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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01887/07.1BEPRT 01358/16
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
LEGALIDADE DE LIQUIDAÇÃO
DÍVIDA EXEQUENDA
Sumário:I - Está vedada na oposição à execução fiscal a discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda, excepto quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (art.204º nº1 al.h) CPPT).
II - Não é possível na oposição à execução fiscal a discussão da legalidade da decisão de revogação da aprovação de financiamento concedido pelo Fundo Social Europeu e pela Segurança Social para formação profissional, por incumprimento das obrigações constantes do respectivo regime jurídico (art.35º Decreto Regulamentar nº12-A/2000, 15 setembro), na medida em que o interessado teve possibilidade de utilizar o meio processual adequado (ação administrativa especial, na nomenclatura vigente na data dos factos; arts.58º nº 2 al.b) e 59º nº1 CPTA).
Nº Convencional:JSTA000P25363
Nº do Documento:SA22019121701887/07
Data de Entrada:03/20/2017
Recorrente:A..............., LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1.1. A………………….., Lda interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 30 setembro 2015, que julgou improcedente a oposição deduzida contra a execução fiscal n.º 1821200701065530, instaurada pelo Serviço de Finanças de Matosinhos-1, para cobrança coerciva de dívida ao Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P., no montante global de € 110.315,36

1.2.A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:

1. Como resulta dos articulados e documentos juntos aos autos, a recorrente candidatou-se e viu aprovada uma acção de formação com a denominação ON - 1002, relativa a activos na situação de desemprego, tendo a esse título direito a receber a quantia de € 66.534,50 proveniente do Fundo Social Europeu e € 39.920,69 da parte do Orçamento da Segurança Social.
2. A referida acção de formação decorreu entre os anos de 2005 e 2006, tendo no decurso da mesma sido dado o destino devido a todas as quantias entregues, com as quais se pagaram as bolsas devidas aos formandos, as horas de formação aos formadores e toda uma série de despesas aos fornecedores de bens e serviços necessários para levar a efeito esta acção de formação.
3. Pelo que, o comportamento da executada, ora recorrente, não integra o disposto no art. 35º do Decreto Regulamentar nº 12-A/2000, de 15 de Setembro, verificando-se o disposto no art. 176º, nº 1, c) do CPPT.
4. Sucede que, a executada reconheceu apenas que da quantia exequenda não estava regularizado o montante de € 3.750,00 relativo ao subsídio de férias, que entretanto foi imediatamente normalizada, pelo que, a existir fundamento para a execução fiscal seria apenas relativa ao valor € 3.750,00, o qual no entanto, foi corrigido e por essa razão deixou de estar em dívida.
5. O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, para sustentar a sua decisão, considerou que o disposto no 204º nº1 f) do CPPT não se aplicaria no presente caso, em virtude da regularização ter ocorrido posteriormente à instauração do processo de execução fiscal.
6. Salvo o devido respeito, sempre deveria ter considerado também que o valor realmente em dívida seria aquele montante em falta (€ 3.750,00) e nunca a totalidade do valor da candidatura aprovada.
7. O qual, com a respectiva regularização concretizada, fez cessar o fundamento para a prossecução da Execução.
8. Ora, o processo tributário existe para a tutela do interesse público, que consiste na realização da tributação de acordo com a lei, e, por esse motivo, todo o contencioso tributário se deve encontrar ordenado para proporcionar aos contribuintes uma tutela contra a possível violação dos seus direitos por parte da Administração.
9. Consequentemente, do princípio da legalidade fiscal decorre naturalmente o princípio da verdade material como objectivo do processo fiscal, sob pena de os órgãos da Administração, a quem cabe o cumprimento do imperativo constitucional extravasem as suas competências.
10. Razão pela qual, se afigura injusta, em virtude de violar o princípio da verdade fiscal, que a execução em causa se dirija contra a totalidade do montante posto à disposição da executada para a realização da programada e aprovada acção de formação.
11. Pelo exposto, deve o processo executivo ser julgado extinto por verificação da inexigibilidade de qualquer quantia do título executivo.
12. Ao decidir pela improcedência da pretensão da executada, violou o Mm.º Juiz "a quo" o princípio da legalidade e da verdade fiscal.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser proferido acórdão que revogue a douta sentença recorrida e determine a extinção da execução, assim se fazendo JUSTIÇA!

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (processo físico fls. 455/456)

1.4. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência.

2.FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:

1. Através do ofício refª 160/ON-IDEFDS, de 11/01/2007, remetido sob correio registado com aviso de receção, o Sr. coordenador da Intervenção Sectorial Desconcentrada para o Emprego, Formação e desenvolvimento Social do Programa Operacional da Economia da Região Norte notificou a Oponente da decisão do Gestor do Programa Operacional Regional do Norte, de 16/12/2006, de revogação da decisão de aprovação do pedido de financiamento no âmbito da Medida 3.3-acção-tipo 3.3.1.2 - B 1002 de - cfr. fls 44-45 do processo físico.
2. Através do ofício refª UG, de 16/02/2007, remetido sob correio registado com aviso de recepção, o Sr. Presidente do IGFSE, I.P. notificou a Oponente para, no prazo de 30 dias, proceder à restituição do montante de € 106.455,19, em dívida - cfr. fls. 40-41 do processo físico.
3. Em 07/07/2007, o IGFSE, I.P. emitiu em nome da Oponente, certidão de dívida no valor de € 110.315,36, sendo € 106.455,19 respeitante a verbas indevidamente recebidas do Fundo Social Europeu e do estado Português (€ 66.534,50 e € 39.920,69), no âmbito do Pedido de Financiamento referido em 1) e € 3.860,17, de juros de mora sobre esse montante - cfr. fls. 39 do processo físico.
4. Por ofício de 08/05/2007, do IGFSE, I.P., foi requerida ao Serviço de Finanças de Matosinhos -1 a instauração de execução fiscal contra a Oponente, com base na certidão de dívida referida em 3) - cfr. fls. 38 do processo físico.
5. Por ofício de 04/06/2007, expedido sob correio registado em 11/06/2007, foi a Oponente citada no processo de execução fiscal nº 1821200701065530, por dívida ao IGFSE, sendo a quantia exequenda de € 110.315,36, juros de mora de € 4.258,24 e custas de € 335,61, sendo o valor a pagar de € 114.909,21- cfr. fls. 10 e 54-55 do processo físico.
6. Em 12/07/2007, a Oponente remeteu sob correio registado, a petição de oposição ao Serviço de Finanças de Matosinhos -1 - cfr. fls. 36 do processo físico.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questões decidendas: relevância dos fundamento de oposição à execução invocados pela oponente na petição de oposição:
Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda;
Pagamento parcial da dívida exequenda

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1.A oposição assume a natureza de contestação à pretensão do exequente de cobrança coerciva da dívida tributária, apenas podendo ser deduzida com invocação dos fundamentos legais taxativos (art.204º nº1 CPPT)
Designadamente, constituem fundamento de oposição à execução:
- o pagamento ou anulação da quantia exequenda (art.204º nº1 al.f) CPPT);
- a ilegalidade da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação (art.204º nº1 al.h) CPPT)
Sobre a relevância como fundamento de oposição do pagamento da dívida exequenda transcreve-se o comentário de doutrina qualificada «Ocorrendo o pagamento ou anulação posteriores à instauração da execução, o meio adequado para o executado obter a sua extinção, se ela não for declarada oficiosamente, é requerer tal extinção no processo de execução fiscal
O pagamento e anulação que se prevêem neste art.204º como fundamento de oposição à execução fiscal serão, assim, os que tiverem ocorrido antes da instauração do processo de execução fiscal» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume III p.493)
Sobre os pressupostos restritivos da discussão da legalidade da liquidação da dívida exequenda na oposição à execução pronunciou-se o autor citado do seguinte modo: Em regra. liquidado um tributo, é feita a respectiva notificação, podendo o sujeito passivo impugnar a liquidação, por via graciosa ou contenciosa, (reclamação graciosa ou impugnação judicial, em conformidade com o preceituado nos arts.70º, 99º e 102º do CPPT).
Por ser dada esta oportunidade ao interessado de impugnar o acto de liquidação e haver um prazo para serem usados esses meios processuais, é vedada ao sujeito passivo, em regra, a possibilidade de discutir na oposição a legalidade daquele.
Excepção a esta regra são os casos previstos na alínea a) do nº 1 deste art.204º em que se prevê a denominada ilegalidade abstracta da liquidação, derivada de vício da própria norma aplicada no acto, vício esse que é independente do conteúdo do concreto acto impugnado, que pode ser invocado em oposição à execução fiscal, apesar de o interessado ter tido oportunidade de impugnar o acto ao ser notificado da liquidação.
Quando não se trate de vícios deste tipo, estar-se-á perante ilegalidades em concreto do próprio acto, que só poderão ser fundamento de oposição à execução fiscal quando a lei não previr meios para a sua impugnação contenciosa (ob.cit p.495)
2.2.2.2. Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda
No caso sob análise a oponente, sob invocação da inexigibilidade da quantia exequenda (art.204º nº1 al.i) CPPT), pretende discutir a legalidade concreta da dívida tributária, emergente da obrigação de restituição do apoio financeiro concedido pelo Fundo Social Europeu e pela Segurança Social, que não terá sido aplicado correctamente nas acções de formação profissional que o justificaram.
A oponente teve oportunidade de discutir a questão, na sequência da notificação da decisão de revogação da aprovação do pedido de financiamento proferida pelo Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE) e da subsequente notificação para restituição do montante recebido (factos provados nºs 1e 2);
para isso dispondo da acção administração especial a instaurar no prazo de 3 meses contados da notificação do acto administrativo de revogação da decisão
de aprovação do pedido de financiamento (arts.58º nº2 al.b) e 59º nº1 CPTA, nomenclatura em vigor na data da prática do acto)
2.2.2.3. Pagamento (parcial) da dívida exequenda
A pretendida regularização no montante de € 3 750,00 não corresponde a um pagamento parcial da quantia exequenda, determinante da extinção parcial da execução; antes a uma alegada justificação da sua aplicação no pagamento de subsídios de férias, em conformidade com o regime legal do financiamento requerido (Decreto Regulamentar nº12-A/2000,15 setembro).
2.2.2.4. Neste contexto nenhuma censura merece a sentença impugnada, cuja decisão de improcedência da oposição radica na irrelevância dos fundamentos de oposição invocados pela oponente na petição de oposição e reafirmados nas conclusões do recurso: ilegalidade da dívida exequenda, embora com errónea invocação da inexigibilidade da dívida exequenda (art.204º nº1 als h) e .i) CPPT; pagamento (parcial) da dívida exequenda (art. 204º nº1 al.f) CPPT);
3.DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 dezembro 2019. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José da Ascensão Nunes Lopes.