Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0186/15
Data do Acordão:03/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:Tendo a primeira instância decidido a questão de direito suscitada pela reclamante sem antes estabelecer a precisa situação de facto subjacente, é de determinar a ampliação da matéria de facto, dado que o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carece de poderes de cognição em sede de facto.
Nº Convencional:JSTA000P18741
Nº do Documento:SA2201503180186
Data de Entrada:02/20/2015
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………… SA, melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Tribunal da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a reclamação por ela deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa que indeferiu o pedido de levantamento das penhoras e hipotecas efectuadas no âmbito do processo de execução fiscal nº 3336201101085840.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«I - Foram instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 6 vários processos executivos melhor identificados nos autos, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, IRC e IRS, COIMAS e IMI, que totalizam € 1.057.603,72, a que acrescem juros e custas.
II - O Serviço de Finanças supra, efectuou hipotecas legais, sobre imóveis que são propriedade da recorrente, até ao valor de € 1.062.124,13
III - No Tribunal de Comércio de Lisboa foi instaurado um Plano Especial de Revitalização por parte da recorrente, o qual deu entrada, correndo seus termos sob o n° 406/13.5 TYLSB - 2° Juízo.
IV - A Autoridade Tributária participou nas negociações a elas aderiu e votou-o inclusive favoravelmente, concordando com a dispensa de garantia.
V - No PER foi aprovado e ficou expressamente consignado que à recorrente seria permitida a dispensa de garantia ao abrigo do artigo 52° n° 4 da LGT e do artigo 170° do CPPT.
VI - O “thema decidendum” prende-se com a legalidade da decisão de não levantar as penhoras e hipotecas legais, consumadas antes da homologação do PER.
VII - O despacho de 1410312014, proferido pela Autoridade Tributária, contendo a decisão de conservar as garantias constituídas unilateralmente, apesar do Plano homologado judicialmente, e por si votado favoravelmente, contemplar a dispensa de garantia é ilegal.
VIII - A sentença do Tribunal “a quo” que entende que por serem anteriores à homologação do PER, as garantias constituídas não devem ser levantadas não pode pois permanecer na ordem jurídica é ilegal.
IX - A decisão violou o regime de fundamentação dos actos tributários, preconizado no artigo 77° da LGT com os efeitos daí decorrentes.
X - Não se vislumbra dos autos o iter cognoscitivo seguido pela Autoridade Tributária, que razão de ciência, de experiência, permite aferir donde se retira a conclusão que não devem ser levantadas as garantias, apesar do PER o prever taxativamente.
XI - Do despacho ora em crise ressalta a insuficiência e incoerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão na perspectiva do homem médio e num juízo de prognose, como é que anuindo à dispensa de garantia no âmbito dum Plano que votou favoravelmente, a Autoridade Tributária as mantém, desrespeitando a compromisso por si assumido.
XII - O Processo Especial de Revitalização, introduzido no CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril tem por fim a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa e cuja eficácia pressupõe a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos que torne o acordo vinculativo para a generalidade dos credores.
XIII - Com a Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, se alterou o paradigma, passando a integrar como objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação.
XIV - A Autoridade Tributária deve intervir activamente no PER, participar dos sacrifícios e fazer parte integrante da solução, votada á recuperação do devedor e à sua manutenção no giro comercial, e não que coarcte as legítimas expectativas de ver concretizada a sua revitalização.
XV - Sem embargo, o princípio da igualdade dos(Sic.) nada impede a possibilidade de se estabelecerem diferenciações desde que não exista arbitrariedade.
XVI - Atendendo aos fins que o PER se propõe alcançar, seria desproporcional que este fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, tendo sido, por esse motivo, alargado o número de prestações admitido no âmbito deste até às 150 (cento e cinquenta), conforme o disposto no n.º 6 do artigo 196.º do CPPT.
XVII - A supremacia do PER face ao processo de execução fiscal, traduz-se na aplicação do Plano Homologado, que prevê a dispensa de garantia para pagamento das dívidas tributárias.
XVIII - Se o Plano não admite garantias, dispensa-as, as que unilateralmente foram constituídas têm de ser extintas, sob pena de não ser respeitado o Plano com crivo judicial de aprovação.
XIX - A dispensa de garantia configura no ordenamento tributário português, uma dupla vertente, implicando por um lado a escusa da sua prestação a partir da data em que se verificam os pressupostos da dispensa, e por outro o levantamento das garantias que anteriormente foram feitas seja a que titulo.
XX - No CPPT estabelece-se uma dicotomia em sede de garantias ou há dispensa ou garantia, não admitindo a norma dispensa e manutenção de garantia em simultâneo, excepto, quando seja prestada garantia parcial e se dispense apenas a garantia remanescente.
XXI - Não consta expressamente nem implicitamente do PER, que as garantias já prestadas se devem manter.
XXII - A Autoridade Tributária ao aderir aos condicionalismos do Plano, que prescinde das garantias, deve ter como implícito que as mesmas não podem subsistir, sob pena de se violar o princípio da igualdade plasmado no artigo 194.° do CIRE.
XXIII - O princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência.
XXIV- A par do princípio da igualdade, surge o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio co-envolvidos na actuação fundada na legalidade do exercício de direitos e deveres.
XXV - A recorrente necessita de ter os seus bens livres de ónus ou encargos, para poder cumprir o Plano.
XXVI - Ao não serem levantadas as garantias o próprio PER será um malogro e a recorrente entrará indubitavelmente em insolvência, por impossibilidade absoluta de cumprimento do mesmo.
XXVII - A deliberação de homologação, assente no Plano de Recuperação, que tem subjacente um Plano de Negócios, trave mestra demonstrativa da viabilidade da empresa, obriga a Autoridade Tributária, nos exactos termos estipulados nesse Plano.
XXVIII - O Plano de Recuperação, o qual não será despiciendo frisar, reveste conteúdo judicial e vincula terceiros após o seu trânsito em julgado, nos mesmos moldes do que uma sentença.
XXIX - A Autoridade Tributária ao recusar a dispensa de garantia, em clara violação de decisão judicial que faz parte integrante do presente Plano de Recuperação, está a impelir a recorrente para a insolvência por inviabilização culposa do próprio PER.
XXX- Ao pretender manter uma garantia que conseguiu coercivamente obter em momento anterior à aprovação do PER, a Autoridade Tributária está a violar o princípio da igualdade.
XXXI - A Autoridade Tributária anuído ao Plano o mesmo é eficaz, no que a si concerne, o que implica legalmente “in casu”, o levantamento das penhoras e dos ónus a favor da Autoridade Tributária.»

2 – A Fazenda Pública não contra alegou.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, com a seguinte fundamentação, que, na parte mais relevante se transcreve:
«(…) Apreciando a questão da falta de fundamentação da decisão da AT de indeferimento do levantamento das penhoras e hipotecas o Mmo. Juiz “a quo” considerou que na referida decisão “são descritos os factos, enunciados os princípios de direito entendidos como aplicáveis e expostas as razões que motivaram a decisão, tendo o reclamante apreendido os motivos da decisão, ainda que deles venha discordar”. E citando o Prof. Vieira de Andrade (in ”O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”), considerou que “para avaliar da correcção formal do acto, não está em causa a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão”.
E afigura-se-nos que nada há a censurar nesta parte à decisão recorrida. Com efeito e ao contrário do que alega a recorrente são perceptíveis os motivos que subjazem à decisão da AT e que estão patentes na informação dos Serviços que serve de suporte à decisão em causa. Outra coisa, como se refere na decisão recorrida, é concordar com esses fundamentos e nesta parte é patente a discordância da recorrente.
Daí que importe analisar as razões dessa discordância, o que nos leva a apreciar a segunda questão colocada pela recorrente e que consiste em saber se decisão de manter as garantias constituídas anteriormente à homologação do plano especial de revitalização (PER) por parte da AT e não levantar as hipotecas constituídas sobre os imóveis pertença da insolvente é ou não ilegal, por violar o plano de insolvência homologado por sentença.
A este propósito na sentença recorrida considerou-se que “… a manutenção das penhoras e hipotecas legais cujo levantamento foi peticionado pela reclamante não contende com o teor do plano de recuperação aprovado, pois nele não se prevê, expressa ou implicitamente, que as penhoras e hipotecas legais efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal tenham de ser levantadas e canceladas”. E acrescentou-se em reforço desta asserção: “… a dispensa de garantia não implica a extinção das garantias anteriormente prestadas, porquanto, mantendo-se os processos de execução fiscal pendentes - ainda que suspensos durante o cumprimento do plano de recuperação - as penhoras e hipotecas legais anteriormente constituídas destinar-se-ão a garantir o pagamento das dívidas fiscais, em caso, por exemplo, de incumprimento do referido plano”.
3.2 Da sentença recorrida resulta que o plano de revitalização prevê entre outras as medidas a redução dos créditos por perdão e moratória, sendo que a Fazenda Nacional viu os juros de mora vencidos reduzidos em 80% e ser dispensada a garantia dos créditos “ao abrigo do nº4 do artigo 52º da Lei Geral Tributária e do nº1 do artigo 170º do CPPT”.
Quanto aos demais créditos, designadamente os créditos bancários do BANIF a sentença recorrida é omissa, sendo certo que não se alcança em que termos este credor obteve a dação dos imóveis invocada pela recorrente e que a ónus e encargos os mesmos estão sujeitos.
É certo que a Fazenda Nacional constituiu hipotecas legais sobre todos os imóveis pertença da Recorrente, podendo concluir-se que os imóveis objecto da alegada dação em pagamento estarão igualmente onerados com a hipoteca legal constituída pela Fazenda Nacional, mas afigura-se-nos que importa precisar que imóveis são esses e os respectivos ónus e encargos.
Por outro lado importa precisar em que termos foi aprovado o plano de revitalização e quais os credores que o votaram favoravelmente.
3.3 Com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, o artigo 1º, nº2, do CIRE, veio consagrar o chamado “processo especial de revitalização”, destinado a permitir a qualquer devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização económica e num procedimento regulado no capitulo II do mesmo código (artigos 172-A a 17º 1). O regime consagrado nos artigos 172-A a 17º I assume cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, dando-se primazia à vontade dos intervenientes, com vista a alcançar-se um acordo que possibilite a manutenção em actividade do devedor.
Obtido esse acordo o mesmo é submetido à homologação do juiz, a qual se aplicam as regras previstas para a aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no titulo IX do código, designadamente o disposto nos artigos 215º e 216º do CIRE (para cuja disciplina remete o artigo 17-F, nº 4 e 5).
Como se alcança do artigo 216º, nº1, do CIRE, a homologação do plano pode ser recusada por parte do tribunal no caso de tal lhe ser solicitado por um dos credores que se tenha oposto ao mesmo com base num dos fundamentos previstos nas alíneas desse número, designadamente por a sua situação ao abrigo do plano ser menos favorável do que a que adviria na ausência de qualquer plano.
Importa trazer à colação que por força do disposto no n°3 do artigo 30° da LGT (introduzido pelo artigo 125° da Lei nº 55-A/2010, de 31 de Dezembro ("2 - O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária. 3 - O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial. (Aditado pela Lei n°55- A/2010, de 31 de Dezembro)”), nos processos especiais de revitalização, não é possível, contra vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória. Como se deixou exarado no acórdão da Relação de Lisboa de 08/05/2014 (processo n° 7965/13.OTVSNT), «a homologação de um plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto no artigo 30°, nºs 2 e 3 da LGT, por contemplar, sem a necessária aprovação, designadamente a concessão do pagamento a prestações do crédito do Estado e um perdão parcial de juros, é ineficaz relativamente a este credor, não produzindo quanto a ele quaisquer efeitos».
E estatui a este propósito a alínea a) do artigo 197° do CIRE que «na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência, os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano». E por outro lado dispõe o n°1 do artigo 195° do código que “o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência”.
Ora, da sentença recorrida não resulta que no plano aprovado pelos credores (que na parte relativa às posições jurídicas dos credores deveria ter sido levado integralmente ao probatório) resulte qualquer cláusula sobre a extinção das garantias reais constituídas anteriormente pela Fazenda Nacional.
E se é certo que foi clausulada a “dispensa de garantia ao abrigo do n°4 do art. 52° da LGT e do n°1 do art. 170° do CPPT”, a mesma é conexa com a moratória concedida decorrente do pagamento em prestações, sendo certo que não resulta que as hipotecas constituídas sobre os imóveis pertença da recorrente (que já estavam onerados com as hipotecas do BANIF) assegurassem o pagamento dos créditos fiscais.
Por outro lado da diversa correspondência trocada entre a AT e o Ministério Público sobre a posição a assumir no processo especial de revitalização em defesa dos créditos da Fazenda Nacional e levada ao probatório resulta que aquela sempre fez questão de exigir garantias e nunca foi questionada a extinção das garantias já constituídas.
3.4 Em face do exposto afigura-se-nos que a solução a dar à questão de saber se há ou não lugar ao levantamento das penhoras e hipotecas constituídas pela Fazenda Pública, impõe um cabal esclarecimento sobre as alterações decorrentes para as posições jurídicas dos credores e sobre os imóveis que alegadamente foram objecto de dação em pagamento e respectivos ónus e encargos sobre eles constituídos, assim como as posições assumidas pelos credores aquando da aprovação do plano (saber se aprovaram ou não o plano), esclarecimento este que não se retira da matéria de facto levada ao probatório pela “Mma. Juiz quo”, a qual se revela insuficiente neste parte.
Entendemos, assim, que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência da matéria de facto em função das questões de direito colocadas ao tribunal, motivo pelo qual deve ser revogada e ser determinada a baixa dos autos para efeitos da sua ampliação e posterior decisão.»

4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância seguinte matéria de facto:
A) No Serviço de Finanças de Lisboa 6 correm termos os processos de execução fiscal nºs 3336201101067338 e apenso, 3336201101043625 e apensos e 3336201101053019 e apensos, 3336201101005804 e apensos, 3336201201060716, 3336201201079620 e apensos, e 33362013010117902 e apensos, instaurados contra a ora reclamante para cobrança coerciva de dívidas de IVA, IR, Coimas e IMI, perfazendo o montante de €1.057.603,72 e acrescido (cf. fls. 7 a g do processo de execução fiscal apenso);
B) Para salvaguarda dos créditos correspondentes às referidas dívidas exequendas, até ao valor de €1.062.124,13, o Serviço de Finanças de Lisboa 6 efectuou hipotecas legais (Ap. 75 de 2 de Dezembro de 2011 e Ap. 1700 de 11 de Julho de 2012) e penhoras (Apresentações de 27 de Novembro de 2012) de todos os imóveis da propriedade da executada (cf. fls. 7, 8 e 13 do processo de execução fiscal apenso e fls. 7v e 8 da certidão do PA apenso);
C) A sociedade executada, ora reclamante, instaurou Processo Especial de Revitalização (PER), que corre termos no 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa sob o n° 406/13.5TYLSB (cf. fls. 1 a 2 da certidão do PA apensa);
D) Por despacho judicial de 12 de Março de 2013, publicado no Portal Citus em 15 de Março de 2013, foi nomeado o administrador judicial provisório, nos termos do artigo 17°C, nº 3, alínea a) do CIRE, no âmbito do referido Processo Especial de Revitalização (cf. fls. 1 a 2 e 30 da certidão do PA apensa);
E) A Autoridade Tributária e Aduaneira reclamou créditos no PER no montante de €1.198.848,62, com referência à data de 20 de Março de 2013 (cf. fls. 3 a 6v e 80 da certidão do PA apensa);
F) Pelo oficio n° 2155, de 26 de Março de 2013, a Administração Tributária manifestou à requerente do PER, com conhecimento ao Administrador Judicial Provisório, “à sua disponibilidade de participação nas negociações a realizar, sendo certo que, por imperativo legal, a regularização dos seus créditos tem que ter o seu enquadramento, designadamente, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 30° e n° 3 do artigo 36° da LGT e artigos 196° e 199° do CPPT, ou seja: (...) Constituição de garantias idóneas
— hipoteca voluntária e/ou garantia bancária — e suficientes nos termos do disposto no art.º 199° do CPPT, a prestar pela devedora ou por terceiro, junto do órgão de execução fiscal, as quais são aferidas nos termos do n° 1 e 2 do artigo 197° e n° 9 do artigo 199° do CPPT, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do artigo 17°-D do CIRE. (…)” (cf.. fls. 21 da certidão do PA apensa);
G) Pelo oficio n° 2987, de 24 de Abril de 2013, dirigido ao Ministério Público, com conhecimento ao Administrador Judicial Provisório, a Administração Tributária reiterou a disponibilidade para participar nas negociações e especificou “as condições, cumulativas, de participação do credor Fazenda Nacional em eventual acordo a celebrar, ou sejam: (...) Constituição de garantias idóneas — hipoteca voluntária e/ou garantia bancária — e suficientes nos termos do disposto no art.º 199° do CPPT, a prestar pela devedora ou por terceiro, junto do órgão de execução fiscal, as quais são aferidas nos termos do n° 1 e 2 do artigo 197° e n° 9 do artigo 199° do CPPT, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do artigo 17°-D do CIRE. (…)” (cf.. fls. 23 da certidão do PA apensa);
H) Pelo ofício n° 2537446, de 10 de Julho de 2013, o Ministério Público remeteu à Administração Tributária — Direcção de Serviços de Gestão dos Créditos Tributários cópia da proposta de plano de recuperação, na qual, quanto garantia idónea a apresentar — hipoteca sobre os imóveis da empresa (cf. fls. 34 a 45 da certidão do PA apensa);
I) Pelo oficio n° 5751, de 29 de Julho de 2013, a Administração Tributária comunicou ao Ministério Público, com conhecimento ao Administrador Judicial Provisório, que a sua posição é, “face ao teor do plano de revitalização, na versão remetida no oficio à margem referenciado (referido em H) que antecede), de votação favorável do mesmo, visto prever o pagamento do crédito reclamado segundo o regime jurídico definido para a regularização das dívidas fiscais.” E que “a garantia terá que ser prestada, junto do órgão de execução fiscal, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do artigo 17°-D do Cire, a qual será, por este, aferida, nos termos do n° 1 e 2 do artigo 197° e n° 9 do artigo 199° do CPPT, sob pena dos efeitos previstos no n° 8 do referido artigo 199°, podendo este órgão solicitar à Devedora o seu reforço, caso a venha a considerar insuficiente.” (cf. fls. 21 dos autos);
J) Pelo ofício n° 6638, de 3 de Setembro de 2013, a Administração Tributária comunicou ao Ministério Público, com conhecimento ao Administrador Judicial Provisório, o seguinte:
“(...) que a posição da Administração Fiscal é, face ao teor do plano de revitalização, na versão resumida, remetida no oficio à margem referenciado, de votação favorável do mesmo, visto prever o pagamento do crédito reclamado segundo o regime jurídico definido para a regularização das dívidas fiscais.
Refira-se que a garantia ou/e o pedido de dispensa terão que ser prestados/apresentados, junto do órgão de execução fiscal, dentro do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do artigo 17°-D do Cire, os quais serão aferidos, pela entidade competente, nos termos do n° 1 e 2 do artigo 197° e n° 9 do artigo 199° do CPPT, pelo que a posição assumida no âmbito do presente processo não envolve, nesta fase, qualquer apreciação relativamente à garantia ou dispensa dela;
A falta de prestação da garantia ou da apresentação do pedido de dispensa da mesma, nos termos acima referidos, origina, nos termos do n° 3 do artigo 198°, nº8, do art° 199°, ambos do CPPT, e do DL 73/99, de 16/03:
a) A prossecução dos termos normais dos processos de execução fiscal, deixando, como tal, de estar suspensos;
b) A impossibilidade de redução dos créditos fiscais por juros de mora vencidos e vincendos;
c) A não emissão de certidões de situação fiscal regularizada;
Informa-se, contudo, que, no plano remetido por esses Serviços do MP, através do oficio n° 2537446, de 10/07/2013, e que mereceu a votação favorável da Fazenda Nacional — comunicada através de oficio ínsito no processo DSGCT n° 6470201301014778 –, votação esta que deve ter sido contabilizada como tal pelo Sr. Administrador Judicial Provisório, previa-se a constituição de garantia, nomeadamente de hipoteca voluntária sobre os imóveis da Devedora, por ela avaliados em €6.000.000,00 e não a dispensa da prestação de garantia a que o documento — do Sr. B………… –, agora remetido, faz referência.” (cf. fls. 75v da certidão do PA apensa);
K) Foi elaborado o “plano de recuperação do devedor”, em cujo capítulo A. 2), referente à proposta relativamente aos créditos à Fazenda Nacional, consta o seguinte:
Pagamento de 100% dos créditos de capital, com as, custas, multas ou outras quantias da mesma natureza em 150 prestações mensais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a primeira prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do art. 17°-D do CIRE;
- Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT e do n° 1 do art. 170º do CPPT;
- Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis aos pagamentos em sede de regime de pagamento prestacional;
- As acções executivas que se encontrem pendentes para cobrança das dívidas tributárias não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.” (cf.. fls. 81 a 94v da certidão do PA apensa);
L) Por sentença de 5 de Setembro de 2013, publicada em 12 de Setembro de 2013 e transitada em julgado em 3 de Outubro de 2013, foi homologada a deliberação dos credores que aprovou o referido plano de recuperação da sociedade executada, ora reclamante (cf. fls. 59 e 96 a 99 da certidão do PA apensa);
M) Em 28 de Outubro de 2013, a sociedade executada, ora reclamante, requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 6, por referência aos processos de execução fiscal que identificou, com os nºs 3336201101067338 e apensos, 3336201101043625 e apensos e 3336201101085220 e apensos, que “se digne ordenar o levantamento de todas as penhoras realizadas, na globalidade dos processos executivos instaurados nesse Serviço de Finanças; que aquiesça a ordenar o cancelamento dos ónus registados a favor da Autoridade Tributária, nas Conservatórias do Registo Predial competentes, onde estão registados os imóveis penhorados”, invocando, em síntese, que o PER foi aprovado, com voto favorável da Administração Tributária, com dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do artigo 520 da LGT e do n° 1 do artigo 170° do CPPT, o que implica por um lado que sejam prestadas garantias e por outro que sejam levantadas as garantias que anteriormente foram prestadas (cf. fls. 62 a 63 da certidão do PA apensa);
N) Em 14 de Março de 2014, foi elaborada informação pelos serviços, tendo por objecto o requerimento referido na alínea antecedente, com o seguinte teor, em transcrição parcial:
«(...) Atendendo ao exposto, cumpre-me informar o seguinte:
- Por Despacho exarado no âmbito do PER N.° 406/13.5TYLSB, foi aprovado plano de recuperação;
- Em data anterior à interposição do PER pela firma, este Serviço, tendo em vista a salvaguarda dos créditos da Fazenda Nacional, efectuou hipotecas legais e penhoras de todos os imóveis propriedade da firma;
- Da leitura integral da referida sentença (junta aos autos), com trânsito em julgado em 03/10/2013, não é ordenado o levantamento das hipotecas legais e penhoras efectuadas (em data anterior ao PER) pela Fazenda Nacional. A referida “dispensa de garantia ao abrigo do nº 4 do art.º 52 da LGT e do nº 1 do art.º 170º do CPPT”, desobriga o contribuinte de constituir garantia para o plano prestacional a ser elaborado em 150 prestações no âmbito do PER.
Face ao exposto, sou do parecer que não pode a AT proceder ao levantamento das referidas hipotecas e penhoras efectuadas antes da entrada em vigor do PER.
É quanto me cumpre informar, à consideração superior.» (cf. fls. 103 da certidão do PA apensa);
O) Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 6 proferiu o despacho ora reclamado, com o seguinte teor:
«Atendendo à informação que antecede, com a qual concordo, em obediência ao princípio da legalidade e na prossecução do interesse público, não pode a AT proceder ao levantamento das hipotecas legais e penhoras efectuadas por este serviço em data anterior à interposição do PER e tendo em vista a salvaguarda dos créditos da Fazenda Nacional. Assim, indefiro o pedido de levantamento das referidas hipotecas legais e penhoras.
Notifique-se.» (cf. fls. 103 da certidão do PA apensa);
P) Em 24 de Março de 2014, foi a ora reclamante notificada da decisão de indeferimento referida na alínea antecedente (cf. fls. 104 e 104v da certidão do PA apensa);
Q) A presente reclamação foi remetida ao Serviço de Finanças de Lisboa 6 em 3 de Abril de 2014 (cf. fls. 4 a 24 dos autos);
R) Pelo oficio n° 4250, de 5 de Agosto de 2014, remetido ao Mandatário da ora reclamante, por ele recepcionado em 7 de Agosto de 2014, o Serviço de Finanças de Lisboa 6 notificou-o de que foi aprovado o pagamento da dívida exequenda em regime prestacional, nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 196º do CPPT, em 150 prestações mensais, no valor de €7.204,04 cada, e de que, nos termos do n° 1 do artigo 200º do CPPT, a falta de pagamento sucessivo de três prestações ou de seis interpoladas, importa o vencimento das seguintes se, no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito, o executado não proceder ao pagamento das prestações incumpridas, prosseguindo os processos de execução fiscal os seus termos, remetendo-se a guia de pagamento n° 1 do plano prestacional relativo ao PER n° 406/13.5TYLSB (cf. fls. 108 e 108v da certidão do PA apensa);
S) O Serviço de Finanças de Lisboa 6 remeteu à sociedade executada, ora reclamante, os ofícios nº 4251, de 5 de Agosto de 2014, e n° 4576, de 25 de Agosto de 2014, contendo notificação nos termos expressos na alínea antecedente, e que foram devolvidos ao remetente, com a indicação “não reclamado” (cf. fls. 109 a 110v da certidão do PA apensa);
T) De acordo com a informação do Serviço de Finanças de Lisboa 6 prestada em 15 de Outubro de 2014, até esta data, a sociedade executada, ora reclamante, não procedeu ao pagamento de qualquer dos montantes em dívida, nem da primeira prestação do plano prestacional relativo ao PER n° 406/13.5TYLSB (cf. fls. 26 a 27v dos autos);
U) No “plano de recuperação do devedor” referido em K) que antecede consta, no capítulo IV), com a epígrafe “Preceitos legais derrogados”, o seguinte:
“Com o presente plano foram derrogados os seguintes preceitos legais do CIRE que importa esclarecer: Foi derrogado o princípio da igualdade (art.º 194.º do CIRE) relativamente aos créditos do Estado, na medida em que está previsto o pagamento da totalidade do crédito, por força do enquadramento legal que rege os pagamentos à Fazenda e Segurança Social (princípio da indisponibilidade dos créditos tributários). (…)” (cf. fls. 81 a 94v da certidão do PA apensa);

6. Delimitação do objecto do recurso

Como se constata dos autos o Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de fls. 57 e seguintes, julgou improcedente a reclamação apresentada pela ora recorrente contra a decisão do órgão de execução fiscal (Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 7) que indeferiu o pedido de levantamento de penhoras e hipotecas efectuadas no âmbito do processo de execução fiscal n° 3336201101085840 e apensos.

Não conformada a Recorrente invoca que a decisão da AT ao manter as garantias constituídas unilateralmente viola o plano especial de revitalização aprovado no âmbito do processo n° 406/13.55TYLSB, a correr termos no 2º juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, e viola o regime de fundamentação dos actos tributários preconizado no artigo 77º da Lei Geral Tributária, por não se vislumbrar a razão que leva a sustentar tal decisão.
Entende igualmente que a sentença recorrida ao considerar que tais garantias devem ser mantidas por terem sido constituídas anteriormente ao PER é ilegal e deve ser revogada.

A questão objecto de recurso consiste pois em saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida que sancionou e considerou não padecer de falta de fundamentação ou de ilegalidade a decisão do órgão de execução fiscal que manteve as garantias constituídas anteriormente à homologação do plano especial de revitalização (PER) e não levantou as hipotecas constituídas sobre os imóveis pertença da recorrente.


6.1 Da alegada falta de fundamentação do despacho reclamado
No que concerne ao vício de falta de fundamentação alega a Recorrente que «não é apreensível mentalmente e num juízo de prognose, como é que anuindo à dispensa de garantia no âmbito dum plano que votou favoravelmente, a Autoridade Tributária incoerentemente as mantém, desrespeitando o compromisso por si assumido».
Subjaz à critica da Recorrente o entendimento de que a manutenção de tais garantias é incompatível com o plano acordado no PER, incompatibilidade que não resulta esclarecida na decisão da administração tributária e sufragada pelo tribunal “a quo”.

A nosso ver carece de razão legal.
Vejamos.
Dispõe o artº 268º, nº 3 da Constituição da República que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.
A consagração constitucional deste dever de fundamentação expressa, integrado nas chamadas garantias dos administrados, tem em vista assegurar a quem seja afectado nos seus direitos ou interesses, o direito de conhecer as razões que terão determinado a adopção da decisão administrativa que lhe diz respeito.
De harmonia com o disposto no artigo 77.º, nº 1 da Lei Geral Tributária a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
A jurisprudência e a doutrina têm também consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.)
Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Como ficou dito no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11.12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte».
No caso subjudice a sentença recorrida considerou que na decisão de indeferimento do pedido de levantamento das penhoras realizadas objecto da presente reclamação e na informação que a antecedeu e com a qual o autor do despacho reclamado concordou, são descritos os factos, enunciados os princípios de direito entendidos como aplicáveis e expostas as razões que motivaram a decisão, tendo a reclamante apreendido os motivos da decisão, ainda que deles venha discordar.
Assim conclui a decisão recorrida, citando doutrina condizente, que o vício formal de falta de fundamentação do despacho reclamado não se verifica, porquanto, para avaliar da correcção formal do acto, não está em causa a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.

E nós também assim entendemos.
Antes de mais, atentos os termos que a recorrente configura a questão da falta de fundamentação nas suas alegações de recurso, impõe-se, que se faça uma referência à distinção entre fundamentação formal e fundamentação material.
Como sublinha Vieira de Andrade in O dever de fundamentação expressa de actos administrativos, Almedina, 2003, pág. 231, a diferença entre a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Efectivamente constitui realidade diferente saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto, ou saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa, o que se situa já no âmbito da validade substancial do acto.
Ora no despacho em apreço mostram-se devidamente explanados os fundamentos de facto e de direito em que se baseou a decisão da Administração Tributária para concluir pelo indeferimento do pedido de levantamento das penhoras realizadas.
Ali se diz, com remissão para a informação dos serviços prestada em 14 de Março de 2014, que «em data anterior à interposição do PER pela firma, este Serviço, tendo em vista a salvaguarda dos créditos da Fazenda Nacional, efectuou hipotecas legais e penhoras de todos os imóveis propriedade da firma»
E que «da leitura integral da referida sentença (Do Tribunal de Comércio de Lisboa, homologando o plano de recuperação de empresa.) (junta aos autos), com trânsito em julgado em 03/10/2013, não é ordenado o levantamento das hipotecas legais e penhoras efectuadas (em data anterior ao PER) pela Fazenda Nacional. A referida “dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art.º 52 da LGT e do n° 1 do art.º 170º do CPPT”, desobriga o contribuinte de constituir garantia para o plano prestacional a ser elaborado em 150 prestações no âmbito do PER.»
Sufragando esta informação o despacho reclamado, invocando os princípios da legalidade e da prossecução do interesse público, concluiu ser de indeferir o pedido de levantamento das referidas hipotecas legais e penhoras, em data anterior à interposição do PER, tendo em vista a salvaguarda dos créditos da Fazenda Nacional (cf. pontos N e O do probatório)

Da recensão atrás efectuada forçoso é concluir que não subsistem dúvidas de que a recorrente teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base da decisão da rejeição do pedido de levantamento das referidas hipotecas legais e penhoras, em data anterior à interposição do PER, e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.
Neste contexto é de concluir que o despacho impugnado não padece do apontado vício de falta de fundamentação, pelo que a sentença recorrida, que assim entendeu, não merece censura.

6.2 Da legalidade a decisão do órgão de execução fiscal que manteve as garantias constituídas anteriormente à homologação do plano especial de revitalização (PER) e não levantou as hipotecas constituídas sobre os imóveis pertença da recorrente.
Questão diversa, e já noutro plano é saber se incorre em erro de julgamento a sentença recorrida ao julgar que não padece de ilegalidade o despacho reclamado.
Trata-se de questão que se situa já num plano diferente, qual seja o da exactidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados pela Administração Tributária na decisão de manter as garantias constituídas anteriormente à homologação do plano especial de revitalização (PER) e de não levantar as hipotecas constituídas sobre os imóveis pertença da recorrente, nomeadamente saber se tal decisão é ilegal e viola o plano de recuperação de empresa homologado por sentença do Tribunal de Comércio de Lisboa.

Sobre tal questão entendeu-se na sentença recorrida que a manutenção das penhoras e hipotecas legais cujo levantamento foi peticionado pela reclamante não contende com o teor do plano de recuperação aprovado, pois nele não se prevê, expressa ou implicitamente, que as penhoras e hipotecas legais efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal tenham de ser levantadas e canceladas.
Por outro lado, quanto à condição, expressa no plano de recuperação, de dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do artigo 52° da LGT e do n° 1 do artigo 170º do CPPT, entendeu a primeira instância que a mesma se aplica apenas no âmbito do cumprimento do plano de pagamento em 150 prestações acordado (artigo 199º, n° 1 do CPPT), sublinhando que foi essa, de resto, a posição assumida no despacho reclamado pelo seu autor, que concordou com anterior informação dos serviços nesse exacto sentido (cf. alíneas N) e O) dos factos provados).
Nessa medida entendeu a sentença que a dispensa de garantia não implica a extinção das garantias anteriormente prestadas, porquanto, mantendo-se os processos de execução fiscal pendentes — ainda que suspensos durante o cumprimento do plano de recuperação – as penhoras e hipotecas legais anteriormente constituídas destinar-se-ão a garantir o pagamento das dívidas fiscais, em caso, por exemplo, de incumprimento do referido plano.

Não conformada argumenta a Recorrente que com a Lei n° 16/2012, de 20 de Abril, «se alterou o paradigma, passando a integrar o objectivo principal o da possibilidade de recuperação ou revitalização do devedor, em detrimento da figura da sua liquidação.» E nessa medida, considerando que no Plano se prescindiu das garantias, está implícito que as penhoras e hipotecas legais constituídas têm que ser levantadas, sob pena de violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 194º do CIRE.
Por último refere que só com os bens livres de ónus ou encargos é possível cumprir o Plano e designadamente fazer a dação em pagamento ao credor hipotecário BANIF, como está previsto no PER.

6.3 Como se viu a sentença recorrida sancionou o entendimento da Administração Tributária no sentido de que a referida dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art.º 52 da LGT e do n° 1 do art.º 170º do CPPT” apenas desobriga o contribuinte de constituir garantia conexa com o plano prestacional de pagamento de dívidas tributárias no âmbito do PER.

No plano de recuperação da sociedade executada, homologado por sentença de 5 de Setembro de 2013 (ponto L do probatório) estava expressamente prevista a seguinte proposta relativamente aos créditos à Fazenda Nacional:
" Pagamento de 100% dos créditos de capital, com as custas, multas ou outras quantias da mesma natureza em 150 prestações mensais e sucessivas e perdão de 80% dos juros de mora vencidos, a primeira prestação com vencimento no mês seguinte ao términus do prazo previsto no n° 5 do art. 17°-D do CIRE;
- Dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art. 52° da LGT e do n° 1 do art. 170º do CPPT;
- Face à garantia a prestar, a taxa de juro vincendo a considerar será de 6,112%, sem prejuízo de revisão pela Autoridade Tributária nos termos legais aplicáveis aos pagamentos em sede de regime de pagamento prestacional;
- As acções executivas que se encontrem pendentes para cobrança das dívidas tributárias não são extintas, mantendo-se no entanto suspensas após aprovação e homologação do plano de recuperação até integral cumprimento do plano de pagamentos autorizado.” (cf. ponto K do probatório, fls. 81 a 94v da certidão do PA apensa);

Ora a recorrente alega que, dispensando o plano as garantias, as que unilateralmente foram constituídas têm de ser extintas sob pena de não ser respeitado o plano de recuperação da empresa.
E alega também que no CPPT se estabelece uma dicotomia em sede de garantias. Na sua tese a norma não admite a dispensa e manutenção de garantia em simultâneo, excepto, quando seja prestada garantia parcial e se dispense apenas a garantia remanescente.
Adicionalmente argumenta que não consta expressa nem implicitamente do PER que as garantias já prestadas se devam manter.

Salvo o devido respeito, neste ponto a recorrente incorre em erro na análise da questão e faz até uma inversão das premissas.
O entendimento correcto será o de que, não prevendo o plano expressamente que as penhoras e hipotecas legais efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal devam ser levantadas e canceladas, então elas devem manter-se.
É o que decorre da alínea a) do artigo 197° do CIRE que estabelece que «na ausência de estatuição expressa em sentido diverso constante do plano de insolvência, os direitos decorrentes de garantias reais e de privilégios creditórios não são afectados pelo plano»
Portanto não prevendo o plano, expressamente, o cancelamento das hipotecas legais anteriormente efectuadas no âmbito dos processos de execução fiscal, que se encontram pendentes, ainda que suspensos durante o plano de recuperação, elas deverão manter-se.
Importa também referir que a factualidade levada ao probatório não aponta no sentido de que no plano de recuperação da empresa se tenha admitido, pelo menos implicitamente, a possibilidade de extinção das garantias reais constituídas anteriormente pela Fazenda Nacional.
Como resulta da diversa correspondência trocada entre a Administração Tributária e o Ministério Público sobre a posição a assumir no processo especial de revitalização em defesa dos créditos da Fazenda Nacional, levada ao probatório nos pontos F) a J), a Administração Tributária sempre fez questão de exigir garantias, não se tendo questionado a extinção das garantias já constituídas.
De resto na data em que a Administração Tributária reclamou créditos no PER, as hipotecas legais constituídas sobre todos os imóveis da recorrente já não asseguravam o pagamento de todos os créditos fiscais.
Com efeito as hipotecas legais (Ap. 75 de 2 de Dezembro de 2011 e Ap. 1700 de 11 de Julho de 2012) e penhoras (Apresentações de 27 de Novembro de 2012) de todos os imóveis da propriedade da executada (cf. fls. 7, 8 e 13 do processo de execução fiscal apenso e fls. 7v e 8 da certidão do PA apenso) efectuadas o Serviço de Finanças de Lisboa 6, destinavam-se à garantia dos créditos correspondentes às dívidas exequendas até ao valor de €1.062.124,13 e, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira reclamou créditos no PER essas dívidas eram já de montante superior (€1.198.848,62, com referência à data de 20 de Março de 2013 (cf. pontos B e E do probatório).
Sem embargo de tudo o exposto importa, por outro lado, ponderar que no plano de recuperação a que se refere o ponto K probatório (fls. 82 e segs. dos autos apensos), foi acordada, no que respeita aos créditos bancários do Banif, a dação dos imóveis hipotecados, livres de quaisquer ónus e encargos, por € 4.461.200, após homologação do plano no prazo de 10 dias úteis.
E a recorrente alega que só com os bens livres de ónus ou encargos é possível cumprir o Plano e designadamente fazer a dação em pagamento ao credor hipotecário BANIF, como está previsto no PER.
Ora, sendo certo que a Fazenda Nacional constituiu hipotecas legais sobre todos os imóveis pertença da Recorrente, haverá de concluir-se que os imóveis objecto da alegada dação em pagamento estarão igualmente onerados com a hipoteca legal constituída pela Fazenda Nacional.

Por isso será também legítimo concluir-se que a claúsula do PER que prevê a dação dos imóveis hipotecados, livres de quaisquer ónus e encargos, ao credor hipotecário Banif será, em princípio, aparentemente incompatível com a interpretação de que a dispensa de garantia ao abrigo do n° 4 do art.º 52 da LGT e do n° 1 do art.º 170º do CPPT apenas desobriga a recorrente de constituir garantia conexa com o plano prestacional de pagamento de dívidas tributárias no âmbito do PER, não abrangendo as garantias anteriormente constituídas.

Importa, porém, para completa abordagem da questão, precisar em que termos foi aprovado o plano de revitalização e quais os credores que o votaram favoravelmente e, bem assim, quais os imóveis objecto de dação em pagamento e quais e os respectivos ónus e encargos.
Já que do artº 195º, nº 1 do CIRE resulta que “o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência” e do probatório nada consta, e devia constar, quanto a tal matéria.
Daí que se conclua, tal como propõe o Ministério Público, que a solução a dar à questão de saber se há ou não lugar ao levantamento das penhoras e hipotecas constituídas pela Fazenda Pública, impõe um esclarecimento sobre as alterações decorrentes para as posições jurídicas dos credores e sobre os imóveis que alegadamente foram objecto de dação em pagamento e respectivos ónus e encargos sobre eles constituídos, assim como as posições assumidas pelos credores aquando da aprovação do plano, nomeadamente para apurar quem aprovou ou não o plano, esclarecimento este que não se retira da matéria de facto levada ao probatório na primeira instância.

Há, assim, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão deste aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.
Com efeito o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, tem, no caso, os seus poderes de cognição limitados a matéria de direito (art. 21, 4/ETAF), pelo que, sendo a decisão, sob recurso, omissa quanto à fixação de factos relevantes para a solução jurídica adequada, impõe-se a baixa do processo para que a decisão de facto seja ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (arts. 682, n. 3, e 683, n. 1 do CPC).

7- Nestes termos acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 682º do Código de Processo Civil, revogar, nesta parte, a decisão recorrida, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual, de acordo com o que se atrás se apontou, assim concedendo provimento ao recurso.

Sem custas,

Lisboa, 18 de Março de 2015. – Pedro Delgado (relator) – Fonseca CarvalhoIsabel Marques da Silva.