Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0439/11
Data do Acordão:06/08/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
Sumário:Os créditos de IMI quando inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora e nos dois anos anteriores gozam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel a que respeita o imposto penhorado, devendo ser graduado nos termos do artigo 751.º do CC (artigos 122.º do CIMI e 744.º do CC).
Nº Convencional:JSTA000P13000
Nº do Documento:SA2201106080439
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I - A Magistrada do MP junto do Tribunal Tributário de Lisboa, não se conformando com a sentença proferida pela Mma. Juíza daquele Tribunal nos presentes autos de reclamação, verificação e graduação de créditos, que correm termos por apenso à execução fiscal n.º 1546200701029428, do Serviço de Finanças de Mafra, em que é executado A…, com domicílio em Mafra, para cobrança coerciva de dívidas de IMI, referente a 2006 e 2007, inscrito para cobrança em 2007 e 2008, respectivamente, e respectivos juros, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos termos dos art.ºs 122.º, n.º 1 do CIMI e 744.º, n.º 1 do Cód. Civil, gozam de privilégio imobiliário especial os créditos de IMI respeitante ao imóvel penhorado inscrito para cobrança no ano corrente na data da penhora e nos dois anos anteriores;
2. Tal privilégio, imobiliário especial, é conferido em razão da conexão existente entre o imóvel onerado pela garantia e o facto que gerou a dívida. Assim,
3. Tendo sido dado como assente na fundamentação da sentença que os créditos exequendos, para cuja cobrança coerciva foi instaurada a execução fiscal de que a presente reclamação de créditos é dependência, são provenientes de IMI de 2006 e 2007, inscritos para cobrança em 2007 e 2008, respectivamente, dizem respeito ao imóvel penhorado e a um outro imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais (pontos G) e H) da fundamentação de facto), impunha-se distinguir entre uns e outros, uma vez que beneficiam de diferentes preferências ou garantias. Assim,
4. Enquanto os créditos exequendos de IMI respeitante ao imóvel penhorado, e situados no limite temporal supra referido, gozam de privilégio imobiliário especial, já os créditos exequendos respeitantes ao outro imóvel, que não foi objecto de penhora e venda na execução fiscal, gozam apenas da preferência resultante da penhora nos termos do art.º 822.º do Cód. Civil.
5. Os primeiros, de acordo com o disposto no art.º 748.º, n.º 1 do Cód. Civil, deveriam ter sido graduados, a par com o crédito de IMI de 2008 reclamado pela FP, também ele respeitante ao imóvel penhorado e gozando de igual privilégio, em segundo lugar, logo após o IMT e antes da hipoteca, e os segundos, mas só eles, respeitantes ao imóvel não penhorado, em último lugar;
6. Tendo considerado que todos os créditos exequendos de IMI gozam apenas da preferência resultante da penhora e graduando-os em último lugar, sem distinguir os créditos exequendos de IMI respeitante ao imóvel penhorado e sem lhes reconhecer o privilégio imobiliário que lhes assiste, a sentença recorrida fez errada interpretação e violou o disposto nos art.ºs 122.º do CIMI, 744.º, n.º 1 e 748.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil.
7. Deverá, pois, ser revogada e substituída por outra que, reconhecendo que os créditos exequendos de IMI dos anos de 2006 e 2007, inscritos para cobrança em 2007 e 2008, respeitante ao imóvel penhorado, gozam de privilégio imobiliário especial, os gradue em segundo lugar, a par com o crédito de IMI de 2008 reclamado pela FP, também ele respeitante ao imóvel penhorado e gozando de igual privilégio, logo após o IMT e antes da hipoteca,
Como é de Justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Mostra-se assente a seguinte factualidade:
A) Entre o Reclamante B…, SA (ex C…, SA) e A… foi outorgado contrato de compra e venda com mútuo, hipoteca e fiança no valor de € 142.500,00 e garantia hipotecária até ao limite máximo de € 177.911,25 sobre a fracção autónoma designada pela letra F, destinada a habitação, do prédio em propriedade horizontal, sito na R. …, em Mafra, inscrito na matriz urbana da freguesia de Mafra, sob o artigo 9135 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra, sob o n.º 5976-F (cfr. fls. 19 a fls. 24 dos presentes autos);
B) Em 27/10/2005, através da Ap. 102/20051027, foi registada a hipoteca a favor do Reclamante, B…, SA (ex C…), para garantir as dívidas, referidas em A) (cfr. cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial de Mafra, junta a fls. 26 a fls. 30 dos presentes autos);
C) A Fazenda Pública instaurou execução fiscal n.º 1546200701029428, a qual corre seus termos no Serviço de Finanças de Mafra, em que é executado A…, tendo por objecto dívida IMI de 2006 e 2007 e juros de mora, no valor de € 1719,5 (cfr. cópia de processo de execução fiscal apenso aos presentes autos);
D) Em 12/12/2009, no âmbito do processo de execução identificado em C), para pagamento da dívida nele referida, foi penhorada a fracção autónoma mencionada em A) (cfr. fls. 35 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos);
E) Em 12/01/2009, a penhora identificada em D) foi registada definitivamente a favor da Fazenda Nacional, através da Ap. 4022/20090112 (cfr. cópia da certidão da Conservatória do Registo Predial, junta a fls. 12 a fls. 16 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos);
F) No dia 3/12/2009, procedeu-se à venda judicial do imóvel referido em D) (cfr. fls. 55 a fls. 56 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos);
G) As dívidas de IMI do ano de 2006, primeira e segunda prestação, no valor de € 372,37, respectivamente, que tiveram prazo de pagamento voluntário até 30/04/2007 e 30/09/2007, reportam-se ao prédio penhorado nos autos e ao imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, sob o artigo 2173, fracção D (cfr. fls. 60 a fls. 62 dos presentes autos e fls. 23 a fls. 24 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos);
H) As dívidas de IMI do ano de 2007, primeira e segunda prestação, no valor de € 386,30 e € 386,29, respectivamente, que tiveram prazo de pagamento voluntário até 30/04/2008 e 30/09/2008, reportam-se ao prédio penhorado nos autos e ao imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, sob o artigo 2173, fracção D (cfr. fls. 60, fls. 63 a fls. 64 dos presentes autos e fls. 25 a fls. 26 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos);
I) Os créditos exequendos, que correm por apenso ao processo executivo n.º 1546200701029428, são os seguintes:
1. Por dívidas de IMI, referentes ao ano de 2006, primeira e segunda prestação, no valor de € 372,37, respectivamente, e referentes ao ano de 2007, primeira e segunda prestação, o valor de € 386,30 e € 386,29, respectivamente (cfr. certidões de dívida a fls. 23 a fls. 26 do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos);
J) Os créditos exequendos, que correm por apenso ao processo executivo n.º 1546200701083090, são os seguintes:
1. Por dívidas de IMI, referentes ao ano de 2006, segunda prestação, no valor de € 372,36 (cfr. certidão de dívida do processo de execução fiscal n.º 1546200701083090, apenso aos presentes autos);
K) Os créditos exequendos, que correm por apenso ao processo executivo n.º 1546200801063596, são os seguintes:
1. Por dívidas de IMI, referentes ao ano de 2007, primeira prestação, no valor de € 386,30 (cfr. certidão de dívida do processo de execução fiscal n.º 1546200801063596, apenso aos presentes autos);
L) Os créditos exequendos, que correm por apenso ao processo executivo n.º 1546200801123777, são os seguintes:
1. Por dívidas de IMI, referentes ao ano de 2007, segunda prestação, no valor de € 386,29 (cfr. certidão de dívida do processo de execução fiscal n.º 1546200801123777, apenso aos presentes autos);
M) Os créditos reclamados são os seguintes:
1. Reclamados pelo B…, SA, referente ao contrato de mútuo garantido por hipoteca outorgado pelo B…, e o Executado, o valor de € 147.248,73, relativo ao imóvel penhorado, identificado em A) (cfr. fls. 19 a fls. 30 dos presentes autos);
2. Reclamados pela Fazenda Pública, por dívidas de IMI, referentes ao ano de 2008, primeira e segunda prestação, o valor de € 308,26, respectivamente, que tiveram prazo de pagamento voluntário até 30/04/2009 e 30/09/2009, relativos ao imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Lisboa, sob o artigo 2173, fracção D e ao imóvel penhorado, identificado em A) (cfr. certidão de dívida de fls. 39 a fls. 41 e fls. 48 dos presentes autos);
3. Reclamados pela Fazenda Pública, por dívida de IMT, que teve prazo de pagamento voluntário até 31/05/2007, o valor de € 303, relativo ao imóvel penhorado, identificado em A) (cfr. certidão de dívida de fls. 39 e fls. 48 dos presentes autos).
III - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juíza do TT de Lisboa nos autos de verificação e graduação de créditos que correm por apenso à execução fiscal n.º 1546200701029428, do Serviço de Finanças de Mafra, em que é executado A..., com domicílio em Mafra, para cobrança coerciva de dívidas de IMI, referente a 2006 e 2007, inscrito para cobrança em 2007 e 2008, respectivamente, e respectivos juros, que se reportam ao prédio penhorado nos autos (identificado na alínea A) do probatório - inscrito na matriz urbana da freguesia de Mafra sob o artigo 9135 e descrito na CRP de Mafra sob o n.º 5976-F) e a um outro imóvel inscrito na matriz urbana da freguesia de Santa Maria dos Olivais sob o artigo 2173 - v. alíneas G) e H) do probatório.
Foram reclamados créditos garantidos por hipoteca, registada a favor de B…. SA, e créditos de IMI de 2008, relativo ao imóvel penhorado, e de IMT.
Na decisão recorrida, a Mma. Juíza a quo graduou os créditos reclamados pela ordem seguinte: Em 1.º lugar, o crédito reclamado de IMT; em 2.º lugar, os créditos de IMI de 2008; em 3.º lugar, o crédito reclamado pelo B… garantido por hipoteca; por último, os créditos exequendos de IMI de 2006 e 2007.
É contra esta graduação que se insurge o recorrente MP, alegando que, gozando os créditos de IMI quando inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora e nos dois anos anteriores de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel (a que respeite o IMI) penhorado, nos termos dos artigos 122.º do CIMI e 744.º do CC, não compreende porque razão os créditos de IMI de 2006 e 2007 inscritos para cobrança em 2007 e 2008 foram graduados em último lugar, gozando apenas da preferência resultante da penhora, quando respeitam ao imóvel penhorado.
E, de facto, tem razão o recorrente.
Na verdade, não há dúvida, e isso mesmo ressalta da decisão recorrida, os créditos exequendos de IMI reportam-se não só ao prédio penhorado nos autos como a um outro imóvel, tendo sido inscritos para cobrança em 2007 e 2008 (v. alíneas G) e H) do probatório).
Sendo assim, e tendo a penhora tido lugar em 2009 (alínea D) do probatório), gozam os créditos referentes ao imóvel penhorado de privilégio imobiliário especial, nos termos dos artigos 122.º do CIMI e 744.º do CC, a par do crédito de IMI de 2008 e que na sentença recorrida, por esse motivo, se graduou logo em segundo lugar.
Ora, na sentença recorrida, não só não se distinguiram os créditos exequendos de IMI respeitantes ao imóvel penhorado dos outros créditos que, embora também de IMI, por não respeitarem ao imóvel penhorado nos autos, apenas beneficiam da preferência resultante da penhora e não de qualquer privilégio imobiliário especial.
Razão por que a sentença recorrida se não possa, por isso, manter, impondo-se a sua revogação, para que se proceda à consequente graduação de acordo com os preceitos legais supra referidos.
IV - Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Contencioso Tributário do STA em conceder provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida, e, consequentemente, graduar os créditos pela ordem seguinte:
- Em 1.º lugar, o crédito reclamado proveniente de IMT;
- Em 2.º lugar, os créditos exequendos e reclamados, e juros respectivos, de IMI dos anos de 2006, 2007 e 2008, que se reportam ao imóvel penhorado nos autos;
- Em 3.º lugar, o crédito e juros reclamados pelo B…, SA, garantido por hipoteca;
- Por último, os créditos exequendos, e juros respectivos, provenientes de IMI dos anos de 2006 e 2007, que se reportam ao imóvel não penhorado nos autos.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Junho de 2011. – António Calhau (relator) – Casimiro GonçalvesBrandão de Pinho.