Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01048/15
Data do Acordão:10/27/2016
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:DOMÍNIO PÚBLICO
ESTRADA NACIONAL
ESTRADA MUNICIPAL
MUTAÇÃO DOMINIAL
Sumário:I - As estradas são bens do domínio público por «destinação pública», e não por natureza, daí que estradas que integravam o domínio público estadual possam passar a integrar o domínio público municipal;
II - Esta mutação dominial implica a desclassificação da estrada como nacional e a sua classificação como estrada municipal, e tem de ser feita pelo legislador;
III - Uma «estrada nacional», desclassificada enquanto tal pelo PRN/85, mostra-se classificada como «estrada municipal» pelo próprio PRN/85;
IV - O «auto de transferência» dessa estrada do domínio público estadual para o domínio público municipal apenas efectiva a entrega, após as respectivas obras de reabilitação, do bem que a lei já tinha classificado.
Nº Convencional:JSTA00069884
Nº do Documento:SA12016102701048
Data de Entrada:12/04/2015
Recorrente:A..., SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OURÉM E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS DE 2015/02/26
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR ADM GER.
DIR ADM CONT.
Legislação Nacional:CONST05 ART84 N2 ART165 V ART168 N1 ART196 N1 A ART201 N1 A.
L 34/15 DE 2015/04/27.
L 98/99 DE 1999/07/26.
L 10/90 DE 1990/03/17.
L 2110 DE 1961/08/19.
L 2037 DE 1949/08/19.
DL 182/03 DE 2003/08/16.
DL 222/98 DE 1998/07/17.
DL 380/85 DE 1985/09/25.
DL 447/80 DE 1980/10/15 ART4 H.
DL 37012 DE 1948/08/13.
DL 35434 DE 1945/12/31.
DL 34593 DE 1945/05/11.
D 42271 DE 1959/05/20.
D 38051 DE 1950/11/13.
DESP SEALOT DE 1991/05/09 DR IIS N106.
Jurisprudência Nacional:AC TC 131/03 DE 2003/03/11.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO - MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO 10ED PAG879 SEG.
ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ - O ÂMBITO DO DOMÍNIO PÚBLICO AUTÁRQUICO IN ESTUDOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR DOUTOR MARCELLO CAETANO FDUL 2006 PAG153-182.
BERNARDO A AZEVEDO - LINHAS FUNDAMENTAIS POR QUE SE REGE A DISCIPLINA JURÍDICO NORMATIVA APLICÁVEL À CONSTITUIÇÃO GESTÃO E EXTINÇÃO DOS BENS PÚBLICOS, CEJUR JUNHO 2006 PAG41-58.
ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ - O DOMÍNIO PÚBLICO: O CRITÉRIO E O REGIME JURÍDICO DA DOMINIALIDADE COIMBRA 2005.
GOMES CANOTILHO - DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO 7ED 2003 PAG253.
VIEIRA DE ANDRADE - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976 3ED 2004 PAG143 N79.
JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS - CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA TOMOII COMENTÁRIO AO ART84.
MARCELO REBELO DE SOUSA E JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA 2000 ANOTAÇÃO AO ART165.
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A………………., S.A., interpõe recurso de revista do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul [TCA/Sul], em 26.02.2015, que concedeu provimento ao recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE OURÉM [MO] e revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [TAF/L], de 10.07.2008, que tinha julgado improcedente a acção administrativa comum [AAC] por este último interposta contra a ora recorrente, na qualidade de ré, e contra o MINISTÉRIO DAS FINANÇAS E DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA [MF] e o MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS, TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES [MOPTC], estes, na qualidade de contra-interessados.

Culmina as suas alegações de revista com as conclusões seguintes:

1- A admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para melhor aplicação do direito;

2- Isto porque nesta AAC, como em outras possíveis acções que venham a ser interpostas com o mesmo fundamento, estamos perante a questão de saber se os troços de estrada objecto de «autos de transferência», celebrados entre a então JAE e as autarquias locais na vigência do PRN/85, nomeadamente se o troço da EN356 entre o Km 40,818 e Km 59,338, foram eficaz e validamente transferidos do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público municipal;

3- Tal questão tem uma relevância jurídica fundamental incontornável, pois reveste de elevada complexidade jurídica, uma vez que para uma correta apreciação da matéria dos presentes autos é necessário proceder à aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, tais como os diferentes planos rodoviários nacionais e respectivos anexos, o Estatuto das Estradas Nacionais, o regime do domínio público do Estado e dos municípios, o regime das mutações dominiais, devendo para tal serem analisadas e conjugadas as disposições desses diversos diplomas legais que se sucederam no tempo;

4- A relevância social da questão é, porventura, ainda maior, pois além de contender com a segurança e certeza jurídicas, tem evidente virtualidade de vir a repetir-se frequentemente nos tribunais administrativos, tantas vezes quantos os autos de transferência celebrados ao abrigo do PRN/85, atento a que as decisões sobre parte da rede têm incidência sobre a gestão da totalidade dessa rede, concretamente sobre os 3.700 km de rede transferida sob a vigência do PRN/85;

5- A questão é também claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, na medida em que existe grande possibilidade de esta se vir a repetir em casos futuros, estando em causa uma matéria importante como a das mutações dominiais rodoviárias, matéria essa tratada de forma pouco consistente pelas instâncias, e para a qual importa garantir a uniformização do direito;

6- O acórdão recorrido incorre, ainda, em erro judiciário ostensivo e incontroverso, por violação flagrante da lei aplicável;

7- Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, nos termos do artigo 150º do CPTA;

8- Quanto ao mérito do recurso, ao considerar que a simples menção da EN356 no anexo III ao DL nº380/85, de 26.09, é suficiente para a classificação como estrada nacional da totalidade do seu traçado, sem atender ao troço a que se refere e que as normas habilitantes de actuação da Administração para proceder a mutações dominiais do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público municipal, na vigência do PRN/85, se esgotavam com aquele diploma legal, o acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma incorrecta interpretação da lei, verificando-se, desta forma, a violação da lei substantiva;

9- O PRN, como instrumento sectorial de gestão do território com incidência territorial que visa a execução da política de infra-estruturas rodoviárias no domínio dos transportes terrestres, define a classificação e as características da rede rodoviária nacional, estando definidas, nos seus anexos, as estradas que integram essa rede com a respectiva designação, bem como indicados os seus pontos extremos e intermédios;

10- Cada PRN prevê, de forma expressa, que somente são classificadas como estradas da rede rodoviária nacional as que constam da relação/mapa anexo ao diploma que procede à sua aprovação [ver artigos 2º, nº3, e 3º, nº4, do DL nº380/85, de 26.09], pelo que por comparação entre os anexos aos planos rodoviários [de 1945, de 1985 e de 2000], chega-se à conclusão que as estradas que integram a rede nacional constituem um numerus clausus: são aquelas que se encontram identificadas nos anexos ao PRN, e somente aquelas, com exclusão de todas as outras que fazem parte da rede desclassificada, e, portanto, de uma das 308 redes municipais de estradas;

11- O PRN/85 desclassifica como nacional o troço da EN356 entre Martingança e Batalha, bem como o troço da EN356 entre Ourém e Alvaiázere, uma vez que estes já não constam dos pontos extremos e intermédios da EN356 mencionados no Anexo III, ficando esta apenas definida entre Batalha e Ourém, ou seja, entre os quilómetros 13,000 e 40,800;

12- O troço em causa nestes autos desenvolve-se a nascente de Ourém, entre o Km 40,818 e o Km 59,338, pelo que o mesmo não faz parte da rede rodoviária nacional;

13- A desclassificação de estradas nacionais em consequência do PRN/85 resulta da entrada em vigor do DL 380/85, de 26.09, na medida em que as suas disposições são bastantes, pois este prevê expressamente que a rede nacional é somente composta pelas estradas constantes dos seus anexos [artigos 2º, nº3, e 3º, nº4] não sendo necessária a publicação do diploma regulamentar da rede municipal previsto no nº1 do artigo 13º desse diploma legal para o efeito - vide nesse sentido o acórdão do STJ nº080817, de 08.01.1991;

14- A simples menção no auto de transferência à EN356 não implica que o troço compreendido entre o Km 40,818 e o Km 59,338 se situa na então classificada EN356 pelo PRN/85, porquanto a designação de uma estrada classificada em anteriores planos rodoviários nacionais mantém-se aquando da sua transferência, por razões óbvias de identificação dos lanços de que se está a falar;

15- Qualquer mutação dominial rodoviária do domínio público do Estado para o domínio público das autarquias, implica a prévia desclassificação como estrada nacional do troço de estrada que se pretende transferir, sendo que a respectiva entrega somente poderá ser efectuada se for conferida, à Administração, norma legal para o efeito;

16- Tal norma, como decidido pelo Tribunal a quo, não existe no PRN/85 com uma formulação semelhante à que o legislador consagrou no PRN/2000. Importa é apurar qual o alcance da opção do legislador. Para a questão da transferência de domínio, não é de considerar tal circunstância, na medida em que substantivamente a desclassificação operou ope legis e que a regulamentação cuja publicação se previa no artigo 13º do PRN/85, e que nunca ocorreu, se ocuparia de aspectos novos, designadamente relativas à gestão das estradas desclassificadas, como refere o STJ no aresto acima transcrito;

17- Tal norma ficou, no entanto, consagrada no Estatuto das Estradas Nacionais [Lei nº2037, de 19.08.1949], concretamente no seu artigo 166º, pelo que, ainda que o auto de transferência de 15.03.1993 não a mencione expressamente, esta confere a este último base legal legitimadora e suficientemente densificada que determina a mutação dominial do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público autárquico do Município de Ourém do troço da EN356, entre o Km 40,818 e o Km 59,338;

18- Sem conceder, e nos termos conjugados dos artigos 4º e 128º, §2, ambos do EEN, a exploração/gestão de determinada estrada pode ser entregue a uma autarquia local, mantendo o Estado, no entanto, a titularidade da mesma, razão por que presumindo-se esclarecida e válida a vontade das partes aquando da assinatura de um contrato, não podemos deixar de concluir que ao assinar o auto de transferência em 15.03.1993, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourém declara receber o troço de estrada objecto do «auto de transferência» nos termos nele descritos, aceitando consequentemente a sua gestão/exploração, e ficando, logo, responsável pela respectiva conservação e manutenção;

19- O facto de no PRN/2000, o troço em causa nos autos ter passado a integrar a tipologia de estradas regionais, sob a designação de ER356, em nada vem alterar ou pôr em causa a transferência dominial para o domínio público municipal do Município de Ourém feita através do «auto de transferência» de 15.03.1993;

20- Pois as estradas regionais são uma inovação introduzida no nosso ordenamento jurídico pelo PRN/2000, aprovado pelo DL 222/98, de 17.07, tendo o legislador previsto que as estradas regionais se mantivessem sob responsabilidade da Administração Central;

21- Porém, a EN356 não se podia manter nessa situação uma vez que era, à data da entrada em vigor do PRN/2000, uma estrada municipal, já transferida para o MO, pelo que, e mutatis mutandis, as estradas municipais que estivessem sob a responsabilidade da administração local autárquica também devem manter-se assim até estarem criadas as condições para se alterar tal situação;

22- Esta solução é efectivamente a única possível, sob pena de se verificarem vazios de poder e se instalar o caos, com prejuízo para o exercício do direito de circular com segurança;

23- Encontra-se especialmente previsto que as estradas classificadas para integração nas redes municipais ficam sob a tutela da A……………, SA, até a recepção pelas respectivas autarquias, pelo que, as estradas que deixem de ser municipais não podem deixar de ficar sob a responsabilidade das autarquias até serem efectivamente recebidas por outras entidades;

24- Por outro lado, o procedimento por meio do qual a estrada passa da responsabilidade de uma entidade para outra tem previsão expressa na lei actualmente vigente, nunca se podendo transferir a respectiva jurisdição ipso jure atenta a complexa teia de interesses juridicamente protegidos, de direitos e obrigações que se materializam numa estrada e nas áreas limítrofes;

25- Por isso, a integração das estradas na rede municipal é feita mediante protocolo a celebrar entre a Administração e a A………….., SA [primeira parte do nº1 do artigo 13º do PRN] que deve ser precedida de vistoria a fim de se registar o estado da estrada e seus pertences, razão pela qual tendo esta estrada sido integrada na rede municipal mediante a celebração de um protocolo e de auto de transferência, não se vê como é que agora, em presença de idêntica situação de facto o Município de Ourém pretende que se proceda de forma diferente;

26- Não tendo sido celebrado nenhum protocolo, auto de transferência ou qualquer outro contrato administrativo que proceda a mutação dominial do domínio público autárquico do Município de Ourém para o domínio público rodoviário do Estado do troço da EN356, compreendido entre o Km 40,818 e o Km 59,319, o mesmo mantém-se sob jurisdição do MO a quem cabe, consequentemente, zelar pelar sua conservação e manutenção;

27- Donde, o acórdão recorrido fez uma errada interpretação e aplicação da lei, verificando-se o vício de violação de lei [substantiva].

Termina pedindo a admissão da revista, o seu provimento, e a consequente revogação do acórdão recorrido, do TCAS.

2. O MINISTÉRIO DA ECONOMIA [ME] - por sucessão orgânica ao MOPTC - contra-alegou rematando com as seguintes conclusões:

1- À luz do estabelecido no artigo 150º do CPTA o recurso de revista em apreço é claramente necessário à melhor aplicação do direito;

2- Porquanto a situação ora em apreço apresenta contornos indicadores de que a solução dada à mesma pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, porquanto a utilidade da respectiva decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio;

3- Efectivamente, na presente acção [como noutras de similar contorno e enquadramento jurídico] está-se perante questão jurídica de relevância fundamental, qual seja a de apurar se os troços de estrada objecto de «autos de transferência», celebrados entre a [então] JAE e as autarquias locais na vigência do PRN/85 - nomeadamente se o troço da EN356 entre o Km 40,818 e o Km 59,338 - foram eficaz e validamente transferidos do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público municipal;

4- Questão que tem relevância social fundamental, cuja apreciação e resolução têm interesse comunitário significativo, dado que os interesses em jogo extravasam largamente os limites do caso concreto;

5- Pois, além de contender com a segurança e certeza jurídicas, implica aplicação e conjugação de diferentes e sucessivos regimes jurídicos - sejam eles os Planos Rodoviários Nacionais, e seus anexos, o Estatuto das Estradas Nacionais, o regime jurídico do domínio público do estado e dos municípios, o regime jurídico das mutações dominiais rodoviárias - pois trata-se de matéria a carecer de harmonização e uniformização. Matéria importante como a das mutações dominiais, tratada de forma pouco consistente pelas instâncias, com a consequente necessidade de se garantir a uniformização do direito, por via da apreciação respectiva por esse Venerando Supremo Tribunal Administrativo;

6- Donde seja necessária para melhor aplicação do direito, na medida em que existe a grande possibilidade da mesma questão [mutações dominiais rodoviárias] vir a ser suscitada em casos futuros;

7- De quanto precede resulta que este recurso de revista deva ser admitido, por se mostrarem reunidos os requisitos estabelecidos na lei [artigo 150º do CPTA] e densificados em abundante jurisprudência desse Venerando Tribunal, quanto à aplicação daquele normativo;

8- Quanto ao mérito do recurso o ME [em linha com o entendimento vertido nas Doutas Alegações de Recurso pela Recorrente A…………., SA, actualmente B……………, S.A.] por com as mesmas ter entendimento concordante, vem nesta sede, louvar-se no que consta das conclusões 8 a 28 das alegações da recorrente que aqui se dão por reproduzidas, para todos os efeitos legais.

Termina pedindo a admissão da revista, o seu provimento, e a consequente revogação do acórdão recorrido, do TCAS.

3. O MUNICÍPIO DE OURÉM [MO] contra-alegou, concluindo assim:

1- É objecto da revista o acórdão que revogou a sentença do TAF/L, acórdão que se encontra integrado pelo despacho da Exma. Relatora através da decisão sumária de 28.04.2015, que, a requerimento do MO, rectificou «a inexactidão cometida com efeitos complementares e integrativos do acórdão proferido, no sentido de onde se escreveu no acórdão de 26.02.2015 a folhas 361, “[...] o troço entre o Km 48,818 e o km 59,338 [...] repetido a folhas 362, 363, 364, e 365 passa a escrever-se “C..) o troço entre o km 40,818 e o km 59,338 [...]”;

2- A questão em apreço na revista não tem relevância jurídica fundamental não apenas por não ser complexa, mas apenas trabalhosa, por se tratar no fundo de uma questão de fontes do Direito, mas sobretudo por não ter qualquer interesse prático uma vez que o recorrente não foi capaz de indicar um único facto específico, apenas alegações genéricas, de onde decorresse a potencialidade de qualquer controvérsia paralela;

3- A questão em apreço não tem igualmente relevância social fundamental, pois o recorrente não identificou nenhuma situação ou facto concreto especificamente indicado e provado que potencialmente pudesse suscitar uma idêntica aplicação do direito, nem muito menos a existência ainda que só de contornos [cartas, ofícios, etc.] que explicitassem a utilidade da decisão para lá do caso concreto, e que fossem para lá da mera alegação.

4. A recorrente não demonstrou que a admissão da revista «seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito», desde logo porque para além de não indicar a existência de qualquer controvérsia concreta actual ou potencial, bem sabe que a questão está esclarecida como o afirmou o TCAS através do Direito positivo alterado pela recente entrada em vigor em forma de Lei da Assembleia da República da Lei nº34/2015, de 27.04l, que aprova o novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional e que prevê no artigo 40º [Mutação dominial]:

«1- Quando uma estrada deixar de pertencer, total ou parcialmente, à rede rodoviária nacional para integrar a rede municipal, procede-se à transferência da sua titularidade para o respectivo município.

2- A mutação dominial realiza-se por meio de acordo a celebrar entre a administração rodoviária e o município, com autorização prévia da respectiva assembleia municipal, após aprovação pelo IMT, I.P., sujeito a homologação do membro do Governo responsável pela área das infra-estruturas rodoviárias;

3- A formalização da mutação dos bens do domínio público rodoviário, nos termos dos números anteriores, opera a mudança da sua titularidade, ficando a entidade destinatária dos bens investida nos poderes e deveres inerentes a essa titularidade.»

5- A segurança e a certeza jurídicas não podiam agora ser maiores, e a revista nada acrescenta a este estado de coisas;

6- Não há qualquer argumento novo expendido pela recorrente que não tenha sido expendido em sede de alegações de recurso ordinário perante o TCAS;

7- Por isso também remetemos e damos por inteiramente reproduzidas as nossas alegações em sede de recurso ordinário, e sobretudo concordamos com a doutrina e jurisprudência que decorre tanto no caso concreto como em geral do acórdão sob revista;

8- Por fim, contesta o acerto da jurisprudência do acórdão sob revista a intervenção formal de Lei da Assembleia da República da Lei nº34/2015, de 27.04, que aprova o novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional e que prevê no seu artigo 40º o que deve ocorrer para em sentido próprio ocorrer juridicamente uma mutação dominial.

Termina pedindo a rejeição do recurso de revista, ou, caso assim não suceda, o seu não provimento, com a consequente manutenção do acórdão recorrido, do TCAS.

4. O recurso de revista foi admitido por acórdão do STA [formação a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA] nos seguintes termos:

[…]

2.3. Discute-se nos autos a dominialidade sobre troço da denominada EN356 [depois Estrada regional 356] Ourém-Pelma, o troço compreendido entre o Km 40,818 e o Km 59,338.

O caso dos autos envolve, desde logo a conjugação de diferentes planos rodoviários nacionais: o PNR/45, aprovado pelo DL nº34539, de 11.05.1945; o PNR/85, aprovado pelo DL nº380/85, de 28.09; o PNR/2000, aprovado pelo DL nº222/98, de 17.06, alterado pela Lei nº98/99, de 26.07, e pelo DL nº182/2003, de 16.08; bem como o Estatuto das Estradas Nacionais, aprovado pela Lei nº2037, de 19.08.1949, entretanto revogado pela Lei nº34/2015, de 27.04, que aprovou o novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional.

Envolve ainda a discussão da repercussão do auto de transferência desse troço para município autor, auto celebrado entre esse município e a Junta Autónoma das Estradas em 15.03.1993.

O acórdão não conferiu a tal auto o efeito de transferência que os ora recorrentes proclamam.

Nas alegações, evidencia-se que a questão dos autos tem possibilidade de se replicar «na sequência da celebração de dezenas de autos de transferência, dos quais aproximadamente 850 km se encontram nas exactas condições do troço em causa nos autos por terem sido classificadas como estradas regionais pelo PNR2000. Razão pela qual [...] a questão suscitada tem a evidente virtualidade de vir a repetir-se frequentemente nos tribunais administrativos, tantas vezes quantos os autos de transferência celebrados ao abrigo do PRN/85, atento que as decisões sobre parte da rede têm incidência sobre a gestão da totalidade dessa rede, concretamente sobre os 3700 km de rede transferida sob a vigência do PRN/85 [folhas 412].

Resulta que a questão é complexa e com capacidade de se replicar num indeterminado número de casos, pelo que se assume como problema jurídico e social de importância fundamental.

3. Pelo exposto, admite-se a revista.

[…]

5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º, nº1, do CPTA, o Ministério Público pronunciou-se nestes termos:

[…]

A recorrente imputa ao acórdão recorrido erro de julgamento com violação de lei - DL nº34593, de 11.05.45; Lei nº2037, de 19.08.49; DL nº380/85, de 26.09 e DL nº222/98, de 17.07.

Em nosso parecer, o recurso merecerá provimento.

Pelas razões invocadas pela recorrente, que acompanhamos, o referido lanço de estrada foi ope legis desclassificado como nacional pelo PRN/85 [ver artigos 1º, 2º/1 e 3, e 3º/4 do DL nº380/85], uma vez que, no respectivo Anexo II não consta dos pontos extremos e intermédios da EN356, sendo que esta passou a ficar apenas definida nele entre Batalha e Ourém [neste sentido, o invocado acórdão do STJ nº080817, de 08.01.91.

Assim, conforme também sustenta, o auto de transferência, de 15.03.93, a que aludem os nºs 2 e 6 da matéria de facto provada, constitui instrumento jurídico válido e eficaz de transmissão dominial do troço estradal em causa do domínio público rodoviário estadual para o domínio público municipal do autor, considerando que o artigo 166º do Estatuto das Estradas Nacionais [Lei nº2037, de 19.08.49] expressamente o permitia.

E essa transferência dominial não se mostra afectada pela sua posterior classificação como estrada regional pelo PRN/2000 [DL nº222/98, de 17.07 alterado pela Lei nº98/99, de 26.07], sob a designação de ER356 [ver lista V anexa], uma vez que, sendo já uma estrada municipal, não se mantinha subordinada ao enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional [ver artigo 12º nºs 3 e 4], e que, prevendo-se no referido Plano a possibilidade de integração das estradas regionais nas redes municipais [artigos 13º nº2], nada obstava a que a mesma continuasse integrada na rede municipal rodoviária do Município autor.

Pelo exposto, emitimos parecer no sentido de ser revogado o douto acórdão recorrido e julgada improcedente a acção.

[…]

6. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

Os factos provados que nos vêm fornecidos pelas instâncias são os seguintes:

1- Em 02.12.1992, foi subscrito pelos legais representantes da Câmara Municipal de Ourém, da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo [CCRL/VT], e da Junta Autónoma de Estradas, um «Acordo de Colaboração», «…tendo em vista a execução de obras de reabilitação no lanço da actual estrada nacional nº356 desde o quilómetro 40,818 ao quilómetro 71,400, na extensão de 30,582 Km, e a sua sequente integração no património viário daquela autarquia e da autarquia de Alvaiázere» [documento nº1 anexo à petição inicial];

2- Em 15.03.1993, foi subscrito pelo Director de Estradas de Santarém, em representação da Junta Autónoma de Estradas [JAE], e pelo Presidente da Câmara Municipal de Ourém, o «Auto de transferência para a Câmara Municipal de Ourém, do troço da estrada nacional 356, entre os Kms 40,818 [Ourém] e 59,338 [Limite com o concelho de Alvaiázere - Distrito de Leiria]» [documento nº9 anexo à petição inicial];

3- Em 23.03.1998, foi outorgado o «Auto de Recepção Definitiva» das obras de reabilitação da EN356, entre os representantes da Câmara Municipal e da empreiteira [documento nº11 anexo à petição inicial];

4- Consta do ofício nº105, datado de 09.01.2004, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Ourém, subscrito pelo Director de Estradas de Santarém: «[...] o troço da EN356, entre o Km 40,818 [Ourém] e o KM 59,338 [limite do Concelho de Alvaiázere - Distrito de Leiria], foi transferido para a jurisdição dessa Câmara Municipal por Auto de Transferência, homologado pelo Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas em 27.04.1993» […] - [documento nº18 anexo à petição inicial];

5. O «Acordo de Colaboração» mencionado supra em 1 tem o seguinte teor integral:

«[…] ACORDO DE COLABORAÇÃO

Considerando o disposto no DL nº380/85, de 26.09;

Tendo presente o estabelecido no Despacho Conjunto de Suas Exas. os Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas [DR II série, nº106, de 09.05.91];

Encontrando-se reunidas condições de financiamento específicas por aplicação de fundos que a Comunidade Económica Europeia pôs à disposição do Governo Português no âmbito do PRODAC;

É celebrado o presente acordo entre a Câmara Municipal de Ourém, a Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo e a Junta Autónoma de Estradas, tendo em vista a execução de obras de reabilitação no lanço da actual estrada nacional nº356 desde o Km 40,818 ao Km 71,400, na extensão de 30,582 Kms, e a sua sequente integração no património viário daquela autarquia e da autarquia de Alvaiázere.

1. Dado o sistema de financiamento que está associado ao PRODAC, o FEDER contribuirá com participação global de valor correspondente à aplicação da percentagem de 50% sobre o custo da obra realizada de acordo com o projecto aprovado.

A Junta Autónoma de Estradas, com recurso a verbas inscritas no seu orçamento, contribuirá no domínio financeiro com a contrapartida nacional, de valor igual à aplicação da percentagem de 50% sobre o custo da obra realizada de acordo com o projecto aprovado.

2. O custo total da obra e as verbas previstas para as participações do FEDER e da JAE neste empreendimento são as seguintes:

Custo global [estimativa] ……………………283 868 c.

Parte a suportar pelo FEDER ………………141 934 c.

Parte a suportar pela JAE …………………..141 934 c.

3. A autarquia assumirá os encargos da elaboração do projecto e de expropriações porventura necessárias à realização das obras de reabilitação.

4. No custo da obra não são consideradas, em nenhum caso, as componentes do empreendimento não subsumíveis as Normas Técnicas de Reabilitação que constituem o anexo A do Despacho Conjunto de Suas Excelências os Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas [DR II Série, nº106, de 09.05.91].

5. A entrega à autarquia da participação do FEDER faz-se de acordo com as regras de funcionamento previstas para o PRODAC.

6. A entrega à autarquia da participação financeira da Junta Autónoma de Estradas faz-se de acordo com cronograma financeiro superiormente aprovado, de uma só vez, ou parcelarmente, mediante a apresentação dos autos de medição dos trabalhos.

7. A participação financeira da Junta Autónoma de Estradas e do FEDER podem ser canceladas se a execução das obras se afastar, sem motivo justificado, do caderno de encargos ou do programa de trabalhos.

8. A Junta Autónoma de Estradas, ao dar o seu acordo à proposta de adjudicação assinará os autos de transferência da rede nacional para a rede municipal do lanço de estrada objecto do concurso, que a autarquia lhe enviou assinados, juntamente com o respectivo processo, nos termos do nº8 do Despacho Conjunto de Suas Excelências os Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território e do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas [DR II Série, nº106, de 09.05.91],

9. O presente acordo de colaboração entra em vigor a partir da data da sua homologação pelo Secretário de Estado das Obras Públicas e vigora até à data do auto de recepção provisória da obra.

10.Todas as situações omissas são resolvidas por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas.

Lisboa, 2 de Dezembro de 1992.

Pela Câmara Municipal de Ourém

Pela Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo

Pela Junta Autónoma de Estradas» […]

6. O «Auto de Transferência» mencionado supra em 2, tem o seguinte teor integral:

«[…] MINISTÉRIO DAS OBRAS PÚBLICAS TRANSPORTES E COMUNICAÇÕES JUNTA AUTÓNOMA DE ESTRADAS

DIRECÇÃO DE ESTRADAS DO DISTRITO DE SANTARÉM

AUTO DE TRANSFERÊNCIA PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE OURÉM DO

TROÇO DA ESTRADA NACIONAL356, ENTRE OS KMS: 40,818 [OURÉM] E 59,338 [LIMITE COM O CONCELHO DE ALVAIÁZERE - DISTRITO DE LEIRIA].

Aos quinze dias do mês de Março de mil novecentos e noventa e três, reuniram-se o Senhor Director de Estradas do Distrito de Santarém, Engenheiro ……………., em representação da Junta Autónoma de Estradas, e o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourém, Professor ………….., em representação desta Autarquia, para procederem à entrega pelo primeiro e recebimento pelo segundo, do troço da Estrada Nacional número trezentos e cinquenta e seis, entre os quilómetros quarenta vírgula oitocentos e dezoito e cinquenta e nove vírgula trezentos e trinta e oito [Limite com o concelho de Alvaiázere - Distrito de Leiria], de harmonia com o despacho de homologação de vinte e sete de Janeiro de mil novecentos e noventa e três de Sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas, exarado no Acordo de Colaboração assinado em dois de Dezembro de mil novecentos e noventa e dois entre a Câmara Municipal de Ourém, a Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo e a Junta Autónoma de Estradas.

Esta transferência é feita nos termos do Decreto-Lei número trezentos e oitenta barra oitenta e cinco, de vinte e seis de Setembro [Plano Rodoviário], e do número doze do despacho Conjunto dos Ministérios do Planeamento e Administração do Território, e das Obras Públicas Transportes e Comunicações, publicado na Segunda Série do Diário da República número, cento e seis, de nove de Maio de mil novecentos e noventa e um, uma vez que esta estrada foi desclassificada como nacional, havendo interesse em que seja mantida como via de comunicação ordinária.

Esta transferência inclui a plataforma de estrada e seus taludes, as obras de arte integradas neste troço todos os elementos de sinalização e demarcação existentes ao longo do traçado e, bem assim, as árvores e arbustos radicados na zona da estrada e suas parcelas sobrantes.

Pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Ourem foi declarado que recebia o troço da estrada acima indicada nos termos descritos, pelo que o representante da Junta Autónoma de Estradas declarou, que lhe fazia a entrega do mesmo.

O presente auto, depois de lido e achado conforme, vai ser assinado pelos intervenientes e por mim Bacharel ……………, Chefe da Secção Administrativa da Direcção de Estradas, do Distrito de Santarém, que, servindo de oficial público o redigi e fiz dactilografar. […]».

III. De Direito

1. O MO demandou - em 2006 - as entidades referidas no «Relatório», em AAC, pedindo que o tribunal declarasse que a EN356 - OURÉM-PELMA - no troço que é compreendido «entre os quilómetros 40,818 e 59,338» mantém a classificação originária de «estrada nacional» e é um «bem do domínio público do Estado» afecto à ora A……….. a cuja tutela ou administração está submetida.

Subsidiariamente pede que seja declarado que a actual «estrada regional» 356 - OURÉM-PELMA - e anteriormente classificada como «estrada nacional», no troço compreendido «entre os quilómetros 40,818 e 59,338» é um «bem do domínio público do Estado» afecto à A…………… a cuja tutela ou administração está submetida.

Fundamenta tais pedidos, principal e subsidiário, no facto de ocorrer um estado de incerteza sobre a natureza e domínio público desse troço estradal, e no facto de, em seu entender, o «Acordo de Colaboração», celebrado em 02.12.92 [ponto 1 do provado], e o «Auto de Transferência», celebrado em 15.03.93 [ponto 2 do provado], não poderem deixar de ser considerados ilegais e inconstitucionais, e, por via disso, a referida estrada OURÉM-PELMA continuar a integrar o domínio público do Estado e a estar sob tutela e administração da ré A………. [actual B…………., S.A.].

O TAF/L, onde a AAC foi intentada, julgou improcedente a acção e absolveu os réus dos pedidos. Fê-lo por entender que a tese do autor, MO, não tinha arrimo legal, e que da leitura conjugada dos ditos «Acordo» e «Auto» com o PRN/85 e com o «Despacho Conjunto», no primeiro referido, resultava «iniludivelmente» que o troço estradal em questão, então pertencente à EN356, foi transferido de forma eficaz e definitiva para o domínio público da autarquia autora, e não só para efeitos de realização das obras de requalificação.

O tribunal de apelação - TCAS - dando provimento a recurso do MO revogou esta sentença, sem mais. Ou seja, revogou o julgamento de improcedência da acção mas sem a julgar expressamente procedente…

Porém, foi entendimento do tribunal de apelação que a questão se colocava no domínio da transferência do direito de propriedade pública e não meramente no âmbito da modificação de afectação. E, neste sentido, considerou que a EN356 - na qualificação tipológica do PRN/85 - no troço referido no «Acordo de Colaboração» [02.12.1992] e no «Auto de Transferência» [15.03.1993], «integra o domínio público rodoviário estadual, não tendo sido objecto de mutação dominial em benefício do domínio público viário do MO».

Deste acórdão discorda a A…………., ré na AAC. E neste recurso de revista imputa-lhe «erro de julgamento de direito», dado que a correcta aplicação e interpretação da lei, defende, impõe uma decisão no sentido da tirada pela 1ª instância.

2. Discute-se neste processo se o «lanço de estrada OURÉM-PELMA» entre o Km 40,818 e o Km 59,338 integra o domínio público rodoviário do Estado Português ou o domínio público rodoviário do MO. As instâncias dividiram-se, como vimos.

Abordaremos a «questão», em sede de revista, com o sentido já delineado pela 2ª instância, e pacificamente aceite pelas partes, isto é, como tendo a ver com a titularidade do «direito de propriedade pública» e não da mera «afectação».

3. Na versão originária da Constituição da República Portuguesa [CRP] de 1976, a definição e o regime do domínio público integravam-se na área da competência concorrencial entre a Assembleia da República [AR] e o Governo, e não era feito qualquer elenco dos bens do domínio público.

A revisão constitucional de 1982 transferiu da «área concorrencial» da AR e do Governo para a área da «reserva relativa» da competência legislativa da AR, a definição e o regime dos bens do domínio público, embora continuasse a omitir qualquer elenco destes bens [artigo 168º, nº1 alínea x), da CRP].

Na revisão de 1989, essa definição e regime manteve-se no âmbito da reserva relativa da competência legislativa da AR, e foi introduzido um artigo específico, o artigo 84º, sobre o «instituto do domínio público», estabelecendo, o seu nº1, a enumeração dos bens do domínio público, e o nº2 remetendo para a «lei» a definição dos regimes do domínio público do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

Para a lei também é remetida a possibilidade de se dominializarem outros tipos de bens para além dos enumerados nas várias alíneas do nº1 [ver artigo 84º, nº1 alínea f)], o que significa a consagração de uma cláusula aberta que permite submeter outros bens a um estatuto jurídico derrogatório da propriedade privada.

O nº1, integra entre os bens do domínio público «as estradas» [alínea d)], e o nº2 diz exactamente assim: «A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas, o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites».

E nesta linha, prescreve o artigo 165º, alínea v), da CRP - sobre «reserva relativa da competência legislativa» - que «É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: Definição e regime dos bens do domínio público […]».

Salvo autorização ao Governo a «identificação e o regime do domínio público são, pois, matérias reservadas ao Parlamento».

Nos termos da alínea h), do artigo 4º, do DL nº477/80, de 15.10 - diploma que cria o «inventário geral do património do Estado» - «Para efeitos deste diploma, integram o domínio público do Estado: […] «As linhas férreas de interesse público, as auto-estradas e as estradas nacionais, com os seus acessórios, obras de arte, etc.» […]».

A distinção entre o domínio público rodoviário «estadual» e o «autárquico» está presente em múltiplos diplomas legais, assumindo primordial importância nessa matéria os diplomas definidores dos sucessivos «planos rodoviários nacionais» [PRN].

4. No PRN/45 - aprovado pelo DL nº34593 de 11.05.1945 - as comunicações públicas rodoviárias do continente foram divididas em «estradas nacionais», «estradas municipais», e «caminhos públicos» que podiam ser «municipais» e «vicinais» [artigo 1º].

Foram classificadas como estradas nacionais de 1ª classe, de 2ª classe e de 3ª classe [artigo 1º] as constantes dos mapas anexos a tal diploma [artigo 8º] e estradas municipais as que, não estando classificadas como nacionais, eram de interesse «para um ou mais concelhos, ligando as suas sedes às diferentes freguesias e povoações e estas entre si ou às estradas nacionais» [artigo 5º].

No seu artigo 7º, estabelecia que as «estradas nacionais» ficavam «a cargo» da JAE [alínea a)], as «estradas municipais» e «caminhos municipais» «a cargo» dos municípios [alínea b)], e os «caminhos vicinais» «a cargo» das freguesias [alínea c)]. Acrescentava-se, no parágrafo único do artigo 8º, que «As estradas municipais e os caminhos municipais serão os constantes dos mapas a publicar oportunamente, depois de estudado e aprovado o seu plano de classificação».

A competência da JAE, respeitante às estradas nacionais do continente, veio a ser definida no DL nº35434, de 31.12.1945, que veio a ser modificado pelo DL nº37012, de 13.08.1948.

A Lei nº2037, de 19.08.1949, aprovou o Estatuto das Estradas Nacionais [EEN], alterado, pontualmente, pelo DL nº44697, de 17.11.1962, pelo DL nº45291, de 03.10.1963, pela Lei nº13/71, de 23.01.71 e pelo DL nº219/72, de 27.06.1972.

Estes EEN estipulam no artigo 166º, integrado no capítulo V - sobre «disposições gerais» - deste modo: «Os troços de estradas nacionais que, em virtude da execução de variantes ou por qualquer outro motivo, deixarem de fazer parte da rede de estradas nacionais e convenha manter como vias de comunicação ordinária, serão entregues pelo Estado, devidamente reparados, às câmaras municipais respectivas, imediatamente após a conclusão dos troços que os substituam. Se não interessar a sua manutenção para a circulação, poderá o Estado vendê-los em hasta pública, com o direito de opção para os proprietários dos prédios confinantes.»

O Decreto nº38051, de 13.11.1950, procedeu à «classificação provisória» das estradas municipais do continente e concedeu o prazo de um ano às autarquias locais e demais entidades interessadas para formularem as suas sugestões e reparos perante a comissão nomeada pelo Ministério das Obras Públicas.

O DL nº42271, de 20.05.1959, com base nessa «classificação provisória» e nas sugestões e reparos apresentados, aprovou o «plano das estradas municipais do continente», para cada distrito, cujo mapa consta de anexo ao mesmo [artigo 1º]. E no seu artigo 2º prescreve que as alterações futuras a este plano seriam fixadas por decreto do Ministério das Obras Públicas, com parecer da comissão permanente a nomear por portaria do respectivo Ministro.

Pela Lei nº2110, de 19.08.1961, veio a ser aprovado o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, cujo artigo 2º determina que «É das atribuições das câmaras municipais a construção, conservação, reparação, polícia, o cadastro e arborização das estradas e caminhos municipais».

5. O PRN/45 foi revogado pelo DL nº380/85, de 25.09 [artigo 14º], que aprovou o PRN/85, isto é, o novo «regime jurídico das comunicações públicas rodoviárias afectas à rede nacional». Este diploma foi editado pelo Governo no uso da sua competência legislativa [artigo 201º, nº1 alínea a), da CRP, tal como então vigorava].

Nele, as comunicações públicas rodoviárias nacionais do continente mostram-se classificadas em duas categorias: - rede nacional fundamental, da qual constam os itinerários principais; e rede nacional complementar, integrada por itinerários complementares e pelas demais estradas nacionais [artigos 1º a 3º].

Tanto as estradas da «rede nacional fundamental» como as estradas da «rede nacional complementar» constam de relações anexas ao respectivo diploma, as quais dele fazem parte integrante [artigos 2º nº3 e 3º nº4].

Consignou-se no artigo 13º deste PRN/85 - sobre legislação complementar - que «No prazo de seis meses, o Governo aprovará o diploma regulamentar da rede municipal» [nº1], e que deste regulamento «constarão as estradas nacionais a desclassificar, que se integrarão na rede municipal em consequência do plano rodoviário nacional contido no presente decreto-lei».

Porém, esta legislação complementar nunca chegou a ser publicada.

6. A «Lei de Bases do Sistema de Transportes Terrestres» - Lei nº10/90, de 17.03 - estipula no seu artigo 1º que «O sistema de transportes terrestres compreende as infra-estruturas e os factores produtivos afectos às deslocações por via terrestre de pessoas e de mercadorias no âmbito do território português ou que nele tenham término ou parte do percurso e rege-se pela presente lei, seus decretos-lei de desenvolvimento e regulamentos».

No seu capítulo III - sobre transporte rodoviário - e artigo 14º - sobre a rede rodoviária - prescreve que «1- A rede de estradas nacionais, que constituem bens do domínio público do Estado, é definida no Plano Rodoviário Nacional e inclui a rede fundamental – integrada pelos itinerários principais – e a rede complementar – integrada pelos itinerários complementares e outras estradas. 2- O Plano Rodoviário Nacional e as redes viárias regionais e municipais serão objecto de diplomas específicos. 3- Os diplomas referidos no número anterior estabelecerão as normas disciplinadoras das categorias e características técnicas das estradas das redes nacional, regionais e municipais, as quais serão adaptadas à natureza e volume dos tráfegos previsíveis.»

E no artigo seguinte, artigo 15º, sobre «construção, conservação e exploração de infra-estruturas», estipula-se que «1- A construção, conservação e exploração da rede de estradas nacionais competem à administração central, salvo a excepção referida no nº3; 2- A construção, conservação e exploração das redes viárias regionais e municipais, competem às regiões ou municípios em que se situam; 3- A construção e exploração de auto-estradas e de grandes obras de arte, nomeadamente pontes e túneis, integradas na rede de estradas nacionais poderá ser objecto de concessão, atribuída a empresa constituída expressamente para esse fim; […]».

7. O PRN/85 foi revogado pelo DL nº222/98, de 17.07 [artigo 15º], que aprovou e redefiniu a rede rodoviária nacional do continente, dando origem ao PRN/98, o qual rege actualmente. Este diploma foi editado pelo Governo no uso da sua competência legislativa [artigo 198º, nº1 alínea a), da CRP], sendo certo que se apresenta como o desenvolvimento das bases gerais contidas na Lei nº10/90, de 17.03, em cujo artigo 14º, nº2, e como já referimos, se devolve a regulamentação da matéria para diploma específico.

O PRN/98 foi alterado na sequência de apreciação parlamentar, a qual esteve na origem da Lei nº98/99, de 26.07, que alterou a redacção dos artigos 12º, 13º e 14º do mesmo.

O PRN/98 estabelece que o plano rodoviário nacional define a «rede rodoviária nacional do continente» [artigo 1º nº1], que é constituída pela «rede fundamental» e pela «rede complementar» [artigo 1º nº2].

A «rede nacional fundamental» integra os itinerários principais [IP] constantes da lista I anexa ao diploma [artigo 2º nº1].

A «rede nacional complementar» é formada pelos itinerários complementares [IC] e pelas estradas nacionais [EN] constantes, respectivamente, das listas II e III também anexas ao diploma [artigo 4º nº1].

Este PRN/98 criou ainda uma nova categoria de estradas, as «estradas regionais do continente», constantes da lista V anexa ao diploma. Esta nova categoria de estradas regionais fica subordinada ao enquadramento normativo das estradas da rede rodoviária nacional [artigo 12º, nº4].

Às «estradas municipais» dedica o PRN/98 os seus artigos 13º e 14º. O primeiro - sobre «redes municipais» - diz que «1- As estradas não incluídas no plano rodoviário nacional integrarão as redes municipais, mediante protocolos a celebrar entre a Junta Autónoma de Estradas e as câmaras municipais e após intervenções de conservação que as reponham em bom estado de utilização ou, em alternativa, mediante acordo equitativo com a respectiva autarquia. 2- Poderão ainda ser integradas nas redes municipais, nas mesmas condições das estradas referidas no número anterior e mediante despacho do ministro da tutela do sector rodoviário, as estradas regionais [ER]. 3- As estradas classificadas para integração nas redes municipais, até à recepção pelas respectivas autarquias, ficarão sob a tutela da Junta Autónoma de Estradas, que, entretanto, lhes assegurará padrões mínimos de conservação. O segundo - sobre o «regime das estradas regionais e municipais» - prescreve que «Para além do previsto no presente diploma e no Estatuto das Estradas da Rede Nacional, as estradas municipais serão reguladas por diplomas próprios.»

Estes preceitos legais prosseguem a solução já adoptada no PRN/85 de reenviar para diplomas autónomos a disciplina jurídica das estradas municipais.

Tais diplomas, porém, ainda não foram, publicados.

8. O DL nº182/2003, de 16.08, devido ao desenvolvimento de algumas novas infra-estruturas rodoviárias, veio proceder à actualização do PRN/98, de modo a ajustar as designações e correspondentes descritivos, bem como «redefinir» e «reclassificar» algumas infra-estruturas.

Neste propósito «retirou», ou «desclassificou», além do mais, oito estradas da rede rodoviária nacional e uma da rede rodoviária regional, «tendo procedido, consequentemente, à sua transferência para os patrimónios municipais» - ver preâmbulo e Lista III e V da alínea c) do artigo 1º.

Este diploma foi aprovado pelo Governo no uso da sua competência legislativa [artigo 198º, nº1 alínea a), da CRP].

9. A Lei nº34/2015, de 27.04, aprovou o novo Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional [EEN], revogando, e além do mais, o EEN de 1949 [ver ponto 4 supra].

O artigo 3º alíneas l), r) e s) define, respectivamente, «estrada desclassificada» como sendo «a estrada que nos termos da legislação em vigor já não integra a rede rodoviária nacional», «estrada nacional» como «a via como tal classificada no PRN», e «estrada regional» como «a via como tal classificada no PRN».

No artigo 26º diz que as estradas a que se aplica o EEN «integram o domínio público rodoviário do Estado» [nº1 alínea a) e nº2], constituindo «propriedade pública do Estado» [artigo 27º, nº1]. E, o artigo 40º, sob a epígrafe de «Mutação dominial», prescreve que «1- Quando uma estrada deixa de pertencer, total ou parcialmente, à rede rodoviária nacional para integrar a rede municipal, procede-se à transferência da sua titularidade para o respectivo município». 2- A mutação dominial realiza-se por meio de acordo a celebrar entre a administração rodoviária e o município, com autorização prévia da respectiva assembleia municipal, após aprovação pelo IMT, I.P., sujeito a homologação do membro do Governo responsável pela área das infra-estruturas rodoviárias. 3- A formalização da mutação dos bens do domínio público rodoviário, nos termos dos números anteriores, opera a mutação da sua titularidade, ficando a entidade destinatária dos bens investida nos poderes e deveres inerentes a essa titularidade.»

10. Passemos, agora, ao caso que nos ocupa.

A estrada nº356, tendo como pontos extremos Martingança e Alvaiázere, e como pontos intermédios Maceirinha, Batalha, Fátima, Vila Nova de Ourém, Pisões e Venda Nova, aparece referida no PRN/45 como «estrada nacional de 3ª classe» [ver o mapa anexo (IV) ao DL nº34593, de 11.05.1945, para o qual remete o artigo 8º deste diploma (ponto 4 supra)], encontrando-se, por via dessa classificação, «a cargo» da JAE [artigo 7º alínea a) do DL nº34593, de 11.05.1945].

No PRN/85 a estrada nacional nº356 aparece integrada na «rede complementar (outras estradas)», tendo como pontos extremos Batalha [entroncamento da EN nº1] e Vila Nova de Ourém [entroncamento da EN nº113], e como pontos intermédios Reguengos de Fetal e Fátima - ver mapa III anexo ao DL nº380/85, de 26.09, para o qual remete o artigo 3º, nº4, deste diploma [ponto 5 supra].

No PRN/98 aparece integrado na rede complementar, e classificado como EN356 o troço Batalha (IC2) - Fátima (IP1) tendo como único ponto intermédio Reguengos de Fetal [ver mapa III anexo ao DL nº222/98, de 17.07, para o qual remete o artigo 4º, nº1, deste diploma (ponto 7 supra)], e integrado na rede complementar mas como «estrada regional» o troço Pelma [limite da região] - Alvaiázere [entroncamento da ER nº348] - [ver o mapa V, anexo ao DL nº222/98, de 26.09, para o qual remete o artigo 12º, nº4, deste diploma (ponto 7 supra)].

Constata-se, assim, pela ponderação dos referidos anexos legais, da matéria de facto provada, e da consulta de mapas que a todos são acessíveis, que o troço rodoviário em causa nestes autos - OURÉM-PELMA - deixou de integrar a EN356 no PRN/85, e não integra a EN356 nem a ER356 no PRN/98.

11. Em 09.05.1991, foi publicado no Diário da República [II série, nº106] Despacho Conjunto dos Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, Planeamento e Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas, que, na linha do PRN/85, e com o objectivo de colocar em condições operacionais as estradas a transferir para a administração local, determinou que se procedesse a obras de reabilitação das mesmas, subsidiadas no âmbito do PRODAC e FEDER, sendo a respectiva autarquia «o dono da obra, para todos os efeitos», pelo que lhe compete a realização do concurso público para a respectiva empreitada, a proposta de adjudicação, a elaboração do contrato e a fiscalização da obra» [ponto 8 do Despacho].

Mais se diz, em tal Despacho Conjunto, que com a concordância da JAE à proposta de adjudicação da empreitada, o lanço de estrada é transferido da rede nacional para a rede municipal, nos termos da legislação em vigor [ponto 12 do Despacho].

No «Anexo B» desse Despacho Conjunto, respeitante ao «Modelo de Acordo de Colaboração», consta que a JAE, ao dar o seu acordo à proposta de adjudicação assinará o auto de transferência da rede nacional, para a rede municipal, do lanço de estrada objecto do concurso, e que o respectivo acordo de colaboração entra em vigor a partir da data da sua homologação pelo Secretário de Estado das Obras Públicas e vigora até à data do auto de recepção provisória da obra [pontos 7 e 8 do Anexo B ao Despacho Conjunto].

12. Em 1992, na vigência do PRN/85, foi subscrito pelo MO, pela CCRL/VT e pela JAE, «Acordo de Colaboração» tendo em vista «a reabilitação do lanço da actual EN356 desde o Km 40,818 ao Km 71,400, na extensão de 30,582 quilómetros, e a sua sequente integração no património viário do MO e do Município de Alvaiázere» [ponto 5 do provado].

Estando em causa o lanço referente ao território do MO, entre o Km 40,818 e o Km 59,338 - limite do concelho de Alvaiázere - obviamente que está compreendido no âmbito da referida reabilitação, e «sequente integração no património» do MO.

Tal «Acordo» foi celebrado tendo em conta o disposto no PRN/85, no Despacho Conjunto dos Secretários de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, Planeamento e Desenvolvimento Regional e das Obras Públicas - DR, II série, nº106, de 09.05.91 - e, ainda, porque se encontravam reunidas as condições de financiamento por fundos comunitários no âmbito do PRODAC.

Dele consta que, no âmbito do sistema de financiamento do PRODAC, o FEDER contribuirá com o valor correspondente a 50% do custo da obra de reabilitação, e a JAE com os outros 50%, assumindo o MO os encargos de elaboração do projecto e de expropriações porventura necessárias à «realização das obras de reabilitação» [pontos 1 a 7 do Acordo].

Mais consta que a JAE, ao dar o seu acordo à proposta de adjudicação, assinará os «autos de transferência da rede nacional para a rede municipal» do lanço de estrada objecto do concurso, e que o «Acordo» entra em vigor a partir da data da sua homologação pelo Secretário de Estado das Obras Públicas «e vigora até à data do auto de recepção provisória da obra» [pontos 8 e 9 do Acordo].

13. Em 15.03.1993, novamente na vigência do PRN/85, foi subscrito pela JAE e pelo MO o «Auto de transferência para a Câmara Municipal de Ourém, do troço da EN356, entre o Km 40,818 e o Km 59,338» [ponto 2 do provado], em 27.04.1993 esse «Auto de Transferência» foi homologado pelo Secretário de Estado das Obras Públicas [ver o conteúdo do «ofício nº105, de 09.01.2004», levado ao ponto 4 do provado], e, em 25.07.1993 foi assinado «Auto de Recepção Provisória» da obra de reabilitação da EN356 [ver folha 42 dos autos].

Em tal «Auto de Transferência» é dito que a transferência é feita nos termos do PRN/85 e do nº12 do referido «Despacho Conjunto», «uma vez que a estrada foi desclassificada como nacional, havendo interesse em que seja mantida como via de comunicação ordinária» [ponto 6 do provado].

Apenas em 23.03.1998 foi outorgado o «Auto de Recepção Definitiva» dessa obra, o qual foi assinado pelos representantes do MO e do adjudicatário [ponto 3 do provado].

14. Ora, face ao regime jurídico decorrente da legislação referida nos anteriores pontos 3 a 10, e à factualidade constante dos pontos 11 a 13, importa apreciar e decidir a seguinte questão: - saber se o lanço viário em causa, OURÉM-PELMA, constituído pela EN356 [na classificação do PRN/85] entre o Km 40,818 e o Km 59,338, foi transferido do domínio público rodoviário do Estado para o domínio público rodoviário municipal pelo «Auto de Transferência» de 15.03.1993.

Da resposta a tal questão depende a decisão a proferir neste recurso de revista.

15. Antes de prosseguir vejamos muito sucintamente o que diz a doutrina sobre o tema.

O «critério da utilidade pública» é fundamental para a identificação dos bens do domínio público, sendo que a utilidade pública de um bem pode ser «inerente», ao mesmo, ou pode ser «funcional» [ver Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 1999, páginas 879 e seguintes].

De acordo com tal critério, a doutrina vem distinguindo entre «bens do domínio público material, ou por natureza», e «bens do domínio público formal, ou por determinação da lei» [Ana Raquel Gonçalves Moniz, O Âmbito do Domínio Público Autárquico, in Estudos Em Homenagem do Professor Doutor Marcello Caetano, FDUL, 2006, páginas 153 a 182], ou, e usando outra terminologia, entre «bens reservados» e «bens de destinação pública» [Bernardo A. Azevedo, Linhas fundamentais por que se rege a disciplina jurídico normativa aplicável à constituição, gestão e extinção dos bens públicos, CEJUR, Junho de 2006, páginas 41 a 58].

Enquanto os primeiros possuem uma indefectível ligação com a identidade do Estado português, não podendo deixar de se encontrar na propriedade pública estadual porque a qualidade de coisa pública está in rebus ipsis - a título de exemplo, o domínio marítimo, hídrico, geológico - os últimos são bens vocacionados «para servir um escopo de interesse público» - a título de exemplo, as estradas, caminhos-de-ferro, aeroportos.

Poder-se-á dizer, pois, que bem do domínio público é, em suma, mais um bem quoad usum do que um bem quoad proprietatem e, sendo certo que o estatuto de dominialidade pública pressupõe o direito de propriedade pública sobre o bem, não se reduz a este, antes implica a existência de poderes de domínio sobre as coisas, no sentido de que dominium é mais amplo do que proprietas [ver Bernardo Azevedo, trabalho citado, página 49, e Ana Raquel Gonçalves Moniz, O Domínio Público: o critério e o regime jurídico da dominialidade, Almedina, Coimbra, 2005].

A distinção conceptual referida reflecte-se no âmbito da «aquisição e perda» do estatuto de bem do domínio público. Assim, para os bens do domínio público material, a sua individualização pelo legislador tem natureza declarativa, sendo a actividade administrativa a seu respeito tendencialmente vinculada, enquanto para os bens do domínio público formal, a respectiva individualização cabe, em termos constitutivos, apenas e só ao legislador [artigo 84º, nº1, f), da CRP], e pressupõe um complexo de regras indispensáveis para a adopção, pela administração, dos actos jurídico-formais tendentes à sua afectação à função ou serviço público.

Bens do domínio público serão, assim, os que como tal são «classificados» pelo legislador - constitucional ou ordinário - no caso do domínio público formal, e os que como tal são «declarados» pelo legislador, no caso do domínio público material.

Por seu lado, a «perda» do estatuto de bem do domínio público terá a ver, e no caso do domínio público material, com a desnaturalização do bem, ou seja, com a perda dos seus caracteres naturais ou estruturais típicos, achando-se vedados às entidades administrativas quaisquer poderes constitutivos a este respeito; já no caso do domínio público formal, ou por destinação pública, não pode deixar de haver um acto formal de «desafectação» desse bem ao fim que justificou a sua dominialização pública [Bernardo A. Azevedo, trabalho citado, páginas 45 a 48].

Importa dizer, ainda, em sede de enquadramento doutrinário, que a existência de um domínio público na titularidade das autarquias «constitui uma imposição constitucional» [artigo 84º, nº2, da CRP], que «não pode ser dissociada da garantia da autonomia local» [ver, a respeito, Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, página 253; Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, página 143 nº79].

E integrando-se o «domínio público rodoviário» no designado «domínio público formal», objecto, pelo que dissemos, de uma maior flexibilização, pode estar, por isso, na titularidade de autarquias. Aliás, o factor proximidade, motor, entre outros, do movimento de «descentralização», isso mesmo aconselha.

16. Cientes do regime jurídico aplicável à situação factual que foi apurada pelas instâncias, e enquadrado o tema central do litígio em breve recolha de doutrina, prossigamos na resolução da «questão» enunciada no anterior ponto 14.

Como vimos, o «título» da eventual «mutação dominial» em causa é constituído pelo «Auto de Transferência» celebrado em 15.03.1993 entre a JAE e o MO. Tal auto de transferência surge enquadrado no «Acordo de Colaboração» celebrado cerca de três meses antes [02.12.1992] entre o MO, a CCRL/VT e a JAE, sendo que este último, por seu lado, se apresenta enquadrado pelo «Despacho Conjunto» publicado em 09.05.1991, proferido na vigência e com a invocação expressa do DL nº380/85, de 26.09 [PRN/85].

Da «interpretação e da concatenação» dos textos destes instrumentos jurídicos resulta que através do «Acordo de Colaboração» celebrado entre o MO, a CCRL e a JAE se pretendeu dar corpo a um pacto de colaboração visando a realização de obras de reabilitação do troço estradal em causa, com o fim da sua sequente entrega ao MO. E este acordo vigoraria entre a data da sua homologação pelo respectivo Secretário de Estado - 26.01.1993 - e a data da recepção provisória da obra, que ocorreu em 25.07.1993.

Já com o «Auto de Transferência», celebrado em 15.03.1993, cerca de 4 meses antes de ter sido lavrado o auto de recepção provisória da obra de reabilitação, não se pretendeu apenas afectar o troço estradal à gestão autárquica, uma vez que o MO seria o «dono da obra», mas antes «transferir a estrada» do domínio público do Estado para o domínio público municipal.

Esta transferência, diz-se no auto, é feita nos termos do DL nº380/85, de 26.09 [PRN/85], e do ponto 12 do «despacho conjunto», «e uma vez que esta estrada foi desclassificada como nacional, havendo interesse em que seja mantida como via de comunicação ordinária». E incluiu no seu «objecto» «a plataforma de estrada e seus taludes, as obras de arte integradas neste troço, todos os elementos de sinalização e demarcação existentes ao longo do traçado e, bem assim, as árvores e arbustos radicados na zona da estrada e suas parcelas sobrantes». Ou seja, teve um objecto próprio de transferência dominial, e não um objecto próprio de mera afectação gestionária para obras.

O que está bem patente, ainda, em sede de «auto de recepção definitiva» da obra, lavrado em 23.03.1998, e assinado, note-se, pelos representantes do MO e da sociedade adjudicatária [ver ponto 3 do provado].

Essa transferência ocorreu - embora não tenhamos esta data concretamente apurada nos factos assentes - na altura do acordo dado pela JAE à adjudicação da obra, e teve sobreposto o acordo de colaboração celebrado entre a JAE, a CCRL/VT e o MO, até à recepção provisória da mesma.

Sendo a finalidade, assumida, do auto celebrado em 15.03.1993, a de transferir a estrada OURÉM-PELMA - anterior EN356 - do domínio público do Estado para o domínio público municipal, do MO, importa agora saber «se o poderia ter feito sem lesar a lei constitucional e ordinária».

17. Já vimos que o PRN/85 individualiza nos seus três anexos quais as estradas nacionais: no anexo I as estradas nacionais da rede fundamental; no anexo II as estradas nacionais da rede complementar; no anexo III a outras estradas nacionais. E já verificamos que a estrada OURÉM-PELMA, que integrava a EN356, deixou de ser aí prevista, nomeadamente no anexo III referido. E nem voltou a ser integrada nos anexos referentes às redes rodoviárias nacional e regional do PRN/98 [ver ponto 10 supra].

Isto significa que a estrada em causa deixou, no PRN/85 e PRN/98, de integrar o elenco das «estradas nacionais». Doutro modo: foi desclassificada como estrada nacional.

Assim sendo, como cremos ser, deverá ser feita uma interpretação restritiva do artigo 13º nº2 do DL nº380/85, quando, a respeito do diploma regulamentador da rede municipal, que nunca chegou a ser publicado, diz que dele «constarão as estradas nacionais a desclassificar, que se integrarão na rede municipal em consequência do plano rodoviário nacional contido no presente decreto-lei» [itálico nosso].

Ora, realmente, só faz sentido que essas «estradas nacionais a desclassificar» sejam outras ainda não «desclassificadas», isto é, outras que ainda integram os anexos individualizantes do PRN/85, e não aquelas que deles já não constam.

Daí que a falta de publicação desse diploma regulamentador da rede municipal, que devia ter sido aprovado pelo Governo no prazo de 6 meses após a entrada em vigor do PRN/85, não deixe «classificado» como estrada nacional o troço ora em causa, pois que resultou «desclassificado», enquanto tal, pela sua ausência nos anexos das estradas nacionais ao PRN/85.

Mas ser «desclassificada» como estrada nacional não significa, sem mais, ser «classificada» como estrada municipal. E isto, desde logo, porque o artigo 84º nº2 da CRP [ponto 3 supra] impõe que seja «a lei» a definir quais são os bens «que integram o domínio próprio das autarquias locais», o que se compatibiliza mal, a nosso ver, com uma mera definição por exclusão. Até porque se determinada estrada não integra a rede rodoviária nacional isso não significa que tenha de integrar necessariamente a rede rodoviária municipal, porquanto poderá deixar de interessar, pura e simplesmente, a sua manutenção para a circulação.

Acontece que o legislador do PRN/85, ciente desta necessidade de classificação pela positiva pretendeu, na parte final do referido nº2 do artigo 13º, evitar esta dificuldade, esclarecendo que tais estradas - desclassificadas como nacionais - «se integrarão na rede municipal em consequência do PRN contido no presente decreto-lei».

Temos, portanto, que é por força do diploma legal em referência - DL nº380/85, de 26.09 - que as estradas nacionais ausentes dos seus três anexos não só são «desclassificadas» como estradas nacionais, como são, ope legis, «classificadas» como estradas da respectiva rede municipal. Aliás, não poderia aceitar-se que uma estrada pública não fosse de ninguém, o que em boa verdade ocorreria no período entre a entrada em vigor do PRN/85 e a «legislação complementar» que nele é prevista [artigo 13º].

E deste modo, a estrada OURÉM-PELMA, desclassificada como estrada nacional pelo PRN/85, foi «classificada» como estrada da «rede rodoviária municipal» em consequência do próprio PRN/85, reduzindo-se o auto de transferência, lavrado em 15.03.1993, a mero auto de entrega pela JAE e de recebimento pelo MO, da posse de um bem que já tinha sido transferido ex vi legis para o domínio público rodoviário do MO.

O que se mostra, bem vistas as coisas, em perfeita sintonia com o artigo 166º do EEN na altura vigente - Lei nº2037, de 19.08.1949 [ponto 4 supra] - e segundo o qual, como já citamos, «Os troços de estradas nacionais que, em virtude da execução de variantes ou por qualquer outro motivo, deixarem de fazer parte da rede de estradas nacionais e convenha manter como vias de comunicação ordinária, serão entregues pelo Estado, devidamente reparados, às câmaras municipais respectivas […]

Resta uma última «questão»: a de saber se, em termos constitucionais, assim podia ter sido feito. Isto é, se o Governo, no uso da sua competência legislativa própria, poderia ter «transferido» do domínio público do Estado [ver artigo 4º alínea h) do DL nº477/80, de 15.10] para o domínio público municipal a estrada em referência - parte da antiga EN 356.

18. Usando a qualificação da doutrina [ver ponto 15 supra], estamos perante um bem do domínio público «por destinação pública», e não de um «bem reservado», sendo certo que a aplicação do regime de determinada dominialidade pública só tem sentido até onde se justificar a garantia da respectiva função pública.

Quer-se com isto dizer que no âmbito da dominialidade por destinação pública, a «estrada» que em certo momento e circunstância histórica se justificava estar integrada no domínio público estadual poderá, porque passou a conformar-se mais com a «satisfação de interesses de populações locais», passar para a área geográfica e material do domínio público rodoviário municipal.

O artigo 84º, nº2, da CRP, impõe, como vimos, que seja a «lei» a definir quais os bens que «integram» cada um desses «domínios públicos», do Estado, das regiões autónomas, e dos municípios, bem como «o seu regime, condições de utilização e limites» [ver ponto 3 supra]. Também para a «lei» é remetida, agora pela alínea f), do nº1, desse artigo 84º, a possibilidade de se dominializarem outros tipos de bens para além dos enumerados nas outras alíneas desse nº1.

Confrontados com a necessidade de delimitar o âmbito desta «reserva de lei», Jorge Miranda e Rui Medeiros [Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, comentário ao artigo 84º] dizem que salvo autorização ao Governo a identificação e o regime do domínio público são matérias reservadas ao Parlamento, e, ainda, que «não se trata de uma reserva de bases gerais ou de regime geral, mas, sim, de uma reserva de densificação total». Também para o Tribunal Constitucional a reserva é «absoluta no sentido de a extensão da competência material reservada à lei implicar a restrição radical da intervenção normativa de outras entidades» [AC nº131/2003].

Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino [Constituição da República Portuguesa Anotada, LEX, Lisboa 2000, anotação ao artigo 165º CRP] dizem que, quanto às exigências de determinação normativa, «estando nós em pleno domínio de reserva de lei, a CRP impõe à lei uma densificação suficiente, quer em extensão quer em profundidade, sob pena de desvio de poder de lei».

Por sua vez, Bernardo A. Azevedo [Linhas fundamentais por que se rege a disciplina jurídico normativa aplicável à constituição, gestão e extinção dos bens públicos, CEJUR, Junho de 2006, página 42] entende que, relativamente ao método que deve presidir à definição do domínio público, se o «sistema de cláusula geral» se o «sistema taxativo», «entre nós parece valer um sistema de lista taxativa ou fechada, só sendo de considerar como bens dominiais aqueles como tal expressamente qualificados pelo legislador [constitucional ou ordinário].

Seja como for, o que se constata, na realidade, é que na vigência do artigo 84º da CRP, portanto após a revisão constitucional de 1982 que transferiu da área concorrencial da AR e do Governo para a da «reserva relativa» da competência legislativa da AR a «definição e o regime dos bens do domínio público», tanto o PRN/85 como o PRN/98, com os seus anexos «individualizadores» das estradas nacionais [os 2] e regionais [o último], foram aprovados pelo Governo no uso da sua competência legislativa, ou seja, respectivamente ao abrigo do artigo 201º, nº1 alínea a), da CRP, tal como então vigorava, e artigo 198º, nº1 alínea a), da CRP.

E o mesmo aconteceu, nomeadamente, com o DL nº182/2003, de 16.08 [ponto 8 supra], que alterou o PRN/85, reclassificando algumas infra-estruturas rodoviárias. Também ele foi aprovado pelo Governo ao abrigo do artigo 198º, nº1 alínea a), da CRP.

O que significa que o legislador ordinário interpretou a referida «reserva de lei» mais no sentido da densificação suficiente do que da densificação total. Donde resulta que a reserva de lei prevista no nº2 do artigo 84º da CRP é uma reserva de «acto legislativo», ou seja, tanto «lei» como «decreto-lei» [ver artigo 112º, nº1, da CRP], nesse âmbito se integrando a individualização dos bens do domínio público «por destinação».

Resulta, assim, que ao «desclassificar» a estrada OURÉM-PELMA como «estrada nacional», e, de acordo com o referido, ao classificá-la ope legis como «estrada municipal» - cuja entrega e recepção foi formalizada pelo «auto de transferência» - o DL nº380/85, de 26.09, não violou a reserva de lei imposta pela CRP no tocante à «definição» do domínio público rodoviário municipal.

19. A tese jurídica do autor da AAC, o MO, não pode pois ser julgada procedente uma vez que a estrada OURÉM-PELMA, identificada nos autos, deixou de integrar o domínio público rodoviário do Estado Português, e deixou de estar «a cargo» da EP, E.P.E. - actual B…………., S.A. - tendo passado para o domínio público rodoviário e para a gestão pública municipal [artigo 15º, nº2, da Lei nº10/90, de 17.06 (ponto 6 supra].

20. Resta, pois, conceder provimento ao recurso de revista interposto pela ré da AAC, a então A………., e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido, do TCAS, mantendo-se a julgamento de improcedência da acção feito pelo TAC/L, embora por razões parcialmente distintas.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento ao recurso de revista, e, em conformidade, revogar o acórdão recorrido e manter o que foi decidido na 1ª instância, embora com fundamentos parcialmente diferentes.

Custas pelo recorrido MUNICÍPIO DE OURÉM.

Lisboa, 27 de Outubro de 2016. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.