Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 085/17.0BCLSB |
Data do Acordão: | 11/18/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR |
Sumário: | I - No contencioso tributário, o recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA, à data (hoje no art. 285.º do CPPT), visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável). II - As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional. |
Nº Convencional: | JSTA000P26723 |
Nº do Documento: | SA220201118085/17 |
Data de Entrada: | 11/04/2020 |
Recorrente: | CÂMARA MUNICIPAL DE LOURES |
Recorrido 1: | A............, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 85/17.0BCLSB
1. RELATÓRIO 1.1 A acima identificada Recorrente, não se conformando com o acórdão proferido em 5 de Março de 2020 nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo Sul – que, negando provimento ao recurso por ela interposto, manteve a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada –, interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «1.ª “In casu” encontram-se verificados os pressupostos de admissão do recurso de revista excepcional previsto no artigo 285.º, do CPPT, já que nos encontramos perante uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social. 2.ª O Regulamento em apreço foi aprovado por deliberação da CMLoures de 10 de Janeiro de 2002, tendo sido publicado no Boletim de Deliberações e Despachos n.º 18 e no Edital n.º 37, pelo que foi dado cumprimento ao disposto na segunda parte do art. 91.º da Lei n.º 169/99, de 18/09, aplicável “in casu”, encontrando-se em vigor aquando da liquidação em apreço. 3ª. A confirmação prevista no art. 2.º do D.L. 177/2001, de 4 de Junho teve lugar dentro do prazo nele estipulado, já que este diploma legal apenas entrou em vigor em Outubro seguinte. 4.ª Por outro lado, as normas da Lei das Finanças Locais referidas no dito Regulamento estabelecem, claramente, os poderes tributários do Município para emissão daquele Regulamento, sendo certo que sob a epígrafe “Lei Habilitante”, deu o Município cumprimento ao princípio da primariedade da Lei, não padecendo o referido Regulamento de qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, não violando qualquer princípio do Estado de Direito Democrático. 5.ª Ao contrário do decidido, não está em causa a criação de um imposto local, só podendo ser criado pela Assembleia da República ou Decreto-Lei autorizado, já que a liquidação em apreço não deixa de ter a característica de taxa devida pela emissão de licença, não se tratando de uma situação de agravamento de taxa de licença no âmbito do procedimento para legalização de obra, que não está em causa, mas apenas da emissão da licença em condições particulares, em que a obra já se iniciou ou já está concluída. 6.ª Porém, se a obra não estiver conforme as disposições legais aplicáveis, não pode nem é legalizada, independentemente do pagamento de qualquer taxa, sendo que tais licenças, emitidas após a respectiva liquidação da taxa aplicável, apenas o são se a obra estiver em conformidade com a lei. 7.ª Os construtores que iniciam a obra sem licença e/ou a deixam caducar, alongando a obra, penalizam os serviços camarários, designadamente os serviços de fiscalização e aprovação de projectos, sendo que se não houvesse qualquer agravamento, tal seria um incentivo à proliferação de obras ilegais e de desordenamento do território. 8.ª Tal situação exige um esforço acrescido na aprovação dos projectos de arquitectura, que não passam inicialmente pelo crivo camarário, e ao nível da fiscalização, com mais meios humanos necessários ao controle da legalidade, sendo que nestes casos é exigida à autarquia uma maior intervenção dos serviços camarários em contraponto com o construtor cumpridor, que apenas exige uma intervenção meramente pontual. 9.ª E, como esses serviços não são ilimitados, o agravamento da taxa visa desincentivar os construtores da iniciativa de iniciarem e concluírem as obras sem a devida licença, por forma ilegal, sendo que tal situação, em contraponto com o construtor cumpridor, gera um excesso de utilização de recursos públicos. 10.ª Há, assim, à luz do interesse público, uma justificação razoável para a norma que estabelece a responsabilidade dos donos da obra por taxas agravadas nas situações de obras sem licenças, situação que é absolutamente legal e constitucional (v. Ac. n.º 238/2014 do TC, de 08/04/2014, proc. n.º 223/13, 2.ª Sec. TC). 11.ª Deste modo, inexiste inconstitucionalidade formal do Regulamento em apreço, inexistindo o alegado vício sobre os pressupostos do acto de liquidação, sendo que ao decidir neste sentido, o douto acórdão recorrido violou os arts. 103.º n.º 2, 165.º, n.º 1, al. i), da CRP. 12.ª E, não padecendo o acto de liquidação de qualquer vício, não são devidos quaisquer juros de mora, pelo que ao decidir nesse sentido, o douto acórdão recorrido violou o art. 43.º, n.º 1, da LGT. Nestes termos e nos mais de direito, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser admitido, nos termos do artigo 285.º, do CPPT, considerado procedente e, em consequência, ser o douto acórdão recorrido substituído por douto acórdão que considere a legalidade e constitucionalidade da liquidação integral da taxa em apreço, com o que se fará a costumada e inteira JUSTIÇA!». 1.2 O recurso de revista foi admitido por despacho da Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Sul. 1.3 Não foram apresentadas contra-alegações. 1.4 O Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve ser admitido. Isto, após ter enunciado os requisitos da admissibilidade do recurso de revista e elaborado em torno dos mesmos, com referência à jurisprudência deste Supremo Tribunal, com a seguinte fundamentação: «[…] no caso em apreço nas conclusões do recurso não encontramos qualquer alusão aos requisitos de admissibilidade da revista apenas delas resultando o erro de julgamento de direito e de facto que a Recorrente imputa ao Acórdão recorrido. 1.5 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do CPPT, remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do art. 285.º do CPPT e do n.º 1 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) a excepcionalidade do recurso de revista. Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2.2.1.2 A Recorrente interpôs o presente recurso de revista pedindo que este Supremo Tribunal revogue o acórdão recorrido, na parte em que confirmou a sentença recorrida do Tribunal Tributário de Lisboa, que anulou em parte a taxa liquidada pelo ora Recorrente à ora Recorrida e a condenou a restituir o valor correspondente à parte anulada, acrescido de juros indemnizatórios. Para assim decidir, aquela sentença considerou, em síntese, que a taxa impugnada, liquidada e cobrada ao abrigo do art. 19.º, n.º 4 do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças da Câmara Municipal de Loures (RTTL), em vigor para os anos de 2001 e 2002, apesar da denominação, assume a natureza de sanção ou, até, de imposto, incompatível com a actividade de licenciamento desempenhada pela ora Recorrida e violadora dos princípios da proporcionalidade e da legalidade. Isto porque aquela norma regulamentar previa que «quando a obra tenha sido ou esteja sendo executada sem licença ou autorização, ou com a licença caducada as taxas a aplicar às licenças a conceder serão iguais, ao quíntuplo das taxas previstas e aplicáveis por força dos arts. 18.º ou 19.º». 2.2.2 CONCLUSÃO Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPPT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - As questões de constitucionalidade não constituem objecto próprio dos recursos de revista, já que podem ser autonomamente colocadas junto do Tribunal Constitucional. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso, por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excepcional previstos no n.º 1 do mesmo artigo. * Custas pela Recorrente. * Lisboa, 18 de Novembro de 2020. - Francisco Rothes (relator) - Isabel Marques da Silva - Aragão Seia. |