Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0326/12
Data do Acordão:05/30/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário:I - Dependendo a aplicação da coima, de liquidação de imposto, o prazo de prescrição é o de quatro anos previsto no artº 45º, nº 1 da LGT.
II - Atento o disposto no artº 28º, nº 3 do RGCO (aplicável subsidiariamente às contraordenações fiscais) a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
III - Deste modo, considerando o prazo máximo de suspensão previsto no artº 27º-A, nºs 1, alínea c) e 2 - seis meses -, o prazo de prescrição e metade deste, o prazo total de prescrição foi de seis anos e seis meses contados da verificação da infração – 31.12.2004, pelo que o procedimento contraordenacional se encontra prescrito nos presentes autos.
Nº Convencional:JSTA00067639
Nº do Documento:SA2201205300326
Data de Entrada:03/26/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - CONTRA ORDENAÇÃO TRIB
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO
Legislação Nacional:RGCO ART5 ART28 N3
RGIT01 ART5 N2 ART27-A N1 C N2 ART28 N3 ART33 N1 N2
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A……, Ldª, com os demais sinais nos autos, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Almada que julgou improcedente o seu recurso interposto de decisão de aplicação de coima pelo Chefe do Serviço de Finanças de Almada no montante de 4.737,62 euros, ao abrigo do disposto nos artºs 114º, nº 2 e 5, alínea f) e 26º, nº 4, ambos do RGIT, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A) Ao presente recurso deverá ser atribuído, necessariamente, efeito suspensivo, sob pena de violação do princípio constitucional "in dúbio pro reo", bem como das disposições dos artigos 79º, n°.2, do R.G.I.T; 89.° do RGCO; 408, n°.1, al. a) e 467.°, n.° 1 do C.P.Penal

B) Em face daquelas normas, deverá entender-se que, no regime previsto no art°. 84, do R.G.I.T., complementado pelo R.G.C.O.C., não é possível a execução das coimas e sanções acessórias antes do trânsito em julgado ou de se ter tornado definitiva a decisão administrativa que as aplicar, sendo esta a única interpretação que assegura a constitucionalidade material deste art°. 84º, do R.G.I.T., nos casos em que o recurso é interposto de decisão condenatória, assim não sendo necessário a prestação de garantia para que o mesmo recurso goze de efeitos suspensivos da decisão recorrida.

C) Mas ainda que assim não se entenda, (o que se admite por mero raciocínio de patrocínio), deverá dispensada a prestação de qualquer garantia, porquanto a Arguida carece de qualquer meio económico para o fazer, uma vez que se encontra numa situação de grave crise financeira, não conseguindo, sequer, satisfazer a sua mais elementar obrigação: o pagamento atempado dos salários dos seus trabalhadores.
Sem conceder,

D) O presente procedimento contraordenacional encontra-se prescrito desde 31 de dezembro de 2010.

E) Na verdade, estando em causa nos presentes autos uma infração omissiva, esta considera-se praticada (consumada) na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário (no caso 31 de dezembro de 2004), conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 5o do Regime Geral das Contra Ordenações (RGCO) e 5o n° 2 do RGIT.

F) Conforme preceitua o art°. 33º, n°.1, do R.G.I.T., o procedimento pela contra- ordenação em causa extingue-se por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do facto sejam decorridos cinco anos. No entanto, o prazo de prescrição do procedimento por contraordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação (art°. 33, n°. 2, do R.G.I.T.), ou seja, estabelece este preceito um prazo especial de 4 anos, quando a infração depende de liquidação, como é o caso dos presentes autos, já que a infração em causa depende da liquidação tributária.

G) A Jurisprudência tem entendido que é enquadrável no prazo de prescrição previsto no art°. 33º, n°. 2, do R.G.I.T., a infração tributária que deriva da violação do regime de pagamento por conta prevista no art°s.114, n°s. 2 e 5, al.f), do R.G.I.T., como é o caso dos autos (Cfr. Acórdão do S.T.A. 2a.Secção, 28/4/2010, rec.777/09; do T.C.A. Sul - 2a.Secção, 25/5/2010, proc. 3942/10 e ainda Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias anotado, 4a. Edição, 2010, Áreas Editora, pág. 323 a 325.

H) Assim, sendo pacífico que a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade, (no caso 4+2anos), resulta evidente que se encontra prescrito o presente procedimento de contraordenação desde 31 de dezembro de 2010, pelo que, sem mais, deverão os presentes autos ser arquivados.
Sem conceder,

I) O Tribunal a quo ao aplicar a coima a Arguida, violou os artigos 99.° n.°1 e 2 do CIRC, bem como o artigo 32.°, n.° 1 e 2 do RGIT.

J) Com efeito, face aos elementos de que a Arguida dispunha, tudo apontava para a conclusão de que o montante do pagamento por conta até então efetuado seria igual ou superior ao imposto devido com base na matéria coletável do exercício de 2004. E não colhe a tese, do Tribunal a quo, quando alega que não estava sequer verificada a condição para a limitação dos pagamentos por conta, uma vez que se veio a apurar que a coleta do imposto foi de € 32.868,85, pois, como é por demais evidente,

L) A lei é clara quanto à consequência (penalidade) da não verificação da condição prevista no número 1 do artigo 99.° do Código do IRC, culminando com o pagamento de juros compensatórios, (cfr. n.° 2 do mesmo preceito), que a Arguida cumpriu, nada mais sendo devido à Arguida a título da não verificação do previsto no número 1 do artigo 99° do Código do IRC.

M) Assim, violando a Arguida o n.° 1 do artigo 96.° do Código do IRC, a consequência é a aplicação do n.° 2 do mesmo preceito e não, como erradamente entendeu o Tribunal a quo, o previsto no art.° 114.°, n.° 2, e 5 alínea f) do Regime Geral das Infrações Tributárias,

N) É que aplicação dos dois preceitos (das duas penalizações) viola o princípio consagrado constitucionalmente non bis in idem, pelo que não se aceita a aplicação de qualquer coima à Arguida.
Sem conceder,

O) Ainda que se considere que a Arguida incorreu na prática da contraordenação em causa (o que se admite por mera cautela de defesa) a aplicação de qualquer coima deverá ser dispensada, uma vez que estão reunidos, cumulativamente, os requisitos previstos nos artigo 32.° n.° 1 do RGIT, com relevância para o facto de, neste caso, não ter resultado qualquer prejuízo efetivo para o Estado, já que o que está em causa é falta de pagamento de uma antecipação de receita (o pagamento por conta) cuja constitucionalidade, aliás, tem sido reiteradamente discutida. O Estado não sofre prejuízo efetivo quando não recebe "um empréstimo forçado".
Sem conceder,

P) O Tribunal a quo ao aplicar o montante da coima como o fez, violou o n.° 2 do artigo 32.° do RGIT, pois, ainda que se entenda aplicar uma coima à Arguida, então a mesma deverá ser especialmente atenuada tendo em conta os factos provados nos presentes autos, nomeadamente tendo em conta o imposto em causa (antecipação de receita), tendo em conta que a Arguida recorreu a uma dispensa prevista na lei, tendo em conta que a Arguida regularizou a (eventual) falta cometida, incluindo o pagamento de juros compensatórios e tendo em conta que, como resulta dos presentes autos, não existiu qualquer ocultação, o beneficio económico da Arguida foi €0 e a negligência foi simples (cfr n.° 12 dos factos provados).

II. O Ex.mº Magistrado do MºP junto do TAF de Almada, em alegações constantes de fls. 75/78, veio pronunciar-se pela extinção do procedimento contraordenacional, ao abrigo do disposto nos artºs 33º, 61º e 77º do RGIT.

III. O Ex.mº Procurador-geral Adjunto neste STA, veio também pronunciar-se, no seu parecer de fls. 83/84, pela extinção do procedimento contraordenacional.

IV. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

1º)- Em 11/07/2005 foi emitida a demonstração de liquidação de IRC (n.° 20052910214896), referente ao ano de 2004 e a A……, Lda., com o NIPC ……, de que resultou imposto a pagar no valor de € 493,35 (cfr. fls. 12).

2º)- Na liquidação referida no ponto anterior foi declarada a coleta de IRC no montante de € 32.868,85 (cfr. fls. 12).

3º)- Na liquidação referida no ponto 1) consta o valor de € 11.292,00 a título de pagamentos por conta (cfr. fls. 12).

4º)- Em 17/08/2005 foi efetuado o pagamento do imposto identificado no ponto 1) (fls. 12).

5º)- Em 20/12/2006 foi levantado o auto de notícia a A……, Lda., "por falta de entrega do pagamento por conta referente a dezembro de 2004, sendo o valor da prestação tributária em falta de € 21534,65 e por tal facto constituir infração ao disposto no art. 96° n° 1, alínea a) do CIRC, punível nos termos dos n°s 2 e 5, alínea f) do art. 114.° e n° 4 do art. 26.° do RGIT" (cfr. auto de notícia de fls. 16 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6º)- Com base no auto de notícia referido no ponto anterior, em 22/12/2006 foi autuado no Serviço de Finanças de Sesimbra, o processo de contra-ordenação n° 2240200606041299 contra A……, Lda (fls. 15).

7º)- Em 22/12/2006, foi emitido ofício dirigido à arguida, para efeitos do exercício do direito de defesa (cfr. fls. 26).

8º)- Em 08/01/2007, deu entrada no Serviço de Finanças de Sesimbra, requerimento de defesa da arguida invocando que de acordo com o art. 99.° do CIRC só o Io pagamento por conta é que tem caráter obrigatório, bem como pelo facto da autoliquidação do IRC ter sido cobrado o total do imposto em falta, ficou a situação regularizada, solicitando a não aplicação da coima nos termos do art. 32.° do RGIT (fls. 17/18).

9º)- Face aos argumentos invocados pela arguida, foi proferido despacho pelo chefe do serviço de finanças a 09/04/2007, a ordenar que os autos prosseguissem para fixação de coima "uma vez que não se encontram reunidos os condicionalismos que permitem afastar a aplicação da coima" (cfr. fls. 19).

10º)- Em 11/04/2007, foi proferido despacho pelo chefe do serviço de finanças, de fixação da coima no montante de € 4.737,62 (fls. 22/23).

11º)- No despacho de fixação da coima, na referência à descrição sumária dos factos consta o seguinte:
"À arguida foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Imposto /Tributo: Imposto sobre rendimento de pessoas coletivas (IRC); 2. Valor da prestação tributária em falta: 21.534,65 Eur; 3. Período a que respeita a infração: 2004/12; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 31/12/2004; os quais se dão como provados." (cfr. fls. 22).

12º)- No despacho referido em 10), relativamente à medida da coima, consta:
"Em abstrato, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contraordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 4.306,93 e limite máximo o montante de Eur. 21.534,65, dado tratar(em)-se de pessoa(s) coletiva(s). Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objetiva e subjetiva da (s) contraordena ção(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (art° 27º do RGIT):
Atos de Ocultação — Não
Benefício Económico — 0,00
Frequência da prática — Acidental
Negligência — Simples
Obrigação de não conhecer a infração — Não
Situação Económica e Financeira — Desconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infração - >6 meses" (fls. 22).

13º)- Em 17/04/2007 foi a ora recorrente notificada da decisão da fixação da coima (fls. 20).

14º)- Em 08/05/2007 foi apresentado recurso da decisão de aplicação da coima (cfr. fls. 1/14).

VI. A questão a decidir em primeiro lugar (pois, a proceder, determina a inutilidade de apreciação das restantes), é a de saber se o procedimento contraordenacional se encontra ou não extinto.

Conforme se refere nas alegações de fls. 76, a infração considera-se consumada em 31.12.2004, pois, tratando-se de infração omissiva, esta considera-se praticada na data em que terminou o prazo para o cumprimento do respetivo dever tributário (artºs 5º do RGCO e 5º, nº 2 do RGIT).

De acordo com o artºs 33º, nº 1 do RGIT, o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional é de cinco anos, mas tal prazo é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infração depender daquela liquidação (nº 2 do citado artº 33º).

Assim, neste último caso - situação que se verifica nos autos - o prazo de prescrição é de 4 anos, pelo que a prescrição se verificaria em 31.12.2008.

Porém, há que atender ainda ao disposto nos artºs 28º, nº 3 e 27º-A, nºs 1, alínea c) e 2 (aplicáveis subsidiariamente às contraordenações fiscais) que estabelecem a suspensão do prazo de prescrição, com um limite máximo de seis meses.

E, por outro lado, há que ter também em atenção o disposto no artº 28º, nº 3 do RGCO, segundo o qual a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo der prescrição acrescido de metade.

Então, adicionando os quatro anos a metade deste tempo e a seis meses de prazo máximo de suspensão, temos que, o prazo de prescrição decorrido desde 31.12.2004, se completou em 30.06.2011, tal como bem concluíram os srºs Magistrados do MºPº acima referidos.

VII. Nestes termos e pelo exposto concede-se provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e, julgando-se extinto o procedimento contraordenacional contra a recorrente, determina-se o arquivamento dos autos.

Sem custas.
Lisboa, 30 de Maio de 2012. – Valente Torrão (relator) – Francisco Rothes – Pedro Delgado.