Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0163/19.1BEPRT
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:LEGITIMIDADE
SANEADOR
RECURSO
Sumário:O despacho saneador tabular que declara as partes legítimas pode ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final em 2ª instância.
Nº Convencional:JSTA000P25543
Nº do Documento:SA1202002060163/19
Data de Entrada:12/04/2019
Recorrente:A.. - PRESIDENTE DO ÓRGÃO EXECUTIVO DO MUNICÍPIO DA ... E OUTROS
Recorrido 1:JPP – JUNTOS PELO POVO (PARTIDO POLÍTICO)
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: 1. A…………., B…………, respetivamente Presidente da Câmara Municipal da ……, e Vereador da Câmara Municipal da ……, vêm interpor recurso jurisdicional para este STA, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCAN, que negou provimento ao recurso da decisão proferida pelo TAF do Porto, que tinha julgado parcialmente procedente a ação intentada, em 23.1.2019 por JPP - Juntos pelo Povo (partido político) [contra os ora Recorrentes e ainda contra C…………, Presidente do Conselho da Administração da empresa ….… para declaração de perda de mandato dos demandados e dissolução de órgãos autárquicos (art.s 8º e 9º da Lei nº 27/96, de 1 de agosto)], e consequentemente declarara a perda de mandato do 1º R. e do 2º R., absolvendo do pedido o 3º R., o 4º R. e o 5º R.
2. Para tanto alegaram em conclusão:
“(...) DO RECURSO QUANTO À NÃO REAPRECIAÇÃO DA (I)LEGITIMIDADE DO AUTOR/RECORRIDO

BBB. Ora, não obstante toda a argumentação expendida nas alegações recurso para o TCAN, o Acórdão entendeu que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 88.º do CPTA, "independentemente da posição que se adopte quanto à valia intrínseca do despacho saneador tabular - no caso atinente à declaração de legitimidade das partes -, certo é que a exceção dilatória da ilegitimidade do Autor, (i) por não ter sido anteriormente suscitada, não pode ser desencadeada nem decidida no presente recurso ou, (ii) na valia do despacho saneador tabular, não pode ser aqui reapreciada".

CCC. O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, porquanto fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 88º do CPTA. Desde logo, porque essa interpretação deve ser, cum grano salis, conjugada com a ideia de que, sendo a apreciação da legitimidade de conhecimento oficioso, não pode o julgador - somente porque essa defesa não foi esgrimida na Contestação - limitar-se a não apreciar e a escrever singelamente que as partes são legítimas ou a limitar o direito de recorrer dessa decisão.

DDD. Não é essa, aliás, a letra nem o espírito da alínea a) do n.º 1 do artigo 88º do CPTA. O julgador da 1.ª instância, no despacho saneador, ao declarar e julgar as partes legítimas, apreciou (oficiosamente) a questão da legitimidade.

EEE. E essa decisão é suscetível de recurso (artigo 142.°, n.º 5 do CPTA), o que ocorreu no momento oportuno (na sentença, com a decisão final).

FFF. A este propósito, e porque trata de questão em tudo idêntica, importa convocar o Acórdão do STA, de 17 de janeiro de 2019, relativo ao processo n.º 01282/17.4BELRA, e http://www.dgsi.pt/JSTA.NSF/35fbbbf22e1bb1e680256 f8e003ea931/94f9603cOfeef6078025838b005b142e?OpenDocument&ExpandSection=1, que se dá por reproduzido, o qual refere, nomeadamente, o seguinte:

"Assim sendo, carece de razão o TCAS ao fundamentar a «recusa de conhecimento da questão da legitimidade ativa» na falta da sua invocação nas contestações, e na falta do seu prévio conhecimento. Pelo que fica dito, impunha-se ao TCAS o conhecimento do recurso interposto da «decisão, proferida no saneador-sentença, sobre a legitimidade ativa», sendo certo que carece este tribunal de revista de poder para o fazer «em substituição» [artigo 150° do CPTA, nomeadamente seu nº 5 a contrario]. Deverá, assim, o processo ser enviado ao TCAS para proceder ao conhecimento da questão da legitimidade ativa, e apenas perante o sentido dessa decisão se poderá aferir da «utilidade ou não» do conhecimento do segmento do recurso relativo ao mérito da decisão final, que, por agora, resta prejudicado".

GGG. No momento em que fez o saneamento dos autos, e não obstante não ter sido uma questão suscitada pelos Recorrentes, deveria o tribunal a quo ter verificado a legitimidade ativa do Recorrido, subsumindo a condição de partido político ao disposto no n.º 2 do artigo 11° da Lei n.º 27/96 e ter analisado o seu enquadramento.

HHH. Das três hipóteses oferecidas pelo legislador, resulta do óbvio que o Recorrido não cabe nas duas.

III. À luz do nº 2 do artigo 11º da Lei n.º 27/96, um partido político não tem legitimidade ativa para intentar uma ação de perda de mandato. Em primeiro lugar, o legislador não pretendeu duplicar a legitimidade ativa para estes casos. Por outro lado, não foram carreados factos para os presentes autos que permitam perceber qual o "interesse direto em demandar" e qual a "utilidade derivada da procedência da ação" para o Recorrido, enquanto partido político.

JJJ. E note-se que "utilidade derivada da procedência da ação" está agrilhoada a uma vantagem patrimonial ou não patrimonial. E esta vantagem não se vislumbra de todo, nem é invocada.

KKK. Na verdade, a procedência desta ação só conduzirá a uma alteração dos membros do Executivo Municipal e nunca à convocação de eleições intercalares.

LLL. O Recorrido não preenche os requisitos legais necessários para intentar a presente ação, pelo que deveria ter sido considerado como parte ilegítima no despacho saneador.

MMM. Pelo exposto, o tribunal a quo fez uma errónea interpretação e aplicação do artigo 11º, nº 2 da Lei 27/96, de 1 de agosto, pelo que deve a decisão constante do despacho saneador ser revogada e, em consequência, ser declarada a ilegitimidade ativa do Recorrido.

NNN. O Acórdão do TCAN, ao recusar reapreciar a questão da ilegitimidade ativa do Recorrido incorreu em erro de julgamento de direito e numa errónea interpretação e aplicação do artigo 88.º, n.º 2 do CPTA, pelo que, como bem decidiu o Acórdão do STA acima referido, deverá o processo ser enviado ao tribunal a quo (para proceder ao conhecimento da questão da legitimidade ativa, e apenas perante o sentido dessa decisão se poderá aferir da «utilidade ou não» do conhecimento do segmento do recurso relativo ao mérito da decisão final, que, por agora, resta prejudicado ".

Sem prescindir,

DO RECURSO QUANTO À IMPROCEDÊNCIA DA CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO

OOO. O despacho que decide julgar improcedente a exceção de caducidade de direito de ação, bem como o Acórdão que o confirma, decorre de uma errónea interpretação e aplicação do artigo 98º, nº 2 do CPTA e do artigo 11º, nº 4, da Lei nº 27/96, de 1 de agosto.

PPP. As ações para declaração de perda de mandato, como sucede in casu, i) têm carácter urgente e que ii) seguem os termos do processo do contencioso eleitoral previsto no CPTA.

QQQ. E, na falta de regime processual próprio, encontrou o legislador no contencioso eleitoral e nos prazos previstos para a sua tramitação, a resposta rápida para as ações de declaração de perda de mandato e de dissolução de órgãos autárquicos.

RRR. A proposta que dá mote à presente demanda foi votada favoravelmente em reunião da Câmara Municipal da …… no dia 6 de dezembro de 2018 e em reunião de Assembleia Municipal da …… no dia 17 de dezembro de 2018. Não há dúvidas de que, pelo menos a partir dessa data (17 de dezembro de 2018), os eleitos do Recorrido tiveram conhecimento da proposta e das ulteriores deliberações do Executivo Municipal e da Assembleia Municipal da …...

SSS. No entendimento sufragado pelo tribunal recorrido, o prazo de 7 dias não se aplica a quem, tendo conhecimento de factos que permitam sustentar uma ação de declaração de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos, podendo assim tomar essa iniciativa no prazo de 5 anos a partir da ocorrência desses mesmos factos.

TTT. Tal interpretação, reitera-se, é profundamente errada, por várias ordens de razão, na medida em que o referido prazo de 5 anos tem que ser obrigatoriamente conjugado com o prazo de 7 dias referido no artigo 98º do CPTA.

UUU. A interpretação preconizada pelo tribunal a quo, choca frontalmente com a sistemática do ordenamento jurídico no seu todo.

VVV. Alinhando pela urgência deste tipo de ações, o legislador consagrou um prazo máximo de 20 dias para que o Ministério Público possa agir judicialmente.

WWW. Não faz assim qualquer sentido que um partido político ou um eleito local possam intentar uma ação de perda de mandato ou de dissolução de órgão autárquico durante um longo prazo de 5 anos, independentemente do momento em que tomaram conhecimento dos factos que fundamentam a ação.

XXX. Isto porque, a interpretação sustentada pelo tribunal a quo, levada ao limite, conferiria ao Autor de uma ação desta natureza, a possibilidade de, por exemplo, um eleito local, gerir o prazo de 5 anos em seu proveito próprio ou com um determinado objetivo político, deixando de servir o propósito da justiça administrativa num processo de natureza sancionatória e adquirindo um efeito indesejavelmente perverso.

YYY. Mais, para além deste efeito perverso e indesejável, fica contrariado e comprometido o carácter urgente deste tipo de ações.

ZZZ. Parece claro que o prazo de 5 anos previsto no n.º 4 do artigo 11º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, tem que ser conjugado com o n.º 3 do mesmo inciso legal (20 dias) e, também, com o disposto no n.º 2 do artigo 98º do CPTA (7 dias).

AAAA. Ao contrário do caso do Ministério Público, o legislador não estabeleceu uma previsão especial no artigo 11.º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, para os restantes autores (particulares) de uma ação desta natureza. E aqui se encontra a verdadeira vexata quaestio da decisão colocada em crise.

BBBB. Contudo, o legislador apontou o caminho, quando refere que este tipo de ações têm carácter urgente e seguem os termos do processo de contencioso eleitoral, previsto no artigo 15.º do CPTA.

CCCC. E, não existindo uma previsão especial na Lei.º 27/96, de 1 de agosto, o prazo tem que ser encontrado no artigo 98.º, n.º 2, do CPTA, sendo igualmente necessário, mutatis mutantis, conjugar esse prazo de 7 dias com o prazo de 5 anos previsto no artigo 11.º, n.º 4 da referida lei.

DDDD. Acresce ainda que, a interpretação sustentada pelo tribunal a quo é ainda errada, porquanto prefigura uma diferença abissal e incompreensível de prazos entre o Ministério Público (20 dias) e os particulares (5 anos), que não é de todo compatível com o objetivo comum deste tipo de ações. Isto é, a realização da justiça administrativa nas ações de declaração de perda de mandato e de dissolução de órgãos autárquicos - salientando-se a importância que revestem este tipo de ações, que têm por fim extinguir um mandato autárquico conferido democraticamente por voto popular -, não pode ser entendida de uma forma urgente quanto ao tempo do Ministério Público – “prazo máximo de 20 dias" - e relaxada quanto a iniciativa cabe aos particulares – 5 anos.

EEEE. Importa perceber o papel do Ministério Público no âmbito do processo administrativo bem como os prazos de que dispõe quando o legislador lhe atribui legitimidade para intentar uma ação (administrativa) pública.

FFFF. No âmbito do contencioso administrativo, que ocupa primacialmente os tribunais administrativos portugueses com ações administrativas que visam impugnar atos administrativos, o prazo do Ministério Público para "atos anuláveis" é de um ano e para os restantes casos (nomeadamente particulares) é de três meses.

GGGG. Com isto se pretende demonstrar que no âmbito do processo administrativo, os prazos de que dispõe o Ministério Público para intentar ações é igual ou superior ao dos particulares, pelo que, não faria sentido que nas ações de declaração de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos a regra fosse diferente.

HHHH. Se este tipo de ações persegue os mesmos objetivos - maxime a defesa da legalidade democrática -, qual seria o sentido de o legislador conferir prazos tão díspares (20 dias e 5 anos) a autores distintos?

IIII. A partir desse dia 17 de dezembro de 2018 - data da AM, tinha o Recorrido o prazo de 7 dias para intentar a correspondente ação de declaração de perda de mandato.

JJJJ. A presente ação deu entrada em juízo no dia 23 de janeiro de 2019, isto é, mais de um mês após "a data em que seja possível o conhecimento do ato" nos termos definidos no n.º 2 do artigo 98º do CPTA, pelo que nessa data se encontrava ultrapassado o prazo legal de 7 dias.

KKKK. Por todo o exposto, deverá ser julgada procedente, por provada, a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, que conduz à absolvição da instância dos Recorrentes, nos termos previstos no artigo 89º, n.º 4, alínea k) do CPTA.

Ainda sem prescindir,

QUANTO AO RECURSO DO ACÓRDÃO NA PARTE EM QUE CONFIRMA A PERDA DE MANDATO DOS RECORRENTES

LLLL. O Acórdão recorrido confirmou a sentença do TAF do Porto, declarando a perda de mandato dos Recorrentes, como Presidente e Vereador da Câmara Municipal da …..

MMMM. O tribunal a quo, para sustentar tal decisão, louvou-se, grosso modo, no facto de os Recorrentes i) terem subscrito uma proposta - e que tal implica uma participação no procedimento administrativo que alegadamente ii) lhes atribuiu uma vantagem patrimonial e de iii) tal conduta ter sido praticada com "culpa grave".

NNNN. A letra da lei determina que incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem, como alude o artigo 8º, n.º 2 da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto.

OOOO. Contudo, importa referir que a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores têm ensinado que a aplicação desta medida sancionatória - perda de mandato - deve ser caldeada pelo princípio da proporcionalidade e ser reservada aos casos em que se verifica uma conduta dolosa, de culpa grave, por parte dos eleitos locais, e que origine uma censura ético-jurídica.

PPPP. Ao contrário do que propugna o Acórdão recorrido, a mera subscrição da proposta em análise não é apta a gerar o efeito enunciado, nem tão pouco ser propulsora da radical consequência de perda de mandato.

QQQQ. A mera subscrição de uma proposta não implica a produção de efeitos jurídicos, sendo obviamente necessário que sobre ela recaia uma deliberação.

RRRR. Caso assim não se entendesse, poderíamos cair no absurdo de um eleito local ter subscrito uma determinada proposta acerca de um assunto em que tivesse um interesse direto (nos termos legalmente consignados), a mesma tivesse sido retirada de votação por qualquer motivo, e ainda assim se conceber uma cominação legal de perda de mandato para o autarca em causa.

SSSS. A este propósito, adere-se integralmente ao Parecer do Senhor Doutor Mário Esteves de Oliveira, junto com as Alegações de Recurso para o TCAN e cujo teor se dá por reproduzido, o qual refere na Conclusão nº 9 que "Importa portanto averiguar, em primeiro lugar - como antecedente legal e lógico, que é, do requisito da existência de "culpa grave" que na sentença se imputa aos Consulentes -, se o citado requisito legal da "intervenção em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado, relativamente ao qual se verifique impedimento legal [...]" deve considerar-se preenchido pela referida intervenção dessas mesmas pessoas na apresentação à Câmara da …… da proposta de assunção municipal das dívidas da ……, cuja reversão para os respectivos administradores, os ditos Consulentes, fora determinada pela Autoridade Tributária".

TTTT. E este raciocínio prossegue e expande-se a partir da Conclusão nº12 (até à conclusão 48), que aqui se dão por reproduzidas.

UUUU. Analisado o Acórdão recorrido - que estranhamente não faz referências ao enunciado Parecer do Dr. Mário Esteves de Oliveira e aos importantes e valiosos argumentos lá contidos -, do mesmo resulta uma decisão judicial urdida por um raciocínio tolhido pelo entendimento de que a mera subscrição da proposta sub judice - aditada a uma alegada vantagem patrimonial e a uma conduta classificada (erradamente) como "culpa grave", como veremos adiante - é causa suficiente para declarar a perda de mandato dos Recorrentes como Presidente e Vereador da Câmara Municipal da …...

VVVV. Por outro lado, não se tratou de uma proposta ou de uma deliberação que visou a obtenção de uma vantagem patrimonial para os Recorrentes. Os Recorrentes não se apropriaram de dinheiro público, nem beneficiaram com uma deliberação que se consubstancia unicamente no pagamento de uma alegada dívida do ……. à Autoridade Tributária e que ainda está a ser discutida no plano administrativo-tributário.

WWWW. A própria proposta que fundamentou a deliberação sub judice refere expressamente que "independentemente do que fica consignado na presente proposta e nos documentos que a integram, não se poderá deixar de salientar que o pagamento das quantias exequendas não prejudica a dinâmica das Reclamações Graciosas, bem como as eventuais Impugnações Judiciais. E que caso a AT ou o Tribunal venha a considerar que as liquidações promovidas pela AT não sejam legais, julgando as Reclamações Graciosas ou as Impugnações Judicias procedentes, como já se referenciou em supra, e que deram origem às reversões contra os três administradores indigitados pela Câmara Municipal da ….., todas as quantias pagas serão devolvidas ao abrigo das liquidações revertidas".

XXXX. A este propósito, importa salientar a decisão final proferida pela AT, da qual resulta a revogação parcial, a título definitivo, da liquidação de IVA [cfr. documento nº1 junto com o requerimento dos Recorrentes de 20 de março de 2019].

YYYY. E se as Reclamações e Impugnações apresentadas contra os atos de liquidação de IVA e IRC forem julgadas procedentes in totum pela AT ou pelos tribunais, como se justificará a tal "vantagem patrimonial" que refere o tribunal a quo e que serve de fundamento para a declaração de perda de mandato?

ZZZZ. A obrigação de pagamento das quantias, como foi demonstrado neste pleito através do Parecer jurídico de 19 de novembro de 2018, competia à Câmara Municipal da …… (para além dessa responsabilidade advir da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 147º do CSC).

AAAAA. Daí ter sido elaborada a proposta e ter sido a mesma apresentada com toda a lisura e transparência.

BBBBB. Importa ainda salientar um vício de raciocínio na sentença da 1.ª instância e repetido no Acórdão recorrido, no que tange à suspensão do processo de execução fiscal, por aplicação do artigo 216º do CPPT Ora, como refere Jorge Lopes de Sousa no CPPT Anotado - mencionado, aliás, na decisão judicial - basta que seja deduzida oposição à execução para deixarem de ser realizadas as diligências aqui previstas tendentes a cobrança coerciva da dívida. Contudo, este regime só opera se for deduzida oposição. No caso do ……. não foi deduzida oposição à execução fiscal, mas sim impugnação e reclamação, que não cabem dentro do mecanismo previsto no artigo 216º do CPPT. E foram deduzidas as reclamações e impugnações e não a oposição à execução, porque os fundamentos desta são taxativos e estão previstos no artigo 204º do CPPT.

CCCCC. Ou seja, o mecanismo do artigo 216º do CPPT só opera na oposição à execução (e não, como refere erradamente o tribunal a quo, no caso de impugnação), sendo certo que neste caso não era possível a apresentação da oposição, por não ser legítima a discussão da legalidade da liquidação neste meio de tutela, o que significa que, na prática, o artigo 216º do CPT não opera os seus efeitos.

DO QUADRO LEGAL DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E DO DEVER DA AUTARQUIA PAGAR AS QUANTIAS EM CAUSA

DDDDD. Questão que o tribunal a quo não considerou e que legitima a atuação dos Recorrentes, está relacionada com a aplicação do artigo 147.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) ao caso em apreço.

EEEEE. Não obstante tal fundamentação não constar da deliberação camarária que deu mote à presente demanda, certo é que não pode o julgador deixar de aplicar as disposições legais a que se devem subsumir os factos dados como provados.

FFFFF. A deliberação de dissolução da …….. é anterior às inspeções tributárias que originaram os atos de liquidação de IRC e de IVA. O que significa que, à data da dissolução da ……., as dívidas fiscais em apreço ainda não existiam.

GGGGG. Daí que o disposto no n.º 2 do artigo 147º do CSC seja aplicável aos autos e conduza à única solução possível: o Município da ……, na qualidade de sócio, era e é responsável subsidiário pelo pagamento destas dívidas fiscais.

HHHHH. A dissolução das empresas locais obedece ao regime jurídico dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, tal como é imposto pelo n.º 4 do artigo 62.º da Lei n.º 50/2012, de 31 de agosto.

IIIII. Esta modalidade de responsabilidade subsidiária do Município da …… opera ou deve operar com fundamento num pressuposto legal vinculado, por se tratar de dívidas fiscais ainda não exigíveis à data da dissolução da ……., assim o impondo o estatuído no n.º 2 do artigo 147.º do Código das Sociedades Comerciais, por força do qual as dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios.

JJJJJ. A referida norma jurídica permite concluir que a questão jurídica fundamental controvertida que está em causa no caso concreto, não é, afinal, uma questão de responsabilidade fiscal subsidiária dos Administradores da Empresa Local (artigo 24.º da Lei Geral Tributária), mas antes a responsabilidade dos sócios.

KKKKK. Pelo exposto, e atento o disposto no n.º 2 do artigo 147.º do CSC, o Município da ……, enquanto sócio público, assume vinculadamente a responsabilidade subsidiária, ilimitada e solidária pelas dívidas fiscais da ……., E.M., uma vez que as mesmas foram só exigíveis em momento ulterior à sua dissolução.

Sem prejuízo do supra exposto,

LLLLL. No dia 19 de novembro de 2018, foi emitido um parecer jurídico, que se dá por reproduzido e que apresenta as seguintes conclusões:

- “O projeto de reversão, transversal a todos os revertidos, cumpre os pressupostos da responsabilidade subsidiária e determina validamente a imputação das dívidas da ……..

- Em resultado da reversão que se irá operar, nasce a obrigação de cumprimento das obrigações tributárias melhor identificadas no respetivo projeto de decisão.

- A obrigação de pagamento das quantias exequendas compete à Câmara Municipal da …..."

MMMMM. Tendo sido concluída a obrigação de pagamento das quantias por parte da Câmara Municipal da ……, foi claramente com base neste entendimento que foi apresentada a proposta em apreço, que foi posteriormente aprovada em reunião de Câmara Municipal e em reunião da Assembleia Municipal da …….

NNNNN. Foi com base nesse parecer que foi apresentada proposta em apreço.

OOOOO. O Município da ……, enquanto titular de 51% do capital social do ……… tem obrigações de reposição de equilíbrio financeiro e reposição dos prejuízos nos termos do artigo 40º, nº 2 da Lei 50/2012, à data em vigor.

PPPPP. No que concerne ao Município da ……, e ao contrário do que vem referido na sentença do TAF do Porto e no Acórdão recorrido, o valor global das suas responsabilidades enquanto titular de 51 % do capital social do ……… era de € 2.573.232,65, dos quais haviam sido entregues (pagos) € 677.838,69, faltando assim entregar € 1.895.393,96.

QQQQQ. Tal valor acabou por não ser transferido diretamente para o ………, tendo vindo a ser utilizado no pagamento das responsabilidades fiscais que contra os Recorrentes foi revertida enquanto administradores do ……...

RRRRR. Isto é, em alternativa à circunstância da Câmara Municipal transferir para o ………. o montante acima referido, para que aquela cumprisse as suas obrigações fiscais, optou a autarquia por utilizar o mesmíssimo valor para cumprir responsabilidades do ………. e que para os administradores foram revertidos.

SSSSS. O pagamento, em escrutínio nos presentes autos, está dotado, para além da legitimação jurídica decorrentes do artigo 147.º, nº 2 do CSC e bem assim dos juízos expendidos no parecer acima referido, da legitimidade que lhe é emprestada por uma deliberação da Câmara e da Assembleia de 31 de outubro de 2016 e 7 de novembro de 2016, respetivamente, que em nenhum momento foi posta em causa nas instâncias judiciais.

TTTTT. No pagamento realizado ao abrigo do processo de reversão - sindicado nesta ação - foi utilizado o cabimento e compromisso associado àquele NCD 7862, no valor de € 1.388.897,84, acrescido de um compromisso adicional (RED 3239/2018), no valor de € 83.687,25, o que significa que o valor em apreço estava já contemplado e previsto no projeto de relatório de dissolução e proposta de plano de liquidação da ……….

UUUUU. O que aqui se consigna é fundamental, porque dessa deliberação decorre a obrigação do Município da …… assumir as obrigações do …….. dentro daquele valor e nesse perímetro caem os impostos agora assumidos.

VVVVV. Sublinhe-se novamente que a notificação da AT para pagamento de impostos alegadamente em falta ocorreu em data posterior à dissolução do ………, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 147º do CSC, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas fiscais, depois da dissolução, cabe aos sócios e não aos Administradores, não se aplicando o artigo 24º da LGT.

WWWWW. O Município da …… colocou em crise a liquidação dos impostos em causa, pelo que, em caso de decisão favorável (como já sucedeu, para já de forma parcial, com a decisão definitiva proferida pela AT, da qual resulta a revogação parcial, a título definitivo, da liquidação de IVA, os cofres municipais receberão todo o dinheiro que agora pagou.

XXXXX. Não se verifica qualquer vantagem patrimonial para os Recorrentes.

YYYYY. O que está em causa no presente recurso é um Acórdão do TCAN que - confirmando a sentença do TAF do Porto - declara, por erro de julgamento e errónea interpretação e aplicação de normas jurídicas, a perda de mandato de dois autarcas que foram democraticamente eleitos pelos munícipes em dezembro de 2017 para um mandato de 4 anos.

ZZZZZ. Uma ação de declaração de perda de mandato não se faz de aplicações automáticas de normas jurídicas ou da alegação de um conjunto de factos - alguns deles falsos, como se demonstrou para servir, aparentemente, objetivos políticos de circunstância e a que a justiça administrativa é absolutamente alheia.

AAAAAA. Prova disso mesmo é o recente Parecer n.º 25/2019, de 19 de setembro de 2019 da Procuradoria Geral da República, solicitado por Sua Excelência o Primeiro-Ministro de Portugal, que pediu um esclarecimento atinente à interpretação e aplicação dos artigos 8.° e 10.°, n.º 3, da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, que estabelece o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos.

BBBBBB. O julgamento do tribunal deve ser casuístico, atrelado ao circunstancialismo descritos, ponderado e precedido de um juízo de prognose que permita aferir da gravidade da situação.

CCCCCC. A decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento quanto a esse juízo, que viola inclusivamente o princípio constitucional da proporcionalidade nas suas três dimensões (adequação, necessidade e proporcionalidade "stricto sensu").

DDDDDD. Lembre-se a este propósito que a decisão judicial colocada em crise não pondera sequer a aplicação do artigo 10º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, a qual refere expressamente não há lugar a perda de mandato se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.

EEEEEE. Como bem lembra o Ernesto Vaz Pereira "a teleologia da norma é a evitação de obtenção pelos autarcas ou pessoas próximas de situações de favor, de primazia ou de privilégio em detrimento de terceiros que não têm à autarquia qualquer ligação funcional. Para respeito das diretivas constitucionais estabelecidas nos n.ºs 1 e 2 do art. 266 da CRP. A jurisprudência do STA tem exigido que o interesse direto e pessoal, relevante, de tal modo que afecte a capacidade do autarca de decidir", com isenção e imparcialidade, o interesse público posto a seu cargo (acs. Do STA de 24/04/96, 39873, de 11/07/96 rec. 40467, de 19/03/96, rec 39746, e de 14/05/96, rec. 40138)".

FFFFFF. Ao contrário do que conclui - erradamente - o Acórdão proferido pelo tribunal a quo, não existem quaisquer evidências nos presentes autos que permitam concluir que a conduta dos Recorrentes foi dolosa, ou caracterizada por uma "culpa grave".

GGGGGG. E se seguirmos o raciocínio expendido na sentença do TAF do Porto e no Acórdão recorrido quanto ao sentido de voto dos Vereadores substitutos na reunião de Executivo de 6 de dezembro de 2018 - que parece sustentado numa presunção de alinhamento partidário no tange ao sentido de voto - parece altamente provável que a proposta poderia ter sido subscrita por outros membros da Vereação ou até por apenas um Vereador.

HHHHHH. E a deliberação da dita proposta seria, provavelmente, no mesmo sentido, isto é, favorável.

IIIIII. O que exclui desde logo uma conduta dolosa por parte dos Recorrentes.

JJJJJJ. Os Recorrentes não têm formação jurídica, agiram com total transparência, suportados por um parecer jurídico detentor de argumentos sólidos.

KKKKKK. Por outro lado, note-se que as dívidas fiscais em causa são originadas por uma inspeção tributária posterior à deliberação de dissolução do ………, o que, como atrás se explanou, cai no âmbito de responsabilidade subsidiária dos sócios (e não dos Administradores), nos termos do artigo 147º, n.º 2 do CSC.

LLLLLL. Sendo certo que as liquidações que totalizam o valor das reversões foram contestados pela Comissão Liquidatária do …….. e a única decisão conhecida até ao momento, da banda da AT, é parcialmente favorável.

MMMMMM. No limite, existem causas que justificam os factos descritos e que excluem a culpa dos Recorrentes, pelo que deveria ter sido aplicado o artigo 10º da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto. Ao não aplicar o mencionado artigo 10º incorre a decisão judicial recorrida numa errónea interpretação e aplicação (por omissão) da dita norma jurídica.

NNNNNN. Sublinhe-se o acerto do referido no Parecer do Senhor Doutor Mário Esteves de Oliveira, que aqui se dá por reproduzido na parte relativa à apreciação (errada) do tribunal a quo no que concerne às alegadas "consciência da ilicitude" e "culpa grave" dos Recorrentes.

"Deve ainda assinalar-se aqui, por dever de ofício, que na mencionada conclusão decisória da sentença, constante de suas fls. 70, para além de outras referências de relevância ou inteligibilidade discutível - como sucede com a admissão, mesmo que hipotética, do facto de as dívidas revertidas poderem ser de valor bem reduzido em relação ao € 1.472.429,07 votados na deliberação camarária sub iudice -, também a conclusão sobre a plena consciência da ilicitude e a culpa grave imputada aos Consulentes se mostra muito fragilmente fundamentada, sobretudo quando se está perante um elemento decisivo, de acordo com a jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Administrativo, para a formulação de censuras ético-jurídicas tão graves quanto estas;

Desde logo, porque se encontra exclusivamente reportado tal juízo, pelo menos do ponto de vista literal, às premissas constantes das alíneas (i) e (ii) da referida fls. 70 da sentença;

E se bem que aí se diga que os Consulentes "visaram obter, para si, uma vantagem patrimonial na exata medida desse montante global de EUR 1.472.429,07", o certo é que em parte alguma da sentença do TAF do Porto se encontram registados quaisquer factos que indiciem ou revelem com satisfatório grau de certeza que os Consulentes atuaram com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si;

Ou seja, que revelem tratar-se de uma atuação (não apenas antijurídica, mas) dolosa sua, "em termos de dolo direto", que a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores uniformemente exige como pressuposto da aplicação da sanção da perda de um mandato democrático (cf, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 8 de março de 2007, proc. nº 00110/06.BEBRG, disponível em www.dgsi.pt);

E não apenas que atuaram assim pelo facto de, supondo eles - com base até no "parecer jurídico" a que se refere a sentença terem estado na Administração da ……… em representação efetiva do Município, ser a este que deveria ser imputada o encargo com a satisfação das dívidas dessa empresa municipal;

Aliás, o que é óbvio é que, se tivessem atuado com plena consciência da ilicitude da sua conduta, como se inferiu na sentença, os Consulentes não teriam naturalmente assinado, com mais quatro pares seus, uma proposta cujo efeito procedimental propulsivo se produziria à mesma, independentemente das suas assinaturas - por a lei, já o vimos, se bastar com a subscrição de propostas de deliberação colegial apenas por um dos vogais do respetivo órgão;

No entendimento dos signatários deste Parecer, ficou assim concludentemente demonstrado não estarem preenchidos, no presente caso, os requisitos da ilicitude da conduta e da culpa grave dos respetivos agentes, não obstante haja que reconhecer a laboriosa e muitas vezes cuidadosa reflexão que sobre ele (tal caso) se fez na sentença do TAF do Porto;

Sem podermos esquecer, contudo, existirem na mesma sentença - embora a propósito do caso aparentado da apreciação do pedido de dissolução da Câmara e Assembleia Municipais da ……, nos termos do art. 9° da Lei nº 27/96 - fundamentos que funcionaram aí como causa de absolvição desse pedido aparentado com o nosso e que são inteiramente coincidentes com aqueles que também se verificavam no caso desta Consulta, mas que serviram aqui como fundamentos principais ou instrumentais do juízo e da sanção ético-jurídica de perda do mandato dos dois Consulentes;

Referimo-nos, nomeadamente, em primeiro lugar, ao facto de, para efeitos do art. 10° da Lei nº 27/96, se considerar na sentença (a fls. 73) causa justificativa do facto ou excludente da culpa no caso da votação por parte da Câmara da proposta que lhe foi apresentada para assunção das dívidas revertidas para os Consulentes, a existência de um "parecer jurídico" sustentando que impendia sobre o Município a obrigação do pagamento de tais dívidas - afinal, exatamente o mesmo parecer com fundamento no qual os Consulentes e quatro pares seus apresentaram aquela proposta de deliberação camarária, e que levou o Tribunal de 1ª instância a sancioná-los com a perda de mandato;

E referimo-nos, em segundo lugar, ao facto de "não se descartar" na sentença (a fls. 75), em relação ao juízo de absolvição nela formulado sobre o pedido de dissolução do órgão colegial, "a ideia de que poderia existir um efetivo (e exclusivo) interesse público secundário do Município da ……… na assunção das dívidas" referidas;

Enquanto, como se viu, no que tange ao pedido de perda de mandato dos Consulentes, o TAF do Porto descartou essa ideia, entendendo (ao contrário do que vimos ser nossa opinião) que a proposta de decisão camarária por eles formulada visava antes a obtenção de uma vantagem patrimonial para si próprios - ainda por cima com culpa grave e plena consciência da respetiva ilicitude - sem valorizar ou desvalorizar a intenção com que os restantes quatro subscritores dessa proposta a teriam assinado, os quais, naturalmente, também poderiam ter sido motivados pela tal "ideia de que poderia existir um efetivo (e exclusivo) interesse público secundário do Município da …….. na assunção das dívidas";

São mais dois argumentos a acrescer àqueles para aqui já consistentemente carreados, julga-se, no sentido de demonstrar que os juízos e a decisão de perda de mandato dos Consulentes decretada pelo TAF do Porto se mostram desconformes não apenas com o sentido do art. 8°/2 da Lei nº 27/96, mas também com os valores e os princípios gerais de que a jurisprudência dos nossos mais altos Tribunais, por respeito aos alicerces do Estado de Direito democrático, faz frequente aplicação em matéria de valoração ético-jurídica da sanção da perda de mandato".

OOOOOO. A sanção de perda de mandato, contida no Acórdão recorrido, é altamente injusta e manifestamente desproporcionada face à conduta dos Recorrentes.

PPPPPP. Os Recorrentes subscrevem uma proposta que se limita a seguir um plano de dissolução do ……… validamente deliberado e um parecer jurídico solicitado para o efeito. Sublinhe-se que a proposta remete amiúde para deliberações anteriores e para o aludido parecer jurídico.

QQQQQQ. E este ponto assume importância especial, atento o disposto no artigo 80º-A da atual Lei das Finanças Locais que refere que:

«1 - Nas autarquias locais, a responsabilidade financeira prevista no n.º 2 do artigo 61.º da Lei n.º 98/97, de 9 de março, na sua redação atual, recai sobre os membros do órgão executivo quando estes não tenham ouvido os serviços competentes para informar ou, quando esclarecido por estes em conformidade com as leis, hajam tomado decisão diferente.

2 - A responsabilidade financeira prevista no número anterior recai sobre os trabalhadores ou agentes que, nas suas informações para o órgão executivo, seus membros ou dirigentes, não esclareçam os assuntos da sua competência de harmonia com a lei".

RRRRRR. Ora, os Recorrentes limitaram-se a seguir deliberações do mandato anterior e a sustentar a sua atuação num parecer jurídico solicitado para o efeito. Não se verifica assim responsabilidade financeira dos Recorrentes e, por conseguinte, responsabilidade sancionatória, afastando-se a tese defendida na sentença recorrida quanto à "culpa grave".

SSSSSS. A perda de mandato é um ato sancionatório que limita o exercício de direito políticos, encaixando no naipe de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.

TTTTTT. Sendo certo que, em caso de dúvidas, o julgador tem obrigação de se ater ao princípio in dubio pro libertate, o que não sucedeu in casu.

UUUUUU. Deste modo, cumpre arguir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 280.° da CRP, que a interpretação que foi efetuada pelo tribunal a quo para declarar a perda de mandato no sentido de que a conduta dos Recorrentes é de molde a consubstanciar a obtenção de uma vantagem patrimonial e que se pode qualificar como praticada com "culpa grave", é uma interpretação manifestamente inconstitucional do disposto no artigo 8.°, nº 2 e artigo 10°, ambos da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto, pois viola flagrantemente o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, previsto no artigo 18.°, n.º 2, da CRP, referente à restrição de direitos, liberdades e garantias,

VVVVVV. Sendo ainda uma interpretação manifestamente inconstitucional, na medida em que viola esse mesmo princípio da proporcionalidade e proibição do excesso quanto ao direito de acesso a cargos eletivos, consagrado no artigo 50°, nº 3 da CRP, na medida em a perda de mandato implica uma inelegibilidade dos Recorrentes.

WWWWWW. Na verdade, como acima se enunciou, ainda que se admita, por mera cautela que os Recorrentes podem ter errado ao subscrever a proposta, a cominação para esta alegada falha não passa automaticamente pela perda do mandato, isto é, pela consequência mais drástica, que contraria ostensivamente a vontade do voto popular.

XXXXXX. Com efeito, a aplicação da medida de perda de mandato só é constitucionalmente legítima relativamente a quem, tendo sido eleito para determinado cargo autárquico, não observou, no exercício das suas funções, as regras de isenção, imparcialidade e independência, isto é, a quem violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso o que não sucede in casu.

YYYYYY. Ora, o caso em apreço não se subsume esta realidade, pelo que a decisão recorrida, ao declarar a perda de mandato dos Recorrentes, impõe consequentemente uma restrição aos seus direitos políticos fundamentais muito para além dos limites constitucionais consagrados nos artigos 18.°, n.º 2, e 50.°, n.º 3, da CRP, sendo a interpretação e a aplicação que na decisão recorrida é feita do artigo 8°, nº 2, da Lei n.º 27/96, de 1 de agosto (e a que não é feita do disposto no artigo 10° do mesmo diploma) é desproporcionada, excessiva e, por essa via, manifestamente inconstitucional.

ZZZZZZ. Resulta assim evidente que não estão reunidas as condições legais necessárias para ser decretada a perda de mandato dos Recorrentes.

AAAAAAA. Por todo o exposto, deverá o Acórdão ser revogado e, consequentemente e pelas razões acima aduzidas, ser a ação julgada improcedente in totum, com todas as consequências legais daí decorrentes.

TERMOS EM QUE,

Deverá ser revogado o Acórdão recorrido e, em consequência, serem os Recorrentes absolvidos do pedido de perda do mandato como Presidente e Vereador da Câmara Municipal da ……., com todas as consequências legais daí decorrentes, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”

3. O ora Recorrido não deduziu contra-alegações, tendo vindo posteriormente, requerer a junção aos autos do Relatório de Auditoria para Apuramento de Responsabilidade Financeira – Município da ……, Relatório nº 1/2019-ARF, 2ª Secção do Tribunal de Contas, invocando ter sido notificado em dezembro de 2019, dada a relevância para a decisão dos presentes autos.

Os Recorrentes, uma vez notificados, vieram alegar a irrelevância do mesmo, defendendo a rejeição da sua junção aos autos.

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 12.11.2019.

5. O MP emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

6. Notificadas as partes do mesmo, nada disseram.

7. Cumpre decidir, sem vistos.


*

FUNDAMENTAÇÃO

Dá-se aqui por reproduzida a MATÉRIA DE FACTO fixada pelas instâncias.

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DO DIREITO
Vêm os aqui recorrentes invocar erro da decisão recorrida na interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 88º do CPTA, ao recusar reapreciar a questão da ilegitimidade ativa do aqui recorrido.
Para tanto referem que apesar de o julgador da 1ª instância declarar e julgar as partes legítimas, oficiosamente no despacho saneador, sem a questão ter sido suscitada na contestação, esta questão da legitimidade decidida de forma tabelar, é suscetível de recurso (artigo 142.°, n.º 5 do CPTA) na sentença, com a decisão final.
E que, quanto à questão da legitimidade em si, à luz do nº 2 do artigo 11º da Lei n.º 27/96, um partido político não tem legitimidade ativa para intentar uma ação de perda de mandato.
Pelo que, deverá o processo ser enviado ao tribunal a quo (para proceder ao conhecimento da questão da legitimidade ativa, e apenas perante o sentido dessa decisão se poderá aferir da «utilidade ou não» do conhecimento do segmento do recurso relativo ao mérito da decisão final, que, por agora, resta prejudicado.
Então vejamos.
A este propósito decidiu-se na decisão recorrida:
“III.1.A. Da Ilegitimidade ativa - errónea interpretação e aplicação do artigo 11°, nº 2, da Lei 27/96, de 1 de agosto.
Nas conclusões B a I da alegação de recurso, os Recorrentes entendem que o Recorrido não preenche os requisitos legais necessários para intentar a presente ação, pelo que deveria ter sido considerado como parte ilegítima no despacho saneador.
A questão da ilegitimidade ativa não foi suscitada nos autos anteriormente ao despacho saneador, sendo certo, no entanto, que este abordou a questão da ilegitimidade das partes em apreciação tabelar, exarando que «as partes, dotadas de capacidade e personalidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas». (...)
No presente caso foi proferido despacho saneador nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 88°, com conhecimento substantivo da exceção da caducidade do direito de ação e, no que mais aqui importa, com conhecimento tabelar da matéria da ilegitimidade das partes, com a declaração de serem partes legítimas.
Ora, dispõe o nº 2 desse artigo 88.(...)
Em face deste normativo, independentemente da posição que se adopte quanto à valia intrínseca do despacho saneador tabelar - no caso, atinente à declaração de legitimidade das partes -, certo é que a exceção dilatória da ilegitimidade do Autor, (i) por não ter sido anteriormente suscitada, não pode ser já desencadeada nem decidida no presente recurso ou, (ii) na valia do despacho saneador tabelar, não pode ser aqui reapreciada.
Improcedem os fundamentos do recurso nesta questão.”
Será que o TCAN devia ter conhecido da questão da legitimidade ativa, que lhe foi suscitada?
Nos termos do nº2 do artigo 88º do CPTA: «As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas».
E, a referida alínea a) do nº1 refere que o despacho saneador se destina, além do mais «A conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente», constituindo, logo que transite, caso julgado formal. (artigo 88º, nº4 - 1ª parte, do CPTA).
Por sua vez, a ilegitimidade, constitui exceção dilatória de «conhecimento oficioso. (artigo 89º, nº2 e nº4 alínea e), do CPTA).
Estamos perante um saneador que não conheceu de mérito da ação mas decidiu de forma tabular a legitimidade.
Ora, nos termos do artigo 142º, nº5, do CPTA:
“As decisões proferidas em despacho interlocutório podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, exceto nos casos em que é admitida apelação autónoma nos termos da lei processual civil.”
E, não é por não ter sido suscitada na contestação a questão da legitimidade que a parte fica impedida de recorrer dessa decisão tabular por tal não contender com o art. 88º nº2 do CPTA supra citado.
Neste mesmo sentido se decidiu no Acórdão do STA, de 17 de janeiro de 2019, relativo ao processo n.º 01282/17.4BELRA, ainda que a propósito de um saneador-sentença em processo cautelar.
É certo que, por regra, toda a defesa deve ser vertida nos articulados mas também o é que estamos perante uma questão de conhecimento oficioso, e que foi decidida pela 1ª instância, embora de uma forma tabular.
Mas, o facto de o referido art. 88º nº2 estabelecer uma proibição de apreciação de questões prévias em momento ulterior à fase do saneador não põe em causa a possibilidade de recorrer do mesmo saneador.
A questão é, pois e apenas, a de saber se estamos perante uma questão de apelação autónoma nos termos do art 142º, nº5, do CPTA.
O que não é o caso.
Por outro lado, e como se decidiu no Ac. deste STA Pleno, em sede de uniformização de jurisprudência:
“O artigo 147.º do CPTA não afasta a aplicação do artigo 142.º, n.º 5, do mesmo Código aos processos urgentes.”
Em suma, o despacho tabular que declarou as partes legítimas pode ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
Que foi o que aconteceu.
Assim sendo, carece de razão o TCAN ao fundamentar a recusa de conhecimento da questão da legitimidade ativa na falta da sua invocação nas contestações e em se estar perante despacho saneador tabular.
Impunha-se, pois, ao TCAN o conhecimento do recurso interposto da decisão proferida no saneador, sobre a legitimidade ativa.
Deverá, assim, o processo ser enviado ao TCAN para proceder ao conhecimento da questão da legitimidade ativa ficando prejudicado neste momento o conhecimento das restantes questões suscitadas.

*
Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em:
a) conceder provimento ao recurso de revista, no tocante à recusa de conhecimento da decisão sobre a legitimidade ativa;
b) ordenar a baixa dos autos, à 2ª instância, para proceder a esse conhecimento,
c) julgar prejudicada a apreciação das restantes questões objeto da revista.
Custas pelos recorridos nesta parte, digo sem custas.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2020. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Cláudio Ramos Monteiro – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (vencido nos termos de voto que anexo).

Vencido, porquanto entendo que a aplicação articulada e conjugada do regime normativo previsto, nomeadamente, nos arts. 83.º, 87.º, 88.º, 89.º, 142.º e 147.º do CPTA e 571.º, 572.º, 573.º, 576.º e 577.º do CPC, não autoriza o entendimento que obteve vencimento.

1. Com efeito, perante uma situação em que nos respetivos articulados não foi arguida pelos demandados concreta matéria de defesa por exceção, sede própria para esse efeito, e em que a decisão de saneamento do processo se haja limitado a emitir juízo tabular sobre os pressupostos e a regularidade da instância, considero que as alegações de recurso jurisdicional dirigidas ao TCA, a pretexto de pretenderem querer sindicar um tal juízo, não poderão servir como meio ou sede adequada e legítima para suprir aquilo que foi uma omissão/falha havida na defesa por exceção produzida em momento anterior e que, manifestamente, não se apresenta como superveniente, torneando não só aquilo que eram e são os deveres e ónus que nessa sede sobre os mesmos impendem [cfr. arts. 83.º do CPTA, 571.º, 572.º, 573.º, do CPC], mas, também, e essencialmente o regime inserto no n.º 2 do art. 88.º do CPTA e as limitações à cognoscibilidade de questões prévias [v.g. as exceções dilatórias] que ali se mostram previstas.

2. Sem prejuízo daquilo que entendo dever ser a devida leitura deste preceito e de o mesmo carecer de interpretação restritiva [vide, aliás, deste Supremo Tribunal, o acórdão do Pleno desta Secção de 13.11.2014 (Proc. n.º 0356/11)], por forma a dele excluir as questões prévias silenciadas no saneador que continuem plenamente operantes e ainda oponíveis à decisão de mérito em termos de interesse e utilidade na produção de efeitos [mormente, por haverem sido oportunamente arguidas e não conhecidas em sede e momento devido (sob pena nulidade de decisão por omissão de pronúncia - arts. 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC), ou das que se mostrem ser supervenientes, ou ainda das que, através de permissão da regularização da instância pelos meios e incidentes devidos, venham a lograr assegurar a utilidade, o interesse e a inteira produção de efeitos da decisão de mérito a proferir], considero que admitir uma tal via de apreciação, nesta sede e contexto, será inviabilizar quase por completo o desiderato prosseguido pelo regime inserto no n.º 2 do art. 88.º do CPTA e que era o de as questões prévias obstativas ao conhecimento do mérito [vide, v.g., as exceções dilatórias], que deveriam ser apreciadas no despacho saneador, não poderem ser suscitadas nem decididas depois dessa fase, assim se promovendo a tomada de decisões de mérito.

3. Assim, inexistindo neste âmbito e pela motivação aduzida uma incorreta interpretação e aplicação do quadro normativo em crise, julgaria improcedente o recurso jurisdicional no segmento que ora foi objeto de conhecimento, e confirmaria, nesse âmbito, o decidido no acórdão recorrido.

Carlos Luís Medeiros de Carvalho