Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01032/10
Data do Acordão:04/13/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
RECURSO JURISDICIONAL
INDEMNIZAÇÃO POR GARANTIA INDEVIDA
Sumário:I – O disposto no n.º 2 do artigo 142.º do CPTA, interpretado extensivamente atendendo à sua ratio fundamentadora, não constitui obstáculo legal ao conhecimento de recurso interposto de decisão judicial proferida em execução de julgado anulatório de acto de liquidação de imposto no qual tenha sido reconhecido o direito da requerente a indemnização por garantia indevidamente prestada.
II – O artigo 53.º da LGT consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo essa indemnização ser formulada tanto nesse procedimento ou processo tributário, como autonomamente.
III – O artigo 171.º do CPPT visou, tão só, regulamentar o modo de requer a indemnização no próprio procedimento ou processo tributário, e não regulamentar o modo de a requer através do meio processual autónomo (principal ou acessório) adequado para o efeito.
IV – Não tendo o lesado exercido esse direito através do referido enxerto no procedimento ou processo tributário, não dispondo de decisão que condene a Administração ao pagamento da aludida indemnização, não estando, assim, esta obrigada ao seu pagamento em execução espontânea do julgado, pode, ainda assim, o lesado formular esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório, isto é, no meio processual acessório do processo tributário onde foi anulada a dívida garantida.
Nº Convencional:JSTA00066927
Nº do Documento:SA22011041301032
Data de Entrada:12/21/2010
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PORTO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC JULGADO.
Legislação Nacional:CPTA02 ART142 N2 ART173.
CPPTRIB99 ART146 N1 ART171 N2.
CPTRIB91 ART18.
LGT98 ART53 N3 ART100 ART102.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART51 N1 C.
Referência a Doutrina:MÁRIO AROSO DE ALMEIDA COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS 2ED PAG812 PAG813.
JORGE DE SOUSA SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA POR ACTOS ILEGAIS PAG159.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório-
1 – O Director-Geral dos Impostos recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 30 de Junho de 2010, que em apenso para execução de julgado ao processo de impugnação que correu termos naquele tribunal sob o n.º 205/00/11 e em que era impugnante A…, S.A., julgou procedente a execução de julgado, reconhecendo o direito da exequente ao recebimento da quantia relativa a encargos com a prestação e manutenção da garantia, no montante de 275.630,43 e condenou a executada a pagar à requerente/exequente, no prazo de 30 dias, a quantia indicada em a), acrescida de juros de mora á taxa legal, desde o fim desse período até efectivo e integral pagamento.
O recorrente termina as suas alegações de recurso apresentando as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso apresentado da sentença proferida em 30/06/2010 que concluiu pela não verificação das excepções suscitadas de intempestividade do pedido e meio impróprio, e julgou procedente a execução de julgado.
II. A sentença recorrida entende que a impugnante não está impedida de ser ressarcida do prejuízo sofrido com a prestação de garantia bancária, mesmo não tendo sido pedido no âmbito da impugnação judicial.
III. E fundamenta a decisão no disposto no artigo 100.º da LGT, apelando à plena reconstituição da legalidade em caso de procedência de impugnação judicial e determina o reembolso dos encargos nos termos do artigo 173.º n.º 1 do CPTA.
IV. Sustenta também a sua decisão no n.º 3 do artigo 53.º da LGT, que concede a possibilidade de requerer autonomamente a indemnização pelos prejuízos da prestação de garantia.
V. Contudo salvo o devido respeito, a sentença recorrida errou na interpretação do direito aplicável, pois o artigo 171.º do CPPT vem regulamentar o disposto no artigo 53.º da LGT, determinando o modo como deve ser formulado o pedido de indemnização, que não é por isso, automático.
VI. E nos termos do n.º 2 do art. 171º do CPPT, a indemnização tem de ser requerida no âmbito do processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, ou seja, deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
VII. Assim, a ora exequente apresentou a Impugnação judicial da liquidação adicional de IRC/1994 em 10 de Setembro de 1999 e prestou garantia bancária em 21/01/2000. Pelo que, podemos concluir que a causa de pedir, ou seja a prestação da garantia foi posterior ao termo do prazo legal da impugnação judicial.
VIII. Ou seja, o requerimento de indemnização por garantia indevida devia ter sido apresentado no prazo de 30 dias depois da prestação de garantia a fim de ser apreciado e decidido em sede de impugnação judicial. E a isso não obstava que a impugnante viesse em momento posterior ao pedido, juntar aos autos os documentos comprovativos dos encargos suportados.
IX. Não tendo sido formulado esse pedido em sede de Impugnação judicial que lhe foi favorável, não o pode agora formular em sede de execução de julgados da sentença dos autos de impugnação. Isto porque, a plena reconstituição da legalidade no caso de procedência de impugnação judicial a que se refere o artigo 100.º da LGT, não implica o pagamento automático de uma indemnização não solicitada, nem decidida nessa sede.
X. Neste sentido tem vindo a decidir o STA, nomeadamente, nos doutos Acórdãos do STA Rec. n.º 400/06 de 12/12/2006, Rec. nº 633/07 de 21/11/2007 e Rec. n.º 998/07 de 20/02/2008 (Sob consulta in www.dgsi.pt).
XI. A douta sentença recorrida decide ainda, pela possibilidade de a Exequente formular o pedido através do processo de execução de julgado, fundamentando a decisão nos artigos 146º nº1 do CPPT e artigo 173º e seguintes do CPTA.
XII. De facto, o artigo 146.º nº 1 do CPPT refere que a execução das decisões dos Tribunais Tributários segue actualmente o disposto no artigo 173.º e seguintes do CPTA, contudo a Entidade ora Recorrente entende que a sentença recorrida fez uma errada interpretação destas disposições legais;
XIII. Veja-se a alínea a) da decisão em que é usada precisamente a expressão “reconheço o direito da exequente ao recebimento da quantia relativa a encargos com a prestação e manutenção da garantia bancária, no montante de 275.630,43 euros;” (destaque de nossa responsabilidade).
XIV. Contrariamente ao entendimento preconizado na douta sentença, o pedido de indemnização tem de ser expresso, e formulado em termos específicos e no momento próprio.
XV. Ou seja, a procedência da impugnação não implica automaticamente o reembolso das despesas com a garantia bancária prestada, pois a impugnante não fez qualquer pedido nesse sentido em sede de impugnação judicial.
XVI. A sentença recorrida sustenta a sua posição no disposto no artigo 100.º da LGT, incidindo sobre a obrigação que impende sobre a Administração Fiscal de reconstituir a legalidade ou situação objecto do litígio. Mas a interpretação de tal artigo não pode ser feita de molde a ultrapassar o determinado na sentença a executar.
XVII. Donde, não pode a sentença recorrida “reconhecer um direito” numa acção de execução que não está para isso destinada, e assim, colmatar uma falta da responsabilidade exclusiva da ali requerente, ao não requerer em sede própria a indemnização pelas despesas com a garantia bancária prestada para suspender um processo de execução fiscal.
XVIII. Aliás a única jurisprudência citada em abono da tese da Sentença “a quo” refere-se a um acórdão do STA que nada tem a ver com direito fiscal.
XIX. Por tudo o supra exposto, entende a Entidade ora Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na interpretação das disposições legais citadas, pelo que não pode ser mantida na parte em que se recorre.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida quanto à alínea a) e parte da alínea b) da Decisão, com as legais consequências.
2 – Contra-alegou a recorrida concluindo nos seguintes termos:
13. O presente recurso jurisdicional é legalmente inadmissível, por violação do disposto no artigo 142 n.º 2 do CPTA (“a contrario”), ex vi do artigo 146º nº1 do CPPT, pelo que deve ser extinto.
Sem prejuízo,
15. Do disposto no artigo 53.º n.º 3 da LGT, redacção aplicável, advém claramente que o pedido de indemnização dos encargos incorridos com a prestação e manutenção de garantia indevida pode não só ser formulado no respectivo processo de impugnação, como também autonomamente.
16. Por sua vez, e do disposto no artigo 100º do mesmo diploma legal, em caso de procedência de impugnação judicial, a AF está obrigada à imediatae plena reconstituição” da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto tributário ilegal.
17. Conforme se afirma no douto Acórdão deste Venerando STA, de 12.04.2007, Proc. 030897A, “… a execução do acórdão anulatório de acto administrativo consiste na prática pela Administração dos actos e operação materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada, por forma a restabelecer a situação do interessado à data do acto e reconstituí-la, no presente, como se o acto ilegal não tivesse sido praticado …”
18. É este, aliás, o sentido do disposto no artigo 173.º n.º 1 do CPTA, ex do artigo 146.º n.º 1 do CPPT.
19. Se o acto de liquidação em questão – anulado pela douta decisão judicial exequenda – não tivesse sido praticado, a Exequente não teria prestado e mantido a garantias bancária “sub judice” e, por isso, logicamente que não teria incorrido nos respectivos encargos, devidamente comprovados nestes autos.
20. Sendo certo que a LGT prevalece sobre o CPPT, conforme reconhece o artigo 1.º do CPPT e atento o sentido da Lei de Autorização Legislativa que serviu de base à aprovação do CPPT (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31/12), e conforme, aliás, é entendimento Jurisprudencial e Doutrinal unânime.
21. Logo, os artigos 53.º e 100.º da LGT (redacção aplicável) prevalecem e
sobrepõem-se ao disposto no artigo 171.º do CPPT (redacção aplicável).
22. Por outro lado, as normas relativas ao regime de execução de julgados reportam-se às garantias dos contribuintes – regime, este, integrado no denominado ”princípio da legalidade” (cfr. artigo 103.º n.º 2 e 3 da CRP) – pelo que o Governo não poderia ter legislado, ao “decretar” o CPPT, em sentido diferente daquela lei de autorização legislativa: aquela matéria integra-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (cfr. artigos 122.º n.º 2, 198.º n.º 1 b) e 165º nº 1 i) da CRP).
23. É este, aliás, o sentido decisório unânime da Jurisprudência deste Venerando STA.
24. Deste modo, o artigo 171.º do CPPT, se interpretado no sentido de que o contribuinte não pode pedir autonomamente, em sede de execução de julgados, a indemnização pelos encargos incorridos com a prestação e manutenção da garantia, ainda que decorridos mais de 30 dias contados da data da prestação da garantia, padece de inconstitucionalidade orgânica.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., ordenada a extinção da presente instância de recurso jurisdicional ou, subsidiariamente, negando provimento ao presente recurso jurisdicional e mantendo a douta Sentença recorrida, V. Exas., farão, como sempre, inteira JUSTIÇA.
3 – Tendo vista dos autos, o Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal veio dizer (fls. 171) que: «(…) tendo o processo de execução de julgado sido instaurado em 28.01.2008 (fls. 12): a) a eventual intervenção do Ministério Público pressupõe prévia notificação (artigo 146º nº1 CPTA); b) no caso “sub judicio” o Ministério Público não emite pronúncia sobre o mérito do recurso jurisdicional, considerando que não estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou algum dos bens e valores referidos no art. 9º nº 2 CPTA (art. 146º nº 1 in fine CPTA)».
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
Como questão prévia, importa decidir da admissibilidade do presente recurso jurisdicional, pois que a recorrida contra-alega no sentido da sua inadmissibilidade à luz do n.º 2 do artigo 142.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 146.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) - cfr. conclusão 1 das suas contra-alegações.
Concluindo-se no sentido da admissibilidade do recurso, importa verificar se, como alegado, se verificam as alegadas excepções de caducidade do direito de peticionar indemnização por garantia indevida e de erro na forma de processo, que o tribunal “a quo” julgou não se verificarem.
5 – Matéria de facto
Na sentença do objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
- Para apreciação da questão prévia de erro na forma processo invocada pelo Director-Geral dos Impostos e pelo Ministério Público:
1) Em 10/9/1999, a ora exequente apresentou impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 1994, no montante de 1.980.282.005$00.
2) Com data de 21/1/2000, a impugnante apresentou uma garantia bancária, com vista à suspensão da execução fiscal (nº 1821 1999901500104) para cobrança da dívida que tem subjacente a liquidação indicada em 1).
3) Por sentença transitada em julgado, proferida em 15 de Janeiro de 2007, no processo que correu termos sob o nº 205/00, foi julgada procedente a impugnação judicial contra liquidação adicional de IRC (1994) referida em 1) e anulado o acto de liquidação impugnado.
4) A presente execução de julgados deu entrada em 28/1/2008.
- Para apreciação do mérito da causa:
a). Pelo Serviço de Finanças de Matosinhos 1 foi instaurada a execução fiscal n.º 1821 199901500104 para cobrança coerciva da dívida impugnada no processo de impugnação judicial que correu termos sob o n.º 205/00.
b). Com vista à suspensão da execução fiscal referida em a), foi apresentada no mesmo Serviço de Finanças, com data de 21/1/2000, a garantia bancária nº 125-02 – 0108474, no valor de 2.158.551.455$00, emitida pelo Banco B….
c). A impugnante pagou pela prestação e manutenção da garantia bancária indicada em b) a quantia global de 275.630,43 euros, assim discriminada:
i) em 20/1/2001 – a quantia de 60.765.18€ (6.729,26€ de comissão e 54.035,26€ de imposto de selo);
ii) entre 20/4/2000 e 19/10/2001, a quantia trimestral de 6.931,14€ (6.729,26€ de comissão e 201,88€ de imposto de selo);
iii) entre 21/1/2002 e 21/4/2003, a quantia trimestral de 6.931,13€ (6.729,26€ de comissão e 201,87€ de imposto de selo);
iv) entre 21/7/2003 e 22/10/2007, a quantia trimestral de 6.931,14€ (6.729,26€ de comissão e 201,88€ de imposto de selo) – cfr. fls. 16 a 47 dos autos.
6 – Apreciando.
6.1 Questão prévia: Da admissibilidade do recurso
Vem a recorrida, nas suas contra-alegações, suscitar como questão prévia a da admissibilidade do presente recurso jurisdicional, alegando ser legalmente inadmissível o recurso jurisdicional interposto pelo ERPF, porquanto nos termos do n.º 2 do artigo 142.º do CPTA, ex vi do artigo 146º nº1 do CPPT, as decisões judiciais proferidas em execução de julgados, como é o caso, apenas podem ser objecto de recurso jurisdicional “… quando declarem a existência de causa legítima de inexecução, pronunciem a invalidade de actos desconformes ou fixem indemnizações fundadas na existência de causa legítima de inexecução” e decorre do teor da Douta Sentença recorrida (…) que não se verifica qualquer destas situações (cfr. os números 1 a 3 das contra-alegações - a fls. 156 dos autos - e respectiva conclusão 13 supra reproduzida).
Vejamos.
Considera a recorrida que o disposto no n.º 2 do artigo 142.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) constitui obstáculo legal ao conhecimento do presente recurso jurisdicional, interposto de decisão proferida em execução de julgado tributário, pois que, por força da referida disposição legal, de decisões proferidas em processos desta natureza só seria admissível recurso nos três casos nela expressamente mencionados, isto é, quando em execução de julgado se declarasse a existência de causa legítima de inexecução, houvesse pronúncia no sentido da invalidade de actos desconformes ou fosse fixada indemnização fundada na existência de causa legítima de inexecução.
Não nos parece que a referida disposição legal deva ser interpretada no sentido propugnado pela recorrida, pois que, se bem o entendemos, o preceito visa esclarecer que são também decisões de mérito - e como tal recorríveis, nos termos do n.º 1 do artigo 142.º do CPTA, desde que o processo no qual foram proferidas seja de valor superior à alçada do tribunal do qual se recorre -, as decisões judiciais proferidas em execução de julgado respeitantes a incidentes de natureza declarativa, sendo esta a justificação apontada para a referida norma por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, em anotação (2) à referida disposição legal (cfr., dos autores, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2007, pp. 812/813).
Ora, sendo a ratio justificativa do preceito a de evitar a dúvida quanto à recorribilidade das decisões proferidas em execução de sentença de conteúdo também declarativo, e não meramente executivo, não se vê como se poderia ter por justificável impedir o recurso de uma decisão judicial tributária proferida em execução de julgado anulatório de acto tributário que, na medida em que reconhece ao exequente o direito a ser indemnizado pelos custos incorridos com a garantia indevidamente prestada, tem também natureza declarativa.
É certo que o caso dos autos não está directamente contemplado na letra do n.º 2 do artigo 142.º do CPTA, mas, havendo entre os nela contemplados e o dos autos identidade de ratio fundamentante, há que interpretar extensivamente o referido preceito legal, pois que se o legislador o tivesse previsto certo é que mereceria idêntico tratamento.
De facto, satisfeito o critério da alçada, não se conceberia negar ao requerente a quem uma indemnização por garantia indevida fosse negada sem fundamento legal por decisão judicial proferida em execução de julgado tributário a possibilidade de dela recorrer, atenta a natureza de direito fundamental do direito de acesso aos Tribunais e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, nem se concebe que tal direito deva ser negado à Administração no caso inverso, pois que não se afiguraria proporcional e justificada tal desigualdade de tratamento.
Improcede, deste modo, a contra-alegação da recorrida no sentido da inadmissibilidade do presente recurso jurisdicional, e, porque não vêm alegados nem se verificam quaisquer outros obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso, dele haverá que conhecer.
6.2 Da não verificação das excepções de intempestividade e de erro na forma de processo e do reconhecimento do direito a indemnização por garantia indevida
A sentença recorrida, a fls. 101 a 103 frente e verso dos autos, julgou inverificadas as excepções de erro na forma de processo e de extemporaneidade do pedido de indemnização por garantia indevida arguidas pelo Director-Geral dos Impostos na sua contestação e pelo Ministério Público no seu parecer, por ter entendido, atento o disposto nos artigos 100.º e 53.º n.º 3 da LGT e a prevalência desta Lei sobre o CPPT, que o pedido de indemnização por garantia indevida pode ser formulado autonomamente, designadamente através de processo de execução de julgado (art. 146.º, n.º 1 do CPPT e art. 173.º e ss do CPTA), e não apenas no próprio processo de impugnação, no prazo de 30 dias contados do momento em que a garantia foi prestada (cfr. sentença recorrida, a fls. 101, verso e 102, frente, dos autos).
Discorda do decidido o Director-Geral dos Impostos, alegando que a sentença recorrida errou na interpretação do direito aplicável, pois que nos termos do n.º 2 do art. 171º do CPPT, a indemnização tem de ser requerida no âmbito do processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda e não tendo sido formulado esse pedido em sede de Impugnação judicial que lhe foi favorável, não o pode agora formular em sede de execução de julgados da sentença dos autos de impugnação, porque, a plena reconstituição da legalidade no caso de procedência de impugnação judicial a que se refere o artigo 100.º da LGT, não implica o pagamento automático de uma indemnização não solicitada, nem decidida nessa sede, não podendo a sentença recorrida “reconhecer um direito” numa acção de execução que não está para isso destinada, e assim, colmatar uma falta da responsabilidade exclusiva da ali requerente, ao não requerer em sede própria a indemnização pelas despesas com a garantia bancária prestada para suspender um processo de execução fiscal (cfr. as conclusões das alegações de recurso supra transcritas).
Vejamos.
Questão idêntica à que é objecto do presente recurso jurisdicional foi decidida por Acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Novembro de 2010, proferido no recurso n.º 1103/09, em termos claros e desenvolvidos que merecem a nossa total adesão e que conduzem à total improcedência das alegações do recorrente.
Dele se extrai, e aqui se reafirma com os fundamentos dele constantes, a possibilidade de a indemnização por garantia indevida ser requerida autonomamente em execução de julgado e podendo neste meio processual ser ela decidida e determinada, enquanto decorrência do dever de reconstituir a situação hipotética que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado.
Consignou-se no citado Acórdão, que, com a devida vénia, passamos a transcrever:
«Na perspectiva da Recorrente, a decisão incorreu em erro de julgamento, por incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 100.° e 53.° da Lei Geral Tributária e do artigo 171.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ao julgar que o pedido de indemnização em caso de garantia bancária indevidamente prestada pode ser formulado em processo autónomo, mais concretamente, em sede de processo de execução de julgado. (…)
Nessa altura já estava em vigor a Lei Geral Tributária, cujo artigo 53.º dispunha o seguinte:
Artigo 53.º
Garantia em caso de prestação indevida
1 - O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.
2 - O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
3 - A indemnização referida no n.º 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente. (sublinhado nosso).
4 - A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.
Donde resulta, de forma inequívoca, o direito à indemnização do contribuinte em caso de garantia indevidamente prestada, em virtude do vencimento de reclamação, impugnação, recurso ou oposição. Ou seja, este preceito consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do processo em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda, podendo essa indemnização «ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente».
O que significa que, segundo a LGT, a pretensão indemnizatória tanto pode ser formulada no próprio procedimento ou processo tributário onde esteja a ser controvertida a legalidade da dívida garantida, como formulada autonomamente, isto é, de forma autónoma relativamente àquele tipo de processo, de forma independente.
A Lei Geral Tributária não estabelece, porém, o prazo limite para a dedução desse pedido no procedimento e/ou processo tributário, nem clarifica qual o meio processual que deve ser usado para a sua formulação autónoma, embora se deduza que, neste último caso, ele deva ser feito em processo do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal adequado para a formulação desse tipo de pedidos. (…)
É certo que, posteriormente, em 1 de Janeiro de 2000, entrou em vigor o Código de Procedimento de Processo Tributário, que, no artigo 171.º, veio regulamentar o exercício desse direito, dispondo do seguinte modo:
Artigo 171.º
Indemnização em caso de garantia indevida
1 - A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.
2 - A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
Tal preceito traduz a reafirmação da faculdade, já enunciada na LGT, de o pedido ser formulado no procedimento ou processo tributário onde esteja a ser discutida a legalidade da liquidação da dívida garantida, isto é, logo no seu articulado inicial, ou, no caso de se fundar em facto superveniente relativamente a esse articulado, em requerimento posterior a apresentar nesse meio procedimental ou processual no prazo de 30 dias após a ocorrência do facto superveniente.
Donde decorre que o artigo 171.º do CPPT visou, tão só, regulamentar o modo de requer a indemnização no próprio procedimento ou processo tributário, nos termos previstos na 1ª parte do n.º 3 do artigo 53.º da LGT, e não regulamentar o modo de a requer no meio processual autónomo ou independente previsto na 2ª parte do preceito.
E, por isso, o facto de nada se dizer no CPPT sobre a formulação autónoma do pedido, expressamente autorizada pela LGT, não impede que ele seja feito em processo próprio, acessório ou principal, adequado para o efeito.
Aliás, a supremacia ou prevalência da LGT sobre o CPPT, não permite, sequer, sufragar uma interpretação do artigo 171.º do CPPT no sentido de que ele quis afastar ou eliminar a possibilidade de a indemnização poder ser requerida através do meio processual autónomo referido naquela Lei, pois essa exclusão implicaria a inconstitucionalidade orgânica do preceito, tendo em conta que o sentido da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar o CPPT (concedida pela alínea c) do n.º 1 do art. 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31.12) foi o de compatibilizar as normas do Código de Processo Tributário com as da Lei Geral Tributária e regulamentar as normas desta Lei que se mostrassem carecidas de regulamentação, e não proceder à sua revogação parcial ou total.
Torna-se, assim, evidente que a intenção do legislador foi a de que esta indemnização pudesse ser requerida e definida logo no procedimento ou processo tributário onde se discute a legalidade da dívida garantida, sem prejuízo de a parte poder formular essa pretensão em processo autónomo, pois só esta leitura permite compatibilizar o direito expressamente consagrado no artigo 53.º da LGT com a norma ínsita no artigo 171.º do CPPT. (…)
Resta a questão de saber se, não tendo o lesado exercido esse direito através de acção administrativa ou do referido enxerto no processo tributário, não dispondo, assim, de decisão que condene a Administração ao pagamento da aludida indemnização, não estando esta obrigada ao seu pagamento em execução espontânea do julgado, pode, ainda assim, o lesado formular esse pedido em execução coerciva do julgado anulatório, isto é, no meio processual acessório do processo tributário onde foi anulada a dívida garantida.
Se estivéssemos no domínio do contencioso de plena jurisdição, em que a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos é concedida directamente pelo tribunal, sendo este quem dita e delimita a protecção jurídica que deve ser concedida reconhecida ao titular do direito subjectivo ou dos interesses legalmente protegidos, não teríamos dúvidas em responder negativamente à questão. Sem uma decisão a condenar a Administração ao pagamento de uma indemnização, o contribuinte não poderia ir ao processo de execução do julgado pedir essa indemnização.
Todavia, no contencioso tributário a tutela é indirecta, no sentido de que cabe à Administração tomar as providências adequadas em ordem a que a decisão anulatória produza os seus efeitos práticos normais. E daí que, salvo nos casos de impossibilidade ou de grave prejuízo para o interesse público, impenda sobre a Administração, na execução da decisão anulatória, o dever de reconstituir a situação (hipotética) que existiria à data do trânsito em julgado, como se o acto ilegal não tivesse sido praticado.
É o que resulta das normas contidas nos artigos 100.º e 102.º da Lei Geral Tributária, que têm o seguinte teor:
Artigo 100.º
Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo
A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Artigo 102.º
Execução da sentença
1 - A execução das sentenças dos tribunais tributários e aduaneiros segue o regime previsto para a execução das sentenças dos tribunais administrativos.
2 - Em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea (redacção dada pelo artigo 83º da Lei n.º 67-A/2007 de 31 de Dezembro)
Destes preceitos, conjugados com as normas do CPTA sobre a execução de sentenças de anulação de actos administrativos, aplicáveis por força daquele n.º 1 do artigo 102.º da LGT, resulta, pois, que em caso de procedência da impugnação (meio judicial onde foi proferida decisão anulatória da liquidação em causa nestes autos), a Administração fica obrigada a reconstituir a situação jurídica hipotética, repondo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, por forma a que a ordem jurídica seja reintegrada e o beneficiário da anulação veja reparado os danos sofridos em resultado da prática desse acto (cfr. artigo 173.º do CPTA).
Ou seja, para além de a decisão judicial anulatória possuir um efeito constitutivo, que consiste na invalidação do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurídico desde o seu nascimento, e deter um efeito inibitório, que afasta a possibilidade de a Administração reproduzir o acto com as ilegalidades já declaradas, goza, ainda, de um outro efeito, que é o da reconstituição da situação hipotética actual, também chamado de efeito repristinatório, reconstitutivo ou reconstrutivo, e que passa pela prática dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à referida reconstituição e pela eliminação da ordem jurídica de todos os efeitos positivos ou negativos que a contrariem.
É, pois, indispensável que a Administração pratique, na execução da decisão anulatória, os actos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada e à reconstituição da situação actual hipotética, isto é, restabeleça a situação que o interessado tinha à data do acto ilegal e reconstitua, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o acto não tivesse sido praticado.
Ora, na nossa perspectiva, as despesas que o contribuinte teve de suportar com a prestação de garantia para obter a suspensão da execução onde estava a ser cobrada a dívida proveniente do acto de liquidação ilegal devem ser vistas como um dano emergente da ilicitude desse acto, tendo em conta que este gozava do privilégio da executoriedade ou privilégio da execução prévia, determinante da sua imediata cobrança coerciva (artigos 18.º do CPT e 60.º do CPPT), e que a suspensão da execução dependia da prestação de garantia que o contribuinte se viu, assim, forçado a prestar, pelo que esta constitui, ainda, consequência lesiva da actuação administrativa ilegal.
Deste modo, e no âmbito da presente execução de julgado, a indemnização de tais despesas, necessariamente assumidas pelo contribuinte para obter a suspensão de eficácia do acto que veio a ser eliminado da ordem jurídica por força da sua ilegalidade, traduz-se em operação necessária à reconstituição da situação económica em que aquele estaria se não tivesse sido praticado o acto ilegal. Por outras palavras, a Administração Tributária incorreu na prática de um acto ilegal, forçando o contribuinte a recorrer à via judicial para remover essa ilegalidade e a ter de suportar despesas para obter a suspensão da cobrança coerciva da dívida que emergia desse acto, pelo que não há razão para que a reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado não passe pela indemnização desses danos que por ele foram directamente provocados.
Em suma, do acto de anulação da liquidação (…) efectuado ao Exequente resulta o dever, para a Administração, de reconstituir a situação que actualmente existiria se tal acto ilegal não tivesse sido praticado, dever que decorre directamente da lei, sem necessidade de uma decisão declarativa, não fazendo hoje sentido a doutrina, antes seguida, de obrigar o contribuinte a munir-se previamente de uma prévia decisão condenatória do pagamento dessa indemnização, obtida no processo de impugnação judicial. E é este dever de reconstituição que justifica que a pretensão indemnizatória prevista no artigo 53.º da LGT seja requerida e obtida em processo de execução de julgado.
Como bem nota JORGE LOPES DE SOUSA, na obra citada, pág. 159, a razoabilidade desta posição «é reforçada com a aplicabilidade aos processos de execução de julgados do novo regime previsto no CPTA para a execução de sentenças dos tribunais administrativos (art. 147.º, n.º 1, do CPPT), pois, ao contrário do regime anterior, em que nos termos do art. 10.º, n.º 4, do DL n.º 256/77, de 21 de Junho, eram excluídas do âmbito do processo as questões de complexa indagação, o novo processo de execução de sentenças de tribunais administrativos contém os momentos declarativos necessários para a definição completa dos direitos do exequente, como se conclui do art. 47.º, n.º 3, do CPTA, em que se estabelece que a não formulação dos pedidos cumulativos no âmbito dos processos impugnatórios não preclude a possibilidade de as mesmas pretensões serem accionadas no âmbito do processo de execução da sentença de anulação.».
Por outro lado, como acrescenta esse Ilustre Conselheiro, será esta a posição que «se compagina melhor com o dever de “plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto de litígio” que o art. 100.º impõe à administração tributária em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo. Na verdade, se é certo que a indemnização por garantia indevida não se insere no âmbito do dever de execução espontânea (designadamente porque a Administração Tributária nem saberá exactamente o que o impugnante despendeu com a prestação de garantia), também é certo que o acto anulado é uma condição sem a qual não teria sido prestada a garantia e esta está ligada a esta por um nexo de causalidade adequada, pelo que a indemnização se insere no âmbito do dever de reconstituição que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal, em que se consubstancia a execução de julgado anulatório de acto administrativo (art. 173.º, n.º 1, do CPTA) categoria em que se inserem os actos de liquidação de tributos.».
Razão por que improcedem todas as conclusões deste recurso.» (fim de citação).

Pelo exposto, manifesto é que o recurso não merece provimento e que nenhuma censura merece a sentença recorrida, que bem julgou.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 13 de Abril de 2011. – Isabel Marques da Silva (relatora) – António Calhau –Dulce Neto.