Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0974/09
Data do Acordão:01/20/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IVA
CESSAÇÃO DE ACTIVIDADE
DEDUÇÃO DE IMPOSTO
Sumário:I - Se é certo que à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial do direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define um função de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de actividade nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo do sequente artigo 32.º.
II - Antes a condição de sujeito passivo se pode definir em função de cada acto tributável e daí que o adquirente de serviços sempre tenha direito à dedução do montante do IVA mencionado na respectiva factura.
Nº Convencional:JSTA00066232
Nº do Documento:SA2201001200974
Data de Entrada:10/09/2009
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:CIVA84 ART42 ART19 N1 A ART22 N11 ART30 N1 ART2 A ART26 N2.
CIRS88 ART31.
CIRC88 ART41 N1 H.
DL 290/92 DE 1992/12/28 ART2.
Referência a Doutrina:CLOTILDE CELORICO PALMA IVA ALGUMAS NOTAS SOBRE OS LIMITES DAS EXCLUSÕES DO DIREITO À DEDUÇÃO IN ESTUDOS DE IMPOSTO SOBRE VALOR ACRESCENTADO 2006 PAG139-161.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1-A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A… e mulher, com os demais sinais dos autos, contra as liquidações de IRS e respectivos juros compensatórios referente aos anos de 1995 e 1996, dela vem interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) A sentença sob recurso anula as correcções efectuadas, em sede de IRS, dos anos de 1995 e 1996, com referência ao valor da factura emitida por contribuinte cessado em IVA.
B) Entendendo a Mma Juiz que, tanto para as situações de isenção, como para as de inactividade, independentemente, de os sujeitos passivos que indevidamente liquidaram IVA, cumprirem, ou não, as suas obrigações fiscais, o IVA pago pode ser deduzido pelo adquirente dos bens e serviços.
C) Sendo este entendimento quanto a IVA, e a sua transposição para IRS, que constituí o recorte discordante com a Mma Juiz a quo, constituindo o principal fundamento do presente recurso.
D) Efectivamente, o alicerce das correcções efectuadas e do corte no direito à dedução não foi a simulação das facturas, mas o facto de estas terem sido emitidas por sujeito passivo isento (art. 53° do CIVA) ou cessado (artigos 32° e 33° do CIVA).
E) Quando os sujeitos passivos isentos emitem factura com liquidação de IVA, ainda que indevidamente, estão obrigados à sua entrega nos termos do art. 2°/1-c) do CIVA, conferindo estes documentos, ao adquirente, o direito à dedução, se emitidos sob a forma legal e devidamente discriminados (art. 35° do CIVA) e, ainda, se o cliente suportar este imposto para realizar operações tributadas (art. 19°, nº 1-a), nº 2-a) e nº 6 em conjugação com o art. 35°, todos do CIVA).
F) Contudo na facturação emitida pelo sujeito passivo cessado, a situação é diametralmente diversa, não podendo nunca o IVA mencionado em tais facturas ser aceite como dedutível.
G) Tal como resulta do Código do IVA e que, com todo o respeito, não foi considerado na sentença sob recurso, viciando-a em definitivo.
H) O emitente de facturação que se encontre cessado perde, após a data da cessação, logicamente, a natureza de sujeito passivo que detinha até então.
I) No caso, o emitente encontrava-se já cessado desde 1991.01.11 quando emitiu, em 1995.12.30, a factura em crise.
J) Ou seja, não se mostra observada a condição imposta pela alínea a) do nº 1 do art. 19° do CIVA para o exercício do direito à dedução (“o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos”).
K) Ainda na lógica desta disposição, afirma o nº 11 do art. 22° do CIVA que “Os pedidos de reembolso serão indeferidos quando não forem facultados pelo sujeito passivo elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso, bem como quando o imposto dedutível for referente a sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua actividade no período a que se refere o reembolso”.
L) Tendo por base este entendimento, a AF, em sede de IRS, desconsiderou o montante de 35 390$00 respeitante ao contribuinte B…, contribuinte cessado à data da emissão da factura em crise, considerando tal verba como encargo não devidamente documentado, nos termos da alínea h) do nº 1 do art. 41° do CIRC, por remissão do art. 31° do CIRS (ver relatório inspectivo final, ponto 4.1 - Correcções Técnicas).
M) Pelo que a douta sentença sob recurso deveria ter decidido no sentido da manutenção total das liquidações de IRS impugnadas, ou seja, mantendo a correcção respeitante ao valor da factura (35 390$00, sem IVA), emitida por B…, contribuinte cessado no cadastro do IVA, à data daquela emissão.
N) Não decidindo nesse sentido, a sentença sob recurso fez errada aplicação do art. 41°/1-h) do CIRC, por remissão do art. 31° do CIRS e dos artigos 2°/1-c), 19°, n°1-a), n° 2-a) e n° 6, 22°/11 e 35° do CIVA.
2 – Os recorridos não contra-alegaram.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“Objecto: Saber se o IVA mencionado em facturação emitida por pessoa que declarou anteriormente a cessação de actividade, pode ser aceite como dedutível em sede de IRS pelo adquirente dos bens e serviços.
FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida entendeu-se que o IVA liquidado pode ser deduzido em sede de IRS pelo adquirente de bens e serviços, tanto em situações em que aquele tributo foi liquidado por entidade beneficiária de isenção, como quando tenha sido liquidado por entidade que anteriormente tenha declarado cessação de actividade, independentemente de quem indevidamente liquidou o IVA, cumprir, ou não, as suas obrigações fiscais.
A recorrente, por sua vez, entende que os regimes de isento e de cessado são perfeitamente distintos para aqueles efeitos. Julgamos que tem razão, porquanto o regime de isenção, previsto no artigo 53.° do CIVA, pressupõe o exercício de uma actividade, ainda que isenta daquele tributo, enquanto o regime previsto nos artigos 32.° e 33.° do mesmo diploma legal implica a inexistência de qualquer actividade e, consequentemente, a exclusão da condição de sujeito passivo.
Assim sendo, como acontece no caso sub juditio, não se mostra observada a condição imposta pela alínea a) do n.º 1 do artigo 19.° do CIVA para o exercício do direito à dedução, ou seja, os bens e serviços terem sido adquiridos a outros sujeitos passivos.
Em defesa deste entendimento a recorrente convoca a disciplina do n.º 11 do artigo 22.° do CIVA, que dispõe sobre o indeferimento dos pedidos de reembolso, não os admitindo quando o imposto dedutível for referente a sujeito passivo que tenha cessado a sua actividade no período a que o pedido respeita.
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A) Os impugnantes foram alvo de uma acção de inspecção tributária que culminou com a elaboração do relatório de fls. 92 a 99, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«(...)
1.3 — Motivos e fundamentos específicos da fiscalização:
A presente acção de fiscalização teve origem no facto de se ter efectuado uma análise sucinta à declaração modelo 2 do ano de 1995, tendo-se concluído que o Resultado Fiscal evidenciado era bastante baixo. Nesta conformidade procedeu-se à análise aos elementos de escrita do Sujeito Passivo.
(…)
2- CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA
2.1 — Constituição da firma e capital social:
Trata-se de um empresário em nome individual que se dedica à actividade de construção civil na modalidade de sub-empreitada.
(…)
3— ANÁLISE CONTABILÍSTICO-FISCAL
3.1 — Descrição dos factos contabilístico-fiscal com relevância fiscal
O contribuinte dedica-se à actividade de Construção Civil executando obras por empreitada. Em matéria de meios humanos, não tem qualquer empregado ao seu serviço, recorrendo, para execução das obras que empreita, à prestação de serviços externos, (sub-contratos),
(…)
No que ao imobilizado concerne, possui ao seu serviço ferramentas e utensílios diversos, um guindaste de pequena dimensão e uma máquina retro escavadora, equipamento este registado e constante dos mapas de imobilizado.
Embora o Sujeito Passivo tenha o seu domicílio em Zambujais-Abiul, normalmente exerce a sua actividade nas áreas de Pombal, Ansião, Coimbra e com maior incidência em Lisboa, Mafra, Seixal, Venda do Pinheiro e Santa Iria.
Analisada a actividade do Sujeito Passivo bem como os seus elementos de escrita, verificou-se o seguinte:
a) — Foi efectuado um teste-controlo através da facturação aos fornecimentos de matérias primas, do qual se conclui que nem de todos os fornecimentos foi efectuado o respectivo registo.
A relação de matérias primas adquiridas consta do anexo a fls. (...).
Através dela se conclui que a quase generalidade das matérias primas foi destinada à localidade do seu domicílio, ou seja Zambujais.
Existem ainda fornecimentos de matérias primas para Coimbra, Pombal e outros locais que não constam das respectivas facturas.
Elaboramos também relação das facturas processadas pelo Sujeito Passivo anexa a fls. (...)
Através dela verificamos que a maioria das facturas foi processada à firma “C…, Lda. com sede em Lisboa.
Quanto aos fornecimentos de matérias primas para Coimbra não existe qualquer factura.
b) — Dado o Sujeito Passivo recorrer sistematicamente a Serviços Externos, procedemos a uma análise mais detalhada da rubrica “Outras Despesas” onde estes serviços foram incluídos, tendo verificado o seguinte:
I — O prestador de serviços D… com o NIPC …, residente na Rua … — 2840 SEIXAL, processou as seguintes facturas:
DOCUMENTO VALOR LÍQUIDO IVA
-Fact. n.º 7,30.07.95 46.380$ 76.224$
" 9,30.08.95 1.012.500$ 172.125$
Fact.n.º 10,02.09.95 1.158.000$ 196.860$
" 12,06.09.95 1.612.000$ 274.040$
" 6,04.10.95 720.000$ 122.400$
" 11,04.10.95 166.667$ 28.333$
" 13,25.10.95 528.500$ 89.845$
TOTAIS 5.646.047$ 959.827$
Porém, as facturas processadas por este contribuinte e as antes descritas, são fotocópias de outras facturas não revestindo, por consequência, forma legal, contrariando assim o preceituado nos artigos 35.° do CIVA e 41.° n.º 1 al h) do CIRC, atenta a remissão constante do artigo 31.º do CIRS.
II— O prestador de serviços E… com o NIPC …, residente na Rua … 1600 LISBOA processou as seguintes facturas:
DOCUMENTO VALOR LÍQUIDO IVA
- Fact. n.º 52, 30.11.95 1.534.580$ 260.879$
- " 53, 30.12.95 550.000$ 3.500$
- " 54, 30.12.95 483.325$ 82.164$
TOTAIS.... 2.567.905$ 436.543$
Através da consulta efectuada ao cadastro do IVA verificamos que este contribuinte se encontra enquadrado no regime de isenção conforme anexo a fls. (...).
III — O prestador de serviços B…, com o …, residente em … 2840 SEIXAL, processou a factura n.º 3 de 30.12.95, no valor líquido de 35.390$00 acrescida do IVA no valor de 6.016$00.
Pela consulta efectuada ao cadastro do IVA, verificamos que o mesmo cessou a actividade em 11.01.91, conforme anexo a fls. (...).
Pelos factos antes expostos, vamos proceder à liquidação do imposto em falta, por correcção técnica, relativamente ao contribuinte D… no montante de 959.827$00, em virtude de o mesmo ter processado facturas que não revestem forma legal, como já antes foi dito.
Relativamente ao contribuinte E…, no montante de 436.543$00, dado o mesmo se encontrar no regime de isenção.
Relativamente ao contribuinte B…, no montante de 6.016$00, dado o mesmo se encontrar inactivo à data do processamento da factura.
O montante do IVA objecto de correcção técnica efectuada pelos motivos aduzidos ascende a 1.042.386$ e corresponde aos períodos das respectivas facturas a seguir discriminadas:
ANO DE 1995
1º TRIMESTRE -$
2.° . -$
3º 719.249$
4.° 683.137$
TOTAL 1.042.386$
4— I.R.S.
4.1 - CORRECÇÃO TÉCNICA
Tendo por base os factos antes expostos, vamos corrigir as Despesas Gerais e Outros Custos no montante de 5.646.047$00 referente ao contribuinte D… (encargos não devidamente documentados) e no montante de 35.390$00 referente ao contribuinte B… (cessado à data da passagem da factura) num total de 5.681.437$00, que tal como no caso anterior foram considerados encargos não devidamente documentados conforme preceitua a alínea h) do n.º 1 do artigo 41.° do CIRC, por remissão constante do artigo 31. °do CIRS.
B) Foi elaborado o Documento de Correcção DC 2, de fls. 15 a 16 do apenso, que se dá por integralmente reproduzido, relativo ao ano de 1995, com a seguinte fundamentação:
«Na fiscalização efectuada ao Sujeito Passivo para efeitos de IVA/IRS, foram detectadas anomalias que motivaram Correcções Técnicas quer para efeitos de IVA quer para efeitos de IRS.
Assim, analisados que foram os respectivos documentos, procedemos à correcção técnica de IVA no montante de 1.047.386$00 constante dos documentos que não revestiam forma legal.
Para efeitos de IRS e pelos mesmos motivos, procedemos por correcção técnica às Despesas Gerais e Outros Custos no montante de 5.681.437$00.»
C) Através do despacho de fls. 34 do apenso, que se dá por integralmente reproduzido, foi ordenada a alteração dos rendimentos dos ora impugnantes, fixando-se, para o ano de 1995, o rendimento colectável corrigido de 5.513.305$00.
D) Consequentemente, em 05/11/97, foi emitida a liquidação n.º 5333287520, referente a IRS do ano de 1995, em que foi apurado imposto a pagar no montante de 1.302.218$00 e juros compensatórios a favor do Estado no valor de 36.873$00 – fls. 13.
E) Em 29/04/96, os impugnantes apresentaram a declaração de IRS, modelo 2, respeitante ao ano de 1995, de fls. 19 que se dá por integralmente reproduzida, em que apuraram o resultado negativo de 354.782$00.
F) No dia 04/04/97, os impugnantes apresentaram a declaração de IRS, modelo 2, referente ao ano de 1996, de fls. 20 que também se dá por integralmente reproduzido, em que apuraram o resultado positivo de 2.426.686$00
G) Uma vez que o prejuízo declarado para o ano de 1995 influenciou a liquidação de IRS do ano de 1996, o sistema procedeu a uma reliquidação automática do IRS desse ano, apurando a quantia de 90.970$00, a menos exigida na 1ª liquidação — fls. 132 a 135 e 14.
H) A dívida impugnada nestes autos foram objecto de pagamento, ao abrigo do DL n.º 248-A/2002 — fls. 118 a 120.
5- A sentença sob recurso, no segmento que vem impugnado, anulou as liquidações de IRS relativas aos anos de 1995 e 1996 na parte respeitante às correcções decorrentes da não consideração como custo do montante da factura emitida pelo prestador de serviços B…
A esse respeito ponderou-se na decisão que o IVA pago pelos adquirentes dos serviços, os ora recorridos, pode ser deduzido independentemente do prestador dos serviços ter, como é o caso, cessado a actividade em data anterior à da emissão da factura, uma vez que a lei prevê expressamente que os sujeitos passivos pratiquem uma só operação tributável (artigo 42.º do CIVA), sendo certo que, “in casu”, a Administração Fiscal nunca colocara em crise que os serviços titulados pela factura foram efectivamente prestados.
Por sua parte, a recorrente Fazenda Pública, no que é acompanhada pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, vem defender que, uma vez cessada a actividade o emitente da factura, perde logicamente a natureza de sujeito passivo que detinha até à altura e daí que se mostre inobservada a condição imposta na alínea a), n.º 1 do artigo 19.º do CIVA para o exercício do direito de dedução.
No mesmo sentido argumenta ainda com o disposto n.º 11 do artigo 22.º do CIVA respeitante aos pedidos de reembolsos em que se prevê o respectivo indeferimento no caso do imposto dedutível for referente a sujeito passivo que tenha a sua actividade cessada no período a que se refere o reembolso.
Tendo por base este entendimento, defende ainda a recorrente a desconsideração como custo, em sede de IRS, do montante da factura em causa, considerando tal verba como encargo não documentado, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, por remissão do artigo 31.º do CIRS.
Importa enfrentar a questão do eventual direito à dedução do IVA mencionado na factura emitida pelo prestador de serviços decorrente da sua consideração como sujeito passivo, uma vez que serviu de suporte jurídico para a decisão anulatória sob recurso e, como tal, foi objecto de impugnação por parte da recorrente.
O direito à dedução do IVA suportado a montante constitui uma característica fundamental do sistema comum desse imposto, essencial para garantia da neutralidade do mesmo e “peça chave” do seu funcionamento- cfr. acórdão de 8/07/09, no recurso n.º 199/09 e o aí citado estudo de Clotilde Celorico Palma «IVA-Algumas notas sobre os limites das exclusões do direito à dedução», in Estudos de Imposto sobre Valor Acrescentado, Coimbra, Almedina, 2006, pp.139/161).
Daí que a desconsideração ou exclusão da dedução do montante do IVA suportado pelo adquirente de bens e serviços, deva constituir uma resultante iniludível da aplicação da legislação aplicável.
Ora, assim não acontece no caso em apreço em que o prestador de serviços, apesar ter cessado a sua actividade em data anterior à respectiva facturação, processou esta acrescida de IVA, imposto este suportado pelo adquirente e reportando-se a serviços que, como se afirma na sentença recorrida, tão pouco foram colocados em crise pela Administração Fiscal (que o mesmo é dizer que não foi arguida a sua falsidade).
Como argumento fundamental em apoio da exclusão do direito à dedução do imposto processado e pago, afirma a recorrente Fazenda Pública que “o emitente de facturação que se encontre cessado perde, após a data da cessação, logicamente, a natureza de sujeito passivo que detinha até então”(conclusão H).
Tal afirmação não encontra, todavia, suporte na lei.
De facto, se é certo que à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitua um requisito essencial ao direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define em razão de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de actividade nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo do sequente artigo 32.º.
Antes a condição de sujeito passivo se pode definir em função de cada operação tributável.
É que resulta do disposto no artigo 2.º, alínea a) do CIVA (redacção dada pelo artigo 2.º do DL n.º 290/92, de 28/12) ao prever que são sujeitos passivos do imposto- “As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC.
Sendo ainda que de acordo com a alínea c) do mesmo normativo se estabelece que são ainda sujeitos passivos do imposto “As pessoas singulares ou colectivas que, em factura ou documento equivalente, mencionem indevidamente IVA”, prevendo-se ainda nestes casos a obrigatoriedade da entrega do imposto cobrado nos cofres do Estado (artigo 26.º, n.º 2 do CIVA).
Por outra parte, o artigo 42.º do CIVA regula expressamente o prazo dentro do qual os sujeitos passivos deverão fazer a declaração na repartição de finanças da ocorrência de uma só operação tributável.
E definindo-se o prestador de serviços B… como sujeito passivo de IVA, o direito à dedução do respectivo imposto por parte dos adquirentes, e que foi por estes pago, decorre claramente do disposto na já citada alínea a), n.º 1 do artigo 19.º do CIVA, em desapoio do que bem pouco valerá o argumento que se pretende retirar do disposto no n.º 11 do artigo 22º, por restrito à específica matéria dos reembolsos.
Em face do exposto, deve concluir-se que, não obstante a declaração de cessação de actividade, o contribuinte prestador de serviços e bens se define como sujeito passivo na exacta medida em que processa uma factura com IVA do serviço prestado e daí que, tanto mais que não foi posta em causa a prestação do serviço, nada permita afirmar que no caso o encargo não se encontre devidamente documentado com a resultante da consideração como custo dedutível em sede de IRS do respectivo montante, consoante foi entendido na sentença recorrida.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.
Sem custas, dado delas estar isenta a Fazenda Pública.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Dulce Neto – Jorge Lino.