Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:054/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
EXECUÇÃO
APENSAÇÃO
Sumário:A apensação de diversas execuções que corram contra o mesmo executado, nos termos do disposto no artigo 179º do CPPT, deve ser conhecida pelo órgão de execução fiscal oficiosamente, ou logo que tal questão seja suscitada pelo executado no processo de execução fiscal ou num dos seus apensos.
Nº Convencional:JSTA000P21279
Nº do Documento:SA220170111054
Data de Entrada:01/14/2016
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, inconformado, recorreu da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu (TAF de Viseu) datada de 6 de Outubro de 2015, que julgou verificada a excepção dilatória inominada de cumulação ilegal de execuções, absolvendo a Fazenda Pública da oposição deduzida aos 11 processos de execução fiscal, que o serviço de Finanças de Viseu lhe moveu para cobrança coerciva de taxas de portagem.

Alegou, tendo concluído como se segue:
1. Citado para o efeito, o oponente remeteu ao Serviço de Finanças de Viseu o requerimento que deu azo a estes autos.
2. O objecto do recurso prende-se com a “cumulação ilegal de execuções fiscais”.
3. Dispõe o artigo 179.º do CPPT que, “correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrarem na mesma fase.”
4. No caso concreto, contra o aqui recorrente, correm as execuções enumeradas no requerimento remetido ao Serviço de Finanças.
5. Sendo que, todas elas se encontram/encontravam na mesma fase - citação para oposição.
6. Sendo que, a apensação requerida não prejudica o cumprimento de formalidades especiais nem, por qualquer outro motivo, compromete a eficácia da execução.
7. Falamos, em todas elas, de execuções que, todas elas, têm por base, alegadamente, o “imposto - ………, S.A. - C. Tx Port AT e “Outros”.
8. Assim, se justificando e, mesmo, se impondo a apensação das execuções ali referidas.
9. Podendo, deste modo, ser avaliadas, conjuntamente, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
10. E, por isso, se justifica a apensação das execuções.
11. Não sendo, assim, ilegal a cumulação das execuções fiscais.
12. Conclui o Tribunal “a quo”, em nosso entender, erradamente, salvo o devido respeito, que é muito, que o órgão de execução fiscal não procedeu à apensação das execuções fiscais em apreço.
13. Facto é que, até hoje, ao recorrente nunca foi notificada uma qualquer decisão de não apensação, não obstante o requerido pelo oponente, conforme requerimento que deu azo a estes autos e que foi remetido ao Serviço de Finanças.
14. De facto, o recorrente autonomizou, no seu requerimento, sob a alínea “A” a questão da apensação das execuções.
15. Requerimento que remeteu ao Serviço de Finanças, contendo a oposição à execução.
16. Invoca, infundadamente, a Fazenda Pública, uma excepção dilatória.
17. Como já referido, dispõe o artigo 179.º do CPPT, ao contrário do vertido na contestação a que se responde, que “correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente…”.
18. Assim, importa que, apresentada a oposição, que deu azo a estes autos, oficiosamente, se proceda à necessária apensação.
19. Decisão que não tem que ser requerida e,
20. Antes se impõe por dever de respeito a princípios processuais, como sejam os princípios da economia e celeridade processual.
21. Assim, nada impede, e antes se justifica, uma só oposição para as 11 execuções que devem ser apensas, atento que se trata de uma mesma dívida (origem) e iguais os argumentos da oposição.
22. Em causa, estará a cobrança coerciva das portagens e coimas, que tem gerado uma vaga de impugnações na justiça,
23. Nomeadamente, porque cada infração dará origem a um processo de contraordenação autónomo, mesmo que tal tenha acontecido no mesmo dia e que a infração tenha sido praticada pelo mesmo condutor no mesmo veículo.
24. A realidade mostra que, por norma, cada condutor vê-se confrontado com dezenas, senão, centenas de infrações (o que, por exemplo, pode acontecer facilmente em caso de avaria no equipamento, notificação para morada errada, venda do automóvel, sem registo imediato a favor do novo proprietário e muitas outras situações),
25. A verdade é que, nunca, antes destas citações, o aqui oponente foi citado/notificado para se defender, nomeadamente, em sede de audiência prévia, ou, recorrer, no âmbito da cobrança e, bem assim, dos processos de contra-ordenação que terão, quem sabe, corrido à revelia do oponente.
26. Termos em que, porque nunca o indeferimento do pedido de apensação foi comunicado ao recorrente, não obstante solicitada, junto do Serviço de Finanças, no requerimento que formalizou a oposição à execução, e, sempre porque tal apensação/cumulação se impõe e, ainda, por violação, nomeadamente, do disposto no artigo 179.° do CPPT, e desrespeito pelos princípios da economia e celeridade processual, deve a decisão ser revogada e substituída por outra que conclua pela legalidade da cumulação e julgue procedente a oposição apresentada, ou, sempre, determine o prosseguimento dos autos, para apreciação da mesma.

Não houve contra-alegações.

Notificado, o Ministério Público, pronunciou-se pela improcedência do recurso. Em síntese, entende que é pacífica a jurisprudência no sentido de que não é legalmente admissível deduzir uma única oposição a várias execuções fiscais que não se encontrem apensadas.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

A decisão recorrida tem o seguinte teor:
A oposição à execução fiscal, embora com tramitação processual autónoma relativamente à execução fiscal, funciona como uma contestação a esta, não podendo ser deduzida uma única oposição contra várias execuções fiscais que não se encontrem apensadas, antes devendo ser deduzida uma oposição para cada uma dessas execuções fiscais.
Acresce que, embora o processo de execução fiscal tenha natureza judicial, é exclusivamente aos órgãos da Administração Tributária que compete a prática de atos de natureza não jurisdicional no processo, designadamente a apensação de execuções fiscais [vd., nesse sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 17.04.2013, 16.01.2013 e 21.03.2012, processos n.ºs 0119/13, 0291/12 e 0867/11, respetivamente].
No caso vertente, como resulta dos autos, designadamente pelo próprio teor da petição inicial e pelo requerimento do Oponente junto a fls. 1050 dos autos, o órgão de execução fiscal não procedeu à apensação das execuções fiscais em apreço, sendo as mesmas autónomas umas em relação às outras.
Deste modo, não poderia o Oponente deduzir uma única oposição, como fez, em relação a 11 processos de execução fiscal que não se encontram apensados e que correm termos separadamente desde a sua instauração.
Ocorre, efetivamente uma situação de cumulação ilegal de oposições.
Ou seja, o Oponente usou a mesma peça processual para se opor a 11 execuções fiscais distintas e autónomas entre si.
Destarte, e sem necessidade de mais considerações, impõe-se julgar verificada a exceção dilatória inominada e, consequentemente a absolvição da Fazenda Pública da instância, 278.°, n.º 1, alínea e) e 576.° n.º 2, 578.° e 608.°, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.°, alínea e) do CPPT, devendo o Oponente apresentar 11 oposições distintas, querendo, no prazo legal, após a notificação da presente decisão (cfr. artigo 279.°, n.º 2 do CPC).”.


Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão que se coloca nos presentes autos já não é nova e tem merecido por parte deste Supremo Tribunal uma resposta uniforme no sentido propugnado pela decisão recorrida.
Porém, no caso concreto há circunstancialismos próprios que impõem que tal doutrina, que este Supremo Tribunal tem vindo a seguir, seja interpretada de forma a que se conforme com os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, de modo a que se atinja, em última ratio, uma decisão equilibrada e justa do ponto de vista material.
É sabido que a apensação dos processos de execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 179º do CPPT, deve seguir uma lógica economicista, isto é, devem ser apenas praticados os atos estritamente necessários para o bom andamento dos processos, devendo, por isso, reunir-se num único todos os processos em que seja previsível que sejam praticados no mesmo espaço temporal os mesmos atos processuais relativamente ao mesmo sujeito, e por outro, uma lógica de eficácia do julgamento, se é previsível que o mesmo sujeito discuta a “legalidade” da própria execução, cfr. artigo 204º do mesmo CPPT, invocando razões que, inerentes a si próprio se estendem e são idênticas nas diversas execuções e sua tramitação, o “bom” julgamento só se obterá se for uno e abranger as diversas execuções, cfr. acórdão datado de 30.11.2016, recurso n.º 01233/16.
Tendo em conta estas razões que impõem a apensação, naturalmente que se trata de um ato a praticar no(s) processo(s) de execução fiscal ex officio pelo órgão de execução fiscal, ou seja, deve ser praticado independentemente de o interessado particular formular um pedido expresso nesse sentido (ou de existir uma ordem expressa nesse sentido por parte do juiz), e terá que existir uma pronúncia sobre tal questão sempre que a mesma seja suscitada no processo, de forma direta ou indireta, o que é imposto pelo disposto no n.º 1 do artigo 179º do CPPT - correndo contra o mesmo executado várias execuções, nos termos deste Código, serão apensadas, oficiosamente ou a requerimento dele, quando se encontrarem na mesma fase.
Permitir-se que o órgão de execução fiscal omita por completo a pronúncia sobre a questão da apensação de execuções fiscais, depois de suscitada pelo interessado directo na mesma, constituiria uma violação grosseira dos princípios da legalidade e da igualdade que enformam todo o direito fiscal, quer substantivo, quer processual, uma vez que a sua intervenção está sempre condicionada por tais princípios, o que afasta, desde logo, qualquer tipo de discricionariedade de actuação, que poderia, em última instância, ser o fundamento para a omissão de tal pronúncia.
Tratando-se, como se trata, o processo de execução fiscal de um processo judicial, cfr. artigos 103º da LGT, 151º e 276º do CPPT, as questões aí colocadas, direta ou indiretamente, devem ser decididas pelo juiz ou pelo órgão de execução fiscal, com possibilidade de o juiz sindicar tal apreciação, não se formando, em qualquer circunstância, um deferimento ou indeferimento tácito a exemplo do que se passa no procedimento administrativo/tributário; ou seja, no âmbito do processo judicial o silêncio do titular do processo, por si ou por intermédio do coadjuvante, não tem valor de ato, não tem valor jurídico, antes constituindo uma falta ou omissão que deve ser suprida logo que seja detetada, tanto mais que a pronúncia expressa sobre as questões suscitadas no processo ou conhecidas oficiosamente adquirem o valor de caso julgado, nos termos do disposto nos artigos 619º e ss. do CPC.
Não se quer com isto dizer que todas as questões de conhecimento oficioso devam ser oficiosamente apreciadas de forma expressa mesmo que se entenda não se verificarem, na verdade apenas devem ser conhecidas por iniciativa do titular do processo quando o mesmo entenda que se verifiquem, porém, logo que suscitadas pela parte, ainda que o titular do processo já tenha interiorizado a sua não verificação, devem ser conhecidas sem mais demora, sob pena de omissão ilegal de um ato processual devido, cfr. artigo 13º do CPPT.
E isto é assim, quer a questão seja suscitada no processo principal, processo de execução fiscal, quer seja suscitada na oposição à execução fiscal que corre por dependência daquela, cfr. artigos 207º e 208º do CPPT; independentemente do processo onde seja suscitada a questão, a mesma é de conhecimento obrigatório uma vez que tem influência direta e imediata na tramitação de ambos os processos.
De todos os modos, a questão da apensação das execuções fiscais, nos termos do disposto no artigo 179º do CPPT, apenas se coloca para o órgão de execução fiscal a partir do momento em que as execuções são instauradas e para o interessado a partir do momento em que é citado para as execuções.
E, portanto, este apenas pode requerer ou introduzir nos autos a questão da apensação de várias execuções após a sua citação, e deve fazê-lo no momento em que deduz a oposição à execução fiscal, uma vez que é nesse momento que tem a primeira intervenção processual, cfr. acórdão proferido no recurso n.º 01233/16, e quanto a si todas as execuções estarão na mesma fase processual.

Vejamos então o caso concreto.
Na concreta situação dos autos o executado/oponente requereu a apensação dos diversos processos de execução fiscal na petição de oposição, ou seja, na primeira intervenção processual legalmente prevista que ocorre após a citação, que dirigiu e entregou nos serviços do órgão de execução fiscal.
Sendo certo que o órgão de execução fiscal nada disse a esse respeito, tendo vindo a Fazenda Pública, na resposta à oposição invocar a não apensação prévia de todas as execuções, para que fosse determinada a absolvição a instância.
Ou seja, a administração fiscal não só não cumpriu a obrigação que sobre si impendia enquanto órgão de execução fiscal, conhecimento da questão da apensação das várias execuções, posto que as questões de conhecimento oficioso podem e devem ser invocadas a todo o tempo pelos interessados, como ainda pretende retirar efeitos processuais negativos para o interessado, enquanto entidade exequente, invocando uma realidade processual que decorre dessa sua omissão ilegal de prática de ato processual.
Mas, no caso concreto, a situação ainda se torna mais gritante, sob o ponto de vista da violação do princípio da proporcionalidade e da justiça, porque se tratam de execuções fiscais, também, de coimas aplicadas em processos de contraordenação, relativamente às quais não foi cumprido o disposto nos artigos 25º e 29º, do Cód. Proc. Penal, cfr. acórdão datado de 04.03.2015, recurso n.º 01396/14, isto é, não foi ordenada a organização de um só procedimento, nem foi ordenada a apensação dos vários procedimentos.
Ou seja, no caso dos autos, a oposição não pode ser julgada, de mérito ou de forma, até que o órgão de execução fiscal decida a questão da apensação das execuções, o que se lhe impõe, como atrás vimos, por dever de ofício. Impondo-se, por conseguinte, que estes autos aguardem a tramitação processual adequada e necessária a tal questão e, só após se ter concluído com decisão transitada em julgado que tal apensação não é possível, nem viável (ou seja, se houver reclamação de eventual decisão de improcedência, apenas após o trânsito em julgado da respetiva decisão), é que poderá ser decidida a questão suscitada pela Fazenda Pública no tocante à não apensação das execuções.
E, no caso de o órgão de execução fiscal não se pronunciar sobre a questão da apensação, por negligência ou por se recusar a fazê-lo, então o juiz deverá certificar-se da verificação dos requisitos previstos nos n.ºs. 1 e 2 do artigo 179º do CPPT e ordenar o prosseguimento da oposição relativamente a todas as execuções, incumbindo posteriormente ao órgão de execução fiscal adequar a tramitação das diversas execuções entre si.
Assim, e nesta medida, impõe-se a revogação da decisão recorrida.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em:
-conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida;
-ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo, para que os mesmos aí aguardem a pronúncia por parte do OEF sobre a apensação das 11 execuções, para o que deverá o Sr. Juiz indagar junto desse mesmo órgão sobre qual a decisão expressa que recaiu sobre tal questão, fixando-lhe um prazo perentório para o fazer se ainda não tiver sido proferida tal decisão, seguindo, se necessário, a tramitação anteriormente descrita.
Sem custas.
D.n.
Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.