Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:083/15.9BALSB
Data do Acordão:11/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
LEGALIDADE
OBJECTO
DECISÃO ARBITRAL
Sumário:Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA que o objecto do recurso excepcional de revista são decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, e não outras, designadamente decisões arbitrais, que nem são proferidas em segunda instância, nem o são pelo TCA, ainda que possam ser colegiais e que delas não caiba, em regra, recurso ordinário.
Nº Convencional:JSTA000P23792
Nº do Documento:SA220181107083/15
Data de Entrada:01/23/2015
Recorrente:A...................., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: - Relatório -
Acorda a formação a que se refere o n.º 5 do artigo 150.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA):

1. A………………….., S.A., com os sinais dos autos, notificada da decisão arbitral de 9 de Dezembro de 2014, que lhe indeferiu o pedido de anulação da liquidação de IRC sindicada nos autos de pronúncia arbitral n.º 87/2014-T, dela veio interpor para este Supremo Tribunal Administrativo recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, alegadamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), ou subsidiariamente, recurso por oposição de julgados, para o Pleno da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT.

Conclui a sua alegação de recurso, no que ao recurso de revista respeita, nos seguintes termos:

1. QUANTO À SUSCETIBILIDADE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE REVISTA PREVISTO NO ARTIGO 150.º DO CPTA:

I. Ao RJAT é subsidiariamente aplicável o regime do recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA, que encontra o seu fundamento na função “orientadora” da jurisprudência que cabe aos Tribunais Supremos, conferindo-se, deste modo, coerência e coesão a um corpo jurisprudencial denso e complexo que tenderia, naturalmente, para a desagregação.

II. O recurso de revista previsto no artigo 150.º do CPTA não podia prever expressamente a possibilidade de interposição de recurso de uma decisão arbitral, uma vez que, à data em que foi aprovado o CPTA, não tinha ainda sido criada a arbitragem tributária, a funcionar junto do Centro de Arbitragem Administrativa.

III. Para além disso, atentos os fundamentos do recurso de revista das decisões dos Tribunais Centrais Administrativos, o espírito subjacente a estes implica que, por interpretação extensiva, sejam igualmente abrangidas pelo artigo 150.º do CPTA as decisões arbitrais proferidas pelo Centro de arbitragem administrativa.

a. Desde logo porque, à semelhança das decisões proferidas pelos Tribunais Centrais administrativos, as decisões arbitrais não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário.

b. A jurisprudência dos tribunais arbitrais a funcionar junto do Centro de Arbitragem Administrativa tem hoje um papel fundamental no desenvolvimento do direito e da justiça tributária.

c. Os tribunais arbitrais são uma categoria de tribunal, sendo considerados órgãos jurisdicionais pela Lei e, também, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, pelo que as suas decisões produzem um impacto no sistema de justiça tributário não inferior ao de uma decisão proferida no âmbito de um tribunal administrativo e fiscal.

d. O desfasamento temporal das decisões proferidas pelos tribunais arbitrais a funcionar junto do Centro de Arbitragem Administrativa, face às decisões transitadas em julgado dos tribunais administrativos e fiscais (em especial, dos Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo), levou a que os referidos tribunais arbitrais estejam a produzir decisões sobre matérias inovadoras sobre as quais os tribunais administrativos e fiscais superiores só se pronunciarão dentro de alguns anos.

IV. A questão em causa apresenta “elevada relevância jurídica” dada a complexidade exegética do artigo 23.º do Código do IRC, resultante dos conceitos indeterminados nele ínsitos bem como da complexidade das operações societárias em causa. Tal complexidade e relevância são, aliás, demonstradas pela existência de jurisprudencial arbitral contraditória quanto a esta matéria.

V. Igualmente, demonstra-se necessária uma “melhor aplicação do direito” dado que o interesse na decisão da causa extravasa largamente a esfera jurídica da recorrente e que a questão controvertida apresenta contornos inovadores que justificam, em pleno, a intervenção do Supremo tribunal administrativo, no exercício do seu papel de “orientação e conformação” da jurisprudência.

VI. Entende, assim, a recorrente que estão reunidos os pressupostos processuais para se considerar preenchidos os fundamentos para a interposição de recurso de revista, nos termos previstos no artigo 150.º do CPTA.

(…)

Juntou consulta escrita do Senhor Prof. Doutor Rui Duarte Morais, sob o título “Sobre a admissibilidade, de “jure constituto”, do recurso para uniformização da jurisprudência e do recurso (excecional) de revista de decisões arbitrais (CAAD) em matéria tributária (fls. 450 a 472 dos autos).

2. Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos quanto à (in)admissibilidade do recurso de revista:

A. A recorrente inconformada com a decisão arbitral impugnou a decisão arbitral ora proferida para o Tribunal Central Administrativo Sul e veio simultaneamente interpor um recurso de revista excepcional nos termos do artigo 150.º do CPTA e subsidiariamente um Recurso por Oposição de Julgados para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT.

B. Assim, e tendo em conta que a mera susceptibilidade da procedência da impugnação que corre termos no TCASUL determina a eliminação da ordem jurídica do objecto do recurso, requer-se ao abrigo do disposto nos arts. 276.º, n.º 1, al. c) e 279.º n.º 1 , do Código de Processo Civil, a suspensão da instância de recurso até ao trânsito em julgado do acórdão a proferir na impugnação.

C. Quanto à admissibilidade do Recurso de Revista no âmbito de uma decisão arbitral, in casu, não só a decisão proferida não goza de um 2.º grau de jurisdição, conforme determina a primeira parte do artigo 150.º n.º 1 do CPTA, como igualmente não foi proferida pelo Tribunal Central Administrativo.

D. É que o mero facto do CPTA ser subsidiariamente aplicável ao RJAT, não justifica per si a admissibilidade de Recursos de revista excepcional;

E. Partindo do mesmo raciocínio lógico, e admitir o carácter subsidiário do CPTA para efeitos de Recurso no âmbito do RJAT, teríamos que observar, prima facie o regime de recursos constante do CPPT, por ser este o diploma legal aplicável, aos recursos em matéria tributária, conforme dispõe os artigos 280.º e ss.

F. Ou seja, admitir-se um recurso de Revista Excepcional nos termos do artigo 150.º CPTA, tendo como fundamento a subsidiariedade, permitirá a recorribilidade de mérito das decisões arbitrais de acordo com o artigo 280.º n.º 1 do CPPT porquanto este é em primeira linha subsidiariamente aplicável ao RJAT, de acordo com o artigo 29.º n.º 1 alínea a) do RJAT.

G. Se assim não for estar-se-á a desvirtuar a coerência lógica do sistema e as mais elementares regras interpretativas.

H. Por outro lado, também se afigura ilógica a argumentação da Recorrente de vir demonstrar que o artigo 150.º do CPTA não podia prever expressamente a possibilidade de recurso de uma decisão arbitral, uma vez que à data não tinha sido criada a arbitragem tributária.

I. Isto porque, se o CPTA não podia prever a possibilidade de recurso de revista excepcional das decisões arbitrais, já o RJAT podia prever o recurso de revista constante do artigo 150.º do CPTA, conforme o fez para o Recurso de oposição de acórdãos introduzido no artigo 25.º do RJAT.

J. Com efeito, é manifestamente inadmissível o recurso de revista excepcional interposto nos termos do artigo 150.º n.º 1 do CPTA por ausência de norma legal que o permita.

K. Sem conceder, também não se encontram verificados os fundamentos de admissibilidade do Recurso de Revista excepcional.

L. A excepcionalidade do recurso de revista excepcional constitui uma “válvula de segurança do sistema” onde só é admissível se estivermos perante questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

M. Indispensabilidade dos custos nos termos do artigo 23.º, não revela complexidade jurídica tendo em conta a panóplia de jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos e do douto Supremo Tribunal Administrativo e de doutrina.

N. É que inclusivamente sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros e no que concerne ao momento temporal de aferição da indispensabilidade dos custos, já o Tribunal Constitucional se pronunciou no âmbito do processo n.º 42/2014, assim como relativamente ao nexo de causalidade a efectuar entre os custos em causa e a sua realização no interesse da empresa é ampla a jurisprudência, constante aliás da mui bem fundamentada decisão arbitral.

O. Quanto à relevância social, mais uma vez se desconhece em que termos possa existir uma replicação ou transmissibilidade interpretativa do caso concreto da Recorrente (que a própria denomina de complexo, nos pontos a outros sujeitos passivos, que justifique o carácter de excepcionalidade do recurso de revista.

P. É que admitindo hipoteticamente tal pretensão, e tendo o recurso de revista um carácter excepcional, estar-se-á a convolar a excepção na regra e a trivializar um meio de Recurso que constitui “última válvula do sistema”.

Q. Por outro lado, a decisão fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, bem como fez um correcto julgamento e uma correcta apreciação de toda a prova existente, pelo que não se encontra verificada a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

R. Com efeito este pressuposto de admissibilidade do recurso de revista, não se encontra preenchido.

(…)

3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 487/488 dos autos, no sentido do indeferimento da requerida (pela recorrida) suspensão da instância e da inadmissibilidade legal do recurso, nos seguintes termos quanto a esta segunda questão:

(…)

Em inteira concordância com a entidade recorrida entendemos que não é admissível recurso excepcional de revista (artigo 150.º do CPTA) de decisão arbitral tributária.

De facto, nos termos do disposto no disposto no artigo 150.º do CPTA das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista verificados os pressupostos ali referidos.

Ora, é insofismável que o Tribunal Arbitral não é um TCA nem a decisão por aquele proferida o foi em 2.ª instância.

A aplicação subsidiária do CPTA (artigo 29.º/1/c) do RJAT) não pode fundamentar, nem fundamenta a nosso ver, a admissibilidade da revista excepcional.

A ser assim, como bem refere a recorrida, uma vez que o CPPT também é aplicável, subsidiariamente (artigo 29.º/1/a) do RJAT) poderia ser de sustentar a recorribilidade das decisões arbitrais nos termos do estatuído no artigo 280.º/1 do CPPT.

Também, o argumento utilizado pela recorrente, no sentido da admissibilidade da revista, de que o CPTA não podia prever a possibilidade de recurso de revista excepcional das decisões arbitrais, a nosso ver não tem apoio legal, pois que, além do CPTA, nos artigos 180.º a 187.º já prever a constituição de tribunais arbitrais, parece certo que, se o legislador assim o pretendesse o RJAT poderia prever tal revista.

Por outro lado, resulta do preâmbulo do DL 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o RJAT, a regra geral da irrecorribilidade das decisões arbitrais.

Tal regra decorre da própria Lei de autorização legislativa (artigo 124.º/h) da Lei n.º 3-B/2010, de 20 de Abril).

Não obstante, de jure condito, da decisão arbitral cabe recurso para o TC ou STA, nos termos do estatuído no artigo 25.º do RJAT.

Cabe, ainda, impugnação da decisão arbitral nos termos do disposto nos artigos 27.º e 28.º do RJAT.

No caso em que o Tribunal Arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é susceptível de reenvio prejudicial em cumprimento do estatuído no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da união Europeia.

Parece, pois, que não é admissível recurso excepcional de revista de decisão arbitral tributária.

Termos em que, por legalmente inadmissível, não deve ser admitida a revista.

As partes foram notificadas do parecer do Ministério Público (fls. 489 a 491 dos autos) e nada vieram dizer.

4. Por despacho de 17 de Junho de 2015 – a fls. 493 a 495 dos autos – a Relatora determinou, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º, n.º 1, alínea c) e 279.º do Código de Processo Civil, a suspensão da instância até ao trânsito em julgado do acórdão a proferir pelo TCA Sul sobre a impugnação da decisão arbitral também objecto do presente recurso.

5. Em 16 de Julho de 2018, em resposta a ofício deste STA, o Tribunal Central Administrativo veio informar que fora proferido Acórdão nos autos de Impugnação de decisão arbitral n.º 08328/15, no sentido da improcedência da impugnação da decisão arbitral, enviando cópia do acórdão e informando que este já transitara em julgado, (fls. 519 a 550 dos autos).

Em 23 de Agosto último, a recorrente veio também juntar aos autos o acórdão proferido pelo TCA-Sul.

6. Por despacho de 12 de Setembro último, a Relatora determinou a cessação da suspensão da instância determinada pelo despacho supra referido em (4) e determinou que fossem colhidos os vistos dos Senhores Conselheiros Adjuntos (fls. 604 dos autos).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

7 – Apreciando.

7.1 Da inadmissibilidade de recurso excepcional de revista de decisão arbitral tributária

Dispõe o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”, que Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Decorre expressa e inequivocamente do transcrito preceito legal que o objecto do recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA são decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, e não outras, designadamente decisões arbitrais, que nem são proferidas em segunda instância, nem o são pelo TCA, ainda que possam ser colegiais e que delas não caiba, em regra, recurso ordinário.

Pretende a recorrente que o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT - ao estabelecer que São de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza dos casos omissos, as normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários -, constitui base legal suficiente para que se possa entender poder caber recurso excepcional de revista de decisões arbitrais.

Sucede que nem a letra da lei consente tal interpretação, nem parece que tal recurso tenha sido ou seja querido ou desejado pelo legislador, sequer que caiba ao STA admitir recursos de decisões arbitrais que a lei não contempla, quando o legislador, expressa e inequivocamente acolheu como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais - cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, ao abrigo da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, cuja alínea h) do seu n.º 4 estabelece igualmente A consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral.

Perante a manifesta e inequívoca vontade do legislador de consagrar como regra a da irrecorribilidade da decisão arbitral, não se vê como curial, adequado ou sequer possível sem quebra da legalidade, que, por mera via jurisprudencial, em substituição do legislador, o STA possa admitir recurso de revista excepcional de decisões arbitrais, por mais que a recorrente invoque a necessidade da revista dada a “elevada relevância jurídica” da questão a decidir ou a necessidade do recurso “para melhor aplicação do direito”.

O recurso de revista não será, pois, admitido, por inadmissibilidade legal do seu objecto.

Tendo o recurso sido, subsidiariamente, interposto como recurso por oposição de julgados, para o Pleno da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, após trânsito remeta à Secção Central para distribuição como tal.


- Decisão -

8 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso, por impossibilidade legal do seu objecto, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.


Custas pela recorrente.

Lisboa, 7 de Novembro de 2018. - Isabel Marques da Silva (relatora) - António Pimpão - Dulce Neto.