Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0995/11
Data do Acordão:09/12/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:EMBARGOS DE TERCEIRO
CADUCIDADE
LEGITIMIDADE
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - O indeferimento liminar tem de ser cautelosamente decretado, só devendo ter lugar quando da simples apreciação da petição resulte, com força irrecusável e sem margem para dúvidas, que o processo é manifestamente inviável ou extemporâneo, que não tem razão alguma de ser ou que a improcedência da pretensão é tão notória e evidente que torna inútil qualquer instrução e discussão posterior.
II - Vindo os embargos de terceiro dirigidos contra a ordem, proferida pelo órgão da execução fiscal, de entrega do prédio vendido no processo judicial de execução sob a cominação de arrombamento das portas, e não contra o acto da penhora ou da venda desse bem, visando, assim, evitar uma diligência processual susceptível de afectar o direito a que se arroga a embargante (arrendatária e titular do estabelecimento nele instalado), torna-se inquestionável que se trata de embargos com função preventiva, regulados no artigo 359.º do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto no artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
III - Sendo controverso que a tais embargos de função preventiva seja aplicável o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 237.º do CPC para embargos de função repressiva, onde se estipula o prazo de 30 dias «contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa» e que os embargos nunca podem ser deduzidos «depois de os respectivos bens terem sido vendidos», não podia a petição inicial ter sido liminarmente rejeitada com fundamento na sua manifesta extemporaneidade por ter sido apresentada em momento posterior à venda do prédio.
IV - E não sendo também manifesta e incontroversa a falta de legitimidade da embargante para deduzir tais embargos pelo facto de a ordem de entrega do prédio não lhe ter sido directamente dirigida, não podia a petição inicial ter sido liminarmente indeferida com fundamento nessa ilegitimidade.
Nº Convencional:JSTA000P14514
Nº do Documento:SA2201209120995
Data de Entrada:11/07/2011
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……., LDA., com os demais sinais dos autos, recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de rejeição liminar dos embargos de terceiro, de natureza preventiva, que deduziu contra a ordem de entrega do prédio urbano vendido no processo de execução fiscal n.º 1775200301003887 ao Banco Totta e Açores, S.A., e que a Embargante, alegadamente, ocupa na qualidade de arrendatária.

1.1. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

1. Os embargos de terceiro têm como fundamento de direito a posse e como fundamento de facto a lesão ou a ameaça da posse, factualidade que foi alegada pela Embargante.

2. Não é a penhora nem a venda do prédio que ocorreram nos autos de Execução Fiscal que afectou, ou poderia ter afectado, a posse da Embargante, pois que a penhora e a subsequente transmissão da propriedade do prédio é compatível com o direito de arrendatária de que esta se arroga.

3. O que efectivamente poderá ofender a posse da Embargante é o acto de entrega do prédio, livre de pessoas e bens, que foi determinado ao Executado.

4. A ser procedente tal pretensão, a Embargante vê violado o seu direito de legitima possuidora do prédio.

5. Assistindo à Embargante o inegável direito de poder usar dos meios de defesa da posse, por isso, pode embargar de terceiro.

6. Acresce que é irrelevante ter ocorrido a venda judicial do prédio, pois que o que faz perigar a posse da Embargante é a entrega do prédio, designadamente através dos meios previstos no artigo 840.º do Código de Processo Civil.

7. Ora, o cumprimento do referido artigo 840.º mais não é do que a transformação de uma execução para pagamento de quantia certa em execução para entrega de coisa certa. É um enxerto que se abre na execução para pagamento de quantia certa.

8. E é neste enxerto que é ameaçado o direito da Embargante.

9. Não há, por conseguinte, qualquer razão para ser negado o acesso aos meios de tutela da posse à Embargante,

10. Pelo que a decisão recorrida faz uma errada interpretação do disposto no artigo 353.º, n° 2, do Código de Processo Civil, sendo certo que viola ainda o disposto nos artigos 1251.º e seguintes do Código Civil.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, como é de JUSTIÇA.


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso, com a seguinte argumentação:
«Os embargos de terceiro devem ser deduzidos no prazo de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou do dia em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca após a venda dos bens (art. 237º n.º3 CPPT).
A enfática preclusão processual para o exercício do direito constante da norma radica na protecção da estabilidade da venda em processo executivo, atraindo mais interessados e induzindo a obtenção de melhor preço (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado Volume II 2007 p. 125).
A legitimidade processual da embargante, na qualidade de arrendatária do imóvel vendido, para a dedução de embargos de terceiro, ainda que preventivos, por alegada ofensa à posse, não obsta à caducidade do direito de acção, pelo decurso do prazo peremptório para o seu exercício (arts. 1037º n.º 2 e 1285º C.Civil, petição inicial art. 16º; sobre a admissibilidade de embargos preventivos no contencioso tributário cf. ob. cit. Volume II 2007 pp. 153/154).
No caso concreto é duvidosa a conformidade legal do pedido, porque a entrega do imóvel não foi ordenada por decisão judicial, antes do órgão da execução fiscal (doc. fls. 18).
A embargante não imputou ao acto de entrega do locado qualquer ilegalidade autónoma, pelo que a sua eventual nulidade apenas poderá ser declarada como acto consequente de venda executiva anulada (art. 133º° 2 al. i) CPA)
Este efeito constitutivo exigiria a procedência de pedido de anulação de venda, com invocação de fundamentos legais, estando liminarmente excluída a propositura de acção de reivindicação com fundamento na lesão do direito de propriedade (art. 257º n.º 1 CPPT; art. 1311º C.Civil)».

1.4.Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência as questões colocadas.

2. A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 06.06.2003, foi instaurado contra B…… e C…… no Serviço de Finanças de Felgueiras o Processo de Execução Fiscal n.º 1775200301003887 - fls. 1 do Processo Executivo (doravante PE);

2. Em 20.05.2004, foi efectuada a penhora do prédio urbano, sito no lugar do Calvário, freguesia de Lagares, concelho de Felgueiras, descrito na Cons. Reg. Predial de Felgueiras sob o n.º 00009/120685 e na respectiva matriz predial urbana sob o art.° 556° - cfr. fls. 33 a 36 do PE;

3. Em 28.10.2004, foi efectuada a venda do imóvel penhorado, tendo o bem sido adjudicado ao Banco Totta e Açores, SA, pelo preço de € 391.000,00 - fls. 113 a 116 do PE;

4. Em 11.11.2004, o executado intentou incidente de anulação de venda, que veio a ser julgado improcedente - fls. 94 ss., 120, todas do PE;

5. Em 31.03.2011, foram os executados notificados para, no prazo de 20 dias, procederem à entrega das chaves do imóvel em causa aos adquirentes do mesmo - fls. 18 dos autos.

3. A questão a apreciar no presente recurso é a de saber se deve ou não ser liminarmente indeferida a petição de embargos de terceiro, de função preventiva, que a embargante, ora recorrente, deduziu contra a ordem dirigida aos executados, pelo Órgão da Execução Fiscal, de entrega do prédio urbano que no processo de execução fiscal foi vendido ao Banco Totta & Açores, S.A., e que a embargante, alegadamente, ocupa na qualidade de arrendatária e titular do estabelecimento nele instalado, embargos que deduziu ao abrigo do disposto no artigo 237.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e no artigo 359.º do Código de Processo Civil (CPC).
Segundo a decisão recorrida, seria manifesta a «extemporaneidade dos presentes embargos, por os mesmos terem sido apresentados em momento muito posterior ao da venda», pois a lei impõe, no artigo 237.º do CPPT, um limite temporal à dedução de embargos, estabelecendo que eles nunca podem ser deduzidos depois de os bens terem sido vendidos, argumentando que «A razão subjacente à caducidade do direito de acção, em virtude da venda, radica na circunstância de o acto ofensivo do direito de terceiros ser a diligência executiva (in caso, a penhora), diligência esta que se extingue por efeitos da venda, nos termos do art.° 824°, n.°2, do Código Civil, o que determina a impossibilidade/inutilidade dos Embargos por perda de objecto (...). Para além disso, julgou-se que «mesmo que se considerasse que o acto da entrega das chaves do bem vendido, pelo executado ao adquirente ou exequente, sempre teriam os presentes embargos que improceder, por manifesta ilegitimidade da aqui embargante por não ser ela a destinatária da notificação».
Discordando do assim decidido, a ora recorrente defende, essencialmente, que a decisão recorrida incorreu em erro na interpretação do disposto no art.º 353.º, n.º 2, do CPC e violou o disposto nos arts.º 1251.º e segs. do C.Civil, porquanto os presentes embargos de terceiro têm como fundamento de direito a sua posse, como arrendatária, do prédio cuja entrega foi ordenada e onde tem instalado, desde Maio de 2003, o seu estabelecimento industrial, e como fundamento de facto a ameaça de lesão dessa posse pela ordem de entrega do locado, não sendo a penhora nem a venda que ocorreram na execução que afecta, ou poderá afectar a sua posse, pois a penhora e a transmissão da propriedade do prédio é perfeitamente compatível com o direito de arrendatária a que se arroga. Na sua perspectiva, o que ofenderá a sua posse é o acto de entrega do prédio, livre de pessoas e bens, ordenada no processo judicial de execução, sendo, por isso, irrelevante que tenha ocorrido já a venda do prédio, não existindo razão para lhe ser negado liminarmente o acesso aos meios de tutela da posse e para a rejeição liminar dos embargos, dado que estes são o meio processual adequado para reagir, preventivamente, contra a referida ordem de entrega do prédio locado.
Vejamos, pois, tendo em atenção que a decisão de rejeição liminar se baseou, simultaneamente, na intempestividade dos embargos de terceiro e na ilegitimidade da embargante para os deduzir.
Tal como tem sido repetidamente afirmado pela doutrina e pela jurisprudência, o indeferimento liminar tem de ser cautelosamente decretado e só deve ter lugar quando da simples apreciação da petição resulte, com força irrecusável e sem margem para dúvidas, que o procedimento é manifestamente inviável ou extemporâneo, que não tem razão alguma de ser ou que a improcedência da pretensão é tão evidente e notória que torna inútil qualquer instrução e discussão posterior. O que se compreende, na medida em que o indeferimento liminar corresponde a um julgamento antecipado, justificado pela evidente inutilidade de qualquer instrução e discussão, pelo que só pode ocorrer quando seja claro e inequívoco que a pretensão nunca poderá proceder qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais.
Como se deixou explicado no acórdão do Pleno desta Secção, proferido em 6 de Dezembro de 2000, no processo n.º 024081, «O processo tributário, a que é aplicável subsidiariamente o processo civil, tem como princípio básico o do contraditório, enunciado no n.º 3 do art. 3.º do CPC, em que se estabelece que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
A formulação deste princípio e respectiva excepção permite concluir que, na perspectiva legislativa, o contrate das opiniões dos interessados é, em regra, útil para o esclarecimento da verdade, e que só quando é evidente a solução jurídica subjacente à decisão se poderá concluir que é de prescindir do contributo que podem fornecer tais opiniões. Situações em que se prevê expressamente que o juiz decida sem audição prévia da parte contrária, são as de indeferimento liminar, previstas para o processo civil, no art. 234º-A do CPC, e, no que concerne ao processo de oposição à execução fiscal, no art. 291º do CPT.
Em coerência com aquela regra do art. 3.º, n.º 3, do CPC sobre a dispensa de observância do princípio do contraditório, deverá entender-se que, em qualquer das hipóteses em que se admite o indeferimento liminar, terá de estar-se perante situações em que é manifestamente desnecessária a audição das partes, por a solução jurídica ser evidente.».

No caso vertente, da factualidade fixada na decisão, e que não é controvertida, resulta claramente que no momento em que os embargos de terceiro foram deduzidos já ocorrera a venda do prédio urbano penhorado no âmbito do processo de execução fiscal instaurado contra B…… e C……. Todavia, do teor da petição de embargos resulta à evidência que a embargante não pretende reagir contra esses actos de penhora ou venda efectuados na execução para pagamento de quantia certa, mas contra o posterior acto que, no âmbito desse processo judicial de execução, ordenou aos executados a entrega do prédio urbano (através da entrega das respectivas chaves) ao comprador – Banco Totta e Açores, S.A
Com efeito, a Embargante alegou ter tido conhecimento de que os executados foram notificados para proceder à entrega do aludido prédio através da entrega das chaves ao Banco adquirente ou ao Serviço de Finanças de Felgueiras, com a advertência de que caso não o fizessem seria requisitado o auxílio da força pública e efectuado o arrombamento das portas nos termos do disposto no art.º 840.º n.º 2 do CPC. E porque, na sua óptica, o cumprimento deste comando legal mais não é do que a transformação de uma execução para pagamento de quantia certa em execução para entrega de coisa certa, seria este novo acto de exigência de entrega do prédio que ofenderia a sua posse e o seu direito de arrendatária do prédio, não estando, por conseguinte, a dedução dos embargos inviabilizada pela ocorrência da venda executiva
Mais alegou que o prédio cuja entrega se pretende é local onde a tem instalado o seu estabelecimento industrial e a sua sede, que vem ocupando ininterruptamente desde Maio de 2003 na qualidade de titular de contrato de arrendamento válido e eficaz, pelo que a entrega do prédio, a ocorrer, ofenderia a sua posse e direito de ocupação do prédio como arrendatária, constituindo um grave atropelo dos seus direitos legalmente adquiridos e constituídos.
Estabelece o n.º 1 do artigo 237.º do CPPT que «Quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro».
Donde resulta que os embargos de terceiro são o meio processual adequado para fazer a defesa dos direitos de quem for ofendido – na sua posse ou em qualquer direito cuja manutenção seja incompatível com a realização ou o âmbito da diligência judicial – por um acto de arresto, penhora ou outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens. E, por isso, os actos lesivos da posse ou do direito de que o terceiro seja titular são, inevitavelmente, o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou de entrega de bens, permitindo-se, desse modo, que os direitos atingidos ilegalmente por esses actos possam ser invocados pelo lesado através de embargos, em vez de o obrigar à propositura de acções possessórias.
No caso vertente, os embargos de terceiro não vêm dirigidos contra o acto da penhora ou da venda do imóvel, nem têm natureza repressiva, mas antes preventiva, porque dirigidos contra a ordem de entrega do prédio sob cominação de arrombamento das portas, acto que, a verificar-se, é susceptível de violar o direito a que se arroga a embargante caso se comprove a existência desse direito em data anterior à penhora, se julgue que esse direito é oponível ao adquirente do prédio e que a diligência de entrega é passível de perturbar o direito de uso e fruição do imóvel que decorre do contrato de arrendamento na medida em que impediria a embargante de ali continuar a exercer a sua actividade (julgamento que implica a necessidade de apreciar diversas questões, como a de saber se essa ordem de entrega integra um dos actos previstos no n.º 1 do art.º 237.º do CPPT, isto é, um “acto judicialmente ordenado de entrega de bens”, a de saber se o direito invocado é incompatível com realização da ordenada diligência ou se o invocado direito de arrendamento está subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva, isto é, se o arrendamento deve ou não ser considerado abrangido pelo nº 2 do art.º 824º C.Civil; questões que, sendo polémicas, nunca podem ser decididas em sede de apreciação liminar da petição de embargos, mas, tão só, em sede de sentença sobre o mérito da acção).
Ora, tais embargos com função preventiva, embora não encontrem previsão no CPPT, mostram-se regulados no artigo 359.º do CPC, subsidiariamente aplicável ao processo judicial tributário por força do disposto no artigo 2.º, alínea e), do CPPT, nos seguintes termos: «1- Os embargos de terceiro podem ser deduzidos, a título preventivo, antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o artigo 351.º, observando-se o disposto nos artigos anteriores, com as necessárias adaptações. 2- A diligência não será efectuada antes de proferida decisão na fase introdutória dos embargos e, sendo estes recebidos, continuará suspensa até à decisão final (...)».
Tratando-se dos embargos de terceiro tendentes a evitar uma diligência susceptível de afectar o direito invocado pela embargante, e sabido que o n.º 1 do artigo 930.º do CPC dispõe que «a efectivação da entrega da coisa são subsidiariamente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições referentes à realização da penhora, procedendo-se às buscas e outras diligências necessárias, se o executado não fizer voluntariamente a entrega (...)», é controverso que aos embargos de função preventiva seja aplicável o prazo de caducidade previsto no n.º 3 do artigo 237.º do CPC não só quando estipula o prazo de 30 dias «contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa», como, ainda, quando estipula que os embargos nunca podem ser deduzidos «depois de os respectivos bens terem sido vendidos».
Aliás, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a sufragar o entendimento de que o referido prazo de caducidade – previsto no artigo 353.º, nº 2, do CPC para os embargos de natureza preventiva – pressupõe a efectiva realização da diligência ofensiva da posse ou de outro direito incompatível com essa realização ou com o seu âmbito, ou seja, que é seu pressuposto tratar-se de embargos de terceiro de função repressiva, não existindo prazo para a dedução de embargos de terceiro de função preventiva, os quais podem ser sempre deduzidos entre a data do despacho que ordena a diligência e a sua efectiva realização – cfr. acórdão proferido em 9/02/2006, no proc. n.º 06B014, a que se seguiram vários acórdãos das Relações no mesmo sentido.
Não sendo clara e evidente a aplicabilidade do referido prazo de caducidade aos embargos de função preventiva deduzidos contra a ordem de entrega do prédio, não podiam os mesmos ter sido liminarmente rejeitados com tal fundamento.
Por outro lado, também não é evidente a ilegitimidade da embargante.
Como se sabe, a legitimidade processual consiste na posição da parte numa determinada acção, dispondo o art.º 26.º do CPC que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, sendo que tal interesse se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção. Tal legitimidade processual, não sendo uma qualidade pessoal das partes, exprime-se pela relação intrínseca entre elas e o objecto do processo, em termos da pretensão que se pretende ver acolhida. E nos termos do artigo 237.º do CPPT, bem como do análogo artigo 351.º, n.º 1, do CPC, os embargos de terceiro podem ser deduzidos por qualquer terceiro que não seja parte na causa em que tal meio de defesa é deduzido.
No caso vertente, embora a ordem de entrega do prédio tenha sido dirigida aos executados, tal ordem é susceptível, face aos termos em que a embargante interpretou o âmbito da diligência, de a atingir enquanto terceiro titular do direito de arrendamento do prédio, na medida em que essa diligência – caso traduza ou implique uma entrega do prédio livre e devoluto e com entrega das chaves sob pena de arrombamento das portas e ocupação do imóvel pelo novo proprietário – é passível de perturbar o direito que decorre para a embargante do aludido contrato de arrendamento e que inclui o direito de deter em exclusivo as chaves do prédio locado e de usar e fruir o imóvel no exercício da sua actividade, sem a devassa e invasão que representaria a transmissão de chaves para outrem ou o arrombamento das portas do local onde tem instalada a sede do seu estabelecimento industrial, o que, além do mais, a poderia impediria de continuar a exercer aí a sua actividade.
Não é, assim, claro e evidente que a embargante não tenha interesse directo em demandar pelo facto de a ordem de entrega do prédio não lhe ter sido dirigida a si, isto é, não é manifesta e incontroversa a falta de legitimidade da embargante
É certo que se pode objectar que não é esse o âmbito da diligência ordenada e que ela se encontra inserida no plano da execução para entrega de coisa imóvel arrendada prevista nos artigos 930.º, n.º 3, e 931.º e segs. do CPC, não sendo a mesma susceptível de violar o direito a que se arroga a embargante.
Mas essas e outras eventuais questões que devam ponderar-se não nos surgem neste momento como objecção ao prosseguimento dos embargos para além da fase liminar que, recordemos, se estribou, exclusivamente, na caducidade do direito de embargar e na ilegitimidade da embargante.
Por isso, a decisão recorrida não pode manter-se, devendo, ao invés, ser revogada, assim obtendo provimento o recurso.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que os autos regressem à 1.ª instância a fim de aí ser proferido despacho que não seja de indeferimento liminar pelos motivos em que se baseou o que foi impugnado neste recurso.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Setembro de 2012. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Lino Ribeiro -Casimiro Gonçalves.