Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0153/13.8BEPRT 0879/17
Data do Acordão:11/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA
FUNDAMENTOS
OBSCURIDADE E AMBIGUIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:I - Os fundamentos justificativos da decisão são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a mesma se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem;
II - É obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende; e é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir;
III - Mas não é qualquer obscuridade ou ambiguidade que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível;
IV - A omissão de pronúncia só ocorre quando o julgador deixe de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, seja porque essas questões lhe foram colocadas pelas partes seja porque eram do seu conhecimento oficioso;
V - A possibilidade de julgamento em formação alargada prevista no artigo 148º do CPTA tem de ser colocada, logicamente, antes do julgamento ocorrer;
VI - Se o julgamento da causa não foi realizado em formação alargada, também não o poderá ser o de nulidades e pedido de reforma do mesmo.
Nº Convencional:JSTA000P23864
Nº do Documento:SA1201811220153/13
Data de Entrada:10/09/2017
Recorrente:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P.
Recorrido 1:ASSOCIAÇÃO DE SOCORROS MÚTUOS EM MODIVAS E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. ASSOCIAÇÃO DE SOCORROS MÚTUOS DE MODIVAS [ASMM], tendo sido notificada do acórdão que concedeu provimento à revista, revogou a decisão recorrida e julgou totalmente improcedente a acção, vem, de uma assentada, apontar-lhe «nulidades» [artigo 615º, nº1, alíneas b), c), e d) do CPC] e pedir a sua «reforma» [artigo 616º nº2, do CPC], solicitando, ainda, que esta arguição seja apreciada pelo Pleno da Secção em «julgamento alargado» [artigo 686º, nº2, CPC], e, por fim, interpor «recurso para o Tribunal Constitucional» [invoca: artigos 280º, nº1 alínea b), da CRP, 70º, nº1, alíneas b) e g), 75º, 75º-A e 76º, nº1, da Lei nº28/82, de 15.11].

2. INFARMED e ANF pronunciaram-se pelo julgamento de improcedência, total, das nulidades invocadas e da reforma solicitada. E a ANF pronunciou-se, ainda, pelo indeferimento do «julgamento alargado».

3. Foram colhidos «vistos» aos Excelentíssimos Conselheiros Adjuntos.

4. A interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foi objecto de despacho do Relator.

II. Apreciação

1. A ASMM pede o julgamento alargado do seu presente requerimento ao abrigo do artigo 686º, nº2, do CPC, aplicável subsidiariamente. Não é preciso, porém, recorrer a uma aplicação subsidiária quando o CPTA dispõe de norma própria no âmbito das disposições gerais sobre recursos jurisdicionais: é o seu artigo 148º, que permite que o Presidente do STA determine, a requerimento das partes ou sob proposta do Relator ou dos Adjuntos, que no julgamento do recurso intervenham todos os juízes da secção quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência, sendo o quorum de dois terços.

Mas, é ostensivo que esta possibilidade «não tem aplicação» no caso concreto, uma vez que essa determinação do Presidente, a ocorrer, é logicamente anterior ao julgamento do recurso jurisdicional, e não, nem faz sentido, posterior a ele. Ora, no presente caso o recurso de revista já foi julgado pela Secção, estando agora em causa, apenas, decidir sobre as nulidades e a pretensão de reforma do respectivo acórdão. Decisão esta que, sendo complementar da primeira, terá de ser necessariamente proferida pelo mesmo tribunal, e não por qualquer outro, ainda que em «formação alargada».

Assim, e por ostensivamente ilegal, «indeferimos» a pretensão de submissão ao Presidente do STA do pedido de julgamento em formação alargada.

2. A ASMM defende que o acórdão que conheceu da «revista» padece de três fundamentos de nulidade: - não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificaram a decisão [artigo 615º, nº1 alínea b), CPC, ex vi artigo 1º CPTA]; - é ininteligível, por ambíguo e obscuro [artigo 615º, nº1 alínea c), CPC, ex vi artigo 1º, CPTA]; - omite questões que devia conhecer [artigo 615º, nº1 alínea d), CPC, ex vi artigo 1º, do CPTA].

Os «fundamentos» justificativos da decisão são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a mesma se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem.

E, como se sabe, é obscuro o que não é claro, aquilo que não se entende; e é ambíguo o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário da sentença ou acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir.

Mas não é qualquer «obscuridade» ou «ambiguidade» que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de doutrina pacífica e recorrente na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.

Por sua vez, a «omissão de pronúncia» só ocorre quando o julgador deixe de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, seja porque essas questões lhe foram colocadas pelas partes seja porque eram do seu conhecimento oficioso.

A noção de questão, para este efeito, não se confunde com a de fundamentos ou razões jurídicas apresentadas pelas partes, sendo reservada às pretensões que estas formularam no processo, que requerem a decisão do tribunal, bem como aos pressupostos de ordem geral, ou específicos de determinado acto, quando debatidos entre elas [Antunes Varela, RLJ, Ano 122º, página 112; Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume V, página 143; e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228; entre outros, AC STJ de 09.10.2003, Rº03B1816; AC STJ de 12.05.2005, Rº05B840; AC STA/Pleno de 21.02.2002, Rº034852; AC STA de 02.06.2004, Rº046570; e AC STA de 10.03.2005, Rº046862].

Só a omissão de pronúncia sobre uma «questão» é sancionada com a nulidade, pois a argumentação jurídica utilizada para a decidir, quer seja da iniciativa das partes quer seja do tribunal, apenas pode gerar erro de julgamento de direito.

3. No presente caso, nada disso acontece.

Relativamente aos fundamentos alegadamente integrados nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 615º do CPC, diz a ora requerente que o acórdão não parte do pressuposto essencial que é o de estarmos «perante uma farmácia social, fora do mercado, que apenas quer vender aos membros do seu substrato associativo». E no tocante aos alegadamente integrados na alínea d) do mesmo número e artigo, diz que o acórdão «omitiu pronúncia sobre a forma como as farmácias sociais, fora do mercado, acedem ao exercício da actividade farmacêutica» e «não apreciou os argumentos» nem «inconstitucionalidades» por ela referidas nas contra-alegações.

Compulsado o conteúdo do acórdão recorrido, é patente que ele integra, e sem sombra de dúvida, a respectiva «fundamentação de facto e de direito», que está devidamente discriminada nos seus pontos II [páginas 3 e 4 do acórdão] e III [páginas 4 a 14 do acórdão]. E o desenvolvimento do respectivo arrazoado jurídico mostra-se claro, e congruente, sendo de compreensão fácil, para um jurista, a forma como chega à decisão de provimento da revista, e ao julgamento de improcedência da acção. Nesse desenvolvimento, o acórdão abordou as «questões» suscitadas na revista a partir das pretensões da autora da acção, e das sucessivas alterações da lei, que interpretou e aplicou, tendo tido sempre presente, e em conta, nesse devir argumentativo, a natureza social da farmácia em causa.

Todas as «questões» suscitadas no recurso de revista pelo recorrente INFARMED foram conhecidas no acórdão, e são elas, como é sabido, que constituem o seu «objecto», uma vez que a recorrida ASMM não pediu ampliação da revista, nem intentou recurso subordinado. O que se impunha ao tribunal era, pois, conhecer e decidir todas as «questões» suscitadas e não todos os argumentos esgrimidos, ainda que pelo recorrente. E o mesmo se diga das inconstitucionalidades ditas nas contra-alegações da ASMM. Seriam de conhecer, caso se atravessassem no afã interpretativo e aplicativo da lei por parte do tribunal, mas não, apenas, por terem sido ditas em contra-alegações que tiveram como único escopo contrariar as teses do recorrente.

Devem, por conseguinte, ser «julgadas improcedentes» as nulidades apontadas pela recorrida ASMM ao acórdão que decidiu a revista.

4. Segundo estipula o artigo 616º, nº2, do CPC [ex vi artigo 140º do CPTA], «não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.»

Arreigada a esta norma, a ASMM alega que ocorre erro manifesto na apreciação e determinação das normas aplicáveis no ponto 4 do acórdão - não se fala na alteração do DL nº307/2007, de 31.08, levada a cabo pelo DL nº109/2014, de 10.07, mas apenas na redacção dada pelo anterior DL nº171/2012, de 01.08 - bem como nos parágrafos terceiro, quarto e sétimo do ponto 5, terceiro do ponto 6, sexto do ponto 2, e pontos 7 e 8 do acórdão.

Feita uma releitura, atenta, do conteúdo de todos «esses pontos», ressalta uma discordância total da requerente com o decidido no acórdão. O que não ressalta é qualquer «erro manifesto» na determinação de normas, na sua interpretação e aplicação ao caso. Obviamente que, entre as várias alterações que foram sendo feitas ao DL nº307/2007, foi aplicada a redacção que vigorava na altura em que a ASMM apresentou no INFARMED o pedido de licenciamento e emissão de alvará para instalação e funcionamento da farmácia social. Se tal interpretação e aplicação da lei foi correctamente efectuada, é questão que contende com eventual erro de direito, mas de forma alguma imputável a manifesto lapso do juiz.

Deverá, portanto, ser «julgado improcedente» o pedido de reforma do acórdão deduzido pela ASMM.

III. Decisão

Nestes termos, julgamos improcedentes as nulidades e o pedido de reforma do acórdão.

A ASMM está isenta de custas, nos termos da alínea f) do artigo 4º do RCP, sem prejuízo do disposto no nº6 desse mesmo artigo.

Lisboa, 22 de Novembro de 2018. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (em substituição) – Jorge Artur Madeira dos Santos.