Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:041/06
Data do Acordão:02/15/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL.
SUBIDA IMEDIATA.
SUBIDA A FINAL.
Sumário:I - Não constitui nulidade processual a omissão da notificação ao reclamante do parecer emitido pelo Ministério Público antes da decisão judicial, pronunciando-se pela subida a final da reclamação deduzida nos termos do artigo 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, se o reclamante, ao requerer a admissão da reclamação, logo defendeu a sua subida imediata.
II - Sobem imediatamente as reclamações das decisões proferidas na execução fiscal pelo órgão da Administração que a tramita sempre que a sua retenção as torne completamente inúteis.
III - Só é completamente inútil a reclamação com subida diferida quando o prejuízo eventualmente decorrente daquela decisão não possa ser reparado.
IV - Não está neste caso a reclamação mediante a qual se pretende evitar a penhora em bens que o reclamante alega não responderem pela dívida exequenda.
Nº Convencional:JSTA00062980
Nº do Documento:SA220060215041
Data de Entrada:01/12/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF PORTO.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISC.
Legislação Nacional:CPC96 ART734 N2.
CPPTRIB99 ART276 ART278 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1216/04 DE 2004/12/07.; AC STA PROC1202/05 DE 2006/01/25.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. O A..., S.A., com sede no Porto, recorre do despacho do Mmº. Juiz que não apreciou a sua reclamação do despacho do chefe do serviço de finanças de Valongo 1, proferido no processo de execução fiscal nº 1899-92/100393.3 e apensos.
Formula as seguintes conclusões:
«1.
Do despacho ora recorrido resulta que a questão impeditiva do conhecimento do mérito da reclamação, e que se prende com o momento da subida da mesma, foi levantada pelo Representante da Fazenda Pública (RFP) e subscrita pelo Ministério Público (MP). A ora recorrente não foi notificada de qualquer articulado apresentado por estas entidades.
2.
Esta omissão de notificação consubstancia uma violação do princípio do contraditório e do princípio do processo equitativo (art° 3º do CPC ex vi do art° 2° do CPPT, art° 45° do CPPT e art° 20º, n° 4 da CRP).
3.
Esta irregularidade influiu no exame da causa desde logo porque a posição daquelas entidades foi tida em conta aquando da decisão ora recorrida e consta expressamente da respectiva fundamentação. Assim sendo, aquela irregularidade consubstancia uma nulidade (art° 201º do CPC) devendo, em consequência, ser anulados os termos subsequentes à referida omissão, incluindo o despacho ora recorrido.
4.
A reclamação/recurso (cfr. epígrafe da secção XI do Capítulo II do CPPT) é apresentada no órgão de execução fiscal (art° 277°, n° 2 do CPPT). Nos casos em que se verifique o condicionalismo previsto no n° 3 do art° 278° do CPPT, “o órgão de execução fiscal fará subir a reclamação no prazo de 8 dias” (cfr art° 278°, n° 4, in fine).
Ou seja, sem prejuízo do posterior controlo jurisdicional, prima facie, é ao órgão de execução fiscal que compete apreciar e decidir se faz ou não subir de imediato a reclamação/recurso.
5.
Por essa razão, na reclamação/recurso (que integra a interposição e as respectivas alegações, compostas de fundamentos e conclusões), que a lei obriga a apresentar no órgão de execução fiscal parece dever-se, desde logo, expor e fundamentar as razões porque se entende que a reclamação/recurso deve subir imediatamente. Foi isso que a então reclamante/recorrente fez.
6.
E porque o fez na interposição da reclamação/recurso não parece salvo o devido respeito, que fosse necessário (i.e, imprescindível) repeti-lo nas alegações (fundamentação e conclusões) as quais faziam parte integrante da referida reclamação/recurso.
7.
Os motivos que fundamentavam a subida imediata, constavam expressamente da reclamação/recurso assim apresentada. Ou seja, para além do prejuízo irreparável a ora recorrente invocou as ilegalidades susceptíveis de o causarem.
8.
É hoje jurisprudência praticamente pacífica que “em todos os casos em que o deferimento da apreciação jurisdicional da legalidade de um acto lesivo praticado pela Administração puder provocar para os interessados um prejuízo irreparável, não pode deixar de se admitir a possibilidade de impugnação contenciosa imediata, pois é a única forma de assegurar tal tutela. [...]"
9.
No caso dos autos o diferimento da apreciação jurisdicional da legalidade do acto lesivo praticado pela Administração pode provocar para o depositário recorrente um prejuízo irreparável, o qual se consubstancia, como oportunamente invocado na reclamação-recurso, (i) na iminência de procedimento criminal e/ou (ii) na incidência da subsequente penhora sobre bens do depositário que não respondem nela divida exequenda (uma vez que esta reclamação/recurso veio pôr justamente em crise a responsabilidade do depositário pelo pagamento da divida exequenda) e que, por isso, não devem ser abrangidos pela referida diligência.
10.
De nada serviria, de facto, a revogação do despacho do órgão de execução fiscal depois da penhora e da venda dos bens deste e, maxime, após ter sido instaurado o correspondente procedimento criminal previsto no art° 233°, al. a) do CPPT. Há aqui um prejuízo irreparável na medida em que ele é inclusivamente impossível de quantificar.
11.
Donde se deve concluir que uma situação como a presente justifica um remédio extremo, como é a reclamação/recurso com subida imediata. E, como resultou da jurisprudência supra citada, que o entendimento oposto — para o que aqui releva, o entendimento perfilhado pelo despacho recorridonão é compatível com a ordem jurídica constitucional vigente.
12.
E do mesmo modo se deve entender, por último, que a norma do art° 278° do CPPT, quando interpretada no sentido de não permitir a subida imediata em todos os casos em que a reclamação fique sem utilidade alguma por forca da sua subida diferida, é inconstitucional por violação do princípio da tutela judicial efectiva — art. 268°, n.° 4 da CRP. Inconstitucionalidade que desde já para todos os efeitos se invoca.
Termos em que deve ser declarada a nulidade invocada, com as devidas consequências ou, caso assim se não entenda, deve o despacho recorrido ser revogado, seguindo-se os ulteriores termos (...)».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso merece provimento porque, em súmula, não existindo a nulidade invocada pelo recorrente, deve considerar-se que foi alegado prejuízo irreparável.
1.4. O processo vem à conferência sem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2. O despacho recorrido é, na parte interessante, do seguinte teor:
«Suscita-se, em sede liminar, uma questão impeditiva do conhecimento do mérito da reclamação e que se prende com o momento de subida da mesma – questão, aliás, levantada pelo RFP e subscrita pelo MP.
Das decisões proferidas pela administração fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário. Art. 276.° do CPPT.
Contudo, o tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final, a menos que a reclamação se funde em prejuízo irreparável causado por qualquer uma das ilegalidades previstas nas als, a), b), c) e d) do n.° 3 do art° 278.° do CPPT.
Temos, então, dois requisitos cumulativos para que o tribunal possa apreciar a reclamação das decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal, antes de realizadas a penhora e venda:
- Prejuízo irreparável;
- Verificação de qualquer das ilegalidades mencionadas que, por via destas, cause aquele tipo de prejuízo.
Se há quem entenda que a enumeração do art.° 3.° não é taxativa, ou sendo taxativa não poderá restringir-se aos casos indicados e condicionadores do regime de subida imediata das reclamações, - cfr., entre outros, Acds. do STA n.° 0897/04 de 22-09-2004; n.° 0644/03, de 04-06-2003; n.° 0946/02, de 10-07-2002; e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado, Vislis, 4 edição, pág. 1049 – é certo, também, que essas ou outras ilegalidades têm que provocar prejuízo irreparável.
A reclamante, no caso sub iudice, para além de não ter provado indiciariamente esse tipo de prejuízo, nem sequer o invocou no petitório dirigido ao juiz.
Pelo exposto, considerando não se estar perante qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do art. 278° n.° 3 do CPPT, ou perante outras ilegalidades que provoquem prejuízo irreparável, o processo não assume natureza urgente e, por outro lado, não é este o momento para se conhecer do recurso (dele só se deve conhecer após a realização da penhora).
Consequentemente, e apesar de, neste processo judicial tributário, faltar o pedido a que alude o art.° 193.°, n.° 2, al. a) do CPC, na impossibilidade de conhecer neste momento da reclamação apresentada, nos termos e para os efeitos do art.° 278, n.° 1 do CPPT, baixem os autos ao SF a fim de prosseguirem os seus termos».
***
3.1. Há que começar pela questão suscitada pelo recorrente nas três primeiras alegações das suas conclusões: a nulidade processual que terá sido cometida ao omitir-se-lhe a notificação da resposta da Fazenda Pública e do parecer do Ministério Público em que se levantava o tema da não imediata apreciação da reclamação. Posto que a sentença acolheu a alegação da Fazenda Pública e do Ministério Público sem que o recorrente tivesse tido oportunidade de a contrariar, pretende ele que houve ofensa do princípio do contraditório e do processo equitativo.
Não é como entende o recorrente, pois tanto monta que a questão tivesse sido suscitada naquelas intervenções processuais como não.
O juiz, independentemente do que digam as partes, ou perante o seu silêncio, não pode proferir nenhuma decisão sem, primeiro, verificar se está chegado o momento para o fazer. No caso, constatando que a reclamação só diferidamente podia ser apreciada, não devia dela tomar imediato conhecimento, fossem quais fossem as posições que no processo a este propósito estivessem expressas. Neste sentido, embora a propósito dos recursos jurisdicionais – sendo que ao que nos ocupa pode atribuir-se a natureza de recurso judicial – dispõe o artigo 700º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual o relator deve corrigir o regime de subida fixado ao recurso.
Como assim, nem a Fazenda Pública nem o Ministério Público assumiram posição sobre a qual o reclamante tivesse o direito de se pronunciar, sob pena de violação do princípio do contraditório, antes se limitaram a chamar a atenção do Tribunal para uma questão de que ele sempre haveria de tomar conhecimento por dever de ofício: a inverificação de um pressuposto para a apreciação imediata da pretensão do reclamante.
É certo que o artigo 3º nº 3 do CPC impõe o respeito deste princípio mesmo quando se trate de questões de conhecimento oficioso. Mas ressalva a «manifesta desnecessidade».
Ora, no caso, o recorrente já tivera oportunidade de se pronunciar sobre o momento da subida da reclamação, e fizera-o, de facto, quando sobre a questão se pronunciaram a Fazenda Pública e o Ministério Público. Na verdade, logo aquando da interposição da reclamação o recorrente defendera a sua subida imediata, nos termos do artigo 278º nº 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), assim afirmando a sua posição sobre a matéria.
Daí que fosse caso de manifesta desnecessidade a nova audição do reclamante para se pronunciar sobre questão relativamente à qual manifestara previamente o seu entendimento.
Não se deixaram de respeitar, pelo exposto, os princípios do contraditório e do processo equitativo.
Improcedem, pois, as três primeiras conclusões das alegações do recurso.
3.2. Passemos então àquela que é, no presente recurso jurisdicional, a questão de fundo, e que tem a ver com o momento de subida a tribunal da reclamação deduzida contra o despacho do órgão da Administração que dirige a execução fiscal.
O recorrente pediu ao chefe de finanças que fizesse subir imediatamente a reclamação ao tribunal alegando – além de outro motivo – que a subida diferida lhe roubaria toda a utilidade, pois não evitaria a penhora.
Ora, o artigo 278º do CPPT dispõe, no seu nº 1, que «O tribunal só conhecerá das reclamações quando, depois de realizadas a penhora e a venda, o processo lhe for remetido a final».
Mas o nº 3 do mesmo artigo ressalva o caso de «a reclamação se fundamentar em prejuízo irreparável causado por qualquer das seguintes ilegalidades:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora dos bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência sobre bens que, não respondendo, nos termos de direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido abrangidos pela diligência;
d) Determinação da prestação de garantia indevida ou superior à devida».
No entendimento da jurisprudência deste Tribunal, não é taxativo este elenco de ilegalidades, antes devem ser atendidas, para o efeito, todas aquelas de que possa resultar, para o interessado, prejuízo irreparável.
Vejam-se, entre outros, os acórdãos de 7 de Dezembro de 2004 no processo nº 1216/04 e de 25 de Janeiro de 2006, no processo nº 1202/05.
Mas entende-se mais do que isso: que devem subir imediatamente as reclamações cuja subida diferida lhes retiraria toda a utilidade.
É esta, de resto, a regra consagrada pelo artigo 734º nº 2 do CPC para os agravos: sobem de imediato aqueles «cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis».
Na verdade, mal se entenderia que a lei, admitindo alguém a rebelar-se contra uma decisão, permitindo a sua reapreciação por outra entidade, só propiciasse a avaliação da pretensão do interessado quando desta apreciação não pudesse resultar nenhum efeito útil. Seria o mesmo que dar com uma mão e tirar com a outra – além de assim se consagrar um meio de reacção inconsequente, porque de todo desprovido de proveito.
Diz-se, na decisão recorrida, que «a reclamante (...), para além de não ter provado indiciariamente esse tipo de prejuízo, nem sequer o invocou no petitório dirigido ao juiz».
Mas não se vê qual a relevância de o prejuízo ter sido invocado no requerimento dirigido ao órgão da Administração Fiscal que dirige a execução, ao pedir a admissão da reclamação, e não nas alegações endereçadas ao juiz, que integram os fundamentos dessa reclamação. Aparentemente, a objecção não teria lugar se o reclamante tivesse, num único instrumento, requerido a interposição da reclamação e apresentado as suas alegações, como não estava impedido de fazer – o que patenteia a sua escassa consistência.
Entendemos, pelo exposto, que o reclamante alegou, pertinentemente, factos capazes de consubstanciar uma situação que, à luz das normas apontadas, implique a imediata apreciação da sua reclamação. Entre eles figura a iminência de procedimento criminal que lhe é anunciado na notificação feita pelo órgão da execução fiscal, de que se acha cópia no processo.
No caso, a reclamante pretende, com a reclamação, evitar a penhora de bens seus, que entende não responderem pelo pagamento da dívida exequenda.
Como assim, se a reclamação não subisse de imediato, mas só nos termos do falado nº 1 do artigo 278º do CPPT, a penhora substantificar-se-ía, podendo dizer-se que a decisão que a final viesse a ser proferida não teria efeito útil, e o recorrente sofreria, necessariamente, o prejuízo que quer afastar.
Mas a verdade que a penhora de bens não causa, necessariamente, um prejuízo irreparável, uma vez que pode, a todo o momento, ser levantada e, neste caso, não chegar a produzir qualquer dano; ou o dano, a ocorrer, poderá ser reparado.
Mesmo a venda dos bens pode fazer-se regredir, apagando-se os seus efeitos; e aqueles que porventura subsistam são de natureza facilmente compensável.
A inutilidade resultante da subida diferida da reclamação é noção a definir em presença da de prejuízo irreparável de que fala a lei. É seguro que o legislador não quis impor a subida imediata de todas as reclamações cuja retenção pode originar prejuízos.
Não está em causa, pois, poupar o interessado a todo o prejuízo. Por isso se estabelece que as reclamações sobem imediatamente só quando a sua retenção seja susceptível de provocar um prejuízo irreparável.
Em súmula, a reclamação que não suba logo não perde todo o seu efeito útil, mesmo que não evite o prejuízo que se quer impedir, desde que seja possível repará-lo.
Como é, aqui, o caso.
O reclamante alegou, ainda, a iminência de procedimento criminal, estribando-se na notificação que lhe foi feita.
Mas tal acontecimento não é uma consequência imediata do acto do órgão da Administração; a sua ocorrência só pode ser resultado de uma actuação negativa do próprio interessado, notificado para actuar de determinada maneira, sob pena desse procedimento, se o não fizer.
Como assim, a evitação do prejuízo que possa advir para o reclamante da instauração de procedimento criminal está nas suas mãos; ou, se se quiser, o prejuízo só ocorrerá se o próprio reclamante o conjurar.
Improcedem, pelo exposto, as conclusões das alegações do recorrente.
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4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, negando provimento ao recurso jurisdicional, confirmar a decisão impugnada.
Custas a cargo do recorrente, com 1/6 (um sexto) de procuradoria.
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Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006. – Baeta de Queiroz (relator) – Lúcio Barbosa – Pimenta do Vale.