Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01282/10.5BEPRT
Data do Acordão:05/21/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
FARMÁCIAS
TRANSFERÊNCIA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Dada a sua relevância jurídica, é de admitir a revista que contende com a matéria da transferência de farmácias em termos do requisito relativo à distância mínima exigida face a extensão de saúde, centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, nomeadamente, o DL n.º 307/2007, de 31.08, a Portaria n.º 1430/2007, de 02.11, o DL n.º 28/2008, de 22.02, e as Leis n.º 56/79, de 15.09, e n.º 48/90, de 24.08, o DL n.º 11/93, de 15.01, e a Portaria n.º 667/90, de 13.08, visto a questão envolver a realização de operações lógico-jurídicas de algum melindre e dificuldade, e revela-se, também, como complexa, reclamando a necessidade de emissão de pronúncia por este Supremo Tribunal
Nº Convencional:JSTA000P25964
Nº do Documento:SA
Data de Entrada:02/13/2020
Recorrente:A........., LD.ª
Recorrido 1:INFARMED - AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


1. A………, LDA. [doravante A.], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 31.10.2019 do Tribunal Central Administrativo Norte [doravante TCA/N] [cfr. fls. 683/706 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que negou provimento ao recurso que a mesma havida deduzido por inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante TAF/P] que havia julgado totalmente improcedente a ação administrativa especial por si deduzida contra o INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, IP e a contrainteressada B………., Ld.ª, e na qual peticionava a declaração de nulidade/anulabilidade do despacho do Vice-Presidente do Conselho Diretivo do Infarmed, de 29.01.2010, que autorizou a transferência da «C……….», propriedade da contrainteressada, para a Rua da ………, n.º …….., …….., Vila Nova de Gaia.

2. Motiva a necessidade de admissão do recurso de revista [cfr. fls. 730/752] na relevância social e jurídica da questão objeto de litígio que, assume na sua visão «uma importância fundamental», e, bem assim, «para uma melhor aplicação do direito» [fundada in casu na violação, nomeadamente, do disposto no art. 02.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 1430/2007, de 02.11, então aplicável e que corresponde a idêntico texto no art. 02.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 352/2012, de 30.10, atualmente vigente].

3. O R. e a Contrainteressada produziram contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr., respetivamente, fls. 773/779 e fls. 759/768] nas quais pugnam, mormente, pela sua não admissão.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAF/P julgou totalmente improcedente a ação administrativa especial sub specie por entender que o ato impugnado não padecia das várias ilegalidades que lhe foram acometidas pela A., em particular, a invocada ilegalidade respeitante à infração do disposto no art. 02.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 1430/2007, porquanto considerou que o «facto de existirem médicos em exercício de clínica privada articulada com o SNS e destinada a utentes desse SNS - médicos convencionados com o SNS - bem assim como a existência de informação divulgada pela CMVNG ou até pelo Ministério da Saúde que faz referência à sua ligação ao SNS, não permite, por si só, que se faça uma equiparação com a atividade desenvolvida de um centro de saúde, extensão de centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, de forma a abranger, também, tal situação no âmbito da limitação consagrada na Portaria 1430/2007», tanto mais que «se essa fosse a intenção do legislador, teria sido contemplada a atividade exercida por médicos de clínica geral que individualmente celebraram contratos com a ARSN/ou pessoas coletivas privadas que prestam cuidados de saúde primários aos utentes do SNS como uma situação equiparada à atividade desenvolvida de um centro de saúde, extensão de centro de saúde ou estabelecimento hospitalar, sendo certo que essa possibilidade de prestação de cuidados de saúde primários através de entidades privadas já se encontrava prevista desde longa data - note-se que a portaria que criou tal possibilidade e definiu os termos em que a mesma seria exercida data de 1990 - quando foi publicada a Portaria n.º 1430/2007 …, que regulamentou o Decreto-Lei n.º 307/2007 … pelo qual se procedeu a uma reorganização jurídica do sector das farmácias» [cfr. fls. 543/567].

7. O TCA/N manteve aquele juízo, negando provimento ao recurso.

8. A A., aqui ora recorrente, sustenta a relevância social e jurídica da questão e, bem assim, a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se contra o juízo de improcedência da sua pretensão anulatória já que proferida com errada interpretação e aplicação do quadro normativo atrás elencado.

9. Tal como repetidamente tem sido afirmado constitui questão jurídica de importância fundamental aquela - que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjetivo - que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.

10. E tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que verse sobre matérias que se revistam de particular repercussão na comunidade.

11. Não obstante a convergência de entendimento havido nas instâncias, mormente quanto à questão que motiva a revista, temos que a mesma envolve a realização de operações lógico-jurídicas de algum melindre e dificuldade e revela-se, também, como complexa, reclamando a necessidade de emissão de pronúncia por este Supremo Tribunal, tanto mais que se trata de questão que não foi objeto de específica apreciação pelo mesmo e que acaba por manter interesse e atualidade já que, pese embora revogado o regime em referência e concretamente aplicável [art. 02.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 1430/2007], o mesmo regime mantém-se neste âmbito idêntico ou similar ao atualmente em vigor [art. 02.º, n.º 1, al. c), da Portaria n.º 352/2012] e é, nesse contexto, repetível ou suscetível de ser recolocada em casos futuros.

12. E, note-se, a dificuldade ou a complexidade na análise da questão jurídica objeto de discussão prende-se com a aferição do acerto do ato impugnado quanto ao que foi a captação ou definição/integração dos conceitos de «extensão de saúde, de centro de saúde ou um estabelecimento hospitalar» em termos do requisito de transferência de uma farmácia quanto à distância mínima exigida, o que envolverá uma provável necessidade da leitura do concreto quadro legal convocado na sua concatenação e contexto não apenas da regulamentação das farmácias de oficina constante do DL n.º 307/2007, mas, também, do regime que disciplina os Agrupamentos de Centros de Saúde [ACES] e concomitante restruturação da sua organização e do relacionamento das unidades de saúde, com uma nova terminologia e designações [cfr., nomeadamente, DL n.º 28/2008, de 22.02 (vide seu art. 07.º, n.º 1, al. f), e a referência de que os «ACES podem compreender as seguintes unidades funcionais: … f) Outras unidades ou serviços, propostos pela respetiva ARS, I.P., e aprovados por despacho do Ministro da Saúde, e que venham a ser considerados como necessários»] e, bem assim, do regime legal que disciplina a articulação entre as Administrações Regionais de Saúde [ARS] e a atividade privada [cfr. nomeadamente, Lei n.º 56/79, de 15.09, Lei n.º 48/90, de 24.08 (Lei de Bases da Saúde), DL n.º 11/93, de 15.01 (Estatuto do Serviço Nacional de Saúde) e Portaria 667/90, de 13.08].

13. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.
DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas. D.N..

Lisboa, 21 de maio de 2020. – Carlos Carvalho (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.