Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0156/16
Data do Acordão:04/20/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
IVA
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
Sumário:De acordo com a alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009, deixou de ser elemento constitutivo de tipo legal da contra-ordenação ali prevista o recebimento do imposto a entregar ao Estado por parte do arguido.
Nº Convencional:JSTA000P20407
Nº do Documento:SA2201604200156
Data de Entrada:02/11/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Pública interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, exarada a fls. 60/66, que julgou procedente recurso judicial interposto de decisão do Chefe do Serviço Local de Finanças de Oliveira de Azeméis que condenou a recorrida, A………, LDA, no pagamento de uma coima de € 1365,44, acrescida de custas no valor de 76,50 pela prática de uma contra- ordenação pp., pelas disposições conjugadas dos artigos 27.°/1 e 41.°/1/ b) do CIVA e 26.°/4 e 1 14.°/2//5/ a) do RGIT.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. É objecto do presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro de 18/05/2015, que deu provimento ao recurso interposto da decisão proferida em 15/07/2014, pelo Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis, no âmbito do processo de contra-ordenação n.° 0132201406137652, que condenou a sociedade denominada “A………., Lda”, contribuinte n.° ……….., enquadrada em sede de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, na coima de € 1.365,44, acrescida de € 76,60 de custas, pela prática da contra-ordenação fiscal prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 27.°, n.° 1, e 41.°, n.° 1, alínea a), do CIVA e dos artigos 114.°, n.° 2, 5, alínea a) e 26.°, n.° 4, do RGIT, por ter entregue a declaração periódica de IVA, respeitante ao mês de Fevereiro de 2014, no prazo legal mas desacompanhada do respectivo meio de pagamento do imposto autoliquidado pela importância de € 4.551,49.
2. A Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, com todas as suas consequências legais, por entender que não se verificavam os pressupostos legais previstos nos n°s 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT, não sendo de considerar verificada a infracção pela qual a mesma foi condenada, pois não foi feita qualquer prova de que se verificou o recebimento do IVA imputável em falta à recorrente no período respeitante ao mês de Fevereiro de 2014.
3. Salvo o devido respeito que é muito, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito.
4. É que as normas legais tidas como infringidas pela decisão administrativa de aplicação de coima são as dos artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, alínea a) do CIVA, referindo-se na mesma decisão, como normas punitivas, os artigos 114.°, n°s 2 e 5, alínea a) e 26.°, n.° 4 do RGIT.
5. Por conseguinte, não estava em causa a verificação dos pressupostos legais previstos nos n.°s 1 e 2 do artigo 114.° do RGIT como refere a douta sentença, mas sim nos n.°s 2 e 5, alínea a) da norma do artigo 114.° do RGIT.
6. A partir da nova redacção dada à alínea a) do n° 5 do artigo 114.° do RGIT, pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que passou a cominar como contra-ordenação, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária, “A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais”, o efectivo recebimento do imposto deixou de ser elemento do tipo legal da contra-ordenação.
7. A nova redacção ao fazer equivaler à falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega total ou parcial do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, teve como objectivo alargar a previsão legal de molde abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços.
8. A sociedade “A………, Lda (arguida/recorrente) foi punida pela prática negligente da contra-ordenação prevista e punível nos termos do artigo 114.°, n.°s 2 e 5, alínea a) do RGIT, tendo sido feita referencia a estes números da mencionada norma do artigo 114.°, o efectivo recebimento é irrelevante para o preenchimento do tipo legal de infracção contraordenacional inserta no referido preceito.
9. Pelo exposto, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser ordenada a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que aí seja proferida outra que julgue improcedente o recurso interposto da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Chefe do Serviço de Finanças de Oliveira de Azeméis em 15/07/2014, com as legais consequências.»

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer a fls. 90/91, no sentido do provimento do recurso, porquanto a contra-ordenação em causa foi praticada em 10 de Abril de 2014, data do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto devido, sendo-lhe aplicável o novo regime resultante da redacção dada à alínea a) do n.° 5 do artigo 1 14.° do RGIT, pela Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2009, o qual visou o alargamento da previsão legal de modo a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto a entregar ao Estado por parte do arguido.
Mais se pronuncia no sentido de que «o não recebimento do imposto não é, pois, elemento do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida/recorrida, bastando que conste a omissão de entrega da prestação tributária devida, como acontece na caso em análise» e que a decisão recorrida merece, assim, censura, «tanto mais que se ancora no acórdão do STA, de 2009.01.07, proferido no recurso n.° 0478/08 (disponível no sítio da Internet www.dgsi.ptt), que apreciou factos anteriores a 2009.01.01

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5 – O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro fixou a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão:
«1 — Em nome da ora recorrente, foi levantado um auto de notícia em 03.06.2014, por a mesma não ter procedido à entrega do IVA do mês de Fevereiro de 2014, dentro do prazo legal, cfr. fls. 8 destes autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2 — O termo do prazo para cumprimento da obrigação ocorreu em 10.04.2014.
3 — O imposto em falta é de € 4.551,49.
4 — A importância referida em 3), foi paga em 18.06.2014, cfr. fls. 15 e 16 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
5 — Dá-se aqui por reproduzido o documento n° 2 apresentado com a petição inicial, com o título “Comprovativo de Operação MillenniumBCP.PT”, e constante destes autos a fls. 14.
6 — Dão-se aqui por reproduzidos os documentos n°s 6 e 7 e constantes destes autos a fls. 18 e 19.
7 A decisão ora recorrida foi proferida em 15.07.2014, e encontra-se a fls. 34 e 35 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas.
8 — O recurso foi interposto em 28.07.2014, cfr. fls. 38 e 39 destes autos.»


6. Do objecto do recurso

Da análise do segmento decisório da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e dos fundamentos invocados pela Fazenda Pública para pedir a sua alteração, podemos concluir que a questão objecto do presente recurso consiste em saber se incorreu em erro de julgamento a sentença impugnada ao julgar procedente recurso judicial interposto de decisão do Chefe do Serviço Local de Finanças de Oliveira de Azeméis, que condenou a recorrida, A…….., LDA, no pagamento de uma coima de € 1365,44, acrescida de custas no valor de 76,50 pela prática de uma contra- ordenação pp., pelas disposições conjugadas dos artigos 27.°/1 e 41.°/1/ b) do CIVA e 26.°/4 e 1 14.°/2//5/ a) do RGIT, no entendimento de que a conduta imputada à recorrida não integra a prática de contra-ordenação por não estar demonstrado que esta tenha recebido o imposto a entregar ao Estado, recebimento esse que constituirá elemento do tipo legal de contra-ordenação.


Não conformada a Fazenda Pública sustenta que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito.
A base jurídica da sua argumentação assenta nos seguintes pressupostos:
- A partir da nova redacção dada à alínea a) do n° 5 do artigo 114.° do RGIT, pela Lei n.° 64-A/2008, de 31 de Dezembro passou a cominar-se como contra-ordenação, consubstanciada na falta de entrega da prestação tributária, “A falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais" sendo que o efectivo recebimento do imposto deixou de ser elemento do tipo legal da contra-ordenação.
- A recorrida sociedade “A………,Lda foi punida pela prática negligente da contra-ordenação prevista e punível nos termos do artigo 114.°, n.°s 2 e 5, alínea a) do RGIT, tendo sido feita referencia a estes números da mencionada norma do artigo 114.°, pelo que o efectivo recebimento é irrelevante para o preenchimento do tipo legal de infracção contraordenacional inserta no referido preceito.


7. Do alegado erro de julgamento imputado à sentença.
Tem razão a entidade recorrente.
Como bem o nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a argumentação aduzida na sentença recorrida e a jurisprudência invocada assumem a sua pertinência em momento anterior à introdução das alterações efectuadas pela Lei n° 64-A/2008,de 31 de Dezembro, à redacção da alínea a) do n°5 do artigo 114° do RGIT.
Mas não é essa a hipótese dos autos já que os factos imputados à recorrida ocorreram em 10 de Abril de 2014, data do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto devido.
Ou seja ocorreram os factos após a alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009, pela qual se passou também a tipificar como contra-ordenação de falta de entrega da prestação tributária a falta de entrega ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que o devesse ser e em relação à qual, contrariamente ao que sucede com o tipo previsto no n.º 3 do artigo 114.º do RGIT, não é elemento essencial da infracção que o imposto tenha sido recebido.
Efectivamente a redacção anterior o preceito limitava-se a prever, para efeitos contra-ordenacionais, como falta de entrega da prestação tributária: “ a falta de liquidação, liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais.”
Comparando a letra dos dois preceitos, haverá de se concluir que de facto se verificou um alargamento da previsão legal, de molde a abarcar todas as condutas omissivas da obrigação tributária, independentemente do recebimento do imposto por parte do adquirente dos bens ou serviços.
Sendo este o entendimento da jurisprudência desta Secção - vide, por mais recentes, os Acórdãos de 25.06.2015, recurso 382/15, de 07.10.2015, recurso 1089/14, de 21.10.2015, recurso 1175/15 e de 03.02.2016, recurso 753/15, no mesmo sentido se vem pronunciando a doutrina (cf. RGIT anotado, Jorge de Sousa e Simas Santos, 4ª edição, Almedina, p. 815.).
Ora, no caso em apreço consta da decisão de aplicação da coima a descrição sumária dos factos, a saber, o montante do imposto exigível, o valor da prestação tributária entregue, o valor da prestação tributária em falta, e o termo do prazo para cumprimento da obrigação.
Essa factualidade integra a prática da contra-ordenação p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 27.° nº1 e 41.° nº 1 do CIVA e 26.°nº 4, 114.°, nºs 1, 2 e 5 al.) do RGIT, como se exarou na decisão de aplicação da coima, sendo certo que o recebimento do imposto a entregar ao Estado por parte da arguida não constitui elemento do tipo.
Daí que se entenda que a sentença recorrida padece do erro de julgamento que lhe é imputado pela Recorrente, motivo pelo qual não pode ser confirmada.

8. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, determinando a baixa dos autos à primeira instância para, se nada mais obstar, serem apreciadas as demais questões suscitadas.

Sem custas

Lisboa, 20 de Abril de 2016. - Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva - Fonseca Carvalho.