obtido. E não o podia ser já que, constituindo, por princípio, a decisão proferida na acção administrativa uma decisão meramente declaratória - anula-se o acto impugnado -, importará identificar os passos que em que essa anulação se irá traduzir, tarefa nem sempre fácil a ser definida no processo regulado nas apontadas normas. Daí que o mesmo este esteja estruturado, numa primeira fase, como um processo declarativo que visa identificar os actos e operações materiais que reconstituirão a situação actual hipotética os quais, muito embora o pudessem ter sido, não foram objecto do pedido formulado no processo impugnatório. Por ser assim tem sido dito, com inteira propriedade, que este processo se caracteriza “por uma estrutura dicotómica que parte de uma necessária fase declarativa, para chegar, se for caso disso, a uma eventual fase executiva. A primeira fase é indispensável, porque, como se trata de discutir questões que ainda não foram objecto da apreciação de um Juiz, há que começar por identificar o conteúdo dos deveres em que a Administração ficou constituída por efeito da sentença e proceder à condenação da Administração ao cumprimento desses deveres, no âmbito de um litígio entre as partes. A segunda fase é eventual porque já se destina a proporcionar ao interessado o resultado pretendido, em fase executiva, na eventualidade de a Administração não ter cumprido os deveres que lhe foram impostos em fase declarativa.”M. Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, 2010, pg. 524.
E essa natureza declaratória revela-se, de forma nítida, não só no n.º 3 do art.º 176.º, que exige que o Exequente especifique, na petição inicial, “os actos e operações em que considera que a execução deve consistir, podendo, para o efeito, pedir a condenação da Administração ao pagamento de quantias pecuniárias(Sublinhado nosso.), à entrega de coisas, à prestação de factos ou à prática de actos administrativos”, como nos n.ºs 1 e 2 do art.º 177.º onde se estabelece o processamento do contraditório como, sobretudo, no conteúdo da sentença por esta ter de identificar os actos e operações que a Administração deve executar tendo em vista a colocação do Exequente situação que ele teria se, em vez do acto anulado, tivesse sido praticado o acto legal e, sendo caso disso, ter de condenar o Executado no pagamento de quantias pecuniárias (art.º 179.º/1).
O que evidencia que o processo executivo regulado nos art.ºs 173.º e seg.s do CPTA é mais complexo do que o Acórdão recorrido supôs uma vez que, ao invés do que dele parece transparecer, e como é pacífico, o mesmo não se destina unicamente a concretizar um título executivo previamente obtido.

3. E é aqui que surge a questão que se coloca neste recurso que é a de saber até onde pode o Exequente ir no pedido (ou nos pedidos) a formular no processo executivo. Ou, dito de forma diferente, a de saber quais são os limites que balizam este processo tendo em vista o correcto cumprimento da sentença anulatória e, por via disso, a plena reintegração da legalidade violada. Caberá no mesmo o pedido de ressarcimento de todos os danos – materiais e/ou morais - causados pelo acto anulado? Ou o mesmo destinar-se-á, unicamente, a reintegrar o Exequente na situação a que tem direito sem que dessa reintegração possa fazer parte o ressarcimento de todos os danos causados?

O Acórdão sob censura optou pelo segundo segmento desta alternativa por ter entendido que o processo regulamentado nas citadas normas se destinava, apenas e tão só, à reconstituição da situação actual hipotética e, quando tal fosse impossível ou causasse grave dano ao interesse público, a indemnizar o Exequente pela não reconstituição daquela situação. A execução não era, assim, o meio adequado para fazer valer um pedido indemnizatório reparador de todos os danos causados pelo facto ilegal por tal pedido só poder ser satisfeito através da acção administrativa comum e não da acção de execução de sentenças de anulação de actos administrativos. Daí que tivesse concluído que os Recorrentes se haviam equivocado quando intentaram esta execução para obter a satisfação das pretensões nele formuladas, o que determinou a absolvição da Administração da instância.
Só que esse entendimento não pode ser sufragado.
Vejamos porquê.

4. Já sabemos, e neste ponto existe unanimidade, que o processo gizado nos art.ºs 173.º e seg.s do CPTA tem como primeira prioridade reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como a dar cumprimento aos deveres que, por sua causa, não foram cumpridos e que, ocorrendo a impossibilidade desse cumprimento ou se dele resultar grave prejuízo para o interesse público, importa declarar a existência de causa legítima de inexecução e iniciar os procedimentos conducentes ao ressarcimento dos danos sofridos pelo Exequente (art.º 178.º/1).
Neste último caso - isto é, ocorrendo causa legítima de inexecução - o Tribunal deve notificar a Administração e o Exequente para que estes, no prazo de 20 dias, acordem o montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, o que tem levado parte da jurisprudência deste Tribunal a considerar que esta indemnização visa apenas compensar o Exequente pelo facto de já não ser possível colocá-lo na situação que por direito lhe pertencia e, correspondentemente, de libertar a Administração de cumprir essa obrigação. O que significa que, nessa interpretação, os únicos danos que aquela indemnização visa reparar são os resultantes do direito à execução se ter frustrado, isto é, ressarcir aquilo que parte da doutrina e da jurisprudência vem chamando de expropriação do direito à execução ou de perda de uma oportunidade. (vd. art.ºs 175.º, 176.º, 163.º e 178.º do CPTA (Vd, a propósito, o art.º 566.º/1 do CC.).) Neste entendimento a impossibilidade de reconstituição da situação hipotética, independentemente de outros danos eventualmente decorrentes da prática do acto anulado, constituía um dano real de contornos autónomos e bem definidos que importaria indemnizar por si só, reparação a ser alcançada de forma rápida e expedita na execução, preferencialmente através do acordo das partes. Nesta conformidade, perante a apontada impossibilidade, a finalidade da execução regulada nos art.ºs 173.º e seg.s do CPTA quedar-se-ia pelo ressarcimento do referido dano.
Como paradigma desta jurisprudência podemos citar o Acórdão de 7/05/2015 (rec. 47307A) onde se lê:
“No quadro do actual regime de contencioso vem-se assistindo, aliás, ao firmar dum entendimento por parte deste Supremo Tribunal de que, da conjugação o regime inserto, nomeadamente nos art.ºs 166.º, 173.º e 178.º todos do CPTA, resulta a existência dum mecanismo indemnizatório que visa compensar o exequente pelo facto de, por efeito de verificação de causa legítima de inexecução, se haverem frustrado os fins prosseguidos com a dedução dum processo executivo, e, assim, com eles, o dever de executar por parte da Administração da decisão judicial anulatória e o correspondente direito do exequente a essa execução, sendo que tal compensação destina-se a ressarcir o exequente apenas dos danos decorrentes dessa impossibilidade, ou seja, dos danos decorrentes da perda do direito à execução daquela decisão ou daquilo que alguns também denominam de “expropriação do direito à execução” - Nosso sublinhado. Vd. também a jurisprudência nele citada.

Entendimento que Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha comungam visto entenderem que na apontada situação do que se trata é “assegurar ao exequente, no âmbito de um processo declarativo sumário, uma compensação pelo facto da inexecução”. - Comentário ao CPTA, em anotação aos art.º 166.º e 175.º a 1798.º, podendo ver-se, ainda, no que respeita ao Prof. A. de Almeida, o referido Manual de Processo Administrativo e local citado.

Haveria, assim, que distinguir a indemnização devida pela inexecução que excluía o apuramento do montante indemnizatório correspondente à efectiva perda sofrida pelo Exequente em resultado da prática do acto anulado da indemnização devida em função dos danos causados pela prática do mesmo - a exigir o referido apuramento e, portanto, a exigir outros mecanismos e desenvolvimentos processuais – por se tratar de indemnizações autónomas e diferenciadas, com pressupostos próprios, a ressarcir em processos diferentes. No primeiro caso, tal indemnização seria calculada no processo de execução através de meios sumários e expeditos, no segundo, esse cálculo far-se-ia através da propositura de uma acção visando a obtenção de uma indemnização compensatória ou da formulação de um pedido nos termos do n.º 5 do art.º 45.º do CPTA, isto é, através de um processo declarativo especial, se bem que esteja por explicar se este decorreria da modificação do objecto do inicial processo de execução ou se importaria a propositura de uma nova e independente acção judicial (Vd. Aroso de Almeida e F. Cadilha, in Comentário ao CPTA, nota 4 ao art.º 176.º.)

5. No entanto, este não é o único entendimento que tem sido adoptado neste Tribunal.
Assim, e ainda que numa situação factualmente distinta da que se nos apresenta mas que no essencial respondeu à questão em causa, o Acórdão do Pleno de 25/03/2010 (rec. 0913/08,), depois de afirmar que, não podendo os lesados ser colocados na situação que por direito lhes pertencia, haveria que indemnizá-los e que, sendo assim, a questão que se punha já não era a de saber “se os prejudicados têm direito a indemnização, mas sim saber qual o meio processual adequado para o efectivar, designadamente, se podem usufruir do meio mais célere e processualmente económico previsto no art. 45.º ou têm de fazer uso de uma acção autónoma.” Tendo ponderado o seguinte:
“À face do art. 45.º, em acções de indemnização em que seja formulado um pedido de reconstituição natural que se demonstre impossível ou ela provocar excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julgará improcedente o pedido (de reconstituição natural). Mas, na sequência dessa improcedência, o tribunal não pode deixar de converter o pedido de indemnização através de reconstituição natural em pedido de indemnização em dinheiro, pois «a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor» (art. 566.º, n.º 2, do CC).
Por isso, mesmo que o interessado, que pediu em acção de indemnização a restauração natural, não tenha formulado um pedido sucedâneo de indemnização em dinheiro, não é aceitável que no contencioso administrativo, ao contrário do que sucede nos processos cíveis, a impossibilidade ou a excepcional onerosidade da reconstituição apenas permitam ao tribunal atribuir ao interessado uma indemnização pelo facto de não haver lugar a essa restauração, ficando de fora a indemnização derivada da actuação (pode ser uma actuação ilegítima ou legítima, esta nos casos em que há lugar a indemnização por factos lícitos) que provocou os prejuízos.”
A esta luz, a interpretação razoável deste n.º 1 do art. 45.º, em acções comuns de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, é a de que o pedido que se julga improcedente é o de reconstituição natural (apenas esse), sendo o convite às partes para acordarem o montante da indemnização respeitante à globalidade da indemnização, abrangendo tanto os danos indemnizáveis que se demonstrarem derivados da actuação (lícita ou ilícita) que é fundamento da acção, como uma compensação privação do direito à execução através de restauração natural (o facto da inexecução) que, no âmbito do contencioso administrativo, também se considera justificar uma indemnização( Sublinhado nosso.).
De facto, seria uma solução manifestamente desastrada e, por isso, que se tem de presumir não ter sido consagrada legislativamente (art. 9.º, n.º 3, do CC) que, no contencioso administrativo, o interessado que propôs uma acção de indemnização para efectivar responsabilidade civil extracontratual pedindo a restauração natural tivesse de propor outra acção do mesmo tipo para obter o seu sucedâneo em dinheiro. Outra?!”

E o Acórdão de 17/03/2010 (rec. 045899A) numa situação em tudo semelhante à presente – a execução de um Acórdão do Pleno que anulara o despacho governamental que declara a utilidade pública de um prédio do Exequente e onde este pedia “a remoção imediata das situações constituídas por actos consequentes do acto anulado, nomeadamente a posse administrativa do imóvel em causa” e a “reparação de todos os lucros emergentes e lucros cessantes suportados pelo ora exequente” – conheceu desses pedidos sem pôr em causa a propriedade do meio processual utilizado, o que significa que reconheceu que o processo executivo era o local próprio para efectivar o pedido indemnizatório que abrangesse todos os danos provocados pelo acto anulado.
Do mesmo modo, o Acórdão de 15/02/2007 (rec. 01067/06) considerou que “a preocupação do legislador em interligar o processo de declaração de ilegalidade do acto administrativo, e da sua consequente anulação, com o processo destinado a reconstituir a chamada situação actual hipotética foi ao ponto de admitir a possibilidade de se cumular aquele pedido anulatório com “o pedido de condenação da Administração à reparação dos danos resultantes da actuação ou omissão administrativa ilegal” (vd. n.º 1 do art.º 47.º do CPTA). E a acrescentar que a não formulação desses pedidos cumulativos não precludia “a possibilidade de as mesmas pretensões serem accionadas no âmbito do processo de execução de sentença de anulação.” – n.º 3 do mesmo art.º 47.º com sublinhado nosso.” Daí quea reparação de todos os danos resultantes da prática de um acto administrativo judicialmente anulado terá de ser feita através do referido processo de execução e que é a este, e só a este, que o interessado tem de recorrer na falta de cumprimento espontâneo do julgado por parte da Administração.”

Podendo, ainda, acrescentar-se que as decisões que adoptam o entendimento referido no anterior ponto 4 parecem manifestar alguma hesitação na defesa da sua tese visto admitirem que a indemnização a que se refere o art.º 178.º do CPTA seja mais abrangente do que o mero ressarcimento pela expropriação do direito à execução. Veja-se, a título meramente exemplificativo, o já citado Acórdão de 7/05/2015 (rec. 47307A) onde também se pode ler:
“LIII. Nessa medida, afigura-se-nos que no quadro da aplicação do regime previsto nos arts. 166.º e 178.º do CPTA os prejuízos a ressarcir serão, tão-só, os prejuízos que derivem ou sejam resultantes da causa legítima de inexecução da decisão judicial anulatória, prejuízos esses nos quais se poderão integrar os custos associados à litigância no tribunal administrativo no quadro dos meios contenciosos accionados pelos demandantes/exequentes para fazerem valer os seus direitos e interesses [custas judiciais, honorários de advogados e demais despesas associadas cuja “recuperação” não haja sido possível lograr obter através do uso dos mecanismos previstos no ordenamento contencioso vigente] e os danos [patrimoniais/não patrimoniais] que sejam advenientes da estrita perda da posição decorrente do juízo anulatório traduzido na “expropriação do direito à execução” sofrido, da impossibilidade de se fazer cumprir aquele juízo e da frustração quanto ao uso “inglório” ou inútil do recurso à tutela jurisdicional.” – sublinhados nossos.

É visível, assim, que a questão que se nos apresenta é uma situação juridicamente complexa onde, ainda, não foi possível estabilizar uma solução para a mesma.
Importa, por isso, tomar posição nesta controvérsia e decidir em conformidade.

6. O art.º 178.º/1 do CPTA prescreve que quando “julgue procedente a invocação da existência de causa legítima de inexecução, o tribunal ordena a notificação da Administração e do requerente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução”, o que poderia fazer crer que o único ressarcimento que nele se contempla é o decorrente da inexecução. Ou dito de forma diferente, que nessa circunstância o Exequente só poderia obter uma indemnização que o compensasse pela impossibilidade de execução do julgado pela via da reconstituição natural e pela frustração daí resultante e que, por isso, esse processo seria imprestável para se obter uma indemnização que o compensasse dos restantes danos. E porque assim o efectivo prejuízo sofrido pelo Exequente em resultado da prática do acto anulado só poderia ser ressarcido através do recurso a outro tipo de acção, pelo que importaria remetê-lo para esses meios para fazer valer o seu direito.
Não nos parece, porém, que esse entendimento possa ser sufragado.

Desde logo, porque o mesmo resulta duma leitura demasiado restritiva e literal do transcrito preceito sendo que essa leitura afronta, como se afirmou no Acórdão do Pleno atrás citado, o que legislador do CPTA teve em vista, isto é, “implementar a maximização da utilidade prática da actividade judicial, em que o que é mais célere, processualmente mais económico e é eficaz a nível da concretização do direito à tutela judicial efectiva é preferível ao que o dificulta, retarda e impõe maior dispêndio de meios materiais e humanos.”
Depois, porque se assim não fosse o processo executivo tinha um alcance diminuto, incompatível com a larga e rigorosa regulamentação que a lei lhe dedica (vd. art.ºs 157 a 179.º) já que, nesse caso, o mesmo serviria apenas para, de uma forma expedita, apurar o montante da indemnização devida pela expropriação do direito à execução, isto é, fixar uma verba que compensasse o Exequente pelo facto da sentença não poder ser executada, deixando de fora o ressarcimento de todos os restantes prejuízos. Ora, uma tão restrita finalidade é incompatível com o que se colhe nas citadas normas visto que estas, ao estabelecerem que o Tribunal convida as partes a acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução e ordena as diligências instrutórias que julgue necessárias para definir aquele montante, faz supor que inexistem limites a essa averiguação e que, portanto, o Tribunal poderá ordenar todas as diligências que considere indispensáveis à atribuição de uma justa indemnização e que, portanto, esta não visa um propósito tão circunscrito como aquele que acima se descreveu. Seria incompreensível que a lei concedesse ao Tribunal uma tão ampla liberdade para que se alcançasse uma finalidade tão limitada. De resto, se bem virmos, a atribuição de uma indemnização pelo facto da inexecução será, na esmagadora maioria dos casos, fixada de acordo com a equidade.
Finalmente, ainda se dirá que não faria sentido que, tendo havido a cumulação de pedidos e tendo havido condenação (art.º 47.º/3 do CPTA), o processo executivo pudesse servir para dar cumprimento a uma sentença condenatória de âmbito alargado mas que o mesmo já não pudesse ser utilizado quando esses mesmos pedidos fossem apenas formulados na execução. Haveria aqui uma incompreensível incongruência, a qual não encontra fundamento na lei.

Retira-se, assim, do exposto que a melhor interpretação das citadas normas é a que nelas vê compatibilidade com os seguintes princípios:
- primeiro, que a existência de causa legítima de inexecução nem sempre determina a atribuição de uma indemnização visto esta só poder ser arbitrada quando estiver assente que o acto anulado provocou danos, podendo suceder que a inexecução, por si só, não cause qualquer dano;
- depois, que existe a possibilidade de se arbitrar uma indemnização que compense não só a perda da oportunidade da execução mas também a perda da situação vantajosa que resultaria da execução do julgado, a qual pode abarcar todos os danos efectivamente decorrentes da impossibilidade de execução do julgado.

Em conclusão: o processo de execução previsto no art.º 173.º e seg.s do CPTA tem um alcance mais vasto do que o que foi suposto pelo Acórdão recorrido visto resultar dessas normas que o mesmo é o meio processual próprio não só para reconstituir a situação actual hipotética como também para a atribuição de uma indemnização pelo facto dessa reconstituição não ser possível, a qual abarcará os danos resultantes da chamada expropriação do direito à execução – se os houver – e os efectivos prejuízos que o titular do direito à execução suporta em função daquela impossibilidade de reconstituição natural e não apenas o que se refere à frustração pela impossibilidade da reconstituição natural. Como, de resto, já se afirmou no citado Acórdão do Pleno de 25/03/2010 (rec. 913/08) onde se sumariou “3 - No âmbito da indemnização prevista no art. 45.º do CPTA, abrange-se a globalidade dos direitos indemnizatórios dos autores(Sublinhado nosso), incluindo-se, por isso, tanto os danos indemnizáveis que se demonstrarem derivados da actuação (lícita ou ilícita) que é fundamento da acção, como uma compensação privação do direito à execução através de restauração natural (o facto da inexecução) que, no âmbito do contencioso administrativo, também se considera justificar uma indemnização.”
A não ser assim, ocorrendo causa legítima de inexecução, o Exequente só poderia concretizar o seu direito indemnizatório através de uma via mais demorada e dispendiosa a qual teria, necessariamente, de passar pela dedução de um novo e diferente processo judicial. Conclusão que não decorre das normas ora analisadas. Aliás, sintomaticamente, ao contrário do que sucedia no domínio do DL 256-A/77, de 17/06, aquelas normas não prevêem a possibilidade das partes serem remetidas para uma acção de indemnização e o processo executivo ser julgado extinto quando for julgada complexa e de difícil indagação a matéria da indemnização (2.ª parte do n.º 4 do seu art.º 10.º) o que só pode querer significar que o legislador do CPTA quis que tudo fosse decidido na execução.

7. Volvendo ao caso dos autos, verifica-se que a decisão que os Recorrentes querem ver executada é o Acórdão deste Supremo, de 10/05/2007 (rec. 01082/06) – que anulou a deliberação da Assembleia Municipal de Évora, de 11/5/2001 - que declarou a utilidade pública urgente da expropriação dos terrenos necessários à construção de uma estrada e de outras parcelas que lhe eram circundantes -. Acto cujo alcance foi limitado pela deliberação do mesmo órgão, de 28/9/2002, já que esta, revogando parcialmente a primeira declaração expropriativa, restringiu-a aos terrenos indispensáveis à construção da estrada abdicando da expropriação dos terrenos limítrofes.
Perante esta realidade, aquele Acórdão afirmou que “a partir do instante em que o acto de 28/9/2002 procedeu à referida revogação parcial «ex tunc», deixou retroactivamente de haver na ordem jurídica uma pronúncia administrativa que determinasse a expropriação daquelas faixas adjacentes” e que, por isso, não tinha qualquer cabimento “pretender-se que o tribunal afira da legalidade de um segmento do acto que se sabe ter sido revogado com efeitos (puramente destrutivos) «ex tunc». Daí que tivesse concluído que importava, apenas, avaliar se “o acto expropriativo, enquanto limitado à aquisição dos terrenos necessários à mera construção da estrada, enferma dos vícios que, contra esse simples segmento, os recorrentes esgrimiram no tempo próprio e que entretanto não abandonaram” visto nada impedir os Autores fossem indemnizados dos lucros cessantes decorrentes de, por causa da expropriação, não terem podido vender os seus prédios em tempo oportuno pelo preço do mercado. E que para tanto podiam interpor a acção de condenação respectiva,

Ora, foi com fundamento no facto daquela expropriação ter sido declarada ilegal - por violar o disposto no art.º12.º/1/d) do Código das Expropriações - que os Exequentes intentaram a presente acção executiva pedindo (1) a reparação de todos os danos emergentes e lucros cessantes por não terem vendido o imóvel em condições normais de mercado enquanto se manteve em vigor a d.u.p., (2) a reparação dos danos extra patrimoniais decorrentes dessa situação e (3) a realização de todas as demais providências necessárias à reconstituição da sua situação actual hipotética, maxime o pagamento de todos os encargos e despesas que tiveram com a interposição do recurso contencioso e com a presente execução.
Será que esta acção é o meio processual próprio para obter aquele ressarcimento?
Vejamos.

8. Com a deliberação Assembleia Municipal de Évora de 28/9/2002, os Exequentes foram restituídos à plena titularidade do direito de propriedade sobre os seus prédios que haviam sido expropriados, o que quer dizer que o presente processo foi intentado quando já não se poderia reconstituir a situação natural uma vez que a situação que existia nesse momento era a que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado. Ou seja, e dito de modo diferente, no momento em que esta execução foi intentada já os Exequentes se encontravam na situação que existiria se o Réu não tivesse declarado a expropriação dos seus prédios.
Por ser assim, isto é, destinando-se o processo previsto no art.º 173.º do CPTA a, primacialmente, a “reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado” e só depois, reconstituída aquela situação, a arbitrar uma indemnização por outros danos causados por aquele acto. O que significa que, encontrando-se já satisfeita a primeira daquelas finalidades, não fará sentido propor acção executiva visto que esta já não se poderia destinar a obter a reconstituição da situação hipotética – fundamento primeiro dessa acção - e sem a formulação desse pedido a mesma ficaria privada da sua razão de ser. Ou seja, e dito de forma diferente, se a acção executiva só tem justificação quando se destina a colocar o Exequente na situação que por direito lhe cabe e se este já goza dessa situação, não fará sentido intentar um processo executivo destinado a alcançar unicamente as finalidades complementares da execução e não a finalidade fundamental para que a mesma foi prevista.
E, porque assim, nestas circunstâncias, os Exequentes deveriam ter recorrido a uma acção administrativa comum e não à presente acção executiva como, de resto, o Acórdão exequendo já lhes assinalara quando afirmara que se eles “teimarem em ser indemnizados dos lucros cessantes acima referidos, nada os impedirá de interporem a acção de condenação respectiva em que, para convencerem da existência do requisito «ilicitude», deverão mostrar que fora ilegal a decisão administrativa, persistente e eficaz na ordem jurídica durante algum tempo, de expropriar os terrenos limítrofes à estrada.” (sublinhado nosso).
Daí que, ainda que por diferentes razões das que constam do Acórdão recorrido, a decisão sob censura se tenha de manter na ordem jurídica.

9. Finalmente, ainda se dirá que a interpretação que ora se dá dos art.ºs art.ºs 173°. 176° e 179° do CPTA, é manifestamente constitucional e não viola nenhuma das normas constitucionais nem dos princípios invocados pelos Recorrentes uma vez que, como decorre do anteriormente exposto, os Recorrentes têm à sua disposição a acção administrativa comum para alcançar o ressarcimento que aqui peticionam.
Com efeito, como é sabido, o legislador não consagrou no nosso ordenamento jurídico processual um regime que garanta aos sujeitos do processo (partes ou juiz) a possibilidade de determinar, em cada caso, a forma a observar visto dele decorrer quais os modelos de processos a serem utilizados com vista a obter a concreta obtenção da tutela judicial. Por isso, por “razões de justiça, de segurança e de eficácia, não prescindiu de fixar previamente as formas e sequências de actos processuais que considerou serem, relativamente às diferentes espécies de pretensões materiais dedutíveis em juízo, os instrumentos mais adequados e equitativos para alcançar a racionalidade das decisões e a realização da justiça material. Esta opção implica que, em regra, só através dos meios processuais previstos se admita o acesso ao tribunal e, consequentemente o direito a uma decisão judicial sobre o litígio.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de 16/01/2008 (rec. 909/07)
Sendo assim, sendo que os Recorrentes tinham à sua disposição uma acção onde poderiam obter a satisfação dos pedidos aqui formulados e sendo, ainda, que, perante a oscilação jurisprudencial nesta matéria, lhes cabia eleger a que consideravam que melhor defendia os seus interesses é forçoso concluir que não ocorreu violação dos princípios do acesso ao direito, da tutela judicial efectiva, que pressupõe um processo equitativo, e da protecção da confiança e da segurança jurídica

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 14 de Abril de 2016. – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – António Bento São Pedro (com a declaração de que voto a decisão apenas com os fundamentos constantes dos pontos 8 e 9.) – José Augusto Araújo Veloso (com a declaração de que voto a decisão apenas com os fundamentos constantes dos pontos 8 e 9.)