Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01048/13
Data do Acordão:10/16/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EMPREENDIMENTO TURÍSTICO
FRACÇÃO AUTÓNOMA
ISENÇÃO
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
REDUÇÃO DE IMPOSTO
IMPOSTO DE SELO
Sumário:A expressão “destino a instalação” para efeitos do benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º do DL nº 423/83, de 5/12, quer significar aquisições de prédios ou fracções efectuadas com o intuito de neles construir/melhorar empreendimentos turísticos, e não, aquisição de prédios/fracções integradas em empreendimentos já construídos e instalados.
Nº Convencional:JSTA000P16423
Nº do Documento:SA22013101601048
Data de Entrada:06/06/2013
Recorrente:A.... E B....
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – A……. e B…….. vêm recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou improcedente a impugnação judicial por eles deduzida contra as liquidações de Imposto Municipal sobre a Transmissão de Bens Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo (IS) – Verba 1.1 e na qual pediram a anulação desses actos, sustentando, em síntese, que a aquisição que lhes deu origem beneficia de isenção de IMT e redução de IS por se integrar na previsão do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, aquisição de «fracções autónomas com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística».

Terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Tratando-se da primeira aquisição de uma fracção integrante de um empreendimento turístico, feita com a opção deliberada de afectar o bem à exploração turística (como resulta claramente de o contrato de cedência de exploração ter sido assinado ainda antes da escritura pública de compra e venda), e mantendo-se a unidade afecta a esta actividade, devem ser aplicáveis a essa aquisição os benefícios fiscais previstos no artigo 20º do DL 423/83 — isenção de IMT e redução de 4/5 de Imposto do Selo.
2 - A posição do Douto Tribunal na sentença ora recorrida, parece, com a devida vénia, resultar da desconsideração da nova realidade jurídica constituída pelo aldeamento turístico, em que se verifica, ao contrário de anteriores situações de aplicação destes benefícios, e para além do promotor, uma pluralidade de proprietários que adquiriram as suas fracções antes da entrada em funcionamento do empreendimento e em que todos exercem, através das unidades de alojamento de que são proprietários, uma actividade turística.
3 - O conceito de instalação, em torno do qual gira toda a questão em apreciação, deve, desta forma, ser interpretado de forma dinâmica, e, muito em particular, com consideração dessas novas realidades jurídico económicas.»

2 – A Fazenda Pública não apresentou contra alegações.

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, invocando a jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo que cita, nomeadamente a doutrina do acórdão de 23 de Janeiro de 2013 proferido em julgamento ampliado no recurso 968/12, para concluir que «o conceito de instalação, para efeitos dos benefícios a que se reporta o nº1 do art.20º do Decreto-lei nº 423/83,de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos turísticos construídos/instalados em regime de propriedade horizontal, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
«1.Em 19 de Julho de 2010, a Câmara Municipal de Vila do Bispo emitiu o alvará de utilização n.º 152/2010, relativo ao “Aldeamento Turístico C…….”, onde consta a utilização “apartamentos turísticos de quatro estrelas”.
2. Nos dias 20 de Julho e 24 de Setembro de 2010, o Instituto do Turismo, IP, aprovou o título constitutivo do empreendimento turístico com propriedade horizontal designado “Aldeamento Turístico C…….”.
3. Em 31 de Dezembro de 2010, na 2. Série do Diário da República, foi publicado o Despacho do Secretário de Estado do Turismo n.º 19.364/2010 no qual, além do mais, foi decidido “1 — Atribuir utilidade turística a título definitivo ao Aldeamento Turístico C……..” e “2 — Fixar a validade da utilidade turística em sete anos (...) ou seja, até 19 de Julho de 2017”
4. No dia 1 de Abril de 2011, A……… e B……… adquiriram a fracção autónoma designada pelas letras CY, destinada a alojamento turístico, que faz parte do Aldeamento Turístico C……...
5. Os Impugnantes celebraram com D……., SA, na qualidade de entidade exploradora do aldeamento turístico “C……..”, um acordo designado “Contrato de Arrendamento para Exploração Turística” relativo à fracção autónoma identificada em 4.
6. No dia 11 de Janeiro de 2011, foram apresentadas as declarações Modelo 1 n. 2011/543 e 2011/5509 para liquidação de IMT e respectivo imposto de Selo Verba 1.1., referente àquela aquisição do direito de propriedade plena da fracção autónoma CY do Aldeamento Turístico C…….., na proporção de 50% para cada Impugnante.
7. Com base em cada uma destas declarações foram emitidas - actos impugnados - as liquidações adicionais de IMT e IS que foram notificadas ao Impugnante, respectivo nos seguintes termos: “Fica por este meio notificado para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar da data da assinatura do aviso de recepção, solicitar guias neste Serviço de Finanças para pagamento do valor total de E 18.407,81 , sendo E 16.757,81 referente a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT.), e E 1 650,00 de Imposto de Selo, devido pelo facto de ter sido indevidamente reconhecida a isenção do IMT e 80% do Imposto de Selo, nos termos do artigo 20.º do DL n.º 423/83, de 5 de Dezembro, por se verificar que não estão reunidos os pressupostos para aplicação da isenção prevista no referido diploma legal (...)“.
6. Do objecto do recurso

A questão apreciar no presente recurso é a de saber, se a fracção adquirida pelos recorrentes se encontra isenta do pagamento do IMT e goza da redução do Imposto de Selo, nos termos do nº 1 do artº 20º do DL nº 423/83 de 5/12, tendo em conta que a fracção está integrada num empreendimento de utilidade turística que se encontra construído e instalado pela outorgante vendedora, proprietária/exploradora do empreendimento.

A sentença recorrida ponderando que, não se verifica «o primeiro requisito cumulativo previsto naquele normativo – aquisição de fracção autónoma com destino à instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística –, uma vez que o empreendimento já se encontrava licenciado e apto a funcionar e os Impugnantes actuaram como consumidores finais de um produto turístico posto no mercado pelo promotor, que não como co-financiadores na construção do empreendimento, de modo que a aquisição da fracção já não integrou a fase de instalação do empreendimento, mas a da sua exploração» concluiu que a aquisição da fracção não pode beneficiar da isenção de IMT nem da redução do imposto de selo previstas no artº 20.º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
Para tanto sufragou-se a sentença recorrida na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo prolatada no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, de 23 de Janeiro de 2013, publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013

6.1 Contra o assim decidido insurgem-se os recorrentes alegando que, tratando-se da primeira aquisição de uma fracção integrante de um empreendimento turístico, feita com a opção deliberada de afectar o bem à exploração e mantendo-se a unidade afecta a esta actividade, devem ser aplicáveis a essa aquisição os benefícios fiscais previstos no artigo 20º do DL 423/83 — isenção de IMT e redução de 4/5 de Imposto do Selo.

6.2 Desde já se adiantará que o recurso não merece provimento e que a sentença que assim decidiu deve ser confirmada.
Com efeito a questão, nestes termos suscitada é, até nos pressupostos de facto, em tudo idêntica à questão que foi apreciada e decidida neste Supremo Tribunal Administrativo por acórdão de 23/01/2013, no processo n.º 968/12, recurso esse que foi objecto de julgamento ampliado ao abrigo do artº 148º do CPTA e em que intervieram todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário encontrando-se o mesmo publicado na 1.ª Série do Diário da República, de 4 de Março de 2013 e em www.dgsi.pt.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com a respectiva fundamentação concordarmos integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre tal matéria se disse, de forma sintética, mas clara, no respectivo sumário, do seguinte teor:
I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11º, nºs. 1 e 2, da LGT).
II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o nº 1 do art. 20º, do Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.
IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».
V – Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52º, nº 1, do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessárias a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.
VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).
VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83.
IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante.”
Acresce dizer que neste sentido se vem pronunciando, desde então, de forma reiterada e uniforme a jurisprudência desta Secção, de que são exemplo, entre outros, os acórdãos de 23/1/2013, processos nºs. 969/12, 1001/12 e 1005/12, de 30/1/2013, processos nºs. 971/12, 972/12, 999/12, 1003/12 e 1193/12, de 6/2/2013, processos nºs. 1000/12 e 1168/12, de 17/4/2013, processos nºs. 1023/12, 1070/12 e 1002/12, e de 30/4/2013, processo nº 973/12, de 11.09.2013, processo nº 1049/13, de 25.09.2013, processo 1038/13 e de 9/10/2013, todos in www.dgsi.pt.

É esta a jurisprudência que aqui se acolhe e se reitera, tendo em conta a regra constante nº 3 do art. 8º do Cod.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – sendo que os recorrentes não aduzem nova fundamentação que infirme tal orientação jurisprudencial, antes subscrevem, no essencial, parte da argumentação constante dos votos de vencido exarados naquele acórdão uniformizador.
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, julga-se improcedente o recurso e confirma-se a sentença recorrida.

7. DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, na proporção de 50% para cada um.
Lisboa, 16 de Outubro de 2013. – Pedro Delgado (relator) – Valente Torrão – Dulce Neto.