Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:018/02.9BTSNT 0341/18
Data do Acordão:10/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Sumário:I - Tendo a impugnação judicial sido apresentada em data anterior a 31 de Dezembro de 2003, não constitui matéria controvertida que a Fazenda Pública beneficia da isenção então prevista no artigo 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, que se mantém nos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º n.º 4 da Lei n.º 7/2012, de 11 de Dezembro.
II - No Regulamento das Custas dos Processos Tributários, Decreto-Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro, art.º 1.º, as custas incluíam apenas a taxa de justiça e os encargos e não também as custas de parte, como definidos no art.º 529.º, n.º 4 do Código de Processo Civil pelo que, em circunstância alguma a Fazenda Pública que estava isenta de custas suportaria qualquer encargo a título de custas de parte, mesmo que vencida fosse.
III - Assim, no presente processo, as custas de parte que forem devidas pela parte vencida, terão de ser suportadas pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., sob pena de mantendo-se a isenção de custas relativamente à Fazenda Pública neste processo, a fazer responder por montantes que não suportaria em 2002 quando o processo foi instaurado, o que está vedado pelo no artigo 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, com aplicação aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º n.º 4 da Lei n.º 7/2012, de 11 de Dezembro.
Nº Convencional:JSTA000P23774
Nº do Documento:SA220181024018/02
Data de Entrada:03/27/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
. de 5 de Janeiro de 2018

Julgou improcedente a reclamação da Fazenda Pública.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.º 61/02 – 2J 2S, instaurado por A…………, SA, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

I. O presente recurso vem interposto do despacho proferido pela Exma. Juiz do Tribunal a quo, que julgou improcedente a reclamação da nota discriminativa e justificativa de custas de parte no processo à margem referenciado.

II. Destarte, salvo o devido respeito pela opinião sufragada na decisão ora recorrida, somos da opinião que a Meritíssima Juiz a quo fez uma errada interpretação da lei aplicável à situação “sub judice”.

III. Considera, a Meritíssima Juiz no douto despacho aqui em crise que “(...) nos processos em que a Fazenda Pública beneficia de isenção de custas, tal isenção encontra-se confinada à taxa de justiça, não abrangendo o pagamento de custas de parte. (…)”

IV. Neste pendor, o thema decidendum, assenta em determinar se, nos processos instaurados antes de 01/01/2004, onde a FP se encontrava isenta de custas, a mesma é, ou não, responsável pelo pagamento de custas de parte à parte vencedora.

V. É nosso entendimento que não poderá ser assacada, à FP, qualquer responsabilidade pelo pagamento das custas de parte cujo pagamento vem solicitado nos autos.

VI. Estamos perante uma impugnação judicial, deduzida contra o acto de liquidação de IRC referente ao exercício de 1996, tendo sido instaurada em 2002.

VII. Assim sendo, à mesma aplica-se o CCJ, aprovado pelo DL 224-A/96 de 26/11, na redação anterior às alterações introduzidas pelo DL 324/03 de 27/12, dado que estas só se aplicam aos processos instaurados após a sua entrada em vigor [de acordo com o disposto no art.° 14.° deste último diploma].

VIII. Desta forma, deve atender-se ao previsto na al. a) do n.° 1 do art.° 2.º do CCJ, que contém uma isenção subjetiva, quanto a custas, relativamente ao Estado, incluindo os seus serviços ou organismos, ainda que personalizados.

IX. Após a entrada em vigor do RCP, aprovado pelo DL 34/2008 de 26/2, a FP - atento o disposto no art.º 27.º deste diploma legal - continuou a beneficiar da referida isenção.

X. O mesmo se verificando, atualmente, após a entrada em vigor das alterações introduzidas ao RCP pela Lei 7/2012 de 13/02, a qual, no n.º 4 do artº 8º, prevê que: “Nos processos em que as partes se encontravam isentas de custas, (...), e a isenção aplicada não encontre correspondência na redação que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor no respetivo processo, a isenção de custas.”

XI. Nesta senda, abrangendo o conceito de custas processuais, nos termos do disposto no n.º 1 do art.3º do RCP, a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte, tal isenção terá necessariamente de implicar a não obrigação de pagamento de custas de parte.

XII. Em função do exposto, dúvidas não restam de que o despacho recorrido fez uma aplicação inadequada das normas que regem as custas processuais razão pela qual não merecerá ser confirmado.

XIII. Nestes termos e em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, o douto despacho ora recorrido, atendendo a que está em oposição com o entendimento perfilhado no Acórdão do STA proferido no processo n.º 499/17-30, fundamento do presente recurso interposto nos termos do art. 280 n.º 5 do CPPT.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso, revogada a decisão recorrida deferindo-se a reclamação da nota, com as devidas consequências legais.

Foram apresentadas contra-alegações pela impugnante, em suporte da decisão recorrida que encerram com as seguintes conclusões:
1. O Tribunal ad quem não está vinculado ao despacho do Tribunal a quo que admitiu o recurso dos Autos.

2. Pelo que, devendo o presente recurso seguir o regime do artigo 285.º do CPPT e não tendo no prazo de 10 dias aí previsto sido apresentadas alegações de recurso pela Fazenda Pública, deve este douto Supremo Tribunal considerar o mesmo recurso deserto e negar a sua apreciação.

3. Sem prescindir do que se referiu, cumpre salientar que bem andou o Tribunal a quo ao considerar que, não obstante a isenção de custas de que beneficia a Fazenda Pública neste processo, esta é responsável pelo pagamento de custas de parte à Recorrida.

4. Desde logo, a situação em apreço não é totalmente coincidente com aquela que subjaz ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Dezembro, proferido no processo n.º 499/17 a que faz menção a Fazenda Pública no seu requerimento de recurso, o qual não pode por isso e sem mais ser aplicado in casu.

5. Dito isto, sublinhe-se que a isenção estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.ºdo CCJ a que recorre a Fazenda Pública in casu resulta limitada pelo n.º 1 do artigo 4.º do mesmo Código que esclarecia, de modo expresso, que a mesma não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.

6. Ora, estabelecendo o n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que se mantêm em vigor as isenções de custas que não encontrem reflexo no RCP, a isenção a aplicar à Fazenda Pública terá de ser aquela que resultava do CCJ, isenção essa que não incluía as custas de parte, as quais a Fazenda Pública sempre teve e sempre terá de suportar.

7. Mesmo que assim não se entendesse — o que se admite por dever de patrocínio, sem conceder —, sempre se teria de relevar o disposto no n.º 12 do mesmo aludido artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que prevê norma especial quanto às custas de parte, esclarecendo que as regras do RCP àquelas atinentes se aplicam imediatamente a todos os processos pendentes.

8. Por fim, urge salientar que o n.º 4 do artigo 8.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, permite tão-somente à Fazenda Pública manter isenção anteriormente estabelecida, sem que permita afastar a aplicação das demais normas do RCP.

9. Pois bem: o n.º 7 do artigo 4.º do RCP é claro e contundente ao estabelecer que as isenções de custas não abrangem as custas de parte, justamente como já o previa o n.º 1 do artigo 4.º do CCJ.

10. Tudo visto, independentemente das normas que se considerem aplicáveis ao caso concreto, e sem que se ponha em causa a isenção de custas da Fazenda Pública no caso em apreço, dúvidas não podem subsistir de que as custas de parte cujo pagamento foi solicitado pela Recorrida são devidas e têm que ser suportadas pela Fazenda Pública.

Termos em que se requer a V. Exas. que seja o recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública considerado deserto, não sendo este apreciado ou, caso assim não se entenda, que seja ao mesmo recurso negado provimento, mantendo-se inalterada a decisão recorrida, com os devidos efeitos legais.


Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência parcial do recurso.


Os elementos dos autos relevantes para a decisão do primeiro recurso são os seguintes:
1. Por articulado de 30 de Março de 2017, veio a Fazenda Pública apresentar reclamação da nota justificativa de custas de parte. (cf. fls. 334 a 338)

2. Invoca o segmento de condenação em custas do acórdão que pôs termo ao processo, que determinava:
"Sem custas, devido a isenção subjectiva do recorrente"

3. Nesse requerimento formula o pedido que "se determine que a isenção de custas de que beneficia a Fazenda Pública nos presentes autos", abrange a responsabilidade pelo pagamento de custas de parte.

4. Notificada a Impugnante para se pronunciar, invocou o disposto no artigo 8º n.º 12 do Decreto-Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, e o artigo 4º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), para concluir que a isenção de beneficia a Fazenda Pública, não abrange as custas de parte, pedindo que a reclamação seja julgada improcedente. (cf. fls. 344 e 345)

5. A Srª Escrivã elaborou informação onde conclui, invocando o artigo 4º n.º 7 do RCP, que não assiste razão à Fazenda Pública. (cf. fls. 346)

6. Pelo Magistrado do Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência da reclamação, em sintonia com a posição da Impugnante e com a informação da Srª Escrivã. (cf. fls. 346 verso)
***
Suscita a recorrida a questão prévia de dever o recurso ser julgado deserto por tardia apresentação de alegações que não foram presentes com o requerimento de interposição do recurso.
O presente recurso foi instaurado com fundamento na oposição com o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Dezembro de 2017, proferido no processo 499/17, ao abrigo do disposto no art.º 280.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Pese embora haja sido admitido ao abrigo do disposto no art.º 285 do Código de Processo e Procedimento Tributário, crê-se que por lapso de escrita, as alegações apresentadas atempadamente nos termos do art.º 282.º do Código de Processo e Procedimento Tributário o que impede que o recurso possa ser julgado deserto por apresentação tardia de alegações.

O acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Dezembro de 2017, proferido no processo 499/17 apreciou a questão jurídica do alcance da isenção de custas de que goza a Fazenda Pública nos processos instaurados em data anterior a 01.01.2004.
Tal como analisado na decisão recorrida «Sabendo que a presente impugnação judicial foi apresentada em data anterior a 31 de Dezembro de 2003, não constitui matéria controvertida que a Fazenda Pública beneficia da isenção então prevista no artigo 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, que se mantém nos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º n.º 4 da Lei n.º 7/2012, de 11 de Dezembro, à luz do qual, nos "processos em que as partes se encontravam isentas de custas (…) e a isenção aplicada não encontre correspondência na redacção que é dada ao Regulamento das Custas Processuais pela presente lei, mantém-se em vigor, no respectivo processo, a isenção de custas".
Assim sendo, haverá que aferir se tal isenção abrange as custas de parte que nos presentes autos são imputadas à Fazenda Pública, atenta a procedência da impugnação.»
O disposto no artigo 8º n.º 12 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que estabelece a aplicação "a todos os processos pendentes" das "normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei", não resolve o problema objecto de recurso na medida em que regulando as custas de parte – no seu Capítulo IV- não dá solução para quem é responsável pelo seu pagamento quando a parte vencida esteja isenta de custas, como aqui ocorre, e não seja o Magistrado do Ministério Público. O art.º 26.º, n.º 6 do Regulamento das Custas Processuais indica que «Se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P.».
Sendo igualmente certo que o artigo 4º n.º 7 do RCP, estabelece expressamente que com "excepção dos casos de insuficiência económica, nos termos da lei de acesso ao direito e aos tribunais, a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará", importa ter presente que de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º daquele Código das Custas Judiciais a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, no regime de custas anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro – diploma que introduziu alterações substanciais ao CCJ aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro -. Apesar da entrada em vigor o Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e a Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que introduziu alterações ao RCP, manteve-se a isenção subjectiva de custas de que beneficia a Fazenda Pública relativamente aos processos iniciados antes de 1 de Janeiro de 2004, atento o disposto no art. 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 34/2008 e no art. 8.º, n.º 4, da Lei n.º 7/2012.
Face ao Regulamento das Custas dos Processos Tributários, Decreto-Lei n.º 29/98 de 11 de Fevereiro, art.º 1.º, as custas incluíam apenas a taxa de justiça e os encargos e não também as custas de parte, como definidos no art.º 529.º, n.º 4 do Código de Processo Civil pelo que, em circunstância alguma a Fazenda Pública que estava isenta de custas suportaria qualquer encargo a título de custas de parte, mesmo que vencida fosse.
Assim, no presente processo, as custas de parte que forem devidas pela parte vencida, à semelhança do que ocorre com o Magistrado do Ministério Público terão de ser suportadas pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, I. P., sob pena de mantendo-se a isenção de custas relativamente à Fazenda Pública neste processo, a fazer responder por montantes que não suportaria em 2002 quando o processo foi instaurado, o que está vedado pelo no artigo 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, com aplicação aos presentes autos, por força do disposto no artigo 8º n.º 4 da Lei n.º 7/2012, de 11 de Dezembro.


Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a reclamação.
Custas pela recorrida.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 24 de Outubro de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – Isabel Marques da Silva – Ascensão Lopes.