Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0811/19.3BEBRG
Data do Acordão:09/08/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
SEGURANÇA SOCIAL
INSOLVÊNCIA
Sumário:Resultando da matéria dada como provada pelas instâncias que, quer em 14/7/2017 (data da declaração da insolvência da empresa) quer em 21/8/2017 (data da Assembleia de Credores), inexistia a dívida de 268,68€ que o Recorrente “Instituto da Segurança Social” reclamou no processo de insolvência entre estas duas datas - pois que, de acordo com o ponto Q do probatório, este montante reclamado correspondia ao valor que a sociedade havia pago em Abril de 2016 -, afigura-se inútil ponderar e decidir em qual daquelas duas datas tinha a situação contributiva que estar regularizada nos termos exigidos na alínea c) do nº 1 do art. 7º do DL nº 12/2013, de 25/1, o qual exige que esteja regularizada a situação contributiva quer do Requerente (de subsídio de desemprego por cessação de atividade profissional de “Membro de Órgão Estatutário”) quer da empresa - já que resulta da matéria de facto, que nos vem dada como provada (e que temos de considerar neste recurso de revista), que o estava em ambas.
Nº Convencional:JSTA00071541
Nº do Documento:SA1202209080811/19
Data de Entrada:10/28/2021
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO TCA NORTE
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:SEGURANÇA SOCIAL
Legislação Nacional:ARTIGO 7º nº 1 c) do DL nº 12/2013, de 25/1
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. O “INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P.”, Réu na presente ação administrativa, interpôs recurso de revista do Acórdão proferido em 23/4/2021 pelo Tribunal Central Administrativo Norte (cfr. fls. 221 e segs. SITAF), que negou provimento ao recurso e manteve a decisão proferida pelo TAF/Braga, em 12/3/2020 (cfr. fls. 153 e segs. SITAF), que julgara totalmente procedente a ação, contra a mesma instaurada pelo Autor A............, anulando o ato que indeferira o requerimento de atribuição de subsídio por cessação da atividade profissional, por vício de violação de lei e dos princípios da legalidade, da igualdade, da boa-fé, da justiça e da imparcialidade.

2. O Recorrente (“ISS”) conclui do seguinte modo as suas alegações no presente recurso de revista (cfr. fls. 255 e segs. SITAF):

«1 – Apesar de o douto acórdão recorrido ter confirmado a douta decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, e por isso se ter duplicado o entendimento expendido, o presente recurso de revista é, ainda assim admissível, a título excecional, nos termos do previsto no artigo 150º do CPTA.
2 – As questões em apreço constituem pela sua natureza e âmbito, questões que quer pela sua relevância jurídica ou social se revestem de importância fundamental sendo a pronúncia sobre as mesmas imprescindível para que se obtenha uma melhor aplicação do direito.
3 - A primeira questão jurídica controvertida nos presentes autos, reconduz-se à problemática das obrigações fiscais das sociedades comerciais em situação de insolvência e se com a declaração de insolvência cessa a obrigação contributiva da mesma em relação à segurança social.
4 - A segunda questão que, decorre imediatamente da primeira, resulta na possibilidade de os moe (membros de órgãos estatutários) poderem aceder ao subsídio de desemprego após a declaração de insolvência, mesmo que não tenham a sua situação contributiva regularizada perante os serviços de segurança social, nos termos do previsto do n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro.
5 – Nos termos do disposto do n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, “O reconhecimento do direito aos subsídios por cessação de atividade profissional depende do preenchimento cumulativo das seguintes condições: a) Encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária; b) Cumprimento do prazo de garantia; c) Situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa; d) Perda de rendimentos que determine a cessação de atividade; e) Inscrição no centro de emprego da área da residência, para efeitos de emprego”.
6 - Mais prescreve o n.º 1 do artigo 12º do mesmo normativo que “O requerimento para atribuição dos subsídios por cessação de atividade profissional deve ser apresentado no prazo de 90 dias consecutivos a contar da data do encerramento da empresa ou da cessação da atividade profissional e ser precedido de inscrição para emprego no centro de emprego”.
7 - A Meritíssima Juíza “a quo”, considerou que não é a data da assembleia de credores (21 de agosto de 2017) que deve ser tida em conta para aferir da situação contributiva regularizada do próprio e da empresa, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 7º e do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, mas antes a data de 14 de julho de 2017, data em que foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial B............ Lda., determinante da cessação da atividade do autor e do encerramento total e definitivo da empresa.
8 - As condições de atribuição da prestação de desempego devem estar preenchidas, não à data da declaração de insolvência (14/07/2017), como sentenciou a Meritíssima Juiz “a quo”, mas sim na data da cessação da atividade, que se verifica no dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária,
9 – Neste sentido decidiu o Ac. TCAN de 28/06/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 00509/16.4BEVIS, ao referir que: “A eventualidade que dá origem à proteção social de desemprego dos membros dos órgãos estatutários das pessoas coletivas que exerçam funções de gerência ou de administração nos termos do DL. nº 12/2013, de 25 de janeiro, é o encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária (cfr. artigos 2º, 6º e 7º); razão pela qual o prazo de 90 dias a partir do qual deve ser apresentado o requerimento para atribuição das respetivas prestações por desemprego se conta a partir da data do encerramento da empresa ou da cessação da atividade profissional (cfr. artigo 12º nº1)…. Das disposições conjugadas dos artigos 5º e 8º do DL. nº 12/2013, resulta que a aferição sobre a verificação das condições de atribuição das prestações por desemprego, de natureza cumulativa, haverá de fazer-se por referência à data da cessação da atividade, correspondendo esta ao dia imediatamente subsequente àquele em que se verificou o encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional de forma involuntária. Entre as condições exigidas para a atribuição das prestações por desemprego constantes no nº 1 do artigo 7º do DL. nº 12/2013 é enunciada sob a alínea c) a “situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa”.
10 – Só a data de 21/08/2017 pode ser considerada, ou seja a data da assembleia de credores em que foi deliberada a liquidação do ativo da sociedade e determinado pelo Tribunal a comunicação à AT e ao ISS, I.P., aqui recorrente, para efeitos da cessação da atividade da insolvente para efeitos de IVA e Contribuições da segurança social.
Com efeito,
11 – O recorrente Centro Distrital de Viana do Castelo tem seguido o entendimento veiculado pela circular 1/2010 da AT, (atualmente consignado no artigo 65º do CIRE), considerando que a sociedade só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo até esse momento personalidade jurídica, permanecendo vinculada a obrigações fiscais.
12 - Tem sido prática do recorrente considerar que, para efeitos de atribuição de subsídio de desemprego dos membros de órgãos estatutários, em situação de insolvência, estes continuam vinculados à obrigação contributiva até ao encerramento da liquidação.
13 - Compete ao recorrente gerir as prestações do sistema contributivo da segurança social, através do enquadramento, registo de remunerações e gestão das eventualidades de cada beneficiário por forma a garantir que todos possam aceder às prestações de acordo e na medida das suas contribuições para o sistema.
14 - Para o fazer o recorrente estabeleceu um modus operandi de acordo com aquele que tem sido a prática consensual dos intervenientes: administradores de insolvência, AT e Tribunais, onde se realizam as assembleias de credores. O recorrente tem vindo a considerar relativamente aos seus contribuintes em situação de insolvência que os mesmos estão vinculados à obrigação tributária até ao encerramento da liquidação, entendimento que expendeu e defendeu em sede de alegações de recurso para o TCAN.
15 - A atividade do recorrente, no que toca às condições de atribuição da prestação de desemprego ao recorrido, como a todos os contribuintes nas mesmas condições, tem-se pautado por critérios de uniformidade e segurança na aplicação do direito ao considerar que aquelas devem estar preenchidas não à data da declaração de insolvência,
16 - Para o recorrente, vinculado ao cumprimento estrito do princípio da legalidade, impõe-se tratar os contribuintes que se encontram nas mesmas circunstâncias do mesmo modo.
17 - É fundamental para o recorrente que gere a carreira contributiva de milhares de contribuintes, garantir a determinabilidade, segurança e uniformidade na aplicação do direito, por forma a alcançar sempre a sua melhor aplicação.
18 - Atentas as competências e responsabilidade social do recorrente o acórdão ora em crise põe em causa essa segurança, determinabilidade e uniformidade na aplicação do direito.
19 - A proceder o entendimento ora expendido é posto em causa o princípio da igualdade entre os contribuintes que passam assim a ser tratados de modo diverso: em concreto têm uns o acesso ao subsídio de desemprego porque se considerou que a luz das normas supra citadas após a declaração de insolvência da empresa já não constituem dívida de contribuições perante os serviços de segurança social e, como tal, preenchem o requisito de não possuir dívida e, outros, não terão acesso ao mesmo subsídio porque possuem dívida de contribuições ou decorrente das custas dos processos executivos atinentes àquela dívida, constituída até ao encerramento da liquidação.
20 - Daqui resulta a pertinência do presente recurso e a sua relevância social e jurídica que se cruza com a determinabilidade, segurança e uniformidade na atuação do recorrente ao aplicar as normas conjugadas do artigo 2º, 5º 7º e 8º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, por forma a que os contribuintes possam contar com os mesmos procedimentos que lhes confiram certeza e seguranças nas relações jurídicas e também sociais.
21 - Sem tal certeza e segurança a própria confiança dos contribuintes fica posta em causa e atuação do recorrente deixa de poder pautar-se por critérios de uniformidade.
22 - A relevância jurídica da questão em apreço é essencialmente uma relevância prática consubstanciada nos casos futuros que certamente se multiplicarão com o precedente agora criado, no sentido de se uniformizar a aplicação do direito, evitando-se assim a disparidade de critérios perante contribuintes em iguais circunstâncias.
23 - A relevância social nasce também do facto de o entendimento vertido no acórdão em crise, no que toca ao momento em que se deve considerar encerrada uma sociedade e bem assim quando cessam as suas obrigações fiscais, se repercutir nas decisões administrativas que sucessivamente vão ter de aplicar as normas do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, e aferir da situação contributiva como requisito para os gerentes poderem aceder ao subsídio de desemprego.
24 - A relevância social e jurídica traduz-se na necessidade de aferir constantemente de situações semelhantes à dos autos, na aplicação sucessiva dos normativos em questão, encontrando-se o recorrente subitamente espartilhado por um entendimento que implica uma decisão diversa e contrária àquilo que a administração tributária e os seus próprios serviços vinham executando em obediência ao legalmente prescrito, mormente o artigo 65º do CIRE.
25 - Impõe-se uma harmonização e clarificação para que as situações futuras possam ser decididas numa perspetiva de determinabilidade, segurança e uniformidade.
26 - No caso concreto a necessidade da admissão do recurso prende-se pois com a interconexão dos aspetos sociais, decorrentes da repetição das mesmas situações e o risco evidente de não se decidir de modo uniforme mas, também pela errada aplicação do direito ou, pelo menos, por uma melhor aplicação do direito, sustentada pela prolação de uma decisão ao arrepio das normas em vigor.
27 - No acórdão ora proferido pelo TCAN a questão essencial foi configurada como sendo a de saber se o autor tinha ou não direito ao peticionado subsídio por cessação da atividade profissional o que implicava responder a duas subquestões: a) se e quando se verificou o encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional do requerente e b) se nessa data estava regularizada a situação contributiva perante a segurança social, do próprio e da empresa.
28 - A data em que se considera encerrada a empresa é tudo menos inócua do ponto de vista jurídico e possui consequências imediatas na vinculação do recorrido às obrigações contributivas perante o recorrente, determinando, objetivamente, se a sua situação contributiva está regularizada, ou não, perante os serviços da recorrente, o que se traduz num dos requisitos legais para aceder ao subsídio de desemprego, nos termos do n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro.
29 - Uma sociedade dissolvida após um processo de insolvência continua a existir como sujeito passivo até à data do encerramento da liquidação, mantendo-se deste modo vinculada a obrigações fiscais e declarativas.
30 - O recorrente tem seguido nesta sede, na sua linha de atuação, a continuidade do cumprimento das obrigações declarativas e fiscais após a declaração de insolvência. Este entendimento estriba-se no artigo 141º e 146ºdo CSC onde se consigna que a declaração de insolvência é causa imediata de dissolução da sociedade, entrando esta em fase de liquidação, não acarretando a dissolução a sua extinção. Esta só ocorre no momento do registo do encerramento da liquidação nos termos do artigo 160º do CSC.
31 - Se uma sociedade mantém a sua personalidade jurídica após a sua dissolução, também há-de manter a sua personalidade tributária, continuando a ser sujeito de relações jurídicas tributárias.
32 - É de acordo com este entendimento que o recorrente tem tratado todos os contribuintes para efeitos do momento em que entende cessado a vinculação à obrigação contributiva junto dos serviços de segurança social, aguardando-se pelo despacho do encerramento da liquidação, emitido pelos Meritíssimos Juízes no processo de insolvência, para se considerar tal encerramento. Este despacho é sempre comunicado pelo Tribunal à AT e à segurança social para efeitos fiscais.
33 - A Circular supra referida acabou por ser sufragada um ano após a sua emissão pelo jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente quando referiu “(….) Porém, qualquer que seja a causa da dissolução, ela acarreta uma fase de liquidação do património societário conducente à extinção da sociedade pois, como decorre do disposto no artigo 160º, n.º 2 do CSC, a sociedade só é considerada extinta após o registo do encerramento da liquidação, mantendo até lá a personalidade jurídica, sujeito de direitos e obrigações, a quem continua a ser aplicável, embora com as necessárias adaptações e em tudo que não for incompatível com o regime processual de liquidação, as disposições que regem aas sociedades não dissolvidas (cfr artigo 146º do CSC). (…) Por aqui logo se vê que qualquer que seja a causa da dissolução, a sociedade em liquidação continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC, permanecendo vinculada a obrigações fiscais. Isto é, inexistindo qualquer exceção prevista na lei, todas as sociedades dissolvidas, qualquer que seja a causa da dissolução, mantém obrigações fiscais”, in acórdão do STA de 24/02/2011, proferido no proc. n.º 01145/09, acessível in www.dgsi.pt (sublinhado nosso)
34 - Este acórdão, em consonância com o entendimento da AT, foi usado por diversas vezes para justificar o cumprimento das obrigações fiscais.
35 - O legislador, posteriormente através da Lei n.º 16/2012, de 20/4, veio consagrar o tratamento a dar às obrigações fiscais, alterando até a redação do artigo 65º do CIRE o qual no seu n.º 3 dispõe que “Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 156º extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da atividade”.
36 - O recorrido na sua atuação, nomeadamente ao nível da atribuição do subsídio de desemprego a moe’s (membros de órgãos estatutários) em sociedades em situação de insolvência, para preenchimento dos requisitos constantes das alíneas a) e c) do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, invariavelmente tem considerado como regularizada a situação do moe e sociedade com dívida (entenda-se contribuições, juros e custas, cfr artigos 185º e 208º do CRCSPSS) constituída e paga até ao encerramento da liquidação.
37 - A dívida constituída em momento anterior não deixa de existir por força da declaração de insolvência.
38 - O recorrente considera que só deixa de se constituir dívida a partir da data da deliberação judicial de encerramento da atividade que lhe é, invariavelmente, comunicada pelo Tribunal Judicial, cfr artigo 65º do CIRE.
39 - Catalogado o encerramento da empresa como um mero facto que não questão de direito e aludindo-se a uma liquidação de contribuições a que não se atendeu por ser posterior à data da declaração de insolvência, extinguiu o acórdão ora em análise o cerne da questão nos autos.
40 - A data em causa é de suma importância porque tem consequência direta nas obrigações fiscais das sociedades comerciais em situação de insolvência e, bem assim no acesso do recorrido ao subsídio de emprego uma vez que o momento em que encerra a sociedade há-de ditar o fim da sua personalidade jurídica e tributária, sendo imprescindível para aferir da situação contributiva e dos requisitos para a atribuição do subsídio de desemprego.
41 - Os factos que foram dados como provados não nos merecem qualquer consideração negativa porque estribados no P.A e porque contém toda a informação necessária para se decidir de acordo com as normas legais aplicáveis.
42 - As contribuições para a segurança social, englobam as contribuições, juros e custas, de acordo com o disposto nos artigos 185º e 208º do CRCSPSS. Assim, resulta dos factos provados que à data da cessação da atividade 21/08/2017 (data da assembleia de credores) o A possuía dívida perante os serviços de segurança social. Mas, mesmo que se considere a data da cessação da atividade como sendo a data da declaração de insolvência (14/07/2017), tal dívida também já existia.
43 - Com efeito, se cruzarmos o facto provado em H) com o facto provado em P) dos factos provados do acórdão ora em apreço, verificamos que a quantia paga em 11 de setembro de 2017 se reporta a custas processuais decorrentes dos processos executivos 16012016000043044 e 160 120 1600043060, cuja dívida foi paga pelo A em 18 e 28 de abril, conforme se constata pelo documento junto pelo A sob o n.º 12 à sua P.I. e que serviu de fundamento ao facto provado P). Ou seja, tendo em conta o disposto nos artigos 185º e 208º do CRCSPSS, os valores pagos em 11 de Setembro pelo A, a título de custas fazem parte integrante da dívida cuja liquidação havia efectuado em abril de 2016, porque no facto provado H) consta a identificação dos processos executivos a que se reportam as custas do doc sob o n.º 12 em que se estribou o facto P). Deste modo forçoso será concluir que mesmo à data considerada pelo acórdão ora em apreço, 14/07/2017, (data da declaração de insolvência) o A possuía dívida, a qual se manteve até 11/09/2017 data em que liquidou o valor das custas em dívida, de acordo com o documento que o próprio juntou à sua p.i. sob o n.º 12.
44 – O douto acórdão em análise considerou “Facto que é irrelevante dado que a empresa encerrou e o requerente cessou a sua atividade profissional em data anterior a 14/07/2017, data esta em que não estava liquidada e em dívida qualquer contribuição à segurança social, por parte da empresa ou do requerente”.
45 - Todavia, também no mesmo aresto foi considerado provado que o recorrido, após ter sido notificado pelo recorrente para o efeito, pagou em 11/09/2017 € 268,68, a título de custas atinentes aos processos executivos instaurados em abril de 2016 em virtude dos montantes apurados.
46 - Ou seja, os montantes pagos pelo recorrido em 11/09/2017 são relativos às custas dos processos executivos instaurados em 2016, atinentes a dívida apurada do ano de 2015. Esta evidência está patente nos factos dados como provados.
47- A dívida à segurança social não é só a dívida resultante do apuramento de contribuições mas também a que resulta das custas decorrentes da instauração dos processos executivos necessários para a sua cobrança.
48 - Nos termos do artigo 185º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, sob a epígrafe “Dívida à segurança social, “Consideram-se dívidas à segurança social, para efeitos do presente Código, todas as dívidas contraídas perante instituições do sistema de segurança social pelas pessoas singulares, pelas pessoas coletivas e outras entidades a estas legalmente equiparadas, designadamente relativas às contribuições, quotizações, taxas, incluindo as adicionais, os juros, as coimas e outras sanções pecuniárias relativas a contraordenações, custos e outros encargos legais.”
49 - Mais dispõe o n.º 1 do artigo 208º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Situação contributiva regularizada” que “Para efeitos do presente Código, considera-se situação contributiva regularizada e inexistência de dívidas de contribuições, quotizações, juros de mora e de outros valores do contribuinte”.
50 - Deste modo, também por esta via o acórdão proferido enferma de um erro de lógica e jurídico ao considerar que não existia dívida de contribuições liquidada e apurada em 14/07/2017. Na verdade, tendo sido instaurados pelo menos dois processos executivos, atentos os preceitos supra referidos, o recorrido teria de contar com as custas inerentes aos mesmos as quais, para efeitos da existência de dívida à segurança social, possuem exatamente o mesmo estatuto que a dívida por falta de pagamento de contribuições.
51 - O douto acórdão recorrido enferma, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista material, de um erro de lógica e de um erro jurídico ao deixar de lado as custas processuais dos processos executivos instaurados ao recorrido para cobrança das contribuições em dívida.
52 - As custas são um montante que inevitavelmente está acoplado, ou é consequência natural da instauração de um processo executivo para cobrança de uma dívida. Quem deu azo ao processo é, por regra, o responsável pelo seu pagamento. No caso concreto o legislador consignou no CRCSPC, concretamente nos seus artigos 185º e 208º aquilo que ele entende que se caracteriza como dívida à segurança social.
53 - Existindo deste modo, à data do encerramento da liquidação, 21/08/2017 (dia em que se realizou a assembleia de credores na qual foi deliberada a liquidação do ativo da sociedade e determinado pelo respetivo Tribunal a comunicação à Autoridade Tributária e ao Instituto da Segurança Socia, I.P., a cessação da atividade da insolvente para efeitos de Iva e Contribuições Sociais), dívida ou situação contributiva não regularizada, em violação do requisito da alínea c) do n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, por falta de pagamento das custas, parte integrante da dívida, não podia o douto aresto ora em crise ter decidido como decidiu.
54 - A errada interpretação destes preceitos põe em causa a determinabilidade, segurança e uniformidade na aplicação do direito, devendo por isso o acórdão proferido pelo TCAN ser revogado e substituído por outro que julgue a ação improcedente e consequentemente declarando a manutenção da decisão de indeferimento do subsídio de desemprego com fundamento na falta de preenchimento de um dos requisitos básicos para o efeito: o constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 12/2013 de 25 de janeiro.
55 - Por conseguinte o douto acórdão recorrido opera uma errada interpretação dos artigos, 6º n.º 1 alínea c) do artigo 7º, artigo 8º, 22º e 30º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 13/2003 de 25 de janeiro, artigo 65º n.º 3 do CIRE e artigos 185º e 208º do CRCSPC, devendo ser revogado e substituído por outro que julgue ação improcedente, mantendo-se o ato de indeferimento do subsídio de desemprego, com todas as legais consequências.

TERMOS EM QUE se requer a V.Exas que admitam o presente recurso de revista, concedendo-lhe provimento, revogando o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que julgue a acção improcedente, declarando o ato administrativo impugnado válido e eficaz, mantendo-se a decisão de indeferimento do subsídio de desemprego,
Com o que se fará justiça!».

3. O Recorrido/Autor (A............) apresentou contra-alegações, sem conclusões, expressando, a final, que (cfr. fls. 282 e segs. SITAF):

«Termos em que, e no que mais Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser, ao abrigo do disposto no art.º 145.º n.º 2 al. a) CPTA, rejeitado o presente recurso, condenando-se os recorrentes nos exatos termos do acórdão do Tribunal a quo, ou, se assim se não entender, deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida, como é de
INTEIRA JUSTIÇA».

4. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão de 7/10/2021 (cfr. fls. 307 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos:

«(…) 6. O TAF/BRG proferiu decisão julgando totalmente procedente a pretensão anulatória deduzida pelo aqui recorrido, para tal considerando que o ato impugnado enfermava do «vício de violação de lei assacado pelo Autor ao ato impugnado, violando tal ato os princípios da legalidade, da igualdade, da boa fé, da justiça e imparcialidade [cf. arts. 6.º, n.º 1, alínea f), 22.º e 30.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 12/2013 - [e não como por lapso de escrita consta DL «13/2003, do 21 de maio»] - cf. arts. 3.º, n.º 1 e n.º 2, 6.º, n.º 1 e n.º 2, 8.°, 10.º, todos do Código do Procedimento Administrativo (CPA); e, cf. arts. 13.°, 266.º e 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP)]» [cfr. fis. 153/160].
7. O TCA/N negou provimento ao recurso de apelação deduzido pelo aqui ora recorrente e manteve a decisão do TAF/BRG, fundando o seu juízo, em suma, no entendimento de que «o encerramento da empresa e a cessação da atividade profissional se verificou em 14.07.2017», não relevando para o efeito a «data da assembleia de credores em que foi deliberada a liquidação do ativo da sociedade, 21.08.2017», pelo que como «a empresa encerrou e o Requerente cessou a sua atividade profissional em data anterior, em 14.07.2017, data esta em que não estava liquidada e em dívida qualquer contribuição à segurança social por parte da empresa ou do Requerente», razão pela qual «o Autor reunia os requisitos necessários para lhe ser atribuído o subsídio por cessação de atividade profissional ao contrário do decidido no ato impugnado».
(…) 11. No caso a quaestio juris em discussão nos autos e que se mostra colocada na presente revista nos termos supra explicitados, revestindo de índole substantiva, envolve e encerra dificuldades óbvias dadas as particulares exigências na e de conexão entre o variado quadro normativo posto em confronto, mostrando-se, ainda, a mesma como suscetível de recolocação/replicação em termos substancialmente idênticos num número indeterminado de casos, seja administrativamente noutros procedimentos similares, seja, também, em sede judicial, e, nessa medida, apresenta-se como relevante a pronúncia deste Supremo Tribunal para a comunidade jurídica, já que útil e necessário o aprofundamento e a devida dilucidação como garantia de uniformização do direito nas vestes da sua aplicação prática».

5. O Ministério Público junto deste STA, conquanto notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA (cfr. fls. 315 SITAF), não emitiu parecer.

6. Colhidos os vistos, vem o processo submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.
*

II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Constitui objeto do presente recurso de revista saber se o Acórdão do TCAN recorrido, confirmativo da decisão de 1ª instância do TAF/Braga, procedeu a um correto julgamento negando provimento ao recurso de apelação interposto pelo Réu/Recorrente “Instituto de Segurança Social, I.P”, assim mantendo o julgamento de que o Autor preenchia os requisitos – previstos no art. 7º do DL nº 12/2013, de 25/1 - para lhe ser deferido o pedido de atribuição de subsídio por cessação de atividade profissional.
*

III - FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. São os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:

«A) A............ era gerente de facto da sociedade comercial “B............, LDA.”, desde a data da sua constituição.
(cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial)
B) Em Abril de 1994, a sociedade comercial “B............, LDA.” tinha como sócios, C............, D............, E............, F............, G............, H............ e A.............
(cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e folhas 31/36 do processo administrativo)
C) Em Abril de 2015, a sociedade comercial “B............, LDA.” tinha como sócios, I............ (na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa de C............), D............, E............, F............, G............, H............ e A.............
(cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e folhas 31/36 do processo administrativo)
D) No período compreendido entre 01 de Dezembro de 1985 e 11 de Fevereiro de 2014, H............ era sócia gerente da sociedade comercial “B............, LDA.”.
(cf. documento de folhas 25 do processo administrativo)
E) No período compreendido entre 01 de Janeiro de 1994 e 11 de Fevereiro de 2014, D............ era sócio gerente da sociedade comercial “B............, LDA.”.
(cf. documento de folhas 25 do processo administrativo)
F) No período compreendido entre 01 de Janeiro de 1994 e Julho de 2017, A............ era sócio gerente da sociedade comercial “B............, LDA.”.
(cf. documento de folhas 25 do processo administrativo)
G) Até Julho de 2017, o Autor era gerente de facto da sociedade comercial “B............, LDA.”.
(cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e documento de folhas 25 do processo administrativo)
H) Em 18 de Abril de 2016 e em 28 de Abril de 2016, a sociedade comercial “B............, LDA.” procedeu ao pagamento das contribuições, cotizações e respectivos juros de mora, respeitantes ao período de Maio de 2015 a Dezembro de 2015, no montante total de € 268,58 (valor, esse, correspondente aos processos executivos n.º 1601201600043044 e n.º 1601201600043060 que haviam sido instaurados em 15 de Abril de 2016, sem que, na data de 18 de Abril de 2016, a sociedade comercial “B............, LDA.” tivesse sido citada - tendo a quantia exequenda, no valor total de € 268,58, sido anulada, em 28 de Abril de 2016).
(cf. documentos constantes de folhas 96 e verso, de folhas 97 e verso, e de folhas 134 do processo administrativo - “Contribuições” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
I) Em 14 de Julho de 2017, a sociedade comercial “B............, LDA.” foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 2406/17.7T8VCT, a correr termos no 1.º Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo.
(cf. documento n.º 5 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
J) Em 14 de Julho de 2017, ocorreu o encerramento do estabelecimento comercial da insolvente “B............, LDA.”, bem como a cessação dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores (incluindo o contrato de trabalho do Autor).
(cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
K) Em 14 de Julho de 2017, a situação contributiva do Autor e da sociedade insolvente “B............, LDA.” encontrava-se regularizada.
(cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documento constante de folhas 11 do processo administrativo - “Desemprego” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).
L). Desde 14 de Julho de 2017, que o Autor não exerce qualquer atividade profissional (seja por conta própria, seja como trabalhador independente, seja como gerente ou administrador de sociedade comercial ou por conta de outrem, como trabalhador subordinado), nem recebe nenhuma pensão, subsídio, complemento nem prestação atribuída pela Segurança Social.
(cf. documento n.º 7 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
M) Em 21 de Agosto de 2017, no âmbito do processo de insolvência identificado em i), realizou-se a Assembleia de Credores da insolvente “B............, LDA.”, na qual, foi deliberada a liquidação do ativo da referida sociedade insolvente; mais tendo sido determinado, judicialmente, a comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira e ao Instituto da Segurança Social, I.P., a cessação da actividade da insolvente para efeitos de IVA e Contribuições Sociais (cf. artigo 65.º, n.º 3, do CIRE).
(cf. documento n.º 6 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
N) Em Agosto de 2017, no âmbito do processo de insolvência acima identificado, o Instituto da Segurança Social, I.P., ora Réu, reclamou o montante de € 268,68, a título de custas processuais em dívida.
(cf. documento n.º 8 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
O) Em 04 de Agosto de 2017, o Autor tomou conhecimento da existência da alegada dívida reclamada pelo Réu e acima, através da notificação para pagamento da mesma; tendo, em 10 de Agosto de 2017, apresentado, junto do Réu, reclamação quanto à referida dívida.
(cf. documento n.º 9 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido).
P) Em 11 de Setembro de 2017, foi pago ao Réu o montante por este reclamado e acima referido, no valor de € 268,68.
(cf. documento n.º 12 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos constantes de 33 do processo administrativo - “Identificação e Qualificação” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido; cf. documentos constantes de folhas 96 e verso, de folhas 97 e verso, e de folhas 134 do processo administrativo - “Contribuições” - e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido)
Q) O montante de € 268,68 reclamado pelo Réu corresponde ao valor que a sociedade comercial “B............, LDA.” havia pago em Abril de 2016 respeitante a contribuições, cotizações e respectivos juros de mora referidos em 8).
(cf. documentos constantes de folhas 96 e verso, de folhas 97 e verso, e de folhas 134 do processo administrativo - “Contribuições” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
R) Em 13 de Outubro de 2017, o Autor deu entrada, no Instituto do Emprego e Formação Profissional de Viana do Castelo, de um requerimento de desemprego por cessação de actividade profissional de Membro de Órgão Estatutário (MOE) - gerente -, por encerramento da empresa “B............, LDA.”.
(cf. documento constante de folhas 1 do processo administrativo instrutor - “Desemprego” - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
S) Mediante o Ofício n.º 72131, datado de 07 de Dezembro de 2017, o Autor foi notificado pelo Réu, da proposta de indeferimento da prestação de desemprego requerida fundada no seguinte, a saber: “Não apresentar a situação contributiva regularizada perante a Segurança Social (alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º). Por não apresentar a situação contributiva regularizada na entidade empregadora B………… LD, perante a segurança social à data da cessação de atividade, de 2017-08- 21, (alínea c) do n.º 1 do artigo 7.º)…”.
(cf. documento n.º 1 junto com a petição inicial e constante de folhas 49 do processo administrativo - “Desemprego”- e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
T) Em 12 de Fevereiro de 2019, o Autor foi notificado pelo Réu da decisão final de indeferimento do requerimento de subsídio por cessação da actividade profissional de membro de órgão estatutário, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
(cf. documento n.º 4 junto com a petição inicial e constante de folhas 71 e verso do processo administrativo - “Desemprego - e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
- ato ora impugnado.
U) Em 10 de Abril de 2019, a insolvente “B............, LDA.” não tinha sido declarada dissolvida, liquidada, encerrada e extinta, encontrando-se a decorrer, à data, a liquidação do activo da mesma no âmbito do processo de insolvência.
(cf. documento n.º 11 junto com a petição inicial e cujo teor integral, aqui, se dá por reproduzido)
*

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. Neste recurso de revista, o Recorrente “ISS” alega que o Ac.TCAN recorrido errou ao ter julgado, confirmando o decidido em 1ª instância, que o Autor, ora Recorrido, preenchia os requisitos legalmente exigidos para lhe ser atribuído o subsídio, que requerera, de desemprego por cessação de atividade profissional de Membro de Órgão Estatutário (“MOE”).

Alega que, contrariamente ao julgado, o Autor não preenchia os requisitos legais, uma vez que subsistia uma dívida à Segurança Social no montante de 268,68€ da responsabilidade da sociedade insolvente “B............, Lda.”, pelo que não se podia dar por verificado o requisito previsto na alínea c) do nº 1 art. 7º do DL nº 12/2013, de 25/1, o qual exige que esteja regularizada a situação contributiva, quer do próprio quer da empresa, perante a segurança Social.

E alega que as instâncias julgaram erradamente que o momento relevante para aferir da regularização da situação contributiva era, no caso, a data de 14/7/2017 – em que a sociedade foi declarada insolvente (por sentença proferida no âmbito do proc. 2406/176.7T8VCT, do 1º Juízo Cível da Comarca de Viana do Castelo), cfr. facto provado I – e que nessa data ocorreu o encerramento do estabelecimento comercial da insolvente, bem como a cessação dos contratos de trabalho dos seus trabalhadores, incluindo o contrato de trabalho do Autor (cfr. facto provado J), altura em que a situação contributiva da sociedade se encontrava regularizada (cfr. facto provado K).

Diferentemente, defende que a data relevante deve ser considerada, no caso, a de 21/8/2017, de realização da Assembleia de Credores da sociedade insolvente, em que se deliberou a liquidação do ativo e em que foi judicialmente determinada a comunicação à Autoridade Tributária e à Recorrente (“ISS”) da cessação da atividade da insolvente para efeitos de IVA e Contribuições Sociais (cf. art. 65º nº 3 do CIRE) – cfr. facto provado M.

Ora, segundo afirma, a questão da data relevante, para efeitos do citado nº 1 c) do art. 7º do DL nº 12/2013 (exigência da regularização da situação contributiva, do próprio e da empresa, perante a segurança social) é, neste caso, decisiva, uma vez que em 21/8/2017, aquando da realização da Assembleia de Credores, já o Autor havia sido notificado, em 4/8/2017 (cfr. facto provado O), de uma dívida de 268,68€, reclamada pelo ora Recorrente, em Agosto de 2017, no processo de insolvência (cfr. facto provado N). Dívida esta que só viria a ser paga ao Recorrente em 11/9/2017 (cfr. facto provado P).

Conclui, portanto, que na data que relevantemente deve ser considerada como aquela em que se “verificou o encerramento da empresa” para efeitos da verificação da situação contributiva perante a segurança Social, - no caso, 21/8/2017 (data da Assembleia Geral da insolvente) – a insolvente não tinha esta situação contributiva regularizada, por ser devedora da quantia de 268,68€, conforme reclamação efetuada pelo Recorrente no processo de insolvência em Agosto de 2017 e conforme notificação ao Autor/Recorrido em 4/8/2017.

Assim não se verificava o requisito exigido no nº 1 c) do art. 7º do DL nº 12/2013, o que impunha o indeferimento do requerimento do subsídio de desemprego apresentado pelo Autor/Recorrido, contrariamente ao erradamente julgado pelas instâncias, nomeadamente pelo Ac.TCAN recorrido.

10. Não obstante o Ac.TCAN recorrido, em confirmação da sentença do TAF/Braga, ter julgado que a ação devia proceder por relevar, como “data do encerramento da empresa”, a data de 14/7/2017, correspondente à declaração judicial de insolvência – data em que se teria que considerar regularizada a situação contributiva para a segurança Social, já que a alegada dívida de 268,68€ só posteriormente, em Agosto, foi reclamada pelo Recorrente no processo de insolvência e notificada ao Autor/Recorrido -, o certo é que, no caso do presente recurso de revista, afigura-se-nos totalmente irrelevante decidir qual a data, entre as duas em questão (14/7/2017, em que foi declarada a insolvência, ou 21/8/2017, em que se realizou a Assembleia de Credores da insolvente) é a que se deve atender para verificação do cumprimento da exigência legal da regularização da situação contributiva perante a Segurança Social.

11. E dizemos que essa questão é, “in casu”, irrelevante ou inconsequente, uma vez que, atendo-nos à matéria de facto considerada provada pelas instâncias – e é essa que temos de considerar neste recurso de revista, que se encontra limitado a alegados erros de julgamento em matéria de direito (cfr. art. 150º do CPTA) -, resulta patente que, quer se considere a data de 14/7/2017 quer se considere a data de 21/8/2017, sempre se deve concluir que a sociedade insolvente tinha a sua situação contributiva regularizada perante a Segurança Social, encontrando-se, pois, em qualquer dos casos, preenchido o requisito legal exigido no nº 1 c) do art. 7º do DL nº 12/2013, como as instâncias bem julgaram.

Vejamos.

Desde logo, o próprio Recorrente afirma nas suas alegações (cfr. conclusão 41) que:
«Os factos que foram dados como provados não nos merecem qualquer consideração negativa porque estribados no P.A. e porque contém toda a informação necessária para se decidir de acordo com as normas legais aplicáveis».

Por seu lado, e congruentemente com esta posição do Recorrente, o Ac.TCAN recorrido referiu que:
«(…) II –Matéria de facto.
O Recorrente não especifica factos que tivessem sido incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; nem, finalmente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tal como exigido pelos normativos constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil.
Nem se vislumbra qualquer erro evidente, ou lacuna, neste julgamento da matéria de facto».

Ora, da matéria dada como provada pelas instâncias (não oportunamente impugnada, e que expressamente “não mereceu qualquer consideração negativa por parte do Recorrente”) – ponto Q - consta que:
«Q) O montante de € 268,68 reclamado pelo Réu corresponde ao valor que a sociedade comercial “B............, LDA.” havia pago em Abril de 2016 (…)».

Ou seja: segundo a matéria de facto estabilizada na ação, a quantia de 268,68€ que o ora Recorrente reclamou no processo de insolvência, em Agosto de 2017 (cfr. facto provado N), correspondente a dívida de que o Autor Recorrido foi notificado em 4/8/2017 (cfr. facto provado O) – tudo após a declaração judicial, em 14/7/2017, de insolvência da sociedade (cfr. facto provado I) e antes da Assembleia de Credores de 21/8/2017 (cfr. facto provado M) -, era uma dívida que, segundo o probatório (referido ponto Q), correspondia ao valor que a sociedade em causa já havia pago em Abril de 2016.

Perante esta factualidade assente, a que temos que nos ater no presente recurso de revista, soçobra a alegação do Recorrente de que não estaria verificado o requisito da regularização da situação contributiva da sociedade exigido legalmente no nº 1 c) do DL nº 12/2013. E isto, independentemente - repete-se - de nos reportarmos à data de 14/7/2017 ou à data de 21/8/2017.

12. E isto mesmo foi entendido e julgado pela 1ª instância (TAF/Braga) já que a procedência da ação – no sentido de anular o ato de indeferimento impugnado (de atribuição de subsídio de desemprego requerido pelo Autor/Recorrido) se fundamentou ali em duas razões cumulativas: por um lado, porque tendo afirmado que a data relevante era a da declaração de insolvência (14/7/2017) e não a da Assembleia de Credores (21/8/2017) – questão que nos dispensamos de apreciar e decidir no presente recurso de revista, por inutilidade -, não deixou também de julgar que, por outro lado, sempre a dívida de 236,36€, reclamada, entre essas duas datas, pelo Recorrente, inexistia por ter sido paga em Abril de 2016.

Como o TAF/Braga expressou, como 1º fundamento do seu julgamento de procedência da ação e de anulação do ato impugnado:
«Assim, o Autor sempre teria direito ao subsídio por cessação de atividade profissional (…) porque não é a data de 21 de Agosto de 2017 [data da Assembleia de Credores em que foi deliberada a liquidação do ativo da sociedade insolvente e determinado judicialmente a comunicação à Autoridade Tributária e ao Réu, a cessação da atividade da insolvente para efeitos de IVA e Contribuições da segurança social] a que tem que ser considerada para aferir da situação contributiva regularizada “do próprio e da empresa”, nos termos do disposto na alínea c), do art. 7.º e do art. 8.º, do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de Janeiro, mas sim a data de 14 de Julho de 2017 [data em que foi proferida sentença de declaração de insolvência da sociedade comercial “B............, LDA.”, determinante da cessação da atividade do Autor e do encerramento total e definitivo da empresa]».

Mas, ainda assim, não deixou de expressar, com base no probatório, um 2º fundamento, cumulativo, de procedência da ação:
«Sendo certo que o montante de € 268,68 - que o Réu reclamou, em Agosto de 2017, no âmbito do processo de insolvência da sociedade comercial “B............, LDA.” - correspondia ao valor que tal sociedade comercial havia pago em Abril de 2016 (…)».

Voltando a repetir, à frente:
«Além disso, o montante de € 268,68 - que o Réu reclamou, em Agosto de 2017, no âmbito do processo de insolvência da sociedade comercial “B............, LDA.” - correspondia ao valor que tal sociedade comercial havia já pago em Abril de 2016 (…)».

Pelo que, em congruência com esses dois fundamentos cumulativos, concluiu que:
«Constata-se, assim, que o Autor reunia todas as condições consignadas no n.º 1, do art. 7.º e do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de Janeiro, para que lhe fosse atribuído o subsídio por cessação de atividade profissional como gerente de facto da sociedade comercial por quotas “B............, LDA.”».

É certo que o Ac.TCAN recorrido confirmou o julgamento da 1ª instância de procedência da ação com base, apenas, no 1º fundamento indicado – por entender que a data relevante era a de 14/7/2017, correspondente à da declaração judicial de insolvência da sociedade em questão, «data esta em que não estava liquidada e em dívida qualquer contribuição à Segurança Social, por parte da empresa ou do Requerente».

Porém, resultando do probatório que, quer em 14/7/2017 quer em 21/8/2017, inexistia a dívida de 268,68€ que o Recorrente reclamou no processo de insolvência entre estas duas datas (em Agosto de 2017), pois, de acordo com o ponto Q, este montante reclamado correspondia ao valor que a sociedade havia pago em Abril de 2016, afigura-se inútil ponderar em qual daquelas duas datas tinha a situação contributiva que estar regularizada - pois que resulta da matéria de facto, que nos vem dada como provada, que o estava em ambas.


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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Negar provimento ao presente recurso de revista interposto pelo Recorrente/Réu “Instituto da Segurança Social, I.P.”, mantendo-se, assim, o Acórdão do TCAN recorrido, ainda que com diferente fundamentação.

Custas a cargo do Recorrente/Réu.

D.N.

Lisboa, 8 de setembro de 2022 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.