Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0663/14
Data do Acordão:10/23/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
INCOMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Sumário:I – A Secção do Contencioso Administrativa do STA é competente para conhecer, em 1º. grau de jurisdição, dos processos em matéria administrativa relativos a acções ou omissões das entidades identificadas na al. a) do nº. 1 do artº. 24º do ETAF.
II – Essa competência não se verifica, se, em virtude da existência da delegação de poderes, o Conselho de Ministros não praticou o acto de adjudicação impugnado e não tem o dever de proferir o acto pretendido nem de observar o comportamento solicitado.
III – A competência do TAF mantém-se, ainda que o acto de adjudicação impugnado, praticado pelo Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, tenha sido objecto de impugnação administrativa para o Primeiro-Ministro.
Nº Convencional:JSTA000P18092
Nº do Documento:SA1201410230663
Data de Entrada:06/04/2014
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:CONSELHO DE MINISTROS E B... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. “A………………., S.A.”, com sede no Largo ………………, em ……………, Amadora, intentou, ao abrigo do artº 100º, do CPTA, contra o Conselho de Ministros (CM) e a “B…………………….., S.A.”, acção de contencioso pré-contratual, pedindo a anulação do despacho, de 8/05/2014, do Secretário-Geral da PCM (Presidência do Conselho de Ministros), que excluiu a sua proposta e adjudicou à contra-interessada a prestação de serviços de vigilância e segurança ao abrigo do lote 24 do Acordo Quadro, bem como a intimação do CM para se abster de celebrar o contrato com a “B……………….”.
Por despacho do relator de 10/09/2014, considerando-se que o presente processo não era relativo a acções ou omissões do CM, foi julgada procedente a excepção da incompetência em razão da hierarquia deste tribunal e declarada a competência do TAF de Sintra para o conhecer.
Para assim decidir, tal despacho fundamentou-se no Ac. deste tribunal de 23/07/2014, proferido no proc. nº. 618/14, que, decidindo a mesma questão na providência cautelar dependente dos presentes autos, referiu o seguinte:
“A Secção de Contencioso Administrativo do STA é competente para conhecer, em 1ª. instância, “dos pedidos de adopção de providências cautelares relativos a processos da sua competência” (cf. artº. 24º, nº. 1, al. c), do ETAF).
E são da sua competência os processos em matéria administrativa relativos a acções ou omissões das entidades identificadas na al. a) do citado artº. 24º, nº. 1, onde se incluem, além de outras, o Conselho de Ministros e o Primeiro-Ministro.
Havendo cumulação de pedidos, se o STA for competente para, em primeiro grau de jurisdição, conhecer de um deles, sê-lo-á também para apreciar os demais – cf. nº. 1 do artº. 21º. do CPTA e artº. 24º, nº. 1, al. e), do ETAF.
Existindo delegação de poderes, o que releva para aferir da competência do tribunal, como da legitimidade passiva, é a categoria do órgão que foi autor do acto impugnado ou daquele sobre quem recai o dever de praticar o acto jurídico pretendido (cf. artºs. 10º e 57º, ambos do CPTA) que, em ambos os casos, será a autoridade delegada, por os actos por si praticados se integrarem na sua competência própria (cf., entre muitos, os Acs. do STA de 6/1/67 in A.D. 64º - 659 e de 21/04/77 in A.D. 190 – 885) e por ser a ela que assiste o dever de decidir (cf., entre muitos, o AC. do STA de 28/01/86 in A.D. 296º/297º - 1024).
Através da Resolução do CM nº. 93/2013, foi delegada, ao abrigo do nº.1 do artº. 109 do CCP, a competência, no Secretário-Geral da PCM, para proferir o acto de adjudicação no procedimento em causa nos autos (cf. nº. 7) e nos dirigentes máximos de cada entidade adjudicante a competência para a outorga dos respectivos contratos (cf. nº. 8).
Tendo o acto de adjudicação suspendendo sido praticado pelo Secretário-Geral da PCM, sendo este, por via da referida delegação de poderes, o órgão competente para adjudicar provisoriamente os serviços objecto do procedimento concursal e cabendo aos dirigentes máximos de cada entidade adjudicante a competência para a celebração dos contratos respectivos, é de concluir que o CM não só não praticou o acto referido, como não é sobre ele que recai o dever de proferir o acto pretendido ou de celebrar os contratos respectivos.
Assim, o processo principal não é relativo a acções ou omissões do CM, motivo por que, nos termos do citado artº. 24º, nº. 1, al. c), procede a suscitada excepção da incompetência deste tribunal em razão da hierarquia, com a consequente remessa dos autos ao tribunal administrativo de círculo territorialmente competente que, no caso, é o TAF de Sintra (cf. artºs. 44º, nº. 1, do ETAF e 20º, nº. 6º e 16º, do CPTA).
Refira-se, finalmente, que a circunstância de a PCM poder servir como centro de imputação dos actos e comportamentos do CM (cf., neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, in “Comentário ao CPTA”, 3ª. edição revista – 2010, pag. 84 e 85) não significa que este Supremo seja competente sempre que estejam em causa acções ou omissões de entidades nela integradas, pois o artº. 24º, nº. 1, do ETAF, não prevê tal competência em razão dessa integração, cingindo-a às entidades que individualiza (cf. Acs. do STA de 5/05/2010 – Proc. nº. 238/10, de 22/02/2011 – Proc. nº. 1023/10, de 26/05/2011 – Proc. nº. 041/11 e de 18/10/2011 – Proc. nº. 823/11).”.
A A., ao abrigo do artº. 27º, nº. 2, do CPTA, reclama, deste despacho, para a conferência, concluindo nos seguintes termos:
I – É importante para a decisão do presente recurso a matéria vertida na alínea c) das presentes alegações;
II – Refere-se, com especial relevância o facto de a decisão sobre a impugnação administrativa de que derivou a exclusão da ora Recorrente do procedimento concursal – e que foi causa desta acção – ter sido tomada pelo Senhor Primeiro Ministro, após deliberação favorável do Conselho de Ministros, tomada em 29 de Maio de 2014.
III – Facto que, independentemente de eventuais actos de delegação de poderes que tenham sido praticados, demonstra, inequivocamente, ser o Primeiro Ministro/Conselho de Ministros o titular da relação material controvertida ajuizada.
IV – Pelo que ainda que se pretenda retroceder ao espírito da LPTA mediante atribuição de legitimidade passiva ao autor do acto, ainda assim e por força da aplicação dos art. 21.º do CPTA e 24.º n.º 1 e) do ETAF, haverá que reconhecer a competência deste Tribunal em razão da hierarquia.
V – A LPTA tinha na sua raiz «um processo feito a um acto», por oposição ao CPTA em que o interesse em contradizer se deve aferir em função da relação material controvertida.
VI – O que importa aferir, agora no domínio do art. 10.º do CPTA, é se a entidade demandada é, ou não, a titular da relação material controvertida e, como tal, se está em condições de se ocupar do pedido, contradizendo-o.
VII – A legitimidade passiva deixou de pertencer ao órgão autor do acto, passando outrossim para a pessoa colectiva ou, no caso do Estado, para o Ministério titular da relação controvertida, a cujos órgãos seja imputável o acto impugnado ou sobre cujos órgãos recaía o dever de praticar o acto jurídico. (vide o artigo 10.º n.º 2 do CPTA).
VIII – O Primeiro Ministro/Conselho de Ministros é titular da relação material controvertida porque decide e decidiu em «última instância» procedimental (por via hierárquica) pela exclusão da ora Recorrente do procedimento.
IX – E porque, também por essa razão, lhe são dirigidos os pedidos de (i) condenação a admitir a proposta da A……………… e, consequentemente, a adjudicar à A……………… os serviços objecto do identificado procedimento e a celebrar com ela o contrato correspondente; (ii) condenação a abster-se de celebrar o contrato com a B………………… ou, caso este venha a ser celebrado, ser o mesmo anulado.
X – O Supremo Tribunal Administrativo é, em razão da hierarquia, competente para conhecer da presente acção e dos pedidos nela formulados (artigo 24.º n.º 1 al.a) iii) do ETAF e artigos 10.º e 21.º, n.º 1 do CPTA)”.
A contra-interessada, “B………………..”, respondeu, concluindo pela improcedência da reclamação.
Sem Vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

2. Na presente reclamação, a A. invoca exactamente os mesmos fundamentos que alegou no recurso que interpôs, para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, do supra mencionado Ac. deste tribunal de 23/07/2014.
O Pleno, por Ac. de 15/10/2014 – proc. nº. 618/14, proferido por unanimidade, negou provimento a esse recurso, confirmando, assim, a decisão que julgara o STA incompetente, em razão da hierarquia, para apreciar a providência cautelar dependente dos presentes autos.
Para tanto, expendeu-se o seguinte nesse acórdão:
“(…)
Como se menciona no acórdão recorrido, o acto de adjudicação suspendendo (contido no Despacho do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, de 08.05.2014) foi praticado no âmbito de uma delegação de poderes (ou de competências) contida na Resolução do Conselho de Ministros n.º 93/2013, de 23 de Dezembro. Efectivamente, nos termos dessa resolução “foi delegada, ao abrigo do n.º 1 do art.º 109 do CCP, a competência ao Secretário-Geral da PCM, para proferir o acto de adjudicação no procedimento em causa nos autos (cfr. n.º 7) e nos dirigentes máximos de cada entidade adjudicante a competência para a outorga dos respectivos contratos (cfr. n.º 8) (cfr. fls 452-3 do acórdão recorrido).
Independentemente de qual seja a tese que se subscreva quanto à natureza jurídica da delegação de poderes, dúvidas não existem de que, com a delegação, o delegante não se desliga totalmente dos poderes delegados. Pelo contrário, e, desde logo, a partir da leitura de vários preceitos da CPA (artigos 35.º a 40.º), pode constatar-se que lhe cabem poderes de orientação em relação ao exercício dos poderes delegados, quer se trate de delegação hierárquica, quer de delegação não hierárquica (art. 39.º n.º 1), o poder de avocar, assim como o poder de revogar os actos praticados pelo delegado (art. 39.º, n.º 2).
Nem por isso decorre, do que foi dito, que o titular do acto delegado seja outro que não o seu autor (in casu, o Secretário da Presidência do Conselho de Ministros). Com efeito, tendo havido delegação e não tendo a delegação sido extinta, por revogação ou por caducidade (art. 40.º do CPA), ou ainda, não tendo o delegante avocado a si uma situação concreta compreendida no âmbito da delegação conferida (art. 39.º, n.º 2), a competência para praticar os actos delimitados na delegação de poderes pertence unicamente ao órgão delegado, que a exerce em nome próprio. Isto porque “em cada momento há um único órgão competente antes da delegação, só o potencial delegante é competente; praticada a delegação, só o delegado pode exercer os poderes delegados” (Vide D. Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 2014, pp. 849-50).
Com interesse para os autos, cabe dizer, agora quanto à natureza dos actos do delegado, que a regra geral, válida para o presente processo, é a de que os mesmos são actos com eficácia externa, susceptíveis de impugnação contenciosa imediata. Todavia, isto não preclude a possibilidade da utilização de meios de impugnação administrativa dos actos do delegado, mais concretamente, do recurso para o delegante (art. 158.º, n.º 2, b), CPA).
No caso concreto dos autos, a recorrente reagiu jurisdicionalmente contra o acto de adjudicação do Secretário da Presidência do Conselho de Ministros, dele recorrendo. Ora, sendo aquele um acto com eficácia externa, e não tendo havido revogação ou modificação do dito acto, antes pelo contrário, tendo o PM, uma vez ouvido e obtido o parecer favorável do Conselho de Ministros, confirmado o acto de adjudicação, não há como afirmar que o Primeiro-Ministro/Conselho de Ministros sejam os titulares da relação material controvertida, como pretende a recorrente. Ao invés, e como sustenta a entidade recorrida, “estes últimos [que] não exerceram qualquer competência dispositiva na configuração da situação jurídica que é posta em crise nos autos”. De facto, o acto do Primeiro-Ministro/Conselho de Ministros que decidiu o recurso administrativo, porque meramente confirmativo, não produziu efeitos jurídicos inovatórios na ordem jurídica. Deste modo, configura um acto não impugnável nos termos do artigo 53.º, a), do CPTA. Ainda que assim não fosse, cumpre assinalar que a recorrente não chega a impugnar, neste Supremo Tribunal, o acto secundário praticado pelo PM/CM, nem em primeira instância nem agora, em via de recurso, e nem na providência cautelar ou na acção principal. O argumento da recorrente de que não reagiu contra o acto confirmativo do PM por este ser inimpugnável não só não é convincente, como acaba por reforçar a tese de que o titular do acto delegado suspendendo é apenas e tão só o seu autor, ou seja, o Secretário da Presidência do Conselho de Ministros.
2.3. Uma vez determinada a titularidade do único acto impugnável nos presentes autos – o despacho de adjudicação praticado pelo Secretário da Presidência do Conselho de Ministros –, é a vez de aferir da competência do STA para conhecer da presente providência cautelar (bem como da acção principal).
Este Supremo Tribunal já teve a oportunidade de resolver questões relacionadas com a sua competência jurisdicional em razão da hierarquia em situações em que estavam em causa actos praticados por entidades integrantes da Presidência do Conselho de Ministros (Vide os acórdãos do STA de 05.05.10, de 22.02.11, de 26.05.11, de 18.10.11, de 08.11.12 e de 29.11.12, processos n.os 238/10, 1023/10, 41/11, 823/11, 1149/12 e 01211/12, respectivamente). Não vislumbrando qualquer razão para nos afastarmos das suas orientações neste domínio, reproduzimos aqui o essencial para a resolução da questão ora em análise.
O artigo 24.º, n.º 1, a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, atribuiu à Secção de Contencioso Administrativo do STA a competência para conhecer dos processos em matéria administrativa respeitantes a acções ou omissões de diversas entidades, de entre as quais, o Conselho de Ministros (inciso iii) e o Primeiro Ministro (inciso iv). Relativamente às condutas das demais ‘entidades’ que integram o Governo ou a ele ligadas, não há, no referido diploma, qualquer norma atributiva de competência a este Supremo Tribunal.
De acordo com a Lei Orgânica do XIX Governo Constitucional (DL n.º 86-A/2011, de 12 de Julho, com as sucessivas alterações), a Presidência do Conselho de Ministros não é elemento integrante do órgão Governo (art. 1.º), e não se confunde com o Conselho de Ministros. Segundo o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do diploma em apreço, “A Presidência do Conselho de Ministros é o departamento central do Governo, tendo por missão prestar apoio ao Conselho de Ministros e aos demais membros do Governo nela integrados e promover a coordenação dos diversos departamentos governamentais que a integram”.
A Presidência do Conselho de Ministros é, portanto, o departamento que presta apoio ao Conselho de Ministros, ao Primeiro-Ministro e aos outros membros do Governo aí integrados organicamente.
Não obstante a sua evidente conexão orgânica com o Governo, há que relembrar que o já citado artigo 24.º, n.º 1, do ETAF não prevê a competência da Secção de Contencioso Administrativo do STA para julgar as acções ou omissões da Presidência do Conselho de Ministros, designadamente de entidades nela integradas.
Ele prevê-a para as entidades que individualiza, o Conselho de Ministros e o Primeiro-Ministro, a par com outras entidades aí expressamente elencadas. Deste modo, a competência quanto aos processos em matéria administrativa relativos a acções ou omissões de entidades que integram a Presidência do Conselho de Ministros (art.10.º, n.º 2) cabe, por força do artigo 44.º do ETAF, aos tribunais administrativos de círculo”.
Aderindo-se inteiramente a esta jurisprudência, que responde a todas as questões que são colocadas pela reclamante, terá de se concluir pela improcedência da reclamação.

3. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas do incidente pela reclamante, com 1 UC de taxa de justiça.

Lisboa, 23 de Outubro de 2014. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – António Bento São Pedro.