Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01029/16
Data do Acordão:12/14/2016
Tribunal:PLENÁRIO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
PRÉDIO DEVOLUTO
Sumário:O Tribunal Tributário de Lisboa é materialmente competente para conhecer da impugnação da declaração de prédio devoluto emitida pelo Município de Lisboa nos termos do Decreto-Lei n.º 159/2006, de 8 de Agosto, para os efeitos do artigo 112.º, n.º 3 do Código do Imposto Municipal sobre imóveis.
Nº Convencional:JSTA000P21266
Nº do Documento:SAP2016121401029
Data de Entrada:09/14/2016
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência, no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório
A……………., S.A., melhor identificada nos autos, vem intentar a acção administrativa especial emergente da prática de acto administrativo contra o Município de Lisboa, nos termos do artº 46º, nº1, 50.º e 51.º do CPTA.

Na petição inicial formulou o seguinte pedido:
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exa, porque tem legitimidade nos termos do disposto no artigo 55º do CPTA e está em prazo, deve a presente acção ser julgada procedente e provada, revogando-se consequentemente o acto recorrido, seguindo-se os ulteriores termos até final.

Defende que o acto proferido, encontra-se ferido de ilegalidade por violar, flagrantemente, o disposto no artigo 2º, nº 1 do Decreto Lei nº 159/2006, de 08/08.

A entidade recorrida, o Município de Lisboa, não contestou.

Distribuído o processo como referente a matéria administrativa, a Mmª Juíza do Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa julgou-se incompetente, em razão da matéria, para o conhecimento do pleito. No seu entendimento o que se discute no processo, face ao pedido e causa de pedir, consiste em saber se, se encontram reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para se considerar o prédio devoluto para efeitos de aplicação da taxa agravada de IMI. Ou seja: considerou que se trata de uma questão relativa à base tributária do imposto para cujo julgamento são competentes os tribunais tributários, atenta a pretensão deduzida após o que declarou aquele tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do presente recurso, tendo sido determinada a remessa dos autos ao tribunal Tributário de Lisboa.

Remetidos os autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, este, também se declarou, incompetente em razão da matéria, na consideração de que não está em causa a apreciação da legalidade de acto administrativo de natureza fiscal, sendo competente, no seu entendimento, o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa.

Face ao trânsito em julgado das decisões judiciais proferidas e dada a ocorrência de conflito negativo de competência, foi requerida ao Supremo Tribunal Administrativo, a resolução do conflito.
Neste Supremo Tribunal, veio o Ministério Público emitir parecer cujo conteúdo se apresenta por extracto:
«1. Na ação administrativa especial intentada pela sociedade “A…………. S.A.” foi peticionada a declaração de nulidade da decisão proferida pelo senhor vereador do Município de Lisboa, que declarou devoluto prédio pertença da Autora, ao abrigo do disposto no Dec.-Lei n° 159/2006, de 8 de Agosto, e para efeitos do disposto no n°3 do artigo 112° do CMI.
Tanto o Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, onde a ação foi inicialmente proposta, como o Tribunal Tributário de Lisboa, para onde foi remetida a ação, se declararam incompetentes em razão da matéria para conhecer da ação, tendo ambas as decisões já transitado em julgado.
No acórdão do Plenário deste STA de 29/10/2003 (rec. n° 937/03), considerou-se como questões fiscais “tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como também das que as dispensem ou isentem, ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos”.
Não se oferecem dúvidas que a sindicada decisão proferida pelo senhor vereador, no uso de delegação de competências, proferida ao abrigo do artigo 4° do Dec.-Lei n° 159/2006, de 8 de Agosto, se insere no âmbito da definição da situação do prédio para efeitos de aplicação de taxa agravada do IMI, nos termos do n°3 do artigo 112° do CIMI, a qual visa “responsabilizar os proprietários que não• asseguram qualquer função social ao seu património, permitindo a sua degradação (preâmbulo do DL 159/2006).
A declaração de “prédio devoluto” configura, assim, um procedimento administrativo, no qual o dono do prédio é ouvido e cuja decisão é impugnável autonomamente, mas que constitui procedimento prévio ao ato de liquidação do IMI para efeitos de aplicação da taxa agravada. O referido procedimento insere-se no âmbito do ato tributário em sentido amplo, pois não tem qualquer outra finalidade intrínseca que não seja definir a situação do prédio para efeitos de aplicação daquela taxa agravada.
O que permite concluir que estamos perante relação jurídica que surge em virtude do exercício da função de imposição autoritária da prestação tributária ou que com ela está objetivamente conexa ou subordinada.
Pese embora a competência para a liquidação do IMI esteja atribuída aos serviços centrais da Direção-Geral de Impostos art. 113°, n°1, CIMI -, também é certo que os municípios são os beneficiários do imposto art. 1ª do CIMI.
Afigura-se-nos, assim, que estamos perante ato administrativo respeitante a questão fiscal, a dirimir pelos tribunais tributários, ao abrigo do disposto no parágrafo IV da alínea a) do nº1 do artigo 49.º do ETAF.
(…)
2. Em face do exposto, afigura-se-nos que o conflito negativo em causa nos autos deve ser dirimido atribuindo a competência para apreciação da ação ao Tribunal Tributário de Lisboa, ao qual devem ser devolvidos os autos.»


Colhidos que foram os vistos dos Exmºs Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir o conflito negativo de competência em Plenário do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 29º do ETAF).

DECIDINDO NESTE STA
Não se conformando com o desenvolvimento processual, vem a recorrente suscitar a resolução do conflito negativo de competência material entre as secções do contencioso tributário e do contencioso administrativo do TAF de Lisboa, solicitando que se decida qual o Tribunal competente nos termos dos artºs 135º e 139º do CPTA e arºs 110º e 111º nº 2 do CPC.

A questão que se coloca é a de saber qual o tribunal materialmente competente para apreciar e decidir a acção interposta, na qual se pede a nulidade da decisão final que declarou o prédio devoluto, nos termos supra referidos

A autora vem questionar a decisão/declaração final de prédio devoluto proferida pelo Senhor Vereador Arqtº ………. que no uso de competências delegadas declarou devoluto o referido imóvel, pertença da autora, ao abrigo do disposto do nº 1 do artigo 2º do DL 159/2006, de 08/08.

Assim sendo, consideramos que se questiona o despacho de 05/10/2015, que consta de fls 23 e seguintes dos autos o qual considerou devoluto o prédio de que é proprietária a ora recorrente para efeitos de aplicação da taxa agravada de IMI e, a solução passa por ponderar não só o disposto no artº 112º nº 3 do CIMI na redacção da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro mas também o disposto no D.L. 159/2006 de 8 de Agosto.

A natureza da questão a decidir é pois a mesma que já obteve resposta noutros acórdãos deste Tribunal Plenário e passa essencialmente por analisar se, no caso dos autos, se encontravam reunidos os pressupostos legalmente estabelecidos para se considerar o prédio devoluto para efeitos de aplicação da taxa agravada do IMI, tratando-se pois de uma questão relativa à base tributária do imposto.
Em situação similar à dos presentes autos foi proferido o Acórdão da Secção de Contencioso Tributário deste STA de 9 de Março de 2016 no recurso n.º 38/16, no sentido da atribuição aos Tribunais Tributários a competência para conhecer da impugnação de acto de declaração devoluto ruínas emitida pelo Município de Lisboa nos termos do DL n.º 159/2006, de 08.08.
Ali se expressou:
«Importa decidir […] se o conhecimento da impugnação judicial do acto praticado pelo Município de Lisboa, ao abrigo do disposto no DL n.º 159/2006, de 08.08, cabe na competência dos Tribunais Administrativos de Círculo ou na competência dos Tribunais Tributários.
Com o Decreto-Lei n.º 159/2006, o legislador aprovou a definição do conceito fiscal de prédio devoluto, com vista à aplicação da taxa do imposto municipal sobre imóveis (IMI), ao abrigo do disposto no artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, cfr. artigo 1º.
A edição deste diploma legal, tal como se surpreende do preâmbulo do mesmo, encontra a sua justificação (n) “A dinamização do mercado do arrendamento urbano e a reabilitação e a renovação urbanas almejadas no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, só podem ser alcançadas se resultarem de uma estratégia concertada de um conjunto de iniciativas legislativas, entre elas a que permite responsabilizar os proprietários que não asseguram qualquer função social ao seu património, permitindo a sua degradação, através da penalização em sede fiscal dos proprietários que mantêm os prédios devolutos.
Para tanto, o Governo foi autorizado pela Assembleia da República, nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 63.º da referida Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, a proceder à definição de prédio ou fracção autónoma devoluta para efeitos de aplicação da taxa do imposto municipal sobre imóveis (IMI), ao abrigo do disposto no artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), na redacção que lhe foi dada pela mesma Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
Assim, para efeitos do presente decreto-lei, considera-se devoluto o prédio urbano ou a fracção autónoma que durante um ano se encontre desocupada, sendo indícios de desocupação a inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações, de fornecimento de água, gás e electricidade e a inexistência de facturação relativa a consumos de água, gás, electricidade e telecomunicações.”.
Apesar desta ligação íntima entre a determinação do que se deve considerar um prédio devoluto e a determinação da taxa de IMI -agravada nos termos do disposto no artigo 112º, n.º 3 do CIMI- a verdade é que todo o procedimento se desenrola no seio dos Municípios (“Do ponto de vista procedimental, os municípios procedem à identificação dos prédios urbanos ou fracções autónomas que se encontrem devolutos e notificam o sujeito passivo do imposto municipal sobre imóveis, para o domicílio fiscal, do projecto de declaração de prédio devoluto, para este exercer o direito de audição prévia e da decisão, nos termos e prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo. A decisão de declaração de prédio ou fracção autónoma devoluta é sempre susceptível de impugnação judicial, nos termos gerais previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”), cfr. artigo 4º, cabendo-lhes a eles levar a efeito as diligências necessárias para determinação da qualificação de determinado prédio como devoluto e cabendo-lhes igualmente a prolação da decisão em que se qualifique o prédio como devoluto.
Ou seja, incumbe aos Municípios a verificação e “certificação” dos pressupostos de facto que conduzirão à aplicação da taxa agravada nos termos do dito artigo 112º, n.º 3 do CIMI.
Mas o facto de tal “actividade” incumbir aos Municípios, sendo do acto definidor deles que cabe impugnação judicial imediata nos termos do disposto no CPTA, cfr. artigo 4º, n.º 4, não retira a natureza de questão fiscal quando se pretende discutir se determinado prédio deve ou não ser considerado devoluto para efeitos do disposto no DL em análise e do artigo 112º, n.º 3 do CIMI.
A “questão fiscal” engloba não só os actos tributários em sentido estrito, praticados pelas entidades fiscais, mas ainda, e também, os actos praticados por entidades exteriores à Autoridade Tributária, mas que definem, condicionam e complementam a própria actividade fiscal em sentido estrito, cfr. artigo 49º do ETAF.
E engloba não só a apreciação dos factos dos quais emerge a relação jurídica tributária, mas igualmente a apreciação dos preceitos e princípios legais que contenham a previsão legal que permita à AT actuar.
[…]
Também neste Tribunal Plenário se decidiu pela competência dos Tribunais tributários nos acórdãos de 01/06/2016 no recurso nº 0416/16, de 29/09/2016 no recurso nº 0451/16, de 03/11/2016 no recurso 508/16 embora no primeiro dos arestos estivesse em causa a declaração de prédio em Ruínas pelo Município de Lisboa, distinção fáctica que para efeitos de competência em razão da matéria foi considerado acessório.
Tal como se expressou no referido acórdão do Tribunal Plenário de 01/06/2016 no recurso nº 0416/16; não há dúvida, assim, que a questão que a recorrente pretende ver apreciada no presente processo se reconduz a questão fiscal uma vez que o acto praticado pelos Municípios ao abrigo das competências que lhes são conferidas pelo DL n.º 159/2006, tem em vista exclusivamente, e em última instância, a fixação do concreto valor a pagar respeitante a IMI. Dito de outro modo, a declaração de prédio devoluto prevista naquele Decreto Lei tem em vista a conformação da concreta definição do quantum a pagar, a título de IMI, pelo contribuinte proprietário do prédio devoluto.
É este julgamento que aqui se reitera, pelos fundamentos expressos nos Acórdãos supra citados.

4- DECISÃO:
Pelo exposto, acorda o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo em anular a decisão que declarou a incompetência material do Tribunal Tributário de Lisboa e em resolver o presente conflito, por forma, a atribuir a esse tribunal a competência para conhecer da presente acção.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2016. – José da Ascensão Nunes Lopes (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Jorge Artur Madeira dos Santos.