Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0752/05.1BEPRT
Data do Acordão:07/09/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
REVISTA
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão relativo a uma empreitada de obras públicas se tudo imediatamente indicar que o TCA resolveu com acerto as várias «quaestiones juris» que se lhe punham – o que aponta para a inviabilidade da revista e a desnecessidade de se transferir o assunto para o STA.
Nº Convencional:JSTA000P26216
Nº do Documento:SA1202007090752/05
Data de Entrada:06/24/2020
Recorrente:A..........,S.A.
Recorrido 1:GOP - GESTÃO DE OBRAS PÚBLICAS DA CÂMARA MUNICIPAL DO PORTO, E.M.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, Ld.ª, interpôs esta revista do acórdão do TCA Norte que, revogando em parte o decidido no TAF do Porto, julgou parcialmente improcedente a acção condenatória que ela movera à ré GOP - Gabinete de Obras Públicas da Câmara Municipal do Porto, EM, na sequência de um contrato de empreitada de obras públicas havido entre as partes.

A recorrente pugna pela admissão da revista por esta conter questões juridicamente relevantes e mal decididas.
A ré contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
O litígio dos autos emerge de uma empreitada de obras públicas executada pela autora e aqui recorrente para a ré, enquanto dona da obra.
No saneador, esta foi absolvida – por razões de caducidade – de vários pedidos parcelares. E, na sentença, o TAF julgou a acção parcialmente procedente (e improcedente na parte restante).
O TCA negou provimento à apelação da autora; mas concedeu parcial provimento ao recurso da ré. Assim: recusou a condenação desta relativamente à factura n.º 400259 – apesar do facto LXXX dizer que tal factura corresponde a «trabalhos executados pela autora a mando da ré», que ascenderam a € 71.818,99 – «ex vi» do art. 182º, n.º 2, do DL n.º 59/99, de 2/3; e alterou o decidido no TAF quanto a duas outras facturas (de «revisão de preços» – «vide» os factos LXXVIII e LXXIX), condenando a ré no pagamento de uma importância a liquidar.
A revista afigura-se pouco prometedora nos segmentos em que ataca a posição unânime das instâncias no que toca à caducidade e ao «quantum» da factura n.º 400259 – questões essas decididas, «in primis» e respetivamente, no despacho saneador e na sentença do TAF.
Com efeito, a argumentação da recorrente, centrada na ideia de que as discussões que encetou com a dona da obra – a propósito do indeferimento de um pedido de indemnização e da aplicação de multas – foram «negociações» que suspenderiam o curso dos prazos de caducidade sob pena de «abuso de direito», não perece credível. Ao invés, as posições das instâncias nesses pontos – relacionados com a excepção de caducidade – afiguram-se razoavelmente exactas, não reclamando uma reanálise.
E a recorrente também não é persuasiva no que respeita ao montante da factura 400259; pois ela almeja que se lhe atribua um valor diferente do que consta da factualidade provada, esquecendo que assim envereda por matéria que, em princípio, é estranha aos poderes do tribunal de revista (art. 150º, n.º 4, do CPTA).
Seguidamente, o recurso questiona a revogação operada pelo TCA relativamente à pronúncia condenatória suportada na factura n.º 400259. Neste domínio, o acórdão «sub specie» disse que faltara a formalidade «ad probationem» que está prevista no art. 182º, n.º 2, do DL n.º 59/99 (e no seu art. 26º, n.º 2), razão por que desatendeu o facto LXXX.
Aqui, depara-se-nos a absolvição do pedido de pagamento de «trabalhos» que a factualidade assente considerou executados «a mando da ré». O que, em abstracto, seria um assunto suficientemente sério para favorecer o recebimento da revista.
Mas, «in concreto», as coisas mudam de figura. Embora não se explicasse de modo esgotante, o TCA – sem extravasar juridicamente do que a ré alegara na sua apelação – disse que o facto LXXX não podia provar-se mediante prova testemunhal (art. 393º, n.º 1, do Código Civil), por estar sujeito àquela exigência legal de documento escrito («ad probationem»). Significativamente, as conclusões da revista nada dizem sobre essa ofensa – ocorrida no TAF aquando do julgamento do facto LXXX – do direito probatório formal. E esse silêncio da recorrente não é apenas sugestivo do seu claro embaraço – já presente, aliás, na contra-alegação que deduziu no TCA, onde ela tentou tornear o problema através a invocação, em «ultima ratio», do instituto do enriquecimento sem causa; é também indiciador da inviabilidade da revista neste importante ponto.
Por último, a recorrente ataca a decisão do TCA quanto a duas facturas de «revisão de preços». Neste campo, a discussão trazida pela revista centra-se em saber se os «quanta» a pagar pela ré à autora hão-de ser por ora ilíquidos (como disse o aresto) ou se podem e devem ser imediatamente liquidados (como defende a recorrente).
Contudo, uma discussão desse género só muito excepcionalmente justificaria a intervenção do Supremo. E isso continua a ser assim «particulariter», porque o acórdão recorrido enunciou aqui um discurso cuja plausibilidade parece – numa «summaria cognitio» – imune à sinuosa argumentação que a recorrente lhe opõe.
Donde se conclui não haver necessidade – face ao tipo e à relevância das «quaestiones juris» postas na revista e ao modo, aparentemente certo, como o TCA as resolveu – de transferir os «themata» do processo para o Supremo.
E antes deve prevalecer, «in casu», a regra da excepcionalidade das revistas.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 9 de Julho de 2020. – Madeira dos Santos (relator; e, nos termos do artº 15º A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, atesto que os Exmºs Juízes Adjuntos - os Srs. Conselheiros Teresa de Sousa e Carlos Carvalho - têm voto de conformidade).