Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02176/10.0BELRS
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Sumário:I – A não oposição do evento interruptivo “citação do devedor principal” ao devedor subsidiário fica dependente de este ter sido citado em reversão após cinco anos decorridos desde a liquidação do imposto em causa.
II – A oposição à execução fiscal não é o meio processual adequado para conhecer da nulidade da citação.
III – São bastantes para suportar em termos objectivos a conclusão da “fundada insuficiência” de bens penhoráveis do devedor originário para satisfazer a dívida fiscal, os vários atos de penhora e diligências de vária ordem que tenham sido praticados pela AT e que demonstram a inexistência de tais bens.
IV – Estabelecendo o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT uma presunção de culpa do gerente pelo incumprimento da dívida, não cabe à administração fiscal fundamentar o despacho de reversão com prova de tal culpa.
Nº Convencional:JSTA000P26159
Nº do Documento:SA22020070102176/10
Data de Entrada:10/28/2019
Recorrente:A.......
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações

A……….., com os demais sinais nos autos, vem recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 3 de Abril de 2019, que julgou improcedente a oposição judicial deduzida contra execução fiscal nº 3301200501049326 pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 4, sobre si revertida como responsável subsidiário da executada a título principal, “Sociedade B…………., Ldª, por dívida relativa ao IRC e juros de mora no valor global de € 82.569,94.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) Na douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos, decidiu-se, além do mais, pela improcedência da oposição à execução apresentada, porquanto o Mmº Juiz “a quo” considerou que:
“Assim e pelo exposto julgamos esta oposição de A………. à execução fiscal n.º 33012000501049526, pendente no Serviço de Finanças de Lisboa 4, sobre si revertida como responsável subsidiário da Executada a título principal, a sociedade B………., Ldª:
a) nula na parte respeitante à matéria de arguição de nulidade de acto do Órgão de Execução Fiscal, em consequência, do que absolvemos desta instância, nessa parte a Fazenda Pública; e
b) improcedente por não provada no mais, em consequência do que se determina prossiga a execução, se outras questões além da legitimidade do Oponente para ser executado como responsável subsidiário o não impedirem.”
2) Não pode o recorrente conformar-se com os termos da douta decisão, porquanto face aos factos e ao direito aplicável, deveria a oposição apresentada ter sido julgada procedente por provada.
3) Devendo, deste modo, o presente recurso proceder totalmente, com as demais consequências legais.
4) Em sede de oposição à execução, foi arguida além do mais, a nulidade da citação do revertido.
5) Na sequência da mesma ter sido arguida em sede graciosa, conforme atesta o documento junto com a petição inicial.
6) O douto Tribunal “a quo”, julgou que a mesma não seria matéria de oposição à execução, porquanto a sua procedência apenas determina que a citação fosse feita “ex novo”.
7) Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, não pode o recorrente concordar com os fundamentos aduzidos na douta decisão em crise, nesta parte.
8) Já que, refere a douta decisão “a quo”, que o disposto no artº 204º nº 1, alínea i), do CPPT, não se reporta a actos ilegais do Órgão de Execução Fiscal.
9) No entanto, implicitamente, acaba por reconhecer que pode haver intervenção do Tribunal em casos desta natureza, quando refere que, “Com efeito, a execução fiscal como as demais é um processo judicial, art. 103º da Lei Geral Tributária, mas nos termos dos arts. 149º e 152º nº 1, inter alia, do Código do Procedimento e Processo Tributário, é ao Órgão de Execução Fiscal que cabe promovê-la e dirigi-la de ordinário e, assim, nela praticar a generalidade dos atos que a sua tramitação e condução implicam. Por seu turno ao Juiz Tributário, enquanto Juiz da execução fiscal, cabe o conhecimento e decisão dos conflitos que nela se geram, máxime com ou por causa da atuação do Órgão de Execução Fiscal art. 156º e 276º e ss do mesmo diploma adjectivo”.
10) É precisamente este o caso dos autos, uma vez que, a nulidade da citação havia já sido arguida em sede graciosa, perante o Órgão de Execução Fiscal e, em face da posição por este assumida, alternativa não teve o recorrente senão argui-la em sede de oposição à execução.
11) Com efeito, conforme decidido no Ac. do STA de 22/02/2017 (in Proc. nº 01528/14, acessível em www.dgsi.pt), “nos termos do artº 204º, nº 1, al. i) do CPPT, a oposição à execução fiscal pode basear-se em quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores do mesmo normativo, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”.
12) Trata-se de disposição com carácter residual em que serão enquadráveis todas as situações não enquadráveis nas outras alíneas do mesmo número, em que há um facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afecta a sua exigibilidade.
13) Aliás, uma das situações que a jurisprudência vem admitindo como enquadrável nesta alínea i) do artº 204º, do CPPT é a existência de causa que afecte, ainda que temporariamente, a exigibilidade da dívida.
14) Ora, a nulidade da citação afecta, indubitavelmente, ainda que de forma temporária, a exigibilidade da dívida.
15) E cabem ainda na referida alínea i), quaisquer factos extintivos ou modificativos da obrigação exequenda não abrangidos nas alíneas anteriores.
16) Essencial é que os fundamentos invocados não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.
17) E é isso que ocorre no presente caso, bastando para tal atentar nos fundamentos aduzidos em sede de petição inicial.
18) Assim, face ao expendido, o Tribunal “a quo”, deveria ter-se pronunciado de forma diferente quanto à alegada nulidade da citação, dela conhecendo e verificando a sua existência com as legais consequências.
19) Ao não o ter feito, incorreu em erro de julgamento, vício que expressamente se invoca para todos os legais efeitos.
20) Conforme alegou o recorrente, no artº 18º da petição inicial, os fundamentos do despacho de reversão foram tirados sem que do mesmo constassem os necessários e legalmente impostos, motivos que conduziram à conclusão dele dimanante.
21) Já que, do mesmo, não constam os fundamentos que possam ter conduzido à responsabilidade do recorrente na inexistência de bens penhoráveis no património da devedora originária.
22) Basta atentar no teor do mesmo para se perceber que as regras relativas ao ónus da prova, neste âmbito, não foram observadas pela Autoridade Tributária.
23) Que, convenientemente e de forma infundamentada, subsume a situação fáctica ao disposto no artº 24º, nº 1, alínea b), da Lei Geral Tributária.
24) Não obstante o douto Tribunal “a quo” ter dado razão à Autoridade Tributária, nesta parte, considera o recorrente que não se mostram em concreto verificados os fundamentos aduzidos na douta decisão em apreço.
25) Uma vez que o despacho de reversão, embora proferido num processo de natureza judicial, tem a natureza de acto administrativo.
26) Pelo que serão de considerar, em relação a ele, as exigências legais próprias deste tipo de actos, designadamente, no que concerne à sua fundamentação, conforme prescreve o disposto nos artºs 268, nº 3, da C. R. Portuguesa e 77º, da Lei Geral Tributária.
27) Ou seja, o revertido deve, através da fundamentação do acto de reversão, ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e, em consequência, em condições de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos, ou qualquer outro vício.
28) Assim, para além da indicação dos pressupostos de facto em que assenta a decisão de reversão, deverá constar do respectivo despacho, directamente ou através de remissão, a indicação das razões que levaram o órgão de execução fiscal a formular o juízo sobre a culpa do revertido na génese da insuficiência do património da executada originária para solver as dívidas fiscais, nos termos do disposto no artº 24º nº 1, alínea a), da LGT ou a indicação da violação de deveres que justifica a mesma, nos termos do disposto no artº 24º, nºs 2 e 3, da LGT.
29) Já no caso de reversão baseada no referido artº 24 nº 1, alínea b), da LGT, a fundamentação deverá consistir na indicação dos respectivos pressupostos de facto, bem como das normas legais em que se baseia, tal como na extensão da mesma reversão.
30) Acrescendo que, no que respeita à responsabilidade subsidiária do revertido, a lei separa, claramente, dois momentos distintos.
31) O primeiro, é o momento em que a Autoridade Tributária Fiscal pode efectuar a reversão, ou seja, constituir o responsável subsidiário como devedor, o que pode ocorrer logo que a Fazenda Pública determine a insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e eventuais responsáveis solidários.
32) O que pode suceder logo depois da instauração do processo de execução fiscal, dependendo apenas de uma avaliação do valor dos activos do responsável originário ou solidário e da sua comparação com o valor em dívida.
33) Apurada essa insuficiência, a Autoridade Tributária pode chamar à execução os responsáveis subsidiários e, após o exercício do direito de audição, constituí-los como devedores mediante a citação.
34) O segundo momento, é aquele em que a Fazenda Pública pode iniciar os actos de coerção sobre o património do devedor subsidiário.
35) Exigindo a lei, como pressuposto essencial para a execução desse património, que antes tenha sido excutido o património do devedor principal, a fim de se determinar com precisão o âmbito de responsabilidade financeira do revertido.
36) Porém, o benefício da excussão prévia inibe a Fazenda Pública de executar o património do revertido antes de se apurar com rigor o valor exacto da sua responsabilidade, o que ocorrerá mediante a excussão de todo o património do devedor principal.
37) Releva ainda, nesta sede, que à Autoridade Tributária, incumbe o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo.
38) O que significa que lhe cabe demonstrar que não existiam, à data do despacho de reversão, bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.
39) Assim, só no caso de a Fazenda Pública fazer a prova do preenchimento desses pressupostos, passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquela não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão.
40) “In casu”, é manifesto que não foram cumpridos os pressupostos acima enunciados, verificando-se, em consequência, que a actuação da Autoridade Tributária, conforme alegado também, se mostra em desconformidade com os procedimentos e com as normas legais aplicáveis a situações desta natureza.
41) Se atentarmos nos factos elencados no probatório, designadamente no ponto nº 3, verifica-se, na modesta opinião do recorrente, que não se consegue perceber como é que o Órgão de Execução Fiscal chegou à conclusão de que não existia património da devedora originária para excutir.
42) Ou seja, que diligências foram feitas para se chegar a essa conclusão e que natureza revestiram as mesmas.
43) Partindo desse pressuposto, fácil se torna imputar a responsabilidade ao recorrente pela inexistência de património da devedora originária.
44) Mas, mais ousadamente, conclui-se na douta decisão em crise, pela responsabilidade do recorrente, assentando tal conclusão na sua responsabilidade pelo seu não exercício, enquanto gerente, de tais funções de forma diligente e em conformidade com as prescrições legais do Código das Sociedades Comerciais.
45) Suscitando-se, em consequência, questão pertinente, qual seja, que elementos existentes nos autos, levaram a essa conclusão e responsabilização?
46) É que sem esses elementos, não é possível tirar tal conclusão e, consequentemente responsabilizar o recorrente pela não existência de património da devedora originária.
47) Não obstante os judiciosos e pertinentes argumentos aduzidos na douta decisão em crise, nesta parte, conclui-se, face a todo o exposto, que a mesma enferma de erro de julgamento, uma vez mais, na medida em que foram respeitados, “in casu”, os pressupostos legais que devem estar subjacentes ao despacho de reversão proferido nos autos.
48) Vício que expressamente se invoca para todos os legais efeitos.
49) Finalmente, no caso que nos ocupa, resulta do ponto nº 1 do probatório que a execução fiscal que deu génese aos autos se refere a dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas do ano de 2002, com os conexos juros compensatórios, nos montantes ali discriminados.
50) Compulsados os autos e perscrutado o probatório, verifica-se também, que no ponto 4 do mesmo consta que, “… foi em finais de 2009 aberto procedimento enxerto para eventual reversão da execução daquela dívida.”.
51) Descortinando-se, ainda, no ponto 6 do mesmo, o seguinte: “citado a 14/12/2009, no dia 3 de Janeiro do ano seguinte, apresentou a oponente a petição na origem destes autos.”.
52) Ora, o facto tributário gerador da obrigação fiscal que originou os presentes autos ocorreu no exercício de 2002, sendo certo que, desde essa data até ao presente decorreram mais de 16 anos.
53) Acresce, ainda, que, a reversão não foi citada ao presumível responsável subsidiário no prazo de 5 anos, subsequentes à liquidação do tributo.
54) O que significa que, em obediência ao disposto no artº 48º nº 3 da Lei Geral Tributária, não são oponíveis ao responsável subsidiário factos interruptivos da prescrição, relativamente ao devedor principal.
55) Sendo, assim, irrefragável a ocorrência da prescrição do tributo em causa nos autos.
56) Facto que é de conhecimento oficioso e que se invoca para todos os efeitos legais.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público veio emitir parecer com o seguinte conteúdo:
1.OBJETO.
Sentença do TT de Lisboa, que julgou improcedente oposição judicial deduzida contra execução fiscal que tem por escopo a cobrança coerciva de dívida relativa ao IRC de 2002, no entendimento de que a alegada nulidade da citação não constitui fundamento de oposição, o despacho de reversão está suficientemente fundamentado quanto à inexistência de bens por parte da devedora originária e que uma vez que a responsabilidade subsidiária do recorrente emerge do disposto no artigo 24.º/1/b) da LGT é a este que cabe demonstrar que não lhe é imputável a falta de pagamento do tributo exequendo.
2.FUNDAMENTAÇÃO.
2.1.DA PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA.
Em sede de recurso vem o recorrente alegar a prescrição da dívida tributária, questão de conhecimento oficioso.
É manifesto que não ocorre a alegada prescrição da dívida exequenda.
De facto, sendo o tributo exequendo, o IRC de 2002, o prazo de prescrição é de 8 anos (artigo 48.º/1 da LGT), contados de 01/01/2003, pelo que, não ocorrendo factos suspensivos ou interruptivos, a prescrição verificar-se-ia em 31/12/2010.
Sucede que, como resulta do probatório, o recorrente/revertido foi citado para a execução em 14/12/2009
Tal ato interruptivo da prescrição (artigo 49.º/1 da LGT) tem dois efeitos, um instantâneo, inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente e outro duradouro que se traduz no facto de o novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, nos termos do estatuído no artigo 327.º/1 do CC, ex vi do artigo 2.º/d) da LGT (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição Tributária, página 62 e acórdão do STA, de 13/03/2019-P. 01437/18.4BELRS, entre outros).
2.2.DA NULIDADE DA CITAÇÃO.
É certa a falta de razão da recorrente, pois que, como é jurisprudência pacífica do STA, a oposição não é o meio processual adequado para conhecer da alegada nulidade da citação, que deve ser arguida perante o OEF, com direito de reclamação judicial da decisão que indefira a pretensão (entre muitos outros, acórdão do STA, de 03/10/2018-P. 0392/10, disponível em www.dgsi.pt).
2.3.A ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO QUANTO À INEXISTÊNCIA DE BENS PELA DEVEDORA ORIGINÁRIA.
Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
De acordo com o estatuído no artigo 23.º/4 da LGT a reversão é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da mesma lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.
Como sustenta o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6.ª edição 2011,Volume III, página 68.)
«…o revertido deve, através da fundamentação do ato de reversão, ficar em condições de se aperceber das razões de facto e de direito que levaram o órgão de execução fiscal a decidir como decidiu e de poder impugnar a decisão por erro nos pressupostos ou qualquer outro vício…
Assim o despacho de reversão deverá conter a indicação dos pressupostos de facto em que assenta a decisão de reversão, designadamente, os factos que levam a concluir que aquele contra quem se profere o despacho de reversão tem a qualidade em que assenta a responsabilidade subsidiária (inclusivamente o exercício de facto da atividade de gerência ou administração, quando são requisitos de responsabilidade subsidiária) e dos factos que levam a concluir pela insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis subsidiários. Nos casos em que a responsabilidade subsidiária não assente numa presunção de culpa [há presunção no casos previstos na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, mas não nos enquadráveis na alínea a) do mesmo número e nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo], deverá constar do despacho de reversão, diretamente, ou através de remissão, a indicação das razões que levaram o órgão de execução fiscal a formular um juízo sobre a culpa do revertido na génese da insuficiência do património da executada originária para solver as dívidas fiscais [art. 24.º, n.º 1, alínea a), da LGT] ou indicação da violação de deveres que justifica reversão (nos casos previstos nos nºs 2 e 3 daquele artigo 24.º) ou a relação entre a de falência ou insolvência do estabelecimento individual de responsabilidade limitada e a actividade do seu titular (art. 25.º da mesma lei)».
Ora, em função da conjugação de toda a factualidade apurada e da documentação que lhe serve de suporte e que consta do PEF afigura-se que o despacho de reversão se mostra suficientemente fundamentado.
De facto, o despacho de reversão, de 02/12/2009, que se dá por assente no ponto 5 do probatório e do qual se reproduz, apenas, um excerto e que faz fls. 49 do PEF (processo físico), remete para as “diligências retro”, onde se inclui a notificação para audição prévia, através das quais, sintetizadas no ponto 3 do probatório, se demonstra a inexistência de bens da devedora, conforme, resulta, expressa e claramente, da tentativa de penhoras efetuadas pelo Serviço de Finanças sobre os potenciais bens conhecidos da sociedade devedora, nomeadamente créditos, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou a constatação da inexistência de bens pela devedora originária (pontos 3 e 5 do probatório e fls. 22/35 do PEF que os fundamentam).
Não se pode deixar de referir o facto de o recorrente nunca ter indicado um único e concreto bem ou direito da titularidade da devedora originária.
2.4.DA FALTA DE CULPA PELA SITUAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA PATRIMONIAL DA DEVEDORA ORIGINÁRIA.
A fundamentação integrada no despacho de reversão permite aferir que a reversão foi efetivada em função do disposto no artigo 24.º/1/ b) da LGT, por se entender que a oponente exerceu de facto e de direito a gerência da sociedade devedora originária, no período a que respeitam as dívidas e naquele em que estiveram em pagamento.
Uma vez que a responsabilidade subsidiária da recorrente assenta numa presunção de culpa, nos termos do disposto no artigo 24/1/ b), não tem a AT de fazer constar do despacho de reversão as razões que a levaram a imputar um juízo de culpa à recorrente sobre a génese da insuficiência do património da devedora originária, uma vez que é ao contribuinte que cabe o ónus da prova de que a falta de pagamento do tributo não lhe é imputável, sendo certo que, como já se referiu, dos elementos para os quais remete o despacho da reversão constam as razões que permitiram apurar a inexistência de bens penhoráveis da devedora originária.
3.CONCLUSÃO.
Ressalvado melhor juízo, deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e manter-se a sentença recorrida na ordem jurídica.

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – De facto
O tribunal a quo deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Os autos principais, a execução fiscal nº 3301200501049526, foram instaurados no Serviço de Finanças de Lisboa 4 em 22de Julho de 2005, visando a sociedade B……….., Ldª, com sede na Avenida ……….. ….., em Lisboa, sendo objeto de execução coerciva uma divida proveniente de imposto sobre rendimento de pessoas colectivas do ano de 2002, com conexos juros compensatórios, nos montantes de € 79,761, 79 e € 2.808,15, respectivamente, cujo termo do prazo de pagamento voluntário recaiu a 19 de Junho de 2005.
2. O oponente, A………., fora designado gerente da sociedade executada ab inito, em 5 de Janeiro de 1993, e assim permaneceu, inclusive – como sócio gerente que sempre foi, adquiriu ulteriormente maiores partes de capital social (quotas sociais), acabando em 2001 por quedar insignificante o valor da quota por último única outra sócia da executada.
3. A sociedade foi citada a 31 de Agosto de 2005 e depois de várias tentativas de penhoras de créditos e bens seus, livres e desembaraçados para as finalidades executivas, o Órgão de Execução Fiscal chegou à conclusão de que não lhe conhecia património que pudesse executar.
4. Nessa sequência, foi em finais de 2009 aberto procedimento enxerto para a eventual reversão da execução daquela divida.
5. No termo desse procedimento o Órgão de Execução Fiscal decidiu por despacho de 2 de Dezembro de 2009 que o Oponente era responsável subsidiário por tal divida porque:

6. Citado a 14 de Dezembro de 2009, no dia 13 de Janeiro seguinte apresentou o Oponente a petição na origem destes autos.

II.2 – De Direito
I. São quatro as questões a decidir:
1 – Da alegada ocorrência de prescrição da dívida tributária;
2 – Da admissibilidade de invocação e verificação do vício de nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal;
3 – Da alegada falta de fundamentação do despacho de reversão quanto à insuficiência de bens penhoráveis;
4 – Da alegada falta de culpa do revertido.

II. Sobre a alegada ocorrência de prescrição, impõe-se começar por referir que a mesma não ocorre; com efeito, na contagem do mencionado prazo de oito anos, a não oposição do evento interruptivo “citação do devedor principal” ao recorrente (devedor subsidiário) fica dependente de este ter sido citado em reversão após cinco anos decorridos desde a liquidação do imposto em causa.
Ora, contrariamente ao que o Recorrente alega - e uma vez que a liquidação oficiosa do IRC do ano de 2002 teve lugar em 2005, tendo o Recorrente sido chamado à execução por despacho de finais de 2009, portanto dentro daqueles cinco anos a que se refere a lei – aquele obstáculo ao efeito interruptivo não se verificou – cfr., a respeito da contagem do prazo do n.º 3 do artigo 48.º da LGT, o acórdão proferido no Processo n.º 398/19, de 25 de Setembro de 2019.
Assim sucedendo, por força do efeito interruptivo produzido pela citação do devedor originário, produzem-se todos os subsequentes efeitos quanto à verificação da prescrição, devidamente sintetizados (entre outros) no Acórdão deste Supremo Tribunal proferido no Processo n.º 01358/17, de 20 de Dezembro de 2017, disponível em www.dgsi.pt: “A interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não apenas inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo (artigo 326.°, n.º 1 do Código Civil), como obsta ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto o processo executivo não findar (artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil.
Pelo que não assiste, a este respeito, razão ao Recorrente.

III. Tão-pouco tem razão o Recorrente quando invoca, em sede de oposição à execução fiscal, o vício de nulidade da citação.
Na verdade, como constitui jurisprudência consolidada, a oposição não é o meio processual adequado para conhecer da alegada nulidade da citação, que deve ser arguida perante o Órgão de Execução Fiscal, com direito a ulterior reclamação judicial da decisão que, eventualmente, indefira tal pretensão - entre muitos outros, veja-se Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido no Processo n.º 1696/17, de 19 de Junho de 2019 e jurisprudência aí citada, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, existindo um meio processual adequado à tutela judicial dos interesses do contribuinte, não se justifica, em caso algum, a admissibilidade da invocação deste alegado vício em sede de Oposição à Execução, meio de tutela para tal não adequado.

IV. Relativamente à alegação da falta de fundamentação do despacho de reversão relativamente ao requisito da inexistência de bens penhoráveis, aderimos uma vez mais à posição aqui veiculada pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal.
Com efeito, a fundamentação do requisito previsto no n.º 2 do artigo 23.º da LGT no mencionado despacho, em conformidade com o artigo 153.º, n.º 2, alínea b) do CPPT não passa por um elenco exaustivo de todos os bens penhoráveis e de todas as diligências possíveis e imagináveis conducentes à conclusão de inexistência de todo e qualquer bem, mas tão apenas das diligências suficientes para demonstrar, em termos objectivos, a manifesta improbabilidade de o património do devedor originário satisfazer a totalidade da dívida fiscal – é assim que deve ser interpretada a expressão legal “fundada insuficiência”.
Ora, como referiu aquele Ilustre Magistrado: “De facto, o despacho de reversão, de 02/12/2009, que se dá por assente no ponto 5 do probatório e do qual se reproduz, apenas, um excerto e que faz fls. 49 do PEF (processo físico), remete para as “diligências retro”, onde se inclui a notificação para audição prévia, através das quais, sintetizadas no ponto 3 do probatório, se demonstra a inexistência de bens da devedora, conforme, resulta, expressa e claramente, da tentativa de penhoras efetuadas pelo Serviço de Finanças sobre os potenciais bens conhecidos da sociedade devedora, nomeadamente créditos, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou a constatação da inexistência de bens pela devedora originária (pontos 3 e 5 do probatório e fls. 22/35 do PEF que os fundamentam).
Tais diligências afiguram-se mais do que suficientes para suportar em termos objectivos a conclusão da “fundada insuficiência” de bens penhoráveis para satisfazer a dívida fiscal a que se refere a lei – cfr. Acórdão proferido por este Supremo Tribunal no Processo n.º 123/12, de 16 de Maio de 2012, disponível em www.dgsi.pt; acresce que, nada demonstrando em sentido contrário, ou seja, não identificando bens em valor e número susceptíveis de colocar minimamente em dúvida aquela conclusão – e não lhe faltaram oportunidades para o fazer - não pode o Recorrente sustentar com sucesso a ausência de qualquer fundamento para a mesma.
Não tem, por isso, razão o Recorrente.

V. Por último, atente-se à alegação da não demonstração pela AT da falta de culpa do devedor subsidiário, à luz da solução legal vertida no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT.
Convirá recordar que, desde há duas décadas, a legislação fiscal nacional faz depender os termos da responsabilização dos gerentes de uma sociedade do momento do desempenho das suas funções, estabelecendo dois regimes distintos, passando a aplicação daquele constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT pelo desempenho de funções de gestão no decurso do momento de incumprimento das dívidas fiscais objecto em execução.
Nos termos deste regime – mais oneroso por assentar no pressuposto de haver intervenção direta dos gerentes no surgimento da dívida fiscal não paga – presume-se a culpa do gerente, só soçobrando tal presunção se o gerente porventura lograr demonstrar que “não lhe foi imputável a falta de pagamento”. É o caso constante dos presentes Autos.
Ora, diante tal normativo, é manifesto que é ao contribuinte (e não á administração fiscal) que cabe inverter o ónus probatório que contra si impende, não se justificando, por isso, que tenha a AT de fazer constar do despacho de reversão as razões que a levaram a imputar um juízo de culpa à recorrente sobre a génese da insuficiência do património da devedora originária.
Não se concede, igualmente por aqui, razão à Recorrente.


III. CONCLUSÕES
I – A não oposição do evento interruptivo “citação do devedor principal” ao devedor subsidiário fica dependente de este ter sido citado em reversão após cinco anos decorridos desde a liquidação do imposto em causa.
II – A oposição à execução fiscal não é o meio processual adequado para conhecer da nulidade da citação.
III – São bastantes para suportar em termos objectivos a conclusão da “fundada insuficiência” de bens penhoráveis do devedor originário para satisfazer a dívida fiscal, os vários atos de penhora e diligências de vária ordem que tenham sido praticados pela AT e que demonstram a inexistência de tais bens.
IV – Estabelecendo o artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT uma presunção de culpa do gerente pelo incumprimento da dívida, não cabe à administração fiscal fundamentar o despacho de reversão com prova de tal culpa.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 1 de Julho de 2020. - Gustavo Lopes Courinha (relator) - José Gomes Correia - Joaquim Condesso.