Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0918/15
Data do Acordão:11/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CUSTAS
ISENÇÃO
PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
Sumário:I - Em sede de oposição à execução fiscal, beneficia da isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento das Custas Processuais a sociedade oponente que esteja sujeita a um Plano Especial de Revitalização (PER).
II - O PER, que tem como finalidade permitir aos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou situação de insolvência iminente, mas que sejam passíveis de recuperação, negociar com os seus credores e obter um acordo judicialmente homologado e eficaz para com todos os seus credores, constitui um processo de recuperação de empresa para os efeitos previsto no referido preceito legal.
Nº Convencional:JSTA000P19718
Nº do Documento:SA2201511180918
Data de Entrada:07/13/2015
Recorrente:A........,LDA.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de despacho proferido no processo de oposição à execução fiscal com o n.º 1234/15.9BEBRG

1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade denominada “A………., Lda.” (a seguir Oponente ou Recorrente) recorre para este Supremo Tribunal Administrativo do despacho por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, considerando que aquela sociedade não beneficiava de isenção de custas na oposição à execução fiscal que deduziu, lhe ordenou que comprovasse nos autos a concessão de protecção jurídica (na modalidade de dispensa do pagamento de custas) ou o pagamento da taxa de justiça, sob pena de não recebimento da oposição.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, apresentou a Recorrente as respectivas alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor ( Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1- Em 11 de Maio foi a Recorrente notificada da decisão proferida pelo Tribunal a quo de indeferimento do pedido de isenção de custas na qual alega que o conceito de Plano Especial de Revitalização, previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE, não se integra na situação de “(...) processo de recuperação de empresa (…)” consagrado no artigo 4.º, n.º 1, u) do Regulamento das Custas Processuais.

2- Pelo que o presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito nos termos das disposições conjugadas dos artigos 280.º, n.º 1, in fine do CPPT e 26.º, b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mormente no que respeita à interpretação da norma contida no artigo 4.º, n.º 1, u) do Regulamento das Custas Processuais e a sua aplicabilidade ao Processo Especial de Revitalização. Isto posto,

3- Veio a Recorrente apresentar oposição à execução alegando, como questão prévia, a isenção do pagamento de custas judiciais, com fundamento no artigo 4.º, n.º 1, alínea u) do Regulamento das Custas Processuais

4- Ora, por despacho notificado à Recorrente em 11 de Maio de 2015, veio o Digníssimo Juiz do Tribunal a quo indeferir o pedido da Recorrente, alegando que o processo de revitalização consubstancia “(…) situação não abrangida pela isenção descrita (...)”.

5- Ora, não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento pois que, ocorre manifesto erro na interpretação da norma aplicável, porquanto, confunde o Tribunal a quo conceitos e condições, ao considerar erradamente que o processo de revitalização não se enquadra na situação de “recuperação da empresa”.

6- Senão vejamos, o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização e recuperação.

7- Ora, está o devedor em implementação dos planos acordados impondo-se o pagamento de verbas avultadas para regularização, pelo que, as taxas de justiça devidas pelas intervenções processuais da Recorrente nos processos em que é demandada constituem uma despesa para o qual os cofres da empresa não estavam preparados.

8- A agravar, a Recorrente encontra-se impedida de efectuar outros pagamentos, que não sejam os expressamente previstos no plano, sob pena de violar o princípio da igualdade dos credores (cf. artigo 194.º do CIRE).

9- Não obstante, certo é que, contrariamente ao alegado pelo Tribunal a quo, o Plano de Revitalização mais não é do que um plano de recuperação (vide neste sentido art 17.º-A, n.º 1 do CIRE)

10- Sendo que, mantêm-se à data os pressupostos que determinaram a apresentação da Recorrente ao processo especial de revitalização, permanecendo pois em “situação económica difícil”.

11- Aliás, este mesmo direito – a litigar com isenção de custas – foi já determinado no âmbito de outros processos judiciais (cf. sentença proferida pelo 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar no âmbito do processo n.º 3573/12.1TBGDM a propósito de uma acção executiva) e defendido nos Tribunais Superiores (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 23-03-2015 e disponível em www.dgsi.pt).

12- Acresce ainda que, vem o Tribunal a quo a alegar que a Recorrente não pode beneficiar de isenção de custas afirmando que “(...) tanto mais que na revitalização as custas ficam a cargo da devedora (…)”.

13- Ora, sucede que, também no âmbito do processo de insolvência, as custas do processo ficam a cargo da insolvente (vide artigo 304.º do CIRE), não obstante beneficiar de isenção de custas nos restantes processos, pelo que, também a analogia interpretativa efectuada pelo Tribunal a quo padece de erro. Ademais,

14- O despacho proferido pelo Tribunal a quo além de violar a norma prevista no artigo 4.º, n.º 1, al. u), viola a Lei Fundamental, põe em causa o acesso ao direito pela Recorrente, direito constitucionalmente protegido pelo artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

15- Certo é que, persiste, e não pode ser ignorada a necessidade de a sociedade Recorrente estar isenta de custas processuais, por não deter capacidade financeira para garantir e suportar esse mesmo custo, pelo que, andou mal o Tribunal a quo ao concluir que tratando-se de processo especial de revitalização, não estava abrangida pela isenção de custas.

16- Face ao exposto, deve o despacho proferido ser revogado por violação do artigo 4.º, n.º 1, al. u) do RCP e do artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República, o que se requer.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis que V/Exas. mui doutamente suprirão, deverá ser revogado o despacho proferido, sendo o mesmo substituído por despacho que declare a isenção de custas da ora recorrente, assim se fazendo, como se crê que fará, a costumada Justiça!».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.

1.4 Não foram apresentadas contra alegações.

1.5 Instruído o recurso com as peças processuais tidas por relevantes, foi remetido a este Supremo Tribunal Administrativo.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto, que enunciou a questão a dirimir como sendo a de «saber se o processo especial de revitalização é ou não um plano de recuperação de empresa» emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] O processo especial de revitalização, introduzido no CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, destina-se a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º- I do CIRE.
Da análise do regime legal consagrado, resulta estarmos perante um processo de negociação entre credores e devedor, mediado e participado pelo administrador judicial provisório nomeado (cfr. n.º 9 do art. 17.º-D) e, apesar da preponderância atribuída aos credores, concluídas as negociações o plano carece de homologação judicial (art. 17.º-F, n.ºs 1 e 2 do CIRE), altura em que o juiz deve aferir da conformidade legal das medidas aprovadas.
A propósito do regime de insolvência consagrado no CIRE, Catarina Serra, in o “Regime Português da Insolvência”, 5.ª edição, revista e actualizada à luz da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, e do DL. n.º 178/2012, de 3 de Agosto, na pág. 21, tece as seguintes considerações:
No Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL. n.º 53/2004, de 18 de Março foi-se mais longe e, numa fase inicial, eliminou-se o primado da recuperação. Por este motivo, ainda em Projecto, o CIRE suscitou críticas cerradas. Mas não ficaram por aqui as novidades. Além disto, eliminou-se o próprio processo de recuperação. Conforme resulta, ainda hoje (i.e., depois de todas as alterações legislativas), claramente do n.º 1 do art. 1.º a recuperação de empresas insolventes é apenas uma das finalidades do processo de insolvência, em alternativa à liquidação...”.
E mais adiante, pág. 33: “A grande novidade do CIRE é a supressão da dicotomia recuperação/falência [cfr. ponto 7. do Relatório do Diploma Preambular que aprovou o CIRE (DL. n.º 53/2004, de 18 de Março)]. O processo de insolvência é agora um processo único. Caracteriza-se por uma tramitação supletiva baseada na liquidação do património do devedor, existindo a possibilidade de os credores aprovarem um plano de insolvência (cfr. arts. 192. º e segs.), com o fim de prover à realização da liquidação em moldes distintos ou de recuperar a empresa. Mais precisamente, a lei define o processo de insolvência como um processo de execução universal com a finalidade de liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, mas admite que a satisfação dos credores venha a realizar-se por (outras) formas previstas num plano de insolvência, que pode, nomeadamente, passar pela recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (cfr. art. 1.º n.º 1). Em suma, o processo de insolvência é um processo de liquidação e o plano de insolvência é o único mecanismo que pode ter como fim a recuperação da empresa insolvente [cfr. art. 1.º, n.º 1, e art. l95.º, n.º 2, al. b)].
E como se deixou exarado no acórdão do STJ de 25/03/2014 (processo n.º 6148/12.1TBBRG, disponível no site www.dgsi.pt) “sucede que depois da Reforma de 2012 [efectuada pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril], o CIRE mudou de paradigma, tendo agora, como desiderato principal, a recuperação, a revitalização da empresa em estado de pré-insolvência, relegando para segundo plano o que antes era o objectivo precípuo do diploma – a liquidação como meio de sanear a economia de empresas que não geravam riqueza. Com o advento de nova realidade económica, em tempo de crise global e por imposição da Troika, assumida pelo Estado Português – o CIRE – a lei insolvencial vigente, coloca a tónica na recuperação sendo essa a ratio do diploma”.
Dos comentários supra expostos, que retratam o actual figurino do processo de insolvência e o processo especial de revitalização nele enxertado, afigura-se-nos não subsistir dúvidas que este último é manifestamente um processo de recuperação de empresa. E assim sendo, entendemos que a alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais deve ser interpretado no sentido de abranger na sua previsão as sociedades que estejam abrangidas por um processo de revitalização, como é o caso da Recorrente, por estarmos perante um processo de recuperação de empresa».

1.7 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida, que considerou que a ora Recorrente não beneficiava de isenção de custas, fez correcto julgamento, o que, como procuraremos demonstrar, passa por saber se a sociedade que esteja em situação de revitalização ao abrigo do disposto nos arts. 17.º-A a 17.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) goza, ou não, da isenção de custas prevista no art. 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais (RCP).


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão os autos revelam o seguinte circunstancialismo processual:

a) Em 19 de Novembro de 2014, a sociedade denominada “A……….., Lda.” deduziu oposição à execução fiscal que contra ela foi instaurada sob o n.º 3476201301016474, sendo que na petição inicial, como “questão prévia”, invocou estar isenta de custas, ao abrigo da alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP em virtude de estar sujeita a um plano de revitalização, aprovado pela maioria dos seus credores e homologado por sentença judicial, tudo no âmbito do processo especial de revitalização que corre termos pelo 5.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Guimarães sob o n.º 746/13.3TBGMR (cfr. fls. 4 a 15);

b) Em 24 de Abril de 2015, a Oponente apresentou requerimento no qual, afirmando ter sido notificada para juntar aos autos decisão favorável do pedido de protecção jurídica ou comprovativo do pagamento da taxa de justiça e invocando estar sujeita a plano de revitalização aprovado pelos credores e homologado judicialmente, pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, reconhecendo-lhe a isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP, ordenasse a prossecução dos autos (cfr. fls. 51 a 53, que correspondem a fls. 65 a 71 do processo de oposição à execução fiscal);

c) Em 6 de Maio de 2015, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, em resposta a essa requerimento, proferiu despacho do seguinte teor:

«Pedido de isenção de custas - cfr. fls. 65 a 71
Nos termos da alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP, estão isentas de custas, entre outras, as sociedades comerciais que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa.
Ora a oponente encontra-se em processo de revitalização, situação não abrangida pela isenção descrita. Na verdade, a revitalização é um expediente distinto da insolvência e mesmo da recuperação de empresa, tanto mais que na revitalização as custas ficam a cargo da devedora (cfr. art. 17.º-F, n.º 7 do CIRE).
Temos, portanto, do que se vem a expor inexistirem razões para aplicar a isenção de custas, prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP, aos casos em que a parte esteja em situação de revitalização, quer antes quer após a aprovação e homologação do respectivo plano.
Nesta conformidade, indefere-se o requerido.
Notifique o presente despacho, devendo a oponente no prazo de 10 dias juntar aos autos decisão favorável do pedido de protecção jurídica ou, então, o comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sob pena de, não o fazendo, não ser recebida a presente oposição» (cfr. fls. 58);

d) A Oponente encontra-se em processo de revitalização (cfr. despacho de fls. 58).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade denominada “A……….., Lda.” deduziu oposição a uma execução fiscal que foi instaurada contra ela e não apresentou comprovativo do pagamento da taxa de justiça, alegando na petição inicial que beneficiava da isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP.
Ulteriormente, alegando ter sido notificada para juntar aos autos decisão favorável do pedido de protecção jurídica ou comprovativo do pagamento da taxa de justiça e invocando estar sujeita a plano de revitalização aprovado pelos credores e homologado judicialmente, pediu ao Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, reconhecendo-lhe a isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP, ordenasse a prossecução dos autos.
Em face do indeferimento desse requerimento por despacho que lhe fixou o «prazo de 10 dias [para] juntar aos autos decisão favorável do pedido de protecção jurídica ou, então, o comprovativo do pagamento da taxa de justiça, sob pena de, não o fazendo, não ser recebida a presente oposição», interpôs o presente recurso, que subiu a este Supremo Tribunal Administrativo imediatamente e em separado.
Em síntese, sustenta a Recorrente que, ao contrário do que considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, a revitalização constitui uma modalidade de recuperação da empresa, motivo por que não há razão para considerar que não pode beneficiar da isenção de custas previstas na referida alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP.
Daí termos enunciado a questão a apreciar e decidir nos termos que deixámos expressos em 1.8.
2.2.2 A REVITALIZAÇÃO COMO MODALIDADE DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA E ISENÇÃO DE CUSTAS DO ART. 4.º, N.º 1, ALÍNEA U), DO RCP

2.2.2.1 O Processo Especial de Revitalização (PER) foi instituído pelos arts. 17.º-A a 17.º-I, aditados pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, ao CIRE, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Maio.
Essas alterações introduzidas no CIRE pela Lei n.º 16/2012, em ordem à instituição do PER, resultam de uma opção, que foi claramente assumida, no sentido de privilegiar e fomentar a recuperação, como decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII ( Disponível em
http://www.dgpj.mj.pt/sections/noticias/codigo-da-insolvencia-e/downloadFile/file/PPL_39_XII_6Alteracao_CIRE.pdf.), que esteve na sua origem, e onde se aponta como principal objectivo dessas alterações o de «reorientar o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação» ( Cfr. o segundo parágrafo da referida exposição de motivos.).
No mesmo sentido, apontam a doutrina e a jurisprudência, nomeadamente as indicadas pelo Procurador-Geral Adjunto no parecer que acima deixámos transcrito em 1.6.
Assim, podemos dizer que o legislador inseriu no processo especial de insolvência e recuperação de empresas um processo especialíssimo de revitalização, em ordem a prosseguir a finalidade de recuperar os devedores que se encontrem em situação económica difícil ou na iminência de ficar insolventes, mas que sejam economicamente recuperáveis. Com esta alteração, o processo de insolvência CIRE, originariamente totalmente orientado para a liquidação, passou a ter como desiderato principal a recuperação, a revitalização do devedor. É o que resulta do confronto da redacção original do art. 1.º com a que lhe foi dada pela Lei 16/2002 do art. 1.º ( O art. 1.º do CIRE, na sua redacção original, dizia: «O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente».
E hoje, na redacção da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, diz: «1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. 2. Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.»).

2.2.2.2 Não tendo o legislador constitucional previsto que a justiça seja tendencialmente gratuita, a regra é a de que todos os processos judiciais estão sujeitos a custas (cfr. art. 1.º, n.º 1, do RCP), sem prejuízo da possibilidade de o seu devedor ser delas dispensado ao abrigo do apoio judiciário concedido pelo regime da protecção jurídica, na modalidade de dispensa de custas (cfr. art. 16.º, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho), prevista como modo de concretizar o comando constitucional de que «[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (cfr. art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
No entanto, a lei prevê algumas isenções de custas. Interessa-nos agora considerar a prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP, que dispõe: «1. Estão isentos de custas: [...] u) As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho. [...]».
É ao abrigo desta norma que a Recorrente sustenta estar isenta de custas na presente oposição à execução fiscal, uma vez que, como o Juiz do Tribunal a quo deu como assente, a mesma «encontra-se em processo de revitalização».
Considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que a isenção prevista na citada alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP não abrange as sociedades comerciais que estejam em processo de revitalização, uma vez que esta norma se refere apenas às sociedades comerciais que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, sendo que «a revitalização é um expediente distinto da insolvência e mesmo da recuperação de empresa, tanto mais que na revitalização as custas ficam a cargo da devedora (cfr. art. 17.º-F, n.º 7, do CIRE)».
Como resulta do que deixámos dito, a revitalização mais não é do que uma fase do processo de insolvência, destinada a propiciar a recuperação dos devedores em situação económica difícil ou insolvência iminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.
Afigura-se-nos, pois, que não há razão para que não se aplique a referida isenção às sociedades comerciais sujeitas a um PER, tanto mais que, hoje, será esse o meio judicial para a sua recuperação, sendo certo que o CIRE não contempla processo denominado de recuperação de empresa, contrariamente ao que sucedia no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril ( Alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 157/97, de 24 de Junho, 315/98, de 20 de Outubro, 323/2001, de 17 de Dezembro, e 38/2003, de 8 de Março.).
Por outro lado, salvo o devido respeito e como bem realçou a Recorrente, do art. 17.º-F, n.º 7, do CIRE (segundo o qual compete ao devedor o pagamento das custas devidas pela homologação judicial do plano de recuperação), não pode retirar-se argumento algum em favor da tese da decisão recorrida. Na verdade, também as custas do processo de insolvência ficam a cargo da sociedade declarada insolvente (cfr. art. 304.º do CIRE), o que não impede a sociedade que esteja em “situação de insolvência” de beneficiar da isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP. Na verdade, uma coisa são as custas do processo de insolvência e outra é a isenção concedida à sociedade em “situação de insolvência” nos litígios judiciais em que seja parte.
Afigura-se-nos, pois, que a prossecução da oposição à execução fiscal não pode ficar dependente do pagamento da taxa de justiça ou da comprovação do deferimento do pedido de apoio judiciário. Por esse motivo, o recurso será provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Em sede de oposição à execução fiscal, beneficia da isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento das Custas Processuais a sociedade oponente que esteja sujeita a um Plano Especial de Revitalização (PER).
II - O PER, que tem como finalidade permitir aos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou situação de insolvência iminente, mas que sejam passíveis de recuperação, negociar com os seus credores e obter um acordo judicialmente homologado e eficaz para com todos os seus credores, constitui um processo de recuperação de empresa para os efeitos previsto no referido preceito legal.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a prossecução dos autos, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

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Lisboa, 18 de Novembro de 2015. Francisco Rothes (relator) – Aragão SeiaCasimiro Gonçalves.