Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0433/13.2BELRS 0610/16
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IMPOSTO DE SELO
OPERAÇÕES FINANCEIRAS
PRAZO
JUROS
Sumário:I - No caso, é ponto assente que a operação de disponibilização de fundos em causa se tenha destinado a cobrir necessidades de tesouraria da sociedade beneficiária e que, no que respeita ao período de disponibilização dos fundos, apenas resultou provado, matéria que não é posta em causa no presente recurso, que a Impugnante, ora Recorrente, em 19-03-2008, informava a respectiva beneficiária, a B.............., que o seu Conselho de Administração havia dado o seu acordo à disponibilização de tais fundos, por um período que se previa não ultrapassasse o prazo de 1 ano.
II - Assim, tendo em conta que o que está em causa é apreciar se as operações em apreço integram a verba 17.1.2. da TGIS tal como entendeu a Recorrente ou a verba 17.1.4., se considerarmos a perspectiva da decisão recorrida e o exposto pela Recorrente, temos que a excepcionalidade do benefício contido na norma de isenção e a imperatividade dos seus pressupostos, sempre teria de dizer-se que a sua aplicação não se bastaria com uma mera previsão quanto ao prazo da operação, impondo-se que o mesmo tenha, obrigatoriamente, um período de duração não superior a 1 ano e, no caso vertente, tal não resulta dos factos provados.
III - Sendo ainda relevante o exposto pela AT quando aponta o facto de o sujeito passivo (ou a sua accionista B.............. por ele) aguardar um ano para liquidar imposto sobre a operação emergir como uma confirmação desta mesma indeterminação de prazo.
IV - O imposto de selo incide objectivamente sobre os actos jurídicos e demais situações previstas na TGIS (art. 1º, n.º 1 do CIS) e a obrigação de juros, embora dependente da obrigação de capital, é autónoma em relação a esta, com ela não se confundindo e porque se trata de uma componente distinta da obrigação de capital, temos que a norma de isenção - art. 7º nº 1 al. g) do CIS - refere-se a “operações financeiras, incluindo os respectivos juros”, sendo que a verba 17.1.4 da TGIS incide sobre o crédito utilizado e não sobre este e os juros.
V - Ora, quando estes se incluem na base de incidência do imposto, não deixa a norma de expressamente o referir, como ocorre nas verbas 17.3.1 e 17.3.2, o que significa que quando no preceito se aponta que a taxa recai sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, o saldo em causa é apenas o referente ao crédito, que é o fenómeno objecto de tributação, não compreendendo os juros, o que implica a procedência do recurso nesta parte.
Nº Convencional:JSTA00071214
Nº do Documento:SA2202107130433/13
Data de Entrada:05/18/2016
Recorrente:A............ SGPS, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:TGIS VERBA17.1.2 VERBA 17.1.4
CIS ART7 N1 AL.G
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 433/13.2BELRS (Recurso Jurisdicional)


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“A………. SGPS, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 13-01-2016, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com parte da liquidação de Imposto do Selo (IS) correspondente à demonstração n.º 2012 00001770435, concernente ao ano de 2008.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar inaplicável a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do Código do Imposto do Selo aos fundos disponibilizados pela Recorrente à casa-mãe para cobertura de carências de tesouraria,

B. Com efeito, o Tribunal a quo começa por referir que o prazo de duração do financiamento não tem de ser reduzido a escrito ... mas depois entende que a troca de correspondência entre as partes, onde se menciona um prazo inferior a um ano, não é suficiente para demonstrar que a operação era de curto prazo.

C. Ignorou o Tribunal a quo que a troca de correspondência havida entre a Recorrente e a B.............. corresponde efetivamente a um contrato, i.e. a um acordo formulado através de duas declarações de vontade (proposta e aceitação) “de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte”.

D. Ao referir que não basta “uma previsão de que a disponibilização de fundos não ultrapasse o prazo de um ano”, mas que a operação financeira teria de ter “inequivocamente, prazo não superior a um ano”, o Tribunal a quo está a assentar toda a sua decisão na palavra “prevemos” que consta da frase “por um período que prevemos não ultrapasse o prazo de um ano”, incluída na troca de correspondência constante da alínea 5) da sentença recorrida.

E. Ora, as declarações das partes têm de ser contextualizadas para que se proceda à sua melhor interpretação, sendo certo que, no presente caso, a Recorrente disponibiliza fundos à sua casa-mãe.

F. No presente caso, a Recorrente concedeu fundos à sua casa-mãe, e ambas as partes declararam por escrito que prevêem que o prazo das operações seja inferior a um ano.

G. Para o Tribunal a quo, se a Recorrente tivesse afirmado “exigimos que o prazo não ultrapasse um ano”, não haveria dúvidas que a isenção seria aplicável ... sendo certo que o efeito jurídico da palavra “prevemos” é exatamente igual ao efeito jurídico da palavra “exigimos”, visto que é dirigida à sua casa-mãe, que detém uma participação de 95% no seu capital.

H. Que ambas as partes configuraram as operações como sendo de curto prazo é também atestado pelo facto da Recorrente ter liquidado Imposto do Selo nas situações em que o prazo de um ano foi atingido.

I. Ademais, ao exigir o Tribunal a quo que tivesse de haver a priori uma certeza absoluta (ou inequívoca) acerca do prazo de reembolso das operações de tesouraria, sob pena de se estar apenas perante uma mera “previsão”, então dificilmente qualquer contrato (independentemente de ser ou não reduzido a escrito ou de seguir uma certa forma) ultrapassaria o crivo de não poder representar um conjunto de “previsões”, expectativas ou intenções das partes contratantes ...

J. Outro erro - este de palmatória - cometido pelo Tribunal a quo prende-se com o facto de ter considerado que os juros em dívida deveriam ser incluídos na base de incidência do Imposto do Selo.

K. Como é por demais sabido, apenas na verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo é que os juros estão sujeitos a este imposto.

L. Ao considerar que os juros em dívida se integram no “crédito” tributado por força da verba 17.1.4 da Tabela Geral, a decisão recorrida violou frontalmente a lei.

M. Como é evidente, o “saldo” referido nesta verba é o saldo do crédito, conforme resulta claramente da norma em causa, não se podendo confundir juros com crédito.

N. Isto mesmo é referido por toda a doutrina, incluindo a emitida pela AT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, por provado, devendo, em consequência, ser anulada a decisão recorrida, considerando-se a impugnação procedente.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar da bondade da decisão recorrida quando recusou a pretensão da Impugnante por estar em causa uma operação que não se reconduz a empréstimo de curto prazo, recusando enquadrar as operações em apreço na verba 17.1.2. da TGIS tal como impetrado mas na 17.1.4. e por os juros estarem abrangidos pela verba 17.1.4. da TGIS.


3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1) A impugnante, em 2008, era uma sociedade gestora de participações sociais.

2) A sociedade B............. SGPS, SA, em 2008, era uma sociedade gestora de participações sociais.

3) Durante o exercício de 2008, a sociedade mencionada em 2) detinha participações da impugnante, correspondentes a 94,2% do seu capital social.

4) Durante o exercício de 2008 a impugnante disponibilizou fundos à sociedade mencionada em 2), não existindo acordo escrito em que a formalização do prazo de reembolso estivesse claramente prevista e estabelecendo-se como taxa de juro de referência a taxa Euribor a 12 meses.

5) De ofício da impugnante, datado de 19.03.2008, dirigido à sociedade mencionada em 2), consta designadamente o seguinte:
“…

[IMAGEM)

…” (cfr. fls. 63, dos autos, e fls. 152, do processo administrativo).
6) Foram registados na contabilidade da impugnante, relativa aos meses compreendidos entre maio e dezembro do exercício de 2008, os seguintes valores, respeitantes a créditos da impugnante sobre a sociedade mencionada em 2), nas contas 25211 [Accionistas (Sócios) - Empresas do Grupo - Empréstimos - B.............. SGPS, SA] e 25212 [Accionistas (Sócios) - Empresas do Grupo - Empréstimos - Juros B..............]:

[IMAGEM]

(cfr. fls. 155, do processo administrativo).
7) Sobre parte dos valores mencionados em 6), foi liquidado e pago IS à taxa de 0,5% no momento em que os mesmos completaram um ano (cfr. fls. 155, do processo administrativo).
8) Parte dos valores mencionados em 6) respeitaram a operações realizadas antes de decorridos 365 dias anteriores ao do respetivo registo.
9) A impugnante foi objeto de ação de fiscalização, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201006329, pela Direção de Finanças de Lisboa
(cfr. fls. 53, dos autos, e fls. 134, do processo administrativo).
10) Da ação de fiscalização referida em 9) resultou um Relatório de Inspeção Tributária (RIT), datado de 07.09.2012, do qual consta designadamente o seguinte:
“…

[IMAGEM]

…” (cfr. fls. 53 a 62, dos autos, e fls. 135 a 155, do processo administrativo)
11) Na sequência do RIT mencionado em 10) foi emitida, pela AT, em nome da impugnante, a liquidação de imposto do selo n.º 2012 6430001032 e a dos respetivos juros compensatórios, relativa ao ano de 2008, correspondentes à demonstração n.º 2012 00001770435, no valor de 75.448,40 Eur., tendo como data limite para pagamento voluntário 21.12.2012 (cfr. fls. 67, dos autos, e fls. 156, do processo administrativo).
12) A liquidação referida em 11) foi paga a 03.12.2012 (cfr. fls. 67, dos autos, e fls. 159, do processo administrativo).

*
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou, desde logo, na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada um desses factos.
Quanto aos factos 1), 2), 3) e 7), os mesmos são factos não controvertidos, como resulta da posição vertida nos art.ºs 1.º, 3.º e 6.º, da petição inicial, e dos pontos II.3.1. e III.1, do RIT (cfr. fls. 138 a 145, do processo administrativo).
No tocante ao facto 4), o mesmo não é igualmente não controvertido, como resulta da posição vertida nos art.ºs 4.º, 64.º e 69.º, da petição inicial e III.1, do RIT (cfr. fls. 139 a 145, do processo administrativo).
No que respeita ao facto 8), trata-se de facto alegado pela impugnante e explanado no documento n.º 2, anexo ao exercício do direito de audição, não posto em causa (cfr. fls 43 a 52 e ponto IX, do RIT - cfr. fls. 146 a 150, do processo administrativo).
«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida quando recusou a pretensão da Impugnante por estar em causa uma operação que não se reconduz a empréstimo de curto prazo, recusando enquadrar as operações em apreço na verba 17.1.2. da TGIS tal como impetrado mas na 17.1.4. e por os juros estarem abrangidos pela verba 17.1.4. da TGIS.

Nas suas alegações, a Recorrente aponta que o Tribunal a quo andou mal ao considerar inaplicável a isenção prevista no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), do Código do Imposto do Selo aos fundos disponibilizados pela Recorrente à casa-mãe para cobertura de carências de tesouraria, começando o Tribunal a quo por referir que o prazo de duração do financiamento não tem de ser reduzido a escrito ... mas depois entende que a troca de correspondência entre as partes, onde se menciona um prazo inferior a um ano, não é suficiente para demonstrar que a operação era de curto prazo, ou seja, ignorou o Tribunal a quo que a troca de correspondência havida entre a Recorrente e a B.............. corresponde efetivamente a um contrato, i.e. a um acordo formulado através de duas declarações de vontade (proposta e aceitação) “de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir resultado jurídico unitário, embora com um significado para cada parte” e ao referir que não basta “uma previsão de que a disponibilização de fundos não ultrapasse o prazo de um ano”, mas que a operação financeira teria de ter “inequivocamente, prazo não superior a um ano”, o Tribunal a quo está a assentar toda a sua decisão na palavra “prevemos” que consta da frase “por um período que prevemos não ultrapasse o prazo de um ano”, incluída na troca de correspondência constante da alínea 5) da sentença recorrida.

Ora, as declarações das partes têm de ser contextualizadas para que se proceda à sua melhor interpretação, sendo certo que, no presente caso, a Recorrente disponibiliza fundos à sua casa-mãe, e ambas as partes declararam por escrito que prevêem que o prazo das operações seja inferior a um ano, verificando-se que para o Tribunal a quo, se a Recorrente tivesse afirmado “exigimos que o prazo não ultrapasse um ano”, não haveria dúvidas que a isenção seria aplicável ... sendo certo que o efeito jurídico da palavra “prevemos” é exatamente igual ao efeito jurídico da palavra “exigimos”, visto que é dirigida à sua casa-mãe, que detém uma participação de 95% no seu capital e que ambas as partes configuraram as operações como sendo de curto prazo é também atestado pelo facto da Recorrente ter liquidado Imposto do Selo nas situações em que o prazo de um ano foi atingido, além de que, ao exigir o Tribunal a quo que tivesse de haver a priori uma certeza absoluta (ou inequívoca) acerca do prazo de reembolso das operações de tesouraria, sob pena de se estar apenas perante uma mera “previsão”, então dificilmente qualquer contrato (independentemente de ser ou não reduzido a escrito ou de seguir uma certa forma) ultrapassaria o crivo de não poder representar um conjunto de “previsões”, expectativas ou intenções das partes contratantes ...

Que dizer?

O Imposto do Selo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág. 272 e segs. e Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1977, pág. 349).

Com a Lei nº 150/99, de 11-09, e posterior reforma do património (D.L. nº 287/2003, de 12/11), o tributo em análise mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza (Preâmbulo do D.L. nº 287/2003, de 12-11, José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág. 359).

Com efeito, a partir do momento em que se toma em consideração a substância dos negócios, secundarizando-se a realidade formal, a justificação ou a “causa” da tributação reassumem uma dimensão fundamental, pois que a tributação de uma realidade económica substantivamente delimitada implica uma prévia justificação dessa pretensão e que deve necessariamente exceder o simples escopo redíticio.

Avançando, sem perder de vista o que ficou exposto, importa ter presente que o art. 7º nº 1 als. g) e h) do Código do Imposto de Selo estabelece uma isenção deste imposto aplicável às operações financeiras por prazo não superior a um ano (incluindo juros), desde que tais operações sejam exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria e praticadas por entidades que preencham requisitos relativos ao tipo jurídico de sociedade, ou à percentagem e prazo de detenção de participações sociais. O mencionado Código não se refere, no entanto, às formas que tais operações possam assumir, cabendo ao intérprete a subsunção casuística das operações financeiras que se pretendam realizar às normas em questão.

Assim, afigura-se correcta uma proposição segundo a qual, uma operação financeira, praticada por uma entidade que preencha os requisitos legais relativos ao tipo legal de sociedade e ao nível/manutenção da participação, cuja finalidade exclusiva se prenda com a cobertura de carências de tesouraria poderá beneficiar da referida isenção, na medida em que, na prática, o seu prazo de execução não exceda um ano.

Tal significa que, por um lado, às operações para cobertura de carências de tesouraria não é sempre inerente, à priori, o fito de serem executadas em apenas um ano (sendo certo que se não forem executadas dentro do período de um ano, não serão, em princípio, isentas de Imposto do Selo), podendo todavia suceder que, se na prática o seu prazo de execução se restringir a um ano, a operação acabe por beneficiar da sobredita isenção e, por outro lado, cabe reconhecer uma independência ou mesmo irrelevância da qualificação jurídica das operações para efeitos da referida isenção de Imposto do Selo, na medida em que o requisito determinante se relaciona exclusivamente com a finalidade da operação, ou seja, independentemente do nomen iuris do negócio, o mesmo ficará isento de Imposto do Selo na exacta medida em que seja executado em prazo não superior a um ano e se destinar exclusivamente a suprir carências de tesouraria.

Pois bem, sobre o enquadramento da situação em apreço, nomeadamente sobre o facto de estar em causa uma operação não vedada à ora Recorrente, a decisão recorrida começou por discorrer, de forma assertiva, nos seguintes termos:

“(…)

As SGPS têm o seu regime jurídico consagrado no DL n.º 495/88, de 30 de dezembro. O seu art.º 1.º, n.º 1, define as SGPS como as sociedades que “têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, definindo o n.º 2 do mesmo art.º 1.º que tal exercício ocorre quando não seja feito com caráter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada (direta ou indiretamente).
No caso dos autos, quer a impugnante quer a B.............. são SGPS, sendo que esta detinha, no exercício em apreciação, mais de noventa por cento do capital social da impugnante.
Em face das específicas caraterísticas das SGPS, o mencionado regime jurídico define limitações às mesmas.
Assim, o seu art.º 5.º, sob a epígrafe “Operações vedadas”, determina, na al. c) do seu n.º 1, que é designadamente vedado às SGPS “[c]onceder crédito, exceto às sociedades que sejam por ela dominadas nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais ou a sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 3.º…”.
O n.º 3 deste art.º 5.º esclarece, no entanto, que não são concessão de crédito, para efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, quer as operações referidas na mencionada al. c) do n.º 1 do art.º 5.º, desde que efetuadas nas condições definidas no n.º 2 do mesmo artigo, quer as operações de tesouraria efetuadas em benefício de SGPS pelas suas participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo.
É, portanto, de ter em conta o disposto no art.º 486.º, do CSC, nos termos do qual:
“1. Considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483º, nº 2, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante.
2. Presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente:
a) Detém uma participação maioritária no capital;
b) Dispõe de mais de metade dos votos;
c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização”.
Assim, no caso dos autos, como, aliás, não é controvertido, a B.............. é sociedade dominante da impugnante.
Atento o regime a que se fez alusão, resulta que é vedado às SGPS, por regra, a concessão de crédito.
Como já referido, quando se trate de crédito concedido pela sociedade dominante às dominadas, respeitados que sejam os limites previstos no n.º 2 do art.º 5.º, do regime em causa, ou quando se trate de operações de tesouraria, o legislador expressamente determinou que não se trata de concessão de crédito para os efeitos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (cfr. a alínea d), do n.º 2, do art.º 9.º do DL n.º 298/92, de 31 de dezembro).
No caso, sendo a concedente de crédito participada e não participante da SGPS a quem o mesmo é concedido, não se coloca a questão de subsunção da situação sub judice no âmbito do referido n.º 2.
No entanto, esta circunstância não implica que a operação em causa seja, necessariamente, vedada à impugnante.
Com efeito, para se poder aferir se a mesma é ou não vedada há que atentar no facto de o regime jurídico permitir operações de tesouraria efetuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo, a que já se fez referência.
O DL n.º 495/88, de 30 de dezembro, não apresenta um conceito de operações de tesouraria.
A este respeito, João Carvalho das Neves (Análise financeira – métodos e técnicas, 3.ª Ed., Texto Editora, Lisboa, p. 53) refere que “as operações de tesouraria consubstanciam a prática de determinados atos que visam gerir as disponibilidades e quase disponibilidades, bem como assegurar a cobertura financeira a curto prazo no caso de insuficiência dessas disponibilidades”.
Ou seja, atento o regime jurídico das SGPS, enquadrando-se um determinado ato no conceito de operação de tesouraria, o mesmo, por força do n.º 3 do art.º 5.º, já mencionado, não é considerado como concessão de crédito, não sendo, pois, vedado às sociedades que as concedam às suas dominantes, não havendo aqui qualquer distinção quanto à natureza jurídica da participada.
Assim, em abstrato, se houver operações de tesouraria efetuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo não são consideradas situações de concessão de crédito e, como tal, não são vedadas às SGPS, uma vez que o próprio n.º 3 do já referido art.º 5.º não as exclui.
No entanto, do ponto de vista da tributação, há que atentar no art.º 7.º, do CIS.
Nos termos da al. g) do n.º 1 deste art.º 7.º, estão, designadamente, isentas de IS as operações financeiras (incluindo juros) por prazo não superior a um ano, destinadas à cobertura de carência de tesouraria, efetuadas em benefício de SGPS que com a sociedade se encontrem em relação de domínio ou de grupo (cfr. J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário. O Imposto do Selo, Engifisco, Lisboa, 2005, p. 585).
Portanto, verifica-se uma interligação entre ambas as consagrações normativas, esclarecendo o regime do art.º 7.º, do CIS, que a isenção só se verifica quando a operação financeira vise cobrir carências de tesouraria e seja por prazo não superior a um ano.
Como referido pela impugnante, não é posto em causa pela AT, em sede de ação inspetiva, o facto de os valores em causa se destinarem a cobrir carências de tesouraria, pelo que o mesmo não é controvertido.
Cumpre, pois, aferir se se trata de operação por prazo não superior a um ano. …”.

Assim sendo, temos por adquirido que, no caso dos autos, quer a impugnante quer a B.............. são SGPS, sendo que esta detinha, no exercício em apreciação, mais de noventa por cento do capital social da impugnante; que a B.............. é sociedade dominante da impugnante; que sendo a concedente de crédito participada e não participante da SGPS a quem o mesmo é concedido, não se coloca a questão de subsunção da situação sub judice no âmbito do referido n.º 2 do art. 486º do C. Sociedades Comerciais e que, em abstracto, se houver operações de tesouraria efetuadas em benefício da SGPS pelas sociedades participadas que com ela se encontrem em relação de domínio ou de grupo não são consideradas situações de concessão de crédito e, como tal, não são vedadas às SGPS, uma vez que o próprio n.º 3 do já referido art.º 5.º não as exclui.

A partir daqui, deparamos com a matéria essencial em análise nos autos e que se prende com a posição da AT no sentido de recusar enquadrar as operações em apreço na verba 17.1.2. da TGIS que respeita a operações definidas à partida como de “crédito de prazo igual ou superior a um ano”, quando esse não é aqui o caso, na medida em que tais operações não são suportadas em contratos que definam os respectivos prazos, mas em correspondência que, no que diz respeito à alusão a prazos, não é feita em termos que vinculem as partes, mas como uma mera estimativa ou previsão (que aliás não é certeira, visto que aponta para um prazo inferior a um ano, quando se verifica que este vem a ser superior), apontando ainda que o facto de o sujeito passivo (ou a sua accionista B.............. por ele) aguardar um ano para liquidar imposto sobre a operação surge como uma confirmação desta mesma indeterminação de prazo, o que significa que estas operações são realizadas sem determinação de prazo, razão porque não se enquadram na verba 17.1.2. da TGIS, mas na 17.1.4. - "Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o. prazo de utilização não seja determinado ou determinável (. .. )".

Neste ponto, a sentença recorrida ponderou que:

“…

Desde já se refira que, nesta parte, não assiste razão à impugnante. Com efeito, sendo certo que não há obrigatoriedade legal de redução a escrito do prazo de duração da operação financeira, a verdade é que a sua demonstração tem de existir de alguma forma. Sucede que, in casu, e como aliás é mencionado no RIT, o que a impugnante demonstrou é que foi, em abstrato, definida uma previsão de que a disponibilização de fundos não ultrapassasse o prazo de um ano. Ora, para que a situação se enquadre no âmbito da norma de isenção em causa, não é suficiente uma previsão, tendo de a operação financeira de ter, inequivocamente, prazo não superior a um ano.

Não ocorrendo tal, a operação financeira em causa assume a caraterística de operação financeira sem prazo e, como tal, subsumível à verba 17.1.4, da TGIS, tal como decorre do RIT, calculada nos termos aí definidos (sendo, aliás, a própria posição da impugnante, na parte da liquidação que aceita - cfr. art.º 81.º, da petição inicial). Nessa sequência, carece de materialidade o alegado pela impugnante, quanto à existência de novos contratos, na sequência de prorrogações de prazo, dado estar-se perante contratos sem prazo. …”.

Neste domínio, o probatório informa que a Recorrente é uma SGPS que, durante o exercício de 2008, disponibilizou fundos à B.............., igualmente uma SGPS (pontos 1), 2) e 4) dos factos provados] e que a B.............. detinha, então, 94,2% do capital social daquela outra sociedade (ponto 3) dos factos provados), não tendo sido demonstrado que a Recorrente detivesse na B.............. participações de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto, que nela detivesse participação com valor de aquisição não inferior a 1 milhão de contos (€ 4.987,978,97) ou que a aquisição das participações tivesse resultado de fusão ou de cisão da sociedade participada.

Como já ficou dito, e disso deu nota a decisão recorrida, não constitui matéria controvertida que a operação de disponibilização de fundos em causa se tenha destinado a cobrir necessidades de tesouraria da sociedade beneficiária.

Por outro lado, no que respeita ao período de disponibilização dos fundos, apenas resultou provado, matéria que não é posta em causa no presente recurso, que a Impugnante, ora Recorrente, em 19-03-2008, informava a respectiva beneficiária, a B.............., que o seu Conselho de Administração havia dado o seu acordo à disponibilização de tais fundos, por um período que se previa não ultrapassasse o prazo de 1 ano.

Com este pano de fundo, não deixando de notar que a sentença recorrida e a própria Recorrente continuam a centrar a discussão da realidade em apreço no sentido de saber se a situação se enquadra ou não no âmbito da norma de isenção em causa, quando o que está em causa nesta altura é apreciar se as operações em apreço integram a verba 17.1.2. da TGIS tal como entendeu a Recorrente ou a verba 17.1.4. tal como entende a AT, ainda assim, tal análise acaba por facilitar a solução para esta matéria, na medida em que, se considerarmos a perspectiva da decisão recorrida e o exposto pela Recorrente, temos que a excepcionalidade do benefício contido na norma de isenção e a imperatividade dos seus pressupostos, sempre teria de dizer-se que a sua aplicação não se bastaria com uma mera previsão quanto ao prazo da operação, impondo-se que o mesmo tenha, obrigatoriamente, um período de duração não superior a 1 ano e, no caso vertente, tal não resulta dos factos provados.

Não deixa de ser também relevante o exposto pela AT quando aponta o facto de o sujeito passivo (ou a sua accionista B.............. por ele) aguardar um ano para liquidar imposto sobre a operação emergir como uma confirmação desta mesma indeterminação de prazo.

Por outro lado, com o devido respeito, toda a argumentação da Recorrente sobre a forma como o Tribunal a quo aprecia a ligação entre os agentes económicos e mais ainda na situação que envolve as empresas identificadas nos autos não tem qualquer sentido, tanto mais que se trata de entidades perfeitamente identificadas com este tipo de operações, existindo uma clara interligação entre as mesmas que dispensa abordagens como a plasmada nos autos, quando a Recorrente trata a matéria como normais e sucessivas operações de curto prazo, o que significa que a mesma tem clara noção das consequências da situação em termos de eventual liquidação de imposto, pelo que não pode proceder alegação vertida no âmbito do presente recurso, do mesmo modo que não reveste qualquer virtualidade a conclusão da Recorrente no sentido de que, ao exigir o Tribunal a quo que tivesse de haver a priori uma certeza absoluta (ou inequívoca) acerca do prazo de reembolso das operações de tesouraria, sob pena de se estar apenas perante uma mera “previsão”, então dificilmente qualquer contrato (independentemente de ser ou não reduzido a escrito ou de seguir uma certa forma) ultrapassaria o crivo de não poder representar um conjunto de “previsões”, expectativas ou intenções das partes contratantes, pois que está em causa apenas um dos elementos do contrato relacionado com o seu prazo, não sendo difícil a sua definição, nomeadamente, em situações como a dos presentes autos, de modo que, temos de acompanhar a decisão recorrida quando refere que a operação financeira em causa assume “a característica de operação financeira sem prazo e, como tal, subsumível à verba 17.1.4, da TGIS”, tendo presente a factualidade apurada nestes autos, não podendo valorar-se o exposto pela ora Recorrente quanto a ter havido prorrogação do prazo de reembolso das quantias mutuadas, originando uma nova operação de crédito, o que conduz à improcedência do presente recurso nesta parte.

A Recorrente refere depois que o Tribunal a quo errou quando considerou que os juros em dívida deveriam ser incluídos na base de incidência do Imposto do Selo, pois que, apenas na verba 17.3 da Tabela Geral do Imposto do Selo é que os juros estão sujeitos a este imposto e ao considerar que os juros em dívida se integram no “crédito” tributado por força da verba 17.1.4 da Tabela Geral, a decisão recorrida violou frontalmente a lei, na medida em que o “saldo” referido nesta verba é o saldo do crédito, conforme resulta claramente da norma em causa, não se podendo confundir juros com crédito.

Neste domínio, importa notar que o imposto de selo incide objectivamente sobre os actos jurídicos e demais situações previstas na TGIS (art. 1º, n.º 1 do CIS) e a obrigação de juros, embora dependente da obrigação de capital, é autónoma em relação a esta, com ela não se confundindo.

E porque se trata de uma componente distinta da obrigação de capital, temos que a norma de isenção - art. 7º nº 1 al. g) do CIS - refere-se a “operações financeiras, incluindo os respectivos juros”, sendo que a verba 17.1.4 da TGIS incide sobre o crédito utilizado e não sobre este e os juros.

Ora, quando estes se incluem na base de incidência do imposto, não deixa a norma de expressamente o referir, como ocorre nas verbas 17.3.1 e 17.3.2, o que significa que quando no preceito se aponta que a taxa recai sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30, o saldo em causa é apenas o referente ao crédito, que é o fenómeno objecto de tributação, não compreendendo os juros, o que implica a procedência do recurso nesta parte.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida no que concerne à questão da inclusão dos juros na base de incidência do imposto de selo, julgando a impugnação procedente neste domínio, com a consequente anulação da liquidação nessa parte, mantendo-se, no mais, a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente e Recorrida, em ambas as Instâncias, na proporção do decaimento, mas com dispensa de taxa de justiça em relação à Recorrida nesta Instância de recurso, uma vez que não contra-alegou.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 13 de Julho de 2021

Pedro Vergueiro (Relator)

O Relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Srs. Conselheiros integrantes da Formação de Julgamento - os Senhores Conselheiros Joaquim Condesso e Nuno Bastos

Pedro Nuno Pinto Vergueiro