Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0948/12
Data do Acordão:10/31/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:MINISTÉRIO PÚBLICO
ARGUIÇÃO DE NOVOS VÍCIOS
REVERSÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Sumário:Porque o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocada unicamente pelo Representante do Ministério Público.
Nº Convencional:JSTA00067896
Nº do Documento:SA2201210310948
Data de Entrada:09/14/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL - OPOSIÇÃO.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART204 N1 I ART211 N1 ART121 ART125 N1 ART124 N2 B.
LPTA85 ART27 D.
CPTA02 ART85 N3 N4.
CPC96 ART668 N1 D.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC018996 DE 1995/03/22; AC STA PROC018997 DE 1997/10/29; AC STA PROC021043 DE 1997/11/05; AC STA PROC021168 DE 1998/03/25; AC STA PROC025516 DE 2000/10/31; AC STA PROC0810/05 DE 2006/02/08
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 5ED VOLI PAG861 6ED VOLII PAG300.
CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 5ED PAG425.
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A……. (adiante Oponente ou Recorrido) deduziu oposição à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e coimas aplicadas em processo de contra-ordenação fiscal, reverteu contra ele por ter sido considerado pelo órgão da execução fiscal responsável subsidiário.

1.2 O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou a oposição procedente com base na falta de fundamentação do despacho de reversão, que considerou subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

1.3 Inconformada com a sentença, a Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso que foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:
«
A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a presente oposição, decidindo, em consequência anular o despacho de reversão exarado no processo de execução fiscal (PEF) n.º 4219200701018361 e apensos, que corre os seus termos no Serviço de Finanças da Trofa por dívidas relativas a IVA dos anos de 2006 e 2009, IRC do ano de 2005 e Coimas Fiscais fixadas entre 2005 e 2010, no total de € 16.482,70 e acrescidos.

B. Perscrutada a douta Petição Inicial, e apesar da dívida em cobrança coerciva ser relativa a vários impostos e coimas fiscais, do conspecto da argumentação expendida, circunscreve o oponente a presente acção às coimas fiscais em cobrança coerciva, invocando como fundamentos de oposição, a inconstitucionalidade das coimas em cobrança coerciva, a ilegalidade em concreto da decisão de uma coima em específico e a alegada falta de responsabilidade pelo pagamento desta última, por ausência de culpa,

C. Não invocando qualquer fundamento atinente aos outros impostos em dívida, facto esse invocado pela Fazenda Pública na contestação oportunamente apresentada, não tido em consideração pelo Tribunal a quo.

D. A douta sentença recorrida, das questões suscitadas no articulado inicial da oposição, decidiu no sentido da procedência da questão suscitada pelo digno Magistrado do Ministério Público atinente à alegada falta de fundamentação do despacho de reversão.

E. A Fazenda Pública discorda do julgamento que na sentença recorrida foi feito no âmbito jurídico da acção em apreço, uma vez que se pronuncia em excesso em relação ao objecto admitido ao processo de oposição, incorrendo, salvo o respeito por diversa opinião, em nulidade, nos termos do art. 125.º, n.º 1 do CPPT e art. 668.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT,
porquanto,

F. No caso concreto, apesar de fundamento invocado pelo Ministério Público, a douta sentença recorrida pronuncia-se em excesso em relação ao objecto da oposição, infringindo a delimitação imposta pelo princípio do dispositivo (art. 660.º, n.º 2 do CPC) à actividade jurisdicional, que na sua decisão teria de circunscrever-se ao objecto da acção.
Pois,

G. A faculdade concedida ao Ministério Público de, nos termos do art. 121.º n.º 1 do CPPT, em conjunto com o art. 211.º, n.º 1, do mesmo diploma, suscitar outras questões nos termos das suas competências legais, tem de ser balizada pela vertente processual da defesa da legalidade a que está constitucionalmente e estatutariamente vinculado.

H. Como refere Casalta Nabais, o Ministério Público “apenas pode pronunciar-se sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade”.

I. Ou seja, a vertente processual da defesa da legalidade por parte do Ministério Público, impunha, do ponto de vista da Fazenda Pública, que a sua intervenção fosse conduzida para promover o que tiver por conveniente, designadamente suscitar a regularização da petição, deduzir excepções, nulidades processuais e requerer a realização de diligências, sendo assim balizada pela própria legalidade que rege a sua actuação.

J. A intervenção em defesa da legalidade parece à Fazenda Pública, sempre com o máximo respeito e sem prejuízo de melhor opinião, dever ser limitada pelas questões suscitadas pelo processo, ou seja, no caso em concreto, pelo próprio oponente.

K. Como decorre do princípio do dispositivo das partes, o objecto de uma oposição no que concerne aos seus fundamentos, é definido e delimitado pelo oponente na respectiva petição inicial.

L. É certo que o Ministério Público pode arguir algumas questões de legalidade, mas sempre dentro do objecto da própria acção, não podendo acrescentar outros fundamentos de oposição que nos autos não estavam em causa, agindo, com o devido respeito, como um mero “mandatário” do oponente, aditando um fundamento de oposição, não arguido pelo mesmo no seu douto petitório.

M. Ademais, e atendendo à argumentação expendida na douta PI, e conforme questão invocada pela Fazenda Pública, constata-se que os fundamentos aduzidos pelo oponente respeitam tão só às coimas fiscais em cobrança coerciva, pelo que, o Ministério Público ao arguir o fundamento de oposição que arguiu, o mesmo, porque relativo à fundamentação do despacho de reversão, respeitou a toda a execução fiscal, extravasando ainda mais o objecto da oposição limitado pelo próprio oponente na sua argumentação apenas à divida de coimas fiscais nos autos de execução fiscal.

N. Como tal, não estava na competência do Ministério Público, em face dos fundamentos elencados pelo oponente, suscitar questão atinente à falta de fundamentação do despacho de reversão.

O. Tendo o Meritíssimo Juiz [do Tribunal] a quo conhecido dessa questão sem ter dado o devido contraditório à Fazenda Pública, e decidido dar provimento à mesma, incorreu em vício de excesso de pronúncia, uma vez que a mesma não é sequer de conhecimento oficioso, o que implica a nulidade da sentença recorrida.

P. Ao invés da ilegalidade da dívida de IVA invocada e da falta de responsabilidade pelo seu pagamento, a sentença recorrida analisou a falta de fundamentação do despacho de reversão, fundamento não arguido pelo oponente, e decidiu pela procedência da oposição à luz de uma questão que não podia ser suscitada pelo digno Magistrado do Ministério Público, nem decidida pelo Tribunal a quo no sentido que o foi.

Q. Ademais, a decisão de anular o despacho de reversão por falta de fundamentação acarreta a consequente anulação de toda a execução revertida contra o oponente, ou seja, de todas as dívidas consideradas reverter nesse mesmo despacho, o que inclui as dívidas de IRS e imposto de Selo relativas ao ano de 2006,

R. Quando, e como já havia invocado a Fazenda Pública, questão não conhecida pelo Tribunal a quo, os fundamentos aduzidos pelo oponente respeitavam tão só à dívida de IVA do ano de 2007.

S. Deste modo, ao decidir anular todo o despacho de reversão, excedeu o Tribunal a sua pronúncia em relação ao objecto da oposição, limitado pelo próprio oponente na sua argumentação incorrendo, salvo o respeito por diversa opinião, em nulidade, por violação do disposto nos arts. 121.º do CPP e art. 660.º, n.º 2 do CPPT, nos termos do art. 125.º do CPPT e 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável ex vi art. 20.º, al. e) do CPPT.

Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências».

1.5 O Oponente não contra alegou.

1.6 Recebidos neste Supremo Tribunal Administrativo, os autos foram com vista ao Ministério Público, e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, nos seguintes termos:

«1. O Ministério Público tem legitimidade para se pronunciar sobre as questões de legalidade suscitadas pelas partes no processo e para suscitar outras nos termos das suas competências legais (art. 121.º n.º 1 CPPT).
Incluem-se nas competências legais do Ministério Público:
a) a promoção da regularização da petição, a sanação de irregularidades processuais, a dedução de excepções, a arguição de nulidades, a promoção de realização de novas diligências (art. 6.º n.º 1 Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei n.º 21/85, 30 Julho)
b) a possibilidade de arguir vícios do acto impugnado que não tenham sido arguidos pelo impugnante (art. 124.º n.º 2 al. b) CPPT; art. 85.º n.ºs 3/4 CPTA aplicável às acções administrativas especiais)
(cf. para desenvolvimento Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 5.ª edição 2006 p. 861)
Neste contexto a sentença impugnada não enferma de nulidade por excesso de pronúncia, porquanto apreciou e decidiu a questão da ilegalidade do despacho de reversão por erro sobre os pressupostos de facto, suscitada pelo Ministério Público na intervenção processual que precede a prolação de sentença (fls. 256/257).
Sem prescindir, ainda que o Ministério Público carecesse de competência para a suscitação da questão, a sua apreciação pelo tribunal não constituiria excesso de pronúncia determinante de nulidade, pela singela razão de que o tribunal se teria pronunciado sobre questão suscitada por interveniente processual legalmente credenciado antes eventual erro de julgamento sobre a interpretação e aplicação de norma jurídica (sobre questão paralela em sede de recurso jurisdicional, cf. acórdão STA-SCT 16.11.2011 processo n.º 928/10)

2. A recorrente não invocou como fundamento do recurso discordância com o julgamento da questão suscitada pelo Ministério Público.
A solução da questão da legalidade do despacho de reversão prejudica a apreciação da questão da inconstitucionalidade da norma constante do art. 8.º n.º 1 RGIT suscitada na petição de oposição à execução (arts. 6/17), como a recorrente reconhece (conclusão Q.)».

1.7 Foram colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos.

1.8 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao apreciar e decidir a oposição à execução fiscal com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado, com base nos elementos de prova documental que:

- No despacho de reversão consigna-se que não são conhecidos bens à executada originária, de acordo com a certidão de diligência de fls. 14 do processo de execução fiscal - cfr.doc. de fls.105 a 108 dos autos.

Motivação.

O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada das informações e documentos juntos aos autos que não foram impugnados.

A restante matéria alegada pelo Oponente não foi julgada provada nem não provada, por ser irrelevante para a decisão ou por constituir alegação de factos conclusivos ou matéria de direito».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou procedente a oposição deduzida por A…….. à execução fiscal que, instaurada contra uma sociedade para cobrança de dívidas provenientes de Imposto sobre o Valor Acrescentado, Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e coimas aplicadas em processo de contra-ordenação fiscal, reverteu contra ele por ter sido considerado pelo órgão da execução fiscal responsável subsidiário por aquelas dívidas.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, sustenta a Recorrente que a sentença enferma de nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que julgou a oposição procedente por falta de fundamentação do despacho de reversão, vício que não foi invocado pelo Oponente. Mais sustenta que, sendo certo que o Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel invocou tal vício, carecia de poderes para o efeito, uma vez que a lei só lhe permite «pronunciar-se sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade».

Assim, sendo certo que o Oponente não invocou a falta de fundamentação do despacho de reversão como causa de pedir da oposição à execução fiscal, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença incorreu em nulidade ao anular o despacho de reversão com base na verificação desse vício.

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2.2.2 DA NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA

Considera a Recorrente que a sentença recorrida incorreu em nulidade por excesso de pronúncia ao proceder à apreciação do vício de falta de fundamentação do despacho de reversão, que não é do conhecimento oficioso, nem foi invocado pelo Oponente.
Como resulta dos autos e o Recorrente admite expressamente, esse vício foi suscitado pelo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel no parecer emitido ao abrigo do disposto no art. 121.º do CPPT, aplicável ex vi do n.º 1 do art. 211.º do mesmo Código. No entanto, sustenta a Recorrente que o Ministério Público não pode pronunciar-se senão sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, pois, levantar questões novas de legalidade.
Assim, e considerando que a questão respeitante à suficiência dos fundamentos do despacho de reversão, porque não foi suscitada pelo Oponente, se encontrava fora do objecto da oposição e, por isso, não podia ser suscitada pelo Ministério Público, sustenta a Fazenda Pública que a sentença não podia ter conhecido da mesma e, porque conheceu, enferma de nulidade por excesso de pronúncia.
Como é sabido, impõe-se que haja uma correspondência entre o que é pedido e o que é pronunciado, devendo o juiz pronunciar-se sobre tudo o que for pedido e só sobre o que for pedido. Só em casos excepcionais previstos na lei processual ou na lei substantiva pode o juiz apreciar oficiosamente uma questão que não foi suscitada pelas partes.
Nos termos do art. 125.º, n.º 1, do CPPT, ocorre nulidade da sentença quando o juiz se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (Nulidade também prevista na alínea d) do art. 668.º, n.º 1, do CPC.). Esta nulidade está conexionada com a segunda parte do n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil (CPC), em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Com esta norma, pretendeu o legislador proibir o juiz de se ocupar de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, com excepção daquelas que a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso.
No caso sub judice, a resposta a dar à questão da nulidade da sentença por excesso de pronúncia passa por indagar se cabe dentro dos poderes do Ministério Público a invocação de outros vícios do acto impugnado para além dos que foram invocados pelo Oponente. Vejamos:
Nos termos do art. 121.º. n.º 1, do CPPT – disposição legal que vimos já ser aplicável à oposição à execução fiscal ex vi do disposto no n.º 1 do art. 211.º do mesmo Código – «[a]presentadas as alegações ou findo o respectivo prazo e antes de proferida a sentença, o juiz dará vista ao Ministério Público para, se pretender, se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo ou suscitar outras nos termos das suas competências legais».
Embora uma interpretação estritamente literal do art. 121.º do CPPT e que não atenda ao seu segmento final – «ou suscitar outras nos termos das suas competências legais» – possa sugerir que não é possível ao Ministério Público suscitar questões de legalidade que não tenham sido suscitadas no processo, não subscrevemos esse entendimento, sustentado pela Recorrente. Como demonstra JORGE LOPES DE SOUSA, o mesmo não obedece às melhores regras da hermenêutica jurídica. Comentando aquela norma legal, diz este Autor:

«No n.º 1 deste art. 121.º refere-se que a vista ao Ministério Público lhe é dada para se pronunciar expressamente sobre as questões de legalidade que são objecto do processo ou suscitar outras que se enquadrem nas suas competências legais.
Assim, a referência a pronúncia «sobre as questões de legalidade suscitadas no processo» não tem um alcance restritivo das possibilidades de intervenção do Ministério Público, estendendo-se as suas possibilidades de intervenção processual a todas as que se coadunam com a sua função estatutária nos tribunais administrativos e fiscais.
Nestes termos, além das expressamente previstas possibilidades de se pronunciar sobre as questões de legalidade suscitadas no processo e suscitar questões que obstem ao conhecimento do mérito do pedido, o Ministério Público poderá também promover o que tiver por conveniente, como lhe é genericamente permitido pelo art. 6.º, n.º 1, do EMP, designadamente promover a regularização da petição e sanação de irregularidades processuais, deduzir excepções, arguir nulidades, e requerer a realização de diligências.
Do preceituado na alínea b) do n.º 2 do art. 124.º do CPPT, conclui-se que o Ministério Público pode também arguir vícios do acto impugnado que não tenham sido arguidos pelo impugnante, possibilidade essa que estava expressamente prevista para os recursos contenciosos de actos administrativos, na alínea d) do art. 27.º da LPTA, e está também prevista para as acções administrativas especiais, nos n.ºs 3 e 4 do art. 85.º do CPTA» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 4 ao art. 121.º, pág. 300.).

É certo que, como referido nas alegações de recurso, CASALTA NABAIS defendeu que além das questões de legalidade que tenham sido suscitadas no processo, o Ministério Público só pode suscitar questões que obstem ao conhecimento do pedido, não podendo, portanto, levantar questões novas de legalidade (Direito Fiscal, 5.ª edição, Almedina, pág. 425.).
No entanto, essa tese não foi acolhida pela jurisprudência (Sobre a possibilidade de o Ministério Público arguir vícios não arguidos pelo impugnante, vide os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
–de 22 de Março de 1995, proferido no processo n.º 18.996, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Julho de 1997 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1995/32210.pdf), págs. 880 a 883, com sumário disponível em
-http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/191c800bdd5ec649802568fc00393d8f?OpenDocument;
–de 29 de Outubro de 1997, proferido no processo n.º 18.997, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2750 a 2752;
–de 5 de Novembro de 1997, proferido no processo n.º 21.043, publicado no Apêndice ao Diário da República de 30 de Março de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1997/32240.pdf), págs. 2849 a 2851;
–de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 21.168, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/1998/32210.pdf), págs. 952 a 954;
–de 31 de Outubro de 2000, proferido no processo n.º 25.516, publicado no Apêndice ao Diário da República de 31 de Janeiro de 2003 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32241.pdf), págs. 3999 a 4002;
–de 8 de Fevereiro de 2006, proferido no processo n.º 810/05, publicado no Apêndice ao Diário da República de 29 de Setembro de 2006 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2006/32210.pdf), págs. 239 a 243.) nem pela doutrina, sendo que JORGE LOPES DE SOUSA a criticou expressamente, pelos motivos que vimos de citar (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, volume I, nota de rodapé com o n.º (2), anotação 4 ao art. 121.º, pág. 861.).
Podemos, pois, concluir que o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente e, consequentemente, que não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocado unicamente pelo Representante do Ministério Público.
Assim, e porque a Recorrente não põe em causa o julgamento efectuado relativamente a essa questão, mas apenas que a mesma tenha sido conhecida, nada mais há a apreciar e o recurso não merece provimento.

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2.2.3 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

Porque o Ministério Público pode arguir vícios do despacho de reversão que não tenham sido arguidos pelo oponente, não enferma de nulidade por excesso de pronúncia a sentença judicial que julgou procedente a oposição à execução fiscal com base na falta de fundamentação do despacho de reversão invocada unicamente pelo Representante do Ministério Público.


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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 31 de Outubro de 2012. - Francisco Rothes (relator) - Fernanda Maçãs - Casimiro Gonçalves.