Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0640/11
Data do Acordão:10/19/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO
RELEVÂNCIA JURÍDICA OU SOCIAL
Sumário:I – O recurso de revista, com previsão legal no artº. 150º do CPTA, tem carácter excepcional, destinando-se somente à apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II – A relevância jurídica ou social afere-se em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular.
III – A possibilidade da melhor aplicação do direito resultará da repetição num número indeterminado de casos futuros, tendo como escopo a uniformização do direito.
IV – Concretiza tais pressupostos a questão de saber se, nas operações relativas a bens imóveis, concretamente na celebração de contratos simultâneos, aquando da celebração do segundo contrato e para efeito de renúncia de isenção de IVA, o segundo transmitente, no momento em que celebra o segundo contrato simultâneo de compra e venda deve encontrar-se na posse do certificado válido de renúncia à isenção de IVA ou se é suficiente o pedido de declaração electrónica desse certificado de renúncia, o qual já havia sido feito, tudo isto após a confirmação das condições objectivas e subjectivas previstas nos art.ºs 2º, 3º e 5º do Regime de renúncia à isenção de IVA (RRIIVA), aprovado pelo Decreto-lei nº 21/2007 de 29/1, sendo certo que o facto da aplicação informática não permitir informar que se está perante contratos simultâneos, nem tão pouco autorizar o exercício do direito de audição prévia, impede que a mesma aplicação informática cumpra com o disposto no artº. 2º, nº 3 do predito Decreto-lei.
Nº Convencional:JSTA00067200
Nº do Documento:SA2201110190640
Data de Entrada:06/27/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:DIRGER DOS IMPOSTOS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCA NORTE
Decisão:ADMITIR O RECURSO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL / REC REVISTA EXCEPC
Legislação Nacional:CPTA02 ART150
DL 21/2007 DE 2007/01/29 ART2 ART3 ART5
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC357/07 DE 2007/05/30; AC STA PROC295/09 DE 2009/05/20; AC STA PROC579/05 DE 2005/05/24
Referência a Doutrina:AROSO DE ALMEIDA O NOVO REGIME DE PROCRESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG323
AROSO DE ALMEIDA COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2005 PAG150
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… S.A., não se conformando com o acórdão do TCA Norte que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Penafiel que, por sua vez, julgou improcedente a Acção Administrativa Especial, por si intentada contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Paredes que indeferiu o pedido de emissão de certificado que lhe reconheça o direito de renúncia à isenção de IVA na transmissão onerosa de imóvel, ao abrigo do nº 5 do artº 12º do Código do IVA, dele vem, nos termos do artº 150º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) A questão decidenda subjacente ao presente recurso de revista pretende apreciar uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, bem como a admissão do presente recurso é necessária para uma melhor aplicação do Direito, nos termos acima invocados, nomeadamente, porque a questão tem utilidade jurídica e prática, ultrapassa os limites da situação singular, excede o grau comum de dificuldade e evidencia interesses comunitários, bem como a melhor aplicação do Direito deve resultar na possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do Direito;
b) Deste modo, podemos concluir que se encontra cumprido o critério qualitativo do artigo 150° do CPTA, segundo o qual torna-se necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para apreciar a presente questão decidenda com relevância jurídica de importância fundamental e utilidade prática, bem como para aplicar melhor o Direito, pelo que se encontra legitimado o presente recurso de revista;
c) No caso sub judice era obrigatória, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a audição prévia da Recorrente, dado que o fundamento que motivou a Decisão de indeferimento do pedido de renúncia à isenção do IVA não se revelou, por demais, como facto determinante e imperativo que pudesse «secar» potenciais argumentos e factos relevantes, agora de novo aduzidos, que permitissem alterar a sentido da Decisão;
d) Considerando que a aplicação informática não permite informar que se está perante uma situação de contratos simultâneos, nem que é possível formalizar manualmente o pedido de renúncia à isenção, o exercício do direito de audição permitiria à Recorrente informar que se estava perante a realização de contratos realizados em simultâneo e assim aplicar-se-ia o nº 3 do artigo 2° do RRIIVA, bem como invocar o teor do Ofício-circulado n.° 30099/2007, de 9 de Fevereiro, da DSIVA, influenciando claramente o destino da decisão;
e) Tal exercício revelar-se-ia ainda mais útil, pois, o próprio Chefe do Serviço de Finanças teve várias dúvidas sobre a própria aplicação informática, o que permitira o debate alargado sobre a matéria,
f) Pelo que, não tendo sido efectuada a audição prévia, se preteriu uma formalidade essencial do procedimento e, como tal, o Despacho aqui em crise encontra-se inquinado de tal ilegalidade, pelo que deverá ser anulado, com todas as consequências legais;
g) A posição do Tribunal a quo milita num erro de raciocínio ao considerar que, no caso de contratos realizados em simultâneo, o segundo transmitente possa, através da aplicação informática, encontrar-se na posse de um certificado prévio que demonstre a verificação da condição objectiva prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 2° do RRIIVA, quando a Recorrente já demonstrou que tal é impossível, sob pena de se denegar o próprio RRIIVA que prevê e permite a realização de contratos em simultâneo e obter, nesta lógica, o certificado prévio ou, pelo menos, dever ser suficiente o pedido desse certificado;
h) Deste modo, podemos concluir que a A…, na qualidade de segunda transmitente, ao ter solicitado o certificado para efeitos de renúncia, no caso de contratos realizados em simultâneo, deveria ser-lhe reconhecido o direito à renúncia, após a confirmação das condições objectivas e subjectivas, nos termos dos artigos 2°, 3° e 5°, todos do RRIIVA, pelo que actuou de acordo com o regime legal, bem como com a instrução administrativa do Ofício-circulado n.° 3009912007, de 9 de Fevereiro, da DSIVA;
i) Assim, é fácil concluir que o pedido de emissão do certificado de renúncia à isenção do IVA efectuado pela Recorrente e acima melhor referenciado não só foi tempestivo, como preenche todas as condições objectivas e subjectivas previstas no regime da renúncia à isenção do IVA nas operações relativas a bens imóveis, de acordo com a melhor interpretação do RRIIVA e da melhor aplicação do Direito, de modo a cumprirem-se os objectivos pretendidos e os direitos protegidos pelo RRIIVA, qual seja, a renúncia à isenção do IVA;
j) E, em consequência, o Despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Paredes aqui em crise padece do vício de violação de lei, por erro de aplicação nos pressupostos de direito e, por conseguinte, deve ser anulado, com todas as consequências legais, e substituído por outro que reconheça o direito à isenção do IVA, nos termos conjugados dos artigos 2°, 3° e 5°, todos do RRIIVA,
k) Bem como deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o douto Acórdão recorrido, com todas as consequências legais;
1) No presente litigio, caracterizado por um processo de direito público, onde se discute a aplicação do RRIIVA com influência num universo alargado de cidadãos e a violação de princípios basilares do Direito Fiscal, o Tribunal tem o dever de assumir um papel activo na interpretação e aplicação do Direito,
m) Pelo que pode e deve sindicar as decisões recorridas quanto à verificação da conformidade do Despacho de indeferimento em apreço com os princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, bem como com o princípio da neutralidade fiscal.
n) Assim, o Tribunal ad quem, num processo de direito público como o presente, tem o dever de sindicar o Despacho de indeferimento por violação do princípio da segurança jurídica e da confiança legítima, corolário do princípio da boa-fé (cfr. artigo 2° e n.° 2 do artigo 266°, ambos da CRP, artigo 6°-A do CPA e n.° 2 do artigo 59° da LGT), bem como do princípio da neutralidade (cfr. Directiva do IVA),
o) Bem como deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o douto Acórdão recorrido, com todas as consequências legais;
p) As expectativas criadas na esfera do contribuinte que ordenou a sua actividade de acordo com a posição sufragada no Ofício-circulado n.° 30099/2007, de 9 de Fevereiro, da DSIVA, carecem de protecção jurídica assegurada pelo princípio da segurança jurídica e da confiança legítima, corolário do princípio da boa-fé;
q) A Administração violou o princípio da boa fé, quando faltou à confiança que, fundamente, despertou na Recorrente, ao actuar em desconformidade com aquilo que, previsivelmente, fazia antever o seu comportamento anterior, ou seja, com o teor da instrução administrativa;
r) Assim, o Despacho de indeferimento em apreço violou o princípio da segurança e da confiança legítima, corolário do princípio da boa-fé (cfr. artigo 2° e nº 2 do artigo 266°, ambos da CRP, artigo 6°-A do CPA e nº 2 do artigo 59° da LGT), porquanto, a Administração Fiscal violou as orientações que tinha previamente definido, nas quais a Recorrente, com suporte na lei, agiu em conformidade, tendo conferido legítimas expectativas de que o certificado ficava pendente e, por conseguinte, deve ser anulado, com todas as consequências legais, o Despacho indeferimento aqui em crise do Chefe do Serviço de Finanças de Paredes e substituído por outro que reconheça o direito à renúncia à isenção do IVA,
s) Bem como deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o douto Acórdão recorrido, com todas as consequências legais;
t) A errónea interpretação que o Tribunal a quo faz do n.° 1 do artigo 5°, em conjugação com a alínea b) do n.° 1 do artigo 2° com o nº 2 do artigo 2°, todos do RRIIVA, impede o exercício do direito à dedução pela Recorrente e viola claramente o princípio comunitário da neutralidade fiscal do IVA;
u) Assim, o Despacho de indeferimento aqui em crise violou o princípio da neutralidade fiscal e, por conseguinte, impediu o exercício do direito à dedução do IVA (cfr. artigo 167° da Directiva do IVA e artigos 19° e ss. do Código do IVA), porquanto a aplicação informática não permite ao sujeito passivo obter a renúncia à isenção do IVA, no caso de contratos realizados em simultâneo, e a aplicação que a Administração Fiscal e o Tribunal a quo fazem do Direito não é conforme ao princípio da neutralidade fiscal, e, por conseguinte, deve ser anulado, com todas as consequências legais, o Despacho indeferimento aqui em crise do Chefe do Serviço de Finanças de Paredes e substituído por outro que reconheça o direito à renúncia à isenção do IVA,
v) Bem como deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o douto Acórdão recorrido, com todas as consequências legais;
w) Se assim não se entender, e sem prescindir,
x) O n.° 3 do artigo 11º da LGT não se refere à interpretação dos termos próprios de outros ramos do Direito, como sugere o douto Acórdão recorrido mas sim, como expressamente o diz, às normas de incidência;
y) Assim, persistindo dúvidas sobre o sentido das normas de incidência aqui em crise, deve atender-se à substância económica dos factos tributários, e, por conseguinte, considerando-se que se encontram preenchidos integralmente todos os requisitos objectivos e subjectivos, e demonstrada que está a titularidade da propriedade do imóvel no segundo transmitente, dever-se-á aplicar o RRIIVA e assim a Recorrente beneficiar da renúncia à isenção;
z) As normas dos artigos 2° e 3°, ambos do RRIIVA, constituem normas de incidência, na medida em que determinam os requisitos objectivos e subjectivos do RRIIVA, influenciando o campo de incidência do imposto;
aa) Deste modo, podemos concluir que o Despacho de indeferimento em apreço violou o princípio da prevalência da substância sob a forma (cfr. n.° 3 do artigo 11° da LGT), porquanto, a Recorrente ao cumprir todos os requisitos substanciais para o direito à renúncia à isenção do IVA legitima que se reconheça a legitimidade do seu direito, e, por conseguinte, deve ser anulado, com todas as consequências legais, o Despacho indeferimento aqui em crise do Chefe do Serviço de Finanças de Paredes e substituído por outro que reconheça o direito à renúncia à isenção do IVA;
bb) Bem como deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o douto Acórdão recorrido, com todas as consequências legais.
PEDIDO
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado precedente, revogando o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro em que seja julgado totalmente procedente o pedido de:
a) Ordenar a anulação do Despacho de 8 de Agosto de 2007, do Chefe do Serviço de Finanças de Paredes, alegadamente exarado na aplicação informática que suporta o RRIIVA, com todas as consequências legais que daí derivam, porquanto no caso sub judice era obrigatória, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 60º da LGT, a audição prévia da Recorrente, pelo que, não tendo sido efectuada, se preteriu uma formalidade essencial do procedimento, e, consequentemente, deverá considerar-se que houve um vício de violação da lei; ou, se assim não se entender, e sem prescindir,
b) Ordenar a anulação do Despacho de 8 de Agosto de 2007, do Chefe do Serviço de Finanças de Paredes, alegadamente exarado na aplicação informática que suporta o RRIIVA, com todas as consequências legais que daí derivam, porquanto o mesmo padece de um vício de violação da lei por erro nos pressupostos de direito, e a consequente condenação à emissão de certificado que reconheça o direito à renúncia à isenção de IVA na transmissão onerosa do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Paredes, sob o artigo 3172, ao abrigo do n.° 5 do artigo 12° do Código do IVA e do regime de renúncia à isenção de IVA nas operações relativas a bens imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 21/2007,
de 29 de Janeiro, já que o correspondente pedido foi tempestivo e de acordo com o regime legal enunciado. Pois só assim se fará inteira e sã JUSTIÇA!”
A Fazenda Pública contra-alegou, vindo a concluir nos seguintes termos:
“a) Ao colocar-se numa esfera de ilegalidade efectuando a segunda escritura de compra e Venda sem deter um certificado de renúncia ao IVA válido, não deve ser admitido o recurso de revista por não cumprir com os pressupostos inscritos no art°. 150º do CPTA, não sendo, deste modo, a questão a submeter a juízo, de utilidade prática com ultrapassagem dos limites do caso singular, nem excede o grau comum de dificuldade, nem evidencia interesses comunitários e nem contribui para uma melhor aplicação do direito;
b) Estando concretizada a segunda escritura sem existir a posse válida de um certificado de renúncia, não poderia conceder-se o direito de audição sobre um pretenso indeferimento, se se sabia, com base na lei, que o exercício da renúncia à isenção era ineficaz e como tal, nunca poderia produzir efeitos, pelo que tal formalidade sempre se degradaria em não essencial, dando oportunidade à aplicação do princípio do aproveitamento dos actos jurídicos, termos em que se não praticou qualquer preterição de formalidade essencial;
c) A posse válida de um certificado de renúncia para o segundo contrato sempre seria possível, no caso concreto dos autos, por o seu pedido ter sido efectuado em momentos distintos (em Julho de 2007, para o primeiro contrato e em 01 de Agosto do mesmo ano, para o segundo) como resulta do probatório, dada a possibilidade legal de existência de uma tramitação manual do procedimento de renúncia a par do procedimento por via electrónica que permitiria sempre a posse válida de um segundo certificado de renúncia;
d) A aplicação informática não é a monopolizadora do procedimento de renúncia à isenção do IVA sendo compatível com a tramitação manual, caso em que a informação disponível naquela aplicação referirá a situação de pendente, pelo que a realização de contratos em simultâneo é compatível com a posse de certificados de renúncia válidos à data da realização das respectivas escrituras de modo a tornar eficaz o exercício da renúncia à isenção;
e) À míngua de uma dúvida relacionada com termos próprios de outros ramos do direito, que não se revelam no caso dos autos, não tem aplicação o principio de prevalência da substância sobre a forma porque tal só ocorre nos caos de interligação entre os números 2 e 3 do artigo 11° da LGT;
f) Demonstrada a compatibilidade da lei com a realidade no que toca à concessão de certificados de renúncia nas situações de contratos em simultâneo que o ofício circulado n°. 30099, de 09.02.2007, contempla, não está a A. Fiscal a desprezar o princípio da segurança jurídica e da confiança;
g) Nem a sentença, nem a decisão administrativa nem a aplicação informática formulam ou veiculam uma interpretação do RRIVA denegadora do princípio da neutralidade fiscal em matéria de IVA;
Termos em que o recurso de revista não deve ser admitido por falta de pressupostos, e se for admitido não deve ser julgado procedente, mantendo-se a decisão de primeira instância, confirmada pelo acórdão do TCA Norte.
O Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
“Não resultando claro a que disposições se refere o recorrente - defende-se a violação do disposto na al. b) do art. 5.° n.° 1 em conjugação com a al. b) dos n.°s 1 e 2 do art. 2.° com o n.° 2 do art. 2.°, conforme se refere na conclusão t) das alegações, com referência ao RIIVA - parece ser, antes de mais, de convidar o recorrente a suprir essa deficiência.
*
O certo “mito” a que a Fazenda Pública se refere parece não ser mais do que a interpretação efectuada no douto acórdão recorrido.
Esta vai no sentido da sua obtenção ter de anteceder a celebração da segunda escritura o que parece corresponder ao decidido (fls. 228), e que parece relevantemente ser ainda de apreciar se ocorreu ou não erroneamente, a vir a ser suprida aquela deficiência.
Com efeito, poderá ser de verificar então que a melhor interpretação de direito no caso de se pretender obter o reconhecimento da renúncia a isenção de I.V.A. em contratos que sejam celebrados em simultâneo, nos termos do art. 5.° n.° 1 do C.I.V.A., é de molde a preencher os requisitos previstos no art. 150.° n.°s 1 e
2 do C.P.T.A..”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – O acórdão recorrido deu por assente a seguinte factualidade:
A) Por escritura pública de alteração de contrato e compra e venda em final de leasing exarada em 02/08/2007, de folhas 132 a 134 verso, do livro n.° 170, do cartório Notarial de B…, sito à Rua de …, n.° …, …, no Porto, Banco Invest, SA, pessoa colectiva n.° 503 824 810, vendeu a A…, SA, o prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, para indústria de mobiliário, e logradouro, sito na Rua …, n.° …, freguesia de …, concelho de Paredes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número dois mil duzentos e trinta e seis, da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo 3172 (fls. 24 a 30);
B) Nesta escritura ficou consignado que esta venda, de acordo com o artº 12.° do código do IVA e em conformidade com o Certificado de Renúncia à isenção emitido em trinta e um de Julho passado, pelo Segundo Serviço de Finanças de Lisboa, está sujeita a Imposto sobre o Valor Acrescentado à taxa normal, o qual fica a cargo da sociedade compradora (fls. 24 a 30);
C) O certificado de renúncia à isenção do IVA referido em B), ficou arquivado no cartório notarial (fls. 29);
D) O certificado de renúncia à isenção do IVA na transmissão de bem imóvel, do prédio inscrito no artigo 3172, da freguesia de …, do Banco Invest, SA, para A…, SA, pelo valor de 1.199.799,58Euros, foi emitido em 31/07/2007 (fls. 36);
E) Por escritura pública de compra e venda exarada em 02/08/2007, de folhas 140 a 141 verso, do livro n.° 170, do Cartório Notarial de B…, sito à Rua de …, n.° …, …, no Porto, A…, SA, vendeu a C…, Ld.a, pessoa colectiva n.° …, o prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, para indústria de mobiliário, e logradouro, sito na Rua …, n.° …, freguesia de …, concelho de Paredes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o número dois mil duzentos e trinta e seis, da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo 3172 (fls. 31 a 35);
9 Em 01/08/2007 a autora fez um pedido de declaração electrónica de certificado de renúncia à isenção do IVA na transmissão de bem imóvel, relativo ao prédio inscrito no artigo 3172, da freguesia de …, do concelho de Paredes, para C…, Ld.a, pelo valor de 2.350.000,00 € (fls. 37 e 50);
G) Sobre o pedido referido em 9 foi proferido, na mesma aplicação informática, em 08/08/2007, o seguinte despacho: «O acto gerador verificou-se a 02/08/2007, com a escritura lavrada no C. Not. de B…, sito na R. …, … — …. — Porto, a fls. 141-v°, do livro 170, pelo que indefiro o pedido» (fls. 49 a 51);
H) Este despacho ficou disponível para consulta da autora desde 08/08/2007 (fls. 49);
I) O despacho referido em G) foi notificado à autora em 23/06/2008 (fls. 49); e
J) A acção administrativa especial foi intentada em 02/09/2008 (fls. 2).
3 – Desde logo, importa referir que, muito embora a recorrente não tenha formulado, nas conclusões da sua motivação do recurso, uma alínea em que indique, expressamente, quais as normas que considera violadas, o certo é que ao longo das suas alegações essa referência é clara e perfeitamente entendível, como resulta da sua leitura.
Assim sendo, não se atende o “convite” sugerido pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto na primeira parte do seu parecer.
Posto isto, passemos, então, à apreciação do recurso.
4 – De acordo com a jurisprudência pacífica e reiterada desta Secção do STA, o recurso de revista excepcional, previsto no artº 150º do CPTA, é admissível no âmbito do contencioso tributário, tendo em conta, designadamente, o princípio pro actione.
Assim, estabelece o predito artigo que “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no seu n.º 5.
Por outro lado, tem vindo este Supremo Tribunal Administrativo a acentuar, repetidamente, que “quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva” (vide Acórdão desta Secção do STA de 24/5/05, in rec. nº 579/05).
“Na mesma orientação, refere Mário Aroso, que “não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios”, cabendo ao STA “dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema”.
Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.
O artigo 150.º do CPTA tem, desde logo, como primeiro pressuposto, a importância fundamental da questão por virtude da sua relevância jurídica ou social.
E, como se assinala no citado aresto, a relevância jurídica “não é uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista”; e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular.
Por outro lado, “a melhor aplicação do direito” há-de resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito” (Acórdão desta Secção do STA de 20/5/09, in rec. nº 295/09).
Como se refere no Acórdão desta Secção do STA de 30/5/07, rec. n.º 0357/07:
“(…) o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses. Em primeira linha, o que se visa é submeter à apreciação do tribunal de revista excepcional a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, tenha importância fundamental; ou permitir a pronúncia desse mesmo tribunal quando ela seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Ora, estamos em crer que tais requisitos estão presentes no que à questão de fundo que vem suscitada pela recorrente diz respeito. Esta consiste em saber se nas operações relativas a bens imóveis, concretamente na celebração de contratos simultâneos, aquando da celebração do segundo contrato e para efeito de renúncia de isenção de IVA, o segundo transmitente, no momento em que celebra o segundo contrato simultâneo de compra e venda deve encontrar-se na posse do certificado válido de renúncia à isenção de IVA ou se é suficiente o pedido de declaração electrónica desse certificado de renúncia, o qual já havia sido feito, tudo isto após a confirmação das condições objectivas e subjectivas previstas nos artºs 2º, 3º e 5º do Regime de renúncia à isenção de IVA (RRIIVA), aprovado pelo Decreto-lei nº 21/2007 de 29/1, sendo certo que o facto da aplicação informática não permitir informar que se está perante contratos simultâneos, nem tão pouco autorizar o exercício do direito de audição prévia, impede que a mesma aplicação informática cumpra com o disposto no artº 2º, nº 3 do predito Decreto-lei e que aquele actuou de acordo com a instrução administrativa do Ofício-circulado nº 300/99 de 9/2.
A esse respeito, concluiu-se no acórdão recorrido que a validade da isenção depende da posse do respectivo certificado antes da realização da segunda escritura de transmissão.
“Com efeito, decorre da lei que a validade da isenção depende da posse do respectivo certificado no momento da celebração do contrato e não do mero pedido da respectiva emissão.
Assim, uma vez deduzido o pedido de emissão do certificado, a Recorrente deveria ter aguardado pela sua emissão antes da realização da segunda escritura de transmissão”.
5 – Ora, na verdade e como se vê, encontramo-nos, de facto, perante uma matéria que suscita fundadas dúvidas, gerando incerteza e instabilidade na resolução do litígio, bem como na resolução das questões que lhe são colaterais e que vêm invocadas na motivação do presente recurso.
Ora, essa instabilidade é de molde a justificar a requerida revista para melhor aplicação do direito.
Por outro lado, há que ter em conta a importância fundamental da questão por virtude da sua relevância jurídica, que não é uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas uma relevância prática que tem como ponto obrigatório de referência o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular.
Por último, trata-se igualmente de uma questão que, pela sua prática ou frequência, é susceptível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, o que justifica, também, a revista em termos de garantia de uniformização do direito.
Pelo que se crê dever o presente recurso prosseguir.
6 – Nestes termos, considerando estarem preenchidos os pressupostos a que se refere o artº 150º do CPTA, acorda-se em admitir o recurso.
Custas pela Fazenda Pública que contra-alegou, fixando-se a procuradoria de 1/8.
Lisboa, 19 de Outubro de 2011. - Pimenta do Vale (relator) - António Calhau - Valente Torrão.