Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0788/11
Data do Acordão:11/16/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PRESCRIÇÃO
OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
DEPÓSITO
RENDA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
ANALOGIA
PENHORA
Sumário:I - A instauração da execução fiscal em data anterior à entrada em vigor da LGT, só por si, não tem qualquer efeito sobre o prazo de prescrição que se inicie e decorra na vigência da lei nova, a qual não reconhece efeito interruptivo e suspensivo derivado da instauração da execução fiscal e sua pendência.
II - A penhora de rendas, ainda que efectuada com obediência ao trato sucessivo, não constitui causa interruptiva ou suspensiva da prescrição por não caber na previsão normativa do artigo 49º, nº 4 da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067243
Nº do Documento:SA2201111160788
Data de Entrada:09/09/2011
Recorrente:A...... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA DE 2011/07/14 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART48 N1 ART49 N4 NA REDACÇÃO DA L 53-A/2006 DE 2006/12/29
CCIV66 ART12 N2
DL 398/98 DE 1998/12/17 ART5
CPTRIB91 ART34 N1 N3
CPPTRIB99 ART185 ART186 ART228
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC166/11 DE 2011/10/19
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. A………, e mulher, devidamente identificados nos autos, recorrem da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 14 de Julho de 2011, que julgou improcedente a reclamação que, nos termos do artigo 276º do CPPT, interpuseram da decisão do Chefe de Serviços de Finanças de Lourinhã que declarou extinto o processo de execução fiscal nº 15381997010004255 instaurado para cobrança de dívidas de IVA dos anos de 1996 e 1997.
Nas alegações, concluíram o seguinte:
I. Os actos meramente internos não têm a virtualidade de obstar à contagem do decurso de um ano de paragem do processo, sob pena de violação dos princípios da certeza e da segurança jurídica subjacentes ao instituto da prescrição. Pelo que.
II. O processo é havido por parado em caso de realização de diligências meramente internas do órgão de execução fiscal não notificadas ao executado.
III. Assim, para efeitos do disposto no artigo 49º, nº 2 da LGT, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro, o último acto praticado no processo com virtualidade de obstará paragem do processo foi a notificação mencionada na alínea h) dos factos provados, que ocorreu em 17.11.1998.
IV. Tendo, por esta razão, a prescrição da quantia exequenda ocorrido em 18.11.2007.
V. Os factos interruptivos e suspensivos do prazo de prescrição encontram-se tipificados na lei, em obediência aos princípios da tipicidade e da legalidade, constitucionalmente consagrados.
VI. A penhora de rendas, ainda que efectuada com obediência ao trato sucessivo, não constitui causa interruptiva ou suspensiva da prescrição por não caber na previsão normativa do artigo 49º, nº 4 da LGT.
VII. O tribunal a quo ao considerar que a execução se encontrava suspensa, “por efeito das rendas penhoradas, que constitui rendimento periódico, que nos termos do disposto no artigo 228º do CPPT, tem trato sucessivo pelos períodos bastantes para o pagamento da divida exequenda e dos acrescidos, equivalendo ao pagamento de prestações legalmente autorizadas, aplicando analogicamente o regime do pagamento de prestações legalmente autorizadas ao regime da penhora de rendas, violou o disposto nos artigos 49º, nº 4 da LGT, 103º, nº 2 da CRP.
VIII. Ocorrendo diversos factos susceptíveis de interromper o prazo de prescrição, por força da sucessão no tempo dos vários factores interruptivos só o primeiro tem relevância legal. Pelo que,
IX. Só a instauração do processo executivo teve a virtualidade de interromper o prazo de prescrição em curso.
X. A sentença no que respeita à fundamentação de direito da suspensão da execução e do prazo de prescrição é omissa. Pelo que,
XI. Nos termos do artigo 668º, nº 1, al. b) do CPC, por remissão do artigo 2º, al. e) do CPPT a sentença é nula, o que desde já se argui.
XII. Sem prescindir ainda se dirá, que a suspensão do processo de execução não decorre automaticamente da apresentação de oposição à execução fiscal, pois que é necessário um despacho do órgão de execução fiscal competente a autorizar a suspensão, depois de verificar a existência de garantia suficiente.
XIII. Caso se entenda que a prescrição não ocorreu em 19.11.2007, sempre se dirá que apenas se pode considerar que a execução esteve suspensa entre 16.07.2008 — data do trânsito em julgado do despacho que ordena a suspensão do processo executivo, mencionado na alínea r) dos factos dados como assentes — e 03.06.2009 — data do trânsito em julgado do acórdão proferido no âmbito do processo de oposição à execução fiscal, proferido no âmbito do processo n.º 721/07.7BELRS.
XIV. O tribunal a quo ao considerar que a quantia exequenda não está prescrita, com a fundamentação supra exposta, violou o disposto no artigo 49º, 2, da Lei Geral Tributária, no artigo 103º da Constituição da República Portuguesa, os princípios da legalidade e da segurança jurídica, e o artigo 169º do CPPT.
1.2. Não houve contra-alegações
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, por considerar que as dívidas exequendas estão prescritas.
2. A sentença recorrida deu como assente os seguintes factos:
a) Em 28/1/1997, pelo Serviço de Finanças da Lourinhã, foi instaurado contra B………, Lda, o processo de execução fiscal nº 15381997010004255 para cobrança de IVA de 06.1996, e apensos, instaurados em 28/1/1997 (cf. fls. 22) para cobrança coerciva das seguintes dívidas:

Origem
Período
Nº Execução
IVA e JC
07.1996
1538199701007157
IVA
08.1996
1538199701007513
IVA
09.1996
1538199701007629
IVA
10.1996
153819970100787.4
IVA
11.1996
153819970100798.0
IVA
12.1996
153819970100839.0
IVA
01.1997
153819970100873.0
IVA
02.1997
153819970100879.0
IVA
03.1997
153819970100900.1
IVA
04.1997
153819970100952.4
IVA
05.1997
153819970100961.3
IVA
06.1997
153819970101085.9
IVA
07.1997
153819980100006.3
IVA
08.1997
153819980100011.0

b) Em 30/6/1997 e 29/6/1997 foram efectuados pagamentos por conta da dívida exequenda no valor de € 249,40 e € 149,64 respectivamente – cfr. fls. 103 e fls. 3-A e 4 do PEF apenso;
c) Em 28/1/1998 foi emitido mandado de penhora - cf. fls. 7 do PEF;
d) Por despacho de 28/4/1998 foi ordenada a reversão da execução contra os sócios gerentes ora reclamantes, tendo sido extraída e expedida para o efeito, carta precatória dirigida ao Serviço de Finanças de Torres Vedras, onde correu com o nº 15891998700014.6 - cf. fls. 54 do PEF;
e) Os reclamantes na qualidade de revertidos foram citados em 18/5/1998 — cf. fls. 21 dos autos e 21 e 23 do PEF;
f) Em 9/7/1998 e 2/10/1998 foram emitidos mandados de penhora - cf. fls. 25 e 44 do PEF;
g) Os reclamantes foram notificados do acto de penhora efectuado em 15/7/1998, incidente sobre o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ……… sob o nº 3083 em 21/9/1998 — cf. fls. 22 dos autos e 41 dos autos de carta precatória;
h) Os reclamantes foram notificados do acto de penhora efectuada em 15/10/1998, incidente sobre o prédio inscrito na matriz predial da mesma freguesia de ……… sob o artigo nº 2754 em 17/11/1998 — cf. fls. 22 dos autos e 41 dos autos de carta precatória;
i) Em 13/1/1999 foi publicitada a venda dos imóveis penhorados através de edital, designada para o dia 19/2/1999 na execução fiscal — carta precatória nº 1589 — 98/700015.4 e apenso 1589-98/700016.2 — cf. fls. 140 dos autos;
j) Em 3/2/1999 o reclamante requereu ao Serviço de Finanças de Torres Vedras a suspensão da venda dos imóveis penhorados — cf. fls. 23 a 25 do processo de execução fiscal;
k) Em 30/3/1999 a pedido do Serviço de Finanças de Lourinhã foi a carta precatória referida em d) devolvida pelo Serviço de Finanças de Torres Vedras e remetida com os demais processos de execução fiscal à Direcção de Finanças de Lisboa, com vista ao requerimento da falência da devedora principal – B………, Lda — cf. fls. 22 dos autos e fls. 58 da carta precatória;
l) Os processos de execução fiscal remetidos à Direcção de Finanças de Lisboa vieram a ser devolvidos por aquela Direcção em 4/8/1999 — cf. fls. 23;
m) A carta precatória identificada em d) foi de novo remetida ao Serviço de Finanças de Torres Vedras em 18/10/2006 para prosseguimento da execução, tendo sido penhoradas rendas - cf. fls. 22 dos autos e fls. 328 a 356 da carta precatória;
n) As rendas penhoradas começaram a ser depositadas na conta de Operações Específicas do Tesouro (conta 8949) em 3/4/2007 até 10/12/2010 — cf. fls. 886 e 887 do PEF;
o) Em 2/5/2007 pelos reclamantes foi deduzida Oposição à execução, que correu no Tribunal Tributário de Lisboa com o nº 721/07.7BELRS - cf. fls. 105 dos autos;
p) Da decisão proferida naqueles autos, os reclamantes recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul, que decidiu confirmar a decisão recorrida de rejeição liminar — cf. fls.
q) Os reclamante requereram a suspensão do processo de execução bem como o cancelamento das penhoras efectuadas no processo melhor identificados em a) - cf. fls. 352 do PEF;
r) Por despacho datado de 7/7/2008 foi deferido o pedido de suspensão do PEF, e indeferido o pedido de cancelamento das penhoras determinando-se que as rendas depositadas à ordem do Serviço de Finanças identificado em n), não seriam aplicadas no processo, aguardando o trânsito em julgado da decisão judicial da oposição - cf. fls. 365 do PEF e fls. 144 dos autos;
s) Os reclamantes requereram ao Chefe do Serviço de Finanças da Lourinhã o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda indicada em A) em 23/3/2009 e 23/11/2010 — cf. fls. 13 e 18 dos autos;
t) Os autos de oposição referidos em o) e p) foram remetidos ao Serviço de Finanças em 21/5/2010 aí prosseguindo a execução seus termos — cf. fls. 105 dos autos;
u) Em 20/1/2011 pelo Serviço de Finanças foi efectuado o levantamento das rendas penhoradas e aplicado o depósito no pagamento da dívida exequenda - cf.
v) Por despacho de 20/1/2011, foi declarado extinto por pagamento o PEF e apensos identificados em a) e determinado o cancelamento das penhoras das rendas e dos imóveis — cf. fls. 12 dos autos;
w) Os reclamantes deduziram reclamação dos actos de aplicação dos depósitos de penhora nº 1538200900000000360 que na execução praticados em 29/12/2010 e dos respectivos actos de compensação que correm termos neste Tribunal com o nº 613/11 pedindo a declaração da prescrição da dívida exequenda e a anulação dos actos reclamados — cf. fls. 74 dos autos;
x) Os reclamantes deduziram reclamação dos actos de aplicação dos depósitos de penhora nº 1528200900000000364, e 1538200900000000365, 1538200900000000366, 538200900000000367, 1538200900000000368, 1538200900000000370, 1538200900000000371, 1538200900000000373 e 1538200900000000374 que na execução praticados em 17/1/2011 e dos respectivos actos de cobrança e compensação que correm termos neste Tribunal com o nº 612/11 pedindo a declaração da prescrição da dívida exequenda e a anulação dos actos reclamados — cf. fls. 82 dos autos;
3.1. As questões jurídicas que vêm em recurso são duas: (i) saber se há nulidade da sentença, por falta de fundamentação de direito quanto à suspensão automática da execução fiscal em virtude de oposição; (ii) e saber se a decisão recorrida padece ou não de erro de julgamento quanto à prescrição das dívidas em cobrança na execução fiscal que reverteu contra os recorrentes.
Invocando o artigo 668º, nº 1, al. b) do CPC e o artigo 205º do CPPT, os recorrentes dizem que a sentença é nula porque não indica razões de direito que sustentem o argumento de que “o despacho reconhecendo a suspensão do processo de execução não tem no caso concreto efeitos constitutivos, pelo que, a ter relevância para a questão sub judice, se considera o efeito suspensivo desde a data da instauração da oposição».
Mas não têm razão.
Nessa parte da sentença, averigua-se se ocorreu algum facto suspensivo com relevância nos autos, indicando-se que tem esse efeito o depósito de rendas penhoradas, iniciado em 3/4/2007, e a oposição à execução fiscal, instaurada em 2/5/2007. Perante a ocorrência de dois factos suspensivos, a sentença considerou que «quando foi instaurada a acção de oposição, a execução já se encontrava suspensa, por efeito do depósito das rendas penhoradas, que constitui rendimento periódico que nos termos do disposto no artigo 228º do CPPT, tem trato sucessivo pelos períodos bastantes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, equivalendo ao pagamento de prestações legalmente autorizadas, o que significa que a execução esteve suspensa, com fundamento no artigo 49º, nº 4 da LGT, de 3/4/2007 a 10/12/2010 conforme resulta da alínea n) dos factos provados, pelo que a dedução de oposição em 25/2007, ou o despacho de 7/7/2008 (alínea o) e r)) não tiveram a virtualidade de suspender a execução, porque ela já se encontrava suspensa».
É verdade que a sentença considera que, se fosse de dar relevância à oposição, o seu efeito suspensivo ocorreria desde a data da instauração – 2/7/2007 - e não desde a data do despacho que determinou a suspensão da execução fiscal – 7/7/2008. Mas como não lhe deu essa importância, não se pode dizer que a decisão tomada é omissa quanto à indicação da norma jurídica que atribui à oposição o efeito de suspender a execução fiscal. Ao dar relevância ao facto suspensivo que ocorreu em primeiro lugar, invocando para tal o artigo 49º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, o período de suspensão da execução por decorrência da oposição deixou de ter qualquer relevância para a decisão que foi tomada sobre a prescrição.
Se esta fundamentação não está correcta, então o problema não é de omissão de pronúncia, mas sim de erro de julgamento.
3.2. A sentença recorrida considerou que as dívidas exequendas não estão prescritas, pelos seguintes motivos: (i) nos termos do artigo 297º do CC, ao caso dos autos aplica-se o regime de prescrição da LGT; (ii) a citação dos revertidos, ocorrida em 15/5/1998, comutou-se em suspensão até 4/8/2000, um ano após a paragem da execução por motivo não imputável ao sujeito passivo, “havendo assim que acrescer ao prazo decorrido desde esta última data o tempo decorrido desde 1/1/1997 até 18/5/1998, que perfaz 1 ano e 231 dias a favor da prescrição”; (iii) o prazo de prescrição suspendeu-se entre 3/4/2007 e 10/12/2010, pelo depósito de rendas penhoradas, que tem equivalência ao pagamento de prestações legalmente autorizadas; (iv) como até 3/4/2007 decorreu 7 anos e 231 dias com relevo para a prescrição, desde 10/12/2010, data em que ocorreu o depósito da última renda, até à data do acto reclamado – 21/1/2011 – ainda não transcorreu o remanescente necessário para atingir os 8 anos.
Diferente é o entendimentos dos recorrentes, para quem: (i) o último acto praticado no processo com virtualidade de obstar à paragem do processo foi a notificação do acto de penhora, ocorrida em 17/11/1998, voltando a correr em 18/11/1999, pelo que a prescrição ocorreu em 19/11/2007; (ii) a penhora de rendas, ainda que efectuadas em obediência ao trato sucessivo, não constitui causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, por não caber na previsão do nº 4 do artigo 49º da LGT; (iii) de acordo com o artigo 49º, na redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, a interrupção só tem lugar uma única vez, pelo que a citação não tem virtualidade para interromper o prazo já interrompido pela instauração da execução; (iv) caso se entenda que a prescrição não ocorreu em 19/11/2007, então, deve considerar-se que a contagem do prazo de prescrição iniciou-se em 1/9/1999, com a entrada em vigor da LGT, pelo que a prescrição ocorreu em 1/1/2007.
Ora, tendo em conta as regras da prescrição das leis tributárias e as regras de validade geral sobre os conflitos de leis no tempo, fixadas nos artigos 297º e 12º do Código Civil, afigura-se-nos que nenhum destes pontos de vista é correcto.
Apesar da sentença recorrida e os recorrentes darem relevância a factos interruptivos anteriores à entrada em vigor da LGT, designadamente a instauração da execução, ocorrida em 28/1/1997, e a citação ocorrida em 15/5/1998, não é controverso que o prazo de prescrição a ter em conta é o prazo de 8 anos introduzido por aquela lei.
Na verdade, em caso de sucessão de leis que estabelecem distintos prazos de prescrição, há que ter em conta o nº 1 artigo 297º do CC, mandado aplicar ao direito fiscal pelo artigo 5º do DL nº 398 de 17/12, segundo a qual «a lei que estabelece, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar».
Ora, apesar das dívidas exequendas resultarem do IVA de Junho de 1996 a Agosto de 1997, é aplicável o prazo de prescrição de 8 anos da lei nova (art. 48º nº 1 da LGT), uma vez que, por confronto com o prazo de prescrição de 10 anos da lei antiga (art. 34º, nº 1 do CPT), em consequência de em 1/1/1999, data da entrada em vigor da LGT, não faltar menos tempo para se completar o prazo de prescrição segundo a lei antiga.
Na verdade, respeitando as obrigações tributárias a IVA dos anos de 1996 e 1997, o prazo prescricional tem termo inicial no começo do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, ou seja, em 1/1/97 e 1/1/98, respectivamente. Deste modo, independentemente de qualquer acto interruptivo ou suspensivo, em 1/1/99 faltavam 8 anos para se completar o prazo de prescrição da dívida de IVA do ano de 1997 e 9 anos para se completar o prazo de prescrição da dívida de IVA do ano de 1998. Ou seja, não faltava «menos tempo» para se completar o prazo de prescrição previsto no CPT do que o novo prazo previsto na LGT, pelo que o prazo de prescrição aplicável não pode deixar de ser o fixado na lei nova.
É certo que, na contagem do prazo que falta para se completar a prescrição «segundo a lei antiga», tem que considerar não só o termo inicial como também as causas de interrupção e suspensão previstas nessa lei. Como resulta do probatório, em 28/1/97 foi instaurada a execução fiscal para cobrança das dívidas de IVA dos anos de 1996 e 1997, facto a que o nº 3 do artigo 34º do CPT atribuía o valor de efeito interruptivo do prazo de prescrição. Tal facto produz os efeitos previstos na lei vigente no momento da sua ocorrência, designadamente o efeito de eliminar o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstar ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte. Ora, tendo sido eliminado o período anterior a esse facto interruptivo, e como até à entrada em vigor da LGT o processo de execução não esteve parado, tem que se concluir que em 1/1/99 não terá decorrido qualquer prazo de prescrição.
Por outro lado, atendendo a que a sucessão de leis sobre factos interruptivos e suspensivos da prescrição não é regulada pelo artigo 297º do CC, mas pelo nº 2 do artigo 12º do CC, como é jurisprudência consolidada deste Tribunal, e como a execução não parou por mais de um ano por facto não imputável aos recorrentes até à entrada em vigor da LGT, tem que se reconhecer que a execução e a sua pendência, só por si, não tem qualquer efeito sobre o prazo de prescrição, pois todo o prazo a considerar decorrerá na vigência da lei nova, a qual não reconhece efeito interruptivo e suspensivo derivado da instauração da execução fiscal e sua pendência. Como se diz no sumário do Acórdão do STA de 19/10/2011, proferido no recurso nº 0166/11, «sendo aplicável o prazo de prescrição previsto na Lei Geral Tributária, que obrigatoriamente se inicia no dia 1/01/1999, e não reconhecendo esta Lei efeito interruptivo ao acto de instauração da execução fiscal, conclui-se que o efeito interruptivo que a instauração da execução em 1997 produziria por força do regime contido não CPT deixa de poder relevar e de produzir efeitos sobre o prazo de prescrição previsto na Lei Geral Tributária».
Os recorrentes alegam que o processo de execução parou em 17/11/98, data em que foram notificados da penhora efectuada em 15/10/98 e que, por conseguinte, voltando a correr em 18/11/99, prescreveu em 19/11/2007.
Mesmo que fosse certo que o processo parou na data indicada pelos recorrentes, a “degradação” do efeito interruptivo em efeito suspensivo causado pela paragem do processo não tem qualquer influência na determinação do prazo prescricional aplicável. Com efeito, somando-se o prazo decorrido desde o início até à autuação do processo executivo (desde 1/1/97, para a obrigação tributária mais antiga, até 28/1/97) com o decorrido após o momento em que os recorrentes dizem que se completou um ano de paragem do processo (17/11/99), essa soma será sempre inferior a dois anos, e por isso será de aplicar o prazo da LGT, por força da regra do art. 297º, nº 1 do CC. Por outro lado, como o prazo de prescrição só se conta a partir da entrada em vigor da LGT, o facto interruptivo anterior a que ela não reconhece esse efeito, não pode produzir qualquer efeito sobre a contagem do prazo de prescrição.
Diga-se, porém, que não é verdade que o processo tenha parado em 17/11/99, porque, a partir dessa data e por mais de um ano apenas se praticaram “actos de mero expediente” com relevância meramente interna. Desde logo, como resulta dos factos provados nas alíneas i) e j), em 13/1/99 foi publicitada a venda dos imóveis penhorados, que é um acto com eficácia externa, e em 3/2/99 os recorrentes pediram a suspensão dessa venda, iniciativa processual bem demonstrativa de que o processo não esteve parado. Depois, como bem se explicou na sentença recorrida, o facto deste actos serem praticados no âmbito de uma carta precatória não significa que o processo de onde a carta foi extraída tenha ficado parado. Como resulta dos artigos 185º e 186º do CPPT, a carta precatória extraída da execução que possa ser paga no órgão da execução deprecado é uma diligência processual destinada a dar andamento à execução, e por conseguinte, não se pode dizer que a execução parou com a expedição da carta.
A sentença recorrida, em vez de pôr em relevo, como facto interruptivo, a instauração da execução, atribuiu esse efeito ao acto de citação dos revertidos. No entender do tribunal recorrido, a citação dos revertidos, ocorrida em 15/5/1998, comutou-se em suspensão até 4/8/2000, um ano após a paragem da execução por motivo não imputável ao sujeito passivo, “havendo assim que acrescer ao prazo decorrido desde esta última data o tempo decorrido desde 1/1/1997 até 18/5/1998, que perfaz 1 ano e 231 dias a favor da prescrição”. Trata-se, porém, de um erro de julgamento, porque, sendo os efeitos de factos os previstos na lei vigente no momento em que eles ocorrem (art. 12º nº 2 do CC), a citação não poderia ter efeito interruptivo, uma vez que o CPT então vigente não lhe reconhecia esse efeito.
Assente que o prazo aplicável é o prazo de 8 anos previsto na LGT e que a contagem do mesmo se inicia em 1/1/1999, data da sua entrada dessa lei, com termo final em 1/1/2007, vejamos se no decurso desse prazo houve interferência de factos interruptivos e/ou suspensivos que influíram no seu termo final.
Como se verifica dos factos provados, nesse período não ocorreu qualquer um dos factos interruptivos da prescrição previstos no nº 1 do artigo 49º da LGT, quer na redacção inicial, quer na redacção introduzida pela Lei, nº 100/99, de 26/7 e pela Lei nº 53-A/2006 de 29/12.
A sentença recorrida referiu-se a duas causas suspensivas: (i) o depósito de rendas penhoradas, iniciado em 3/4/2007 e (ii) a oposição à execução fiscal, instaurada em 2/5/2007 e suspensa em 7/7/2008. Como aquela ocorreu em primeiro lugar, considerou que a oposição não teve “virtualidade de suspender a execução porque ela já se encontrava suspensa”. Ou seja, deu relevância suspensiva ao depósito das rendas penhoradas ocorrido entre 3/4/2007, data do início dos depósitos, e 10/12/2010, data do último depósito.
Todavia, nos termos do nº 4 do artigo 49º da LGT, na redacção dada pela Lei nº 53-A/2006, de 29/12, apenas a oposição à execução tinha virtualidade para constituir causa suspensiva da prescrição. O depósito de rendas penhoradas, com trato sucessivo pelos períodos bastantes para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, modalidade de penhora prevista no art. 228º da CPPT, não é um facto a que aquela norma atribua efeito suspensivo do prazo de prescrição. O mesmo não pode ser equiparado, por analogia, ao pagamento em prestações porque, sendo a prescrição das dívidas tributárias uma garantia dos contribuintes, o nº 4 do artigo 11º da LGT proíbe em absoluto a colmatação de lacunas através do recurso à analogia.
Seja como for, no caso dos autos, esta discussão nem sequer assume qualquer importância.
Se bem repararmos, nenhum desses factos poderia suspender o prazo de prescrição pela simples razão de que, quer na data do início dos depósitos das rendas penhoradas, quer na data da suspensão da execução em consequência da oposição, o prazo para se exigir as obrigações tributárias já estava prescrito. Com efeito, o prazo de prescrição iniciou-se em 1/1/1999, com termo em 1/1/2007, e o depósito das rendas penhoradas e a suspensão da execução fiscal em consequência da oposição ocorrerem em datas posteriores, ou seja, em 2/5/2007 e 7/7/2008.
Há, pois, erro de julgamento, quer quanto ao início do prazo de prescrição, que não coincide com o termo do ano em que o facto tributário se verificou, mas com o início da vigência da LGT, quer quanto à relevância das causas suspensivas, uma vez que durante o período prescricional nenhuma ocorreu.
Assim sendo, o acto reclamado é ilegal, porque declarou extinta a execução, por pagamento coercivo de uma dívida já prescrita. A própria penhora de rendas, numa data em que já havia decorrido o prazo de prescrição, não deixou de ser um acto ilegal.
Os recorrentes pediram a restituição das quantias que foram aplicadas no pagamento da dívida prescrita, acrescidas de juros de mora e de juros indemnizatórios, até integral e efectivo pagamento.
Todavia, o acto reclamado não abrangeu tais assuntos, pelo que o direito à restituição das quantias indevidamente aplicadas no pagamento coercivo da quantia exequenda, juros moratórios e juros indemnizatórios, caso se verifiquem os respectivos pressupostos, deve ser primeiramente solicitado ao órgão de execução fiscal.
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e declarar extinta a execução por prescrição da dívida exequenda.
Lisboa, 16 de Novembro de 2011. – Lino Ribeiro (relator) - Valente Torrão - Dulce Neto.