Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01283/16
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
CUSTAS
FAZENDA PÚBLICA
Sumário:Por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RIGT e 94.º, n°s. 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contra-ordenação tributária em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.°/1/ d), ex vi do artigo 79.°/1/ b) e c) e 27.° do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.
Nº Convencional:JSTA00069962
Nº do Documento:SA22017011101283
Data de Entrada:11/15/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.................
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF MIRANDELA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT ART63 ART27 ART79 ART66.
RGCO ART93 ART94 ART92.
RCP ART6.
DL 324/2003 ART4.
LGT ART101.
CPPT ART97.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA E SIMAS SANTOS - REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO ÁREAS EDITORA 4ED PAG458.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – Vem a Fazenda Pública recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de fls. 32/35, no segmento em que a condenou nas custas do processo.

Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
«1ª— A questão, de direito, está delimitada — o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, em processos idênticos de recursos de fixação de coimas (Recurso de Contra-Ordenação), em idênticas sentenças de rejeição da acusação, tem tido entendimento totalmente diferente, ao da sentença em crise, quanto à condenação em custas da Autoridade Tributária. Pois, existem — pelo menos — seis decisões judiciais (juntas em anexo) que a isentam de custas.
2ª- Em todos estes processos inexistiu qualquer intervenção activa da Fazenda Pública, com defesa integralmente assegurada pela Procuradora da República. O que também sucedeu no processo em crise. Não se entendendo, por isso, sempre com o devido respeito, o tratamento desigual e desproporcional desta sentença, com condenação em três unidades de conta (306 euros), tanto mais que as coimas em discussão ascendem a 50 euros a que acrescem custas de 76,50 euros!?
3ª— Sendo certo que, as decisões que servem de contraponto à presente sentença fundamentam, correctamente, a dispensa/isenção de pagamento de custas nos termos do preceituado no artigo 94° n,3 e 4 do RGCO, aplicável ex vi artigo 3º alínea b) do RGIT.
4ª- De resto, o próprio Regulamento das Custas Processuais (RCP) apenas prevê o pagamento de Taxa de Justiça nas situações de sustentação da decisão de condenação do arguido. Como é possível inferir da análise ao artº 8º, nº 7 do RCP: em que a margem discricionária de arbítrio da taxa de justiça, entre 1 a 5 UCs, conforme Tabela Na do RCP - é relegada para a decisão final e tem em consideração a gravidade do ilícito. E, também, do estatuído no mesmo artigo 8° n°8 do RCP: no qual, a cominação de notificação expressa da taxa de justiça é efectuada tendo por referência, única e exclusivamente, o arguido.
5ª e última conclusão — Existe uma evidente contradição de julgados, dentro do mesmo Tribunal, relativamente ao mesmo fundamento de direito ( conforme artigo 280° n°5 do Código do Procedimento e Processo Tributário), desarmonia legal que urge suprir, com posição que contribua para a melhoria da aplicação do direito e uniformidade da jurisprudência, conforme estabelece o n.°2 do artigo 73° do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, plasmando um entendimento definitivo neste e nos demais processos idênticos.
Nestes termos e nos demais de direito, deverá proceder-se à reforma da Sentença, substituindo a condenação em custas da AT, fixadas em três UCs pela indicação de inexistência de custas, por força da aplicação subsidiária - prevista no artigo 3° alínea b) do RGIT - dos artigos 93º n3 e 94º n.3 e n.4 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e artigo 4° n.°1 alínea a) do Regulamento das Custas Processuais.»

2. Não foram produzidas contra-alegações.

3. Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer com a seguinte fundamentação que, na parte relevante, se transcreve:
(….)O recurso merece, claramente, provimento.
A decisão recorrida, cuja reforma quanto a custas foi indeferida, julgou verificadas a nulidade insuprível prevista no artigo 63.°/1/ d), ex vi do artigo 79.°/1/ b) e c) e 27.° do RGIT, anulou a decisão de aplicação da coima e condenou a Fazenda Pública em custas, que fixou em 3 UCs.
No processo de contra-ordenação tributária a Fazenda Pública não é parte no processo, sendo que incumbe ao Ministério Público (MP) introduzir o feito em juízo depois de recebido recurso proveniente da autoridade administrativa, tornando-o presente ao juiz, valendo esse ato como acusação (artigo 62.°/1 do RGCO ex vi do artigo 3.°/ b) do RGIT).
O recurso de decisão de aplicação de coima tributária, sendo um meio processual tributário, nos termos do estatuído no artigo 101.°/ c) da LGT, não consta do elenco constante do artigo 97.° do CPPT e é regulado no RGIT, com aplicação subsidiária do RCGCO e CPP.
Tendo o RCPT sido revogado (exceto relativamente a normas referentes aos atos na fase administrativa do processo) pelo DL 324/2003, de 27/12, por força do estatuído no artigo 66.° do RGIT, no processo contra-ordenacional tributário haverá que aplicar o regime de custas estatuído nos artigos 92.° a 94.° do RGCO com aplicação subsidiária do regime das custas criminais.
Não obstante a Fazenda Pública ter perdido a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01/01/2004, o mesmo não acontece no que concerne ao recurso de decisão e aplicação de coima e sanções por contra-ordenações de natureza tributária, uma vez que no regime anterior ao RCP, aprovado pelo DL 34/2008, de 26/02, em vigor a 20/04/2009, o regime de custas em processo de contra-ordenação tributária passou a ser regulado, em primeira linha pelos incisos dos artigos 92.° a 94.° do RGCO.
Ora, do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas.
No sentido que vem sendo defendido vai a jurisprudência do STA, plasmada no acórdão de 24/02/2016, proferido no recurso n." 01408/15, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt e acórdão proferido no recurso n.º 01106/16).
A decisão recorrida merece, assim, censura(…..).

4. Por despacho de fls. 174, e na sequência de reclamação decidida pelo Exmº Presidente do Supremo Tribunal Administrativo ( fls. 167/171), o recurso foi admitido ao abrigo do disposto no artº 73º, nº 2 do RGCO.

5. Colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, cumpre decidir

6. Do objecto do recurso
Como se constata das alegações e respectivas conclusões a única questão objecto do recurso consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida no segmento em que determinou a condenação em custas da Fazenda Pública.

A decisão recorrida julgou verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.°/1/ d), ex vi do artigo 79.°/1/ b) e c) e 27.° do RGIT, anulou a decisão de aplicação da coima e condenou a Fazenda Pública em custas, que fixou em 3 UCs.

Contra o assim decidido se insurge a Fazenda Pública argumentando que não teve, nem promoveu qualquer impulso processual nos autos tal como previsto no artº 6º, nº do RCP e que o Regime Geral das Contra-ordenações estabelece que dão lugar a pagamento de taxa de justiça as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido ( artº 93º, nº 3 do RGCO), o que não é o caso.
Mais argumenta que do artº 94º, nº 3 e 4 do RGCO resulta que as custas não imputadas ao arguido são suportadas pelo erário público.

6.1 Da responsabilidade da Fazenda Pública por custas nos processos de contra-ordenações tributárias.

Como é sabido, por força do disposto no art. 4º, nºs. 4 e 5, do citado Dec.Lei n.º 324/2003, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01.01.2004.
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art . 101.°, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97.°, n .° 1, do CPPT.
Como sublinham Lopes de Sousa e Simas Santos (Ob. citada, pag. 458.) «embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela alínea q) do mesmo número), a comparação da lista que consta deste art . 97.º, com a que constava da norma equivalente do CPT (que era o art. 118.º-, n.º 2, em que expressamente se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os «processos judiciais tributários»), revela inequivocamente que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de processo judicial tributário, opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no RGIT, de aplicar subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário o RGCO e a respectiva legislação complementar e não o CPPT, limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas».
Ora, em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66 .° do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o n.º 6 do art. 4º do DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido artº 66º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92.° a 94.° do RGCO. (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4ª edição, pag. 458.).
Ora nos termos do nº 3 do artº 93º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido . E resulta também do nº 3 artº 94º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (nº 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas (Neste sentido se decidiu também nos Acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário citados pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto.) .

Pelo que, por força das disposições conjugadas dos art. 66.º do RIGT e 94.º, nºs. 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contra-ordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63.º/1/ d), ex vi do artigo 79.º/1/ b) e c) e 27.º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, não são devidas custas pela Fazenda Pública.

A decisão recorrida padece, pois, do erro de julgamento que lhe é imputado, pelo que não pode ser confirmada.


7-DECISÃO


Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte em que condenou a Fazenda Pública em custas e em substituição, determinar que o processo fica sem custas.

Sem custas.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. - Pedro Delgado (relator) - Dulce Neto - Isabel Marques da Silva.