Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0196/22.0BELRA
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EMPREITADA
PLANO DE TRABALHOS
Sumário:I - Justifica-se admitir revista se as instâncias discordaram diametralmente sobre a necessidade das especificações do plano de trabalhos integrante de uma proposta tendente à celebração de um contrato de empreitada, tendo a 1ª instância entendido que o plano de trabalho da CI contendo, embora, omissões, estas não eram de molde a prejudicar ou impedir a aplicação de normas substantivas relacionadas com a execução do contrato, não sendo, como tal invalidantes do acto de adjudicação, atentas as especificidades do caso concreto, e o TCA decidido em sentido contrário;
II – Porque, atendendo a tais circunstâncias e, visto tratar-se de interpretação que envolve dificuldades óbvias, como logo se vê pela resposta contraditória das instâncias, ditando consequências práticas relevantes no âmbito dos concursos públicos, podendo, assim, ser repetível, tanto administrativamente, como em sede judicial, trata-se, por isso, de uma problemática sobre a qual é de toda a conveniência que seja reapreciada por este Supremo Tribunal.
Nº Convencional:JSTA000P32031
Nº do Documento:SA1202403210196/22
Recorrente:MUNICÍPIO DE LEIRIA (E OUTROS)
Recorrido 1: A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
Município de Leiria e B..., SA (doravante B...), Entidade Demandada e Contra-Interessada (CI), respectivamente, na acção de contencioso pré-contratual em que é Autora A... Lda demandando o Município Recorrente, e indicando como CI a adjudicatária (e outra), igualmente Recorrente vêm interpor recursos de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul de 23.11.2023, que concedeu provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Autora, revogando a sentença proferida pelo TAF de Leiria e julgando procedente a acção de contencioso pré-contratual intentada pela aqui Recorrida, anulando o acto de adjudicação proferido em 25.01.2022 e condenando o R. Município a excluir a proposta da B… e a proferir acto de adjudicação a favor da Autora.

No seu recurso defende o Recorrente Município que se encontram preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 150º, nº 1 do CPTA para a admissão da revista.

No seu recurso a CI B..., SA alega que a revista deve ser admitida por estar em causa matéria de evidente relevância jurídica no âmbito da contratação pública, sendo necessária uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a Autora/Recorrida defende que o recurso de revista não deve ser admitido, desde logo, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

A Autora intentou a presente acção de contencioso pré-contratual tendo em vista a impugnação da decisão de adjudicação à CI B..., no âmbito do concurso público denominado Reabilitação, Requalificação, Restauro e Construção do Centro de Arte Villa Portela – Leiria.
Pediu o seguinte: i) a anulação do acto de adjudicação em favor da Contra-interessada B..., sendo excluída a respectiva proposta, por ilegal; ii) devendo, ainda, o R. ser condenado a adjudicar a empreitada à Autora.

O TAC de Leiria, por sentença de 15.06.2022, decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada dos pedidos.
Em síntese, considerou que embora fosse de concluir que o plano de trabalho da CI continha omissões, estas não eram de molde a prejudicar ou impedir a aplicação de normas substantivas relacionadas com a execução do contrato, não sendo, como tal invalidantes do acto de adjudicação, atentas as especificidades do caso concreto. O que decorria do previsto na Cláusula 7ª do Caderno de Encargos, referente a Plano de Trabalhos ajustado. Face a tal estipulação e ao disposto no art. 357º, nº 1 do CCP, de acordo com o qual o contrato pode prever a elaboração pelo dono da obra de um plano final de consignação que densifique e concretize o plano inicialmente apresentado para efeitos de elaboração da proposta, bem como o disposto no art. 361º, nºs 3 e 4 do CCP.
Face ao disposto nestes preceitos entendeu que, “Significa isto, pois, que das específicas regras previstas para a empreitada em apreço decorre que a relação contratual estabelecida entre a Entidade Demandada e o adjudicatário/contraente, no que concerne ao Plano de Trabalhos, passa/pode passar, se o quiser o Município [pois que chamou a si esse papel], pela apresentação de um Plano de trabalhos ajustado, o que torna não essenciais (e supríveis) as omissões detectadas no plano apresentado com a proposta da adjudicatária.
E isto porque cumpre não esquecer que a regra constante do artigo 361.º, n.º 1 do CCP tem como objectivo primordial, como se disse, possibilitar à entidade adjudicante uma efectiva fiscalização da empreitada e o controle do ritmo de execução dos trabalhos, objectivo esse que sempre se alcancará por recurso aos mecanismos da Cláusula 7.ª do caderno de encargos, se tanto a Entidade Demandada entender ser necessário.
Resta concluir quanto a esta matéria que no caso concreto, pese embora estejamos perante um plano de trabalhos que não indica todas as espécies de trabalhos, previstas no mapa de quantidades patenteado a concurso, tal não configura fundamento de exclusão da proposta da Contra-Interessada, na medida em que os desideratos visados pelas exigências constantes do artigo 361.º, n.º 1 do CCP não saem afectados pelas omissões detectadas, atenta a previsão da possibilidade de a Entidade Demandada vir a exigir a apresentação de plano de trabalhos ajustado pelo co-contraente e, com isso, acautelando um efectivo controlo e fiscalização do modo e ritmo da execução da empreitada.
O TCA Sul para o qual a Autora apelou, através do acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando a acção procedente, anulando o acto de adjudicação e condenando o R. Município a excluir a proposta da adjudicatária B... e a proferir acto de adjudicação a favor da Autora/Recorrente.
Em síntese, considerou que a sentença, tendo detectado (bem), no Plano de Trabalhos que integra a proposta da CI B..., omissões na descrição das espécies de trabalhos, limitando-se a construir uma cronologia da previsão da execução da obra através da enunciação de rubricas genéricas, o que determinava a sua (da proposta) não conformação com o prescrito nos arts. 57º, nº 2, al. b) e 361º, nº 1 do CCP e art. 10º, nº 1, al. e) do programa do concurso, não extraiu os efeitos que se impunham dessa desconformidade.
Em síntese considerou sobre o decidido: “Este percurso fundamentador apresenta-se, evidentemente, incoerente e irracional, pois, ou o plano de trabalhos constante da proposta é, apesar das suas omissões, adequado e suficiente a cumprir as finalidades que serve – programar adequadamente os trabalhos e permitir o controlo e fiscalização do andamento da execução dos trabalhos -, caso em que a proposta não deve ser excluída; ou o plano de trabalhos não contém uma programação adequada dos trabalhos e, por isso, não permite um acompanhamento idóneo da evolução da execução dos trabalhos da obra, caso em que a proposta deve ser excluída por afronta ao estatuído nos art.ºs 57.º, n.º 2, al. b) e 361.º, n.º 1 do CCP.
Realce-se que, no caso posto, o plano de trabalhos está diretamente relacionado com os termos ou condições do contrato de empreitada concursado, sendo demonstrativo e ilustrativo de aspetos da execução do contrato relacionados com o prazo de execução da empreitada e com as espécies e quantidades de trabalhos a executar, o que remete imediatamente para o projeto de execução da obra, e para o mapa de trabalhos e quantidades, que constituem aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, aos quais o Recorrido Município pretende que os concorrentes se vinculem. (…)
Realmente, constitui nosso entendimento que, a situação de apresentação de um plano de trabalhos, que omite elementos indispensáveis à compreensão da programação previsional dos trabalhos a executar na obra e ao acompanhamento e fiscalização da evolução desses trabalhos, não pode deixar de considerar-se como equivalente à falta de apresentação do plano de trabalhos.
E, assim sendo, a proposta que inclui um plano de trabalhos de tal jaez deve ser excluída logo no momento procedimental próprio, e não, como parece ser entendimento do Tribunal recorrido, admitida para que, após a adjudicação e a celebração do contrato possa ser apresentado um novo plano de trabalhos- o “plano ajustado” - por forma a cumprir uma exigência que deveria estar satisfeita logo na proposta.

O Município demandado e a B… recorrem de revista deste acórdão alegando, em síntese, que este incorreu em erro de julgamento de direito quanto à interpretação dos artigos 57º, nº 2, alínea b) e 361º, ambos do CCP, conjugada com as exigências procedimentais que decorriam do art. 10º, nº 1, al. e) do PC, tendo em conta que o plano de trabalhos , violando ainda, na alegação daquele, os princípios estruturantes da contratação pública, consignados no art. 1º-A, nº 1 do CCP, designadamente, os princípios da legalidade, da concorrência e da igualdade de tratamento

Como se viu as instâncias discordaram diametralmente sobre a necessidade das especificações do plano de trabalhos integrante de uma proposta tendente à celebração de um contrato de empreitada, tendo a 1ª instância entendido que o plano de trabalho da CI contendo, embora, omissões, estas não eram de molde a prejudicar ou impedir a aplicação de normas substantivas relacionadas com a execução do contrato, não sendo, como tal invalidantes do acto de adjudicação, atentas as especificidades do caso concreto, e o TCA decidido em sentido contrário.
O TCA fundou parte da sua argumentação em jurisprudência deste STA, que assinala [cfr. sobre esta matéria os acs. de 14.06.2018, Proc. nº 0395/18, de 03.12.2020, Proc. nº 2189/19.6BEPRT, 27.01.2022, Proc. nº 0917/21.9BEPRT, de 14.07.2022, Procs. nºs 2515/21.8BEPRT e 0627/22.4BEAVR, de 23.06.2022, Proc. nº 1946/20.5BELSB e de 07.04.2022, Proc. 0513/20.3BELSB], parecendo ter feito uma aplicação e interpretação plausível dos preceitos do CCP e das normas concursais em discussão.
No entanto, atendendo às circunstâncias do caso concreto e visto tratar-se de interpretação que envolve dificuldades óbvias, como logo se vê pela resposta contraditória das instâncias, e ditar consequências práticas relevantes no âmbito dos concursos públicos, podendo, assim, ser repetível, tanto administrativamente, como em sede judicial, sendo, por isso, uma problemática sobre a qual é de toda a conveniência que seja reapreciada por este Supremo Tribunal, justifica-se a admissão da revista para uma melhor dilucidação de assuntos de natureza similar.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir as revistas.
Sem custas.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz.