Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01089/16
Data do Acordão:03/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
JUROS DE MORA
DANO PATRIMONIAL
DANO NÃO PATRIMONIAL
Sumário:I - Os juros moratórios são contados desde a citação [cfr. arts. 566.º, 804.º, 805.º, n.ºs 2, al. b), e 3, e 806.º do C. Civil] sempre que a indemnização pecuniária devida fixada na decisão não tiver sido objeto de cálculo atualizado nos termos do n.º 2 do art. 566.º do C. Civil.
II - Para que exista obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito e culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo que a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do C. Civil].
III - Os danos não patrimoniais traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, abarcando as dores físicas, o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas elencadas e segundo ordem inserta, mormente nos n.ºs 2 e 3 do art. 496.º do C. Civil.
IV - A gravidade do dano não patrimonial mede-se, tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso, por um padrão objetivo, e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada do lesado.
Nº Convencional:JSTA00070613
Nº do Documento:SA12018031501089
Data de Entrada:11/25/2016
Recorrente:A... E MULHER
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS E MINISTÉRIO DAS FINANÇAS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAN
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL
Área Temática 1:DIR ADM CONT - RESPONSABILIDADE EXTRA
Legislação Nacional:CCIV66 ART566 ART804 ART805 N2 B N3 ART806 ART562 ART563 ART496 N2 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STJ PROC01508/01-1 DE 2002/05/09.; AC STA PROC0610/12 DE 2013/01/15.; AC STA PROC01932/13 DE 2015/03/25.; AC STJ PROC03B810 DE 2003/05/08.; AC STJ PROC04B2616 DE 2007/11/17.; AC STJ PROC07A3836 DE 2007/12/04.; AC STJ PROC467/1999.C1S1 DE 2010/03/18.; AC STJ PROC30516/11.7T2SNT.L1.S1 DE 2015/11/26.; AC STA PROC0127/03 DE 2005/05/31.; AC STA PROC0395/05 DE 2005/06/29.; AC STA PROC0643/07 DE 2007/11/08.; AC STA PROC0572/07 DE 2008/07/14.; AC STA PROC0266/08 DE 2010/01/28.; AC STA PROC0865/15 DE 2017/07/12.
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A………… e B………………, devidamente identificados nos autos, instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante «TAF/B»] a presente ação administrativa comum, sob forma ordinária, contra o “ESTADO PORTUGUÊS”, para efetivação de responsabilidade civil extracontratual, peticionando, pela motivação inserta na petição inicial, a condenação deste no pagamento aos AA. da quantia de 44.773,71 € por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida dos respetivos juros à taxa legal, contados desde a data da citação para a presente ação e até à data do trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida, acrescidos de 5% a partir dessa data e até ao efetivo e integral pagamento [arts. 804.º, 806.º e 829.º-A, n.º 4, do CC].

2. O TAF/B, por sentença de 28.06.2013 [cfr. fls. 417/437 - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o R. do pedido.

3. Os AA., inconformados recorreram para o TCA Norte [doravante «TCA/N»], o qual através de acórdão de 08.04.2016 [cfr. fls. 554/577], decidiu «conceder provimento ao recurso e revogar a sentença» e «julgar, em substituição, a ação parcialmente procedente e condenar o Réu a pagar aos Autores uma indemnização por danos patrimoniais no valor global de € 10.925.86 (dez mil, novecentos e vinte e cinco euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado desta decisão até efetivo pagamento», julgando «a ação improcedente no demais peticionado, absolvendo o Réu nessa medida».

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os mesmos AA., de novo inconformados agora com o acórdão proferido pelo «TCA/N», interpuseram, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 584/604], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
A) DA CONTAGEM DOS JUROS DE MORA:
F) O acórdão recorrido, ao decretar que os juros de mora que incidem sobre os danos patrimoniais só são devidos após o trânsito em julgado da sentença, procedeu a uma errónea determinação do termo inicial da respetiva contagem, violando assim o disposto nos arts. 804.º, 805.º (designadamente a alínea b. do seu n.º 2, bem como o seu n.º 3) e 806.º, todos do Cód. Civil, que impõem que os juros de mora se devem contar a partir da citação, tal como foi, aliás, expressamente pedido pelos Autores na sua p.i..
B) DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS:
G) Relativamente a esta questão, o Tribunal “a quo” limitou-se a analisar a questão dos danos não patrimoniais sob o prisma do dano de privação de uso, desvalorizando o sofrimento, frustração e sentimento de injustiça sofridos pelos Autores à questão dos meros incómodos inerentes ao mero impedimento de usufruir do seu veículo durante 529 dias. No entanto, entendem os AA. que essa interpretação é demasiado redutora, não tendo em conta a real gravidade do sucedido e resultante dos Factos Provados.
H) Aliás, para chegar a essa conclusão (desvalorização dos danos morais sofridos pelos Autores) o douto acórdão recorrido fundamenta-se mais nos factos não provados do que nos factos provados, procedimento esse que parece ter inquinado todo o raciocínio. Desde logo, o facto de alguns desses factos terem sido declarados não provados não significa que não tenham ocorrido, apenas que não se provaram. Por esse motivo, entendemos que o Tribunal “a quo” poderia ter dado maior atenção aos Factos Provados e menos aos Factos Não Provados para fundamentar a sua posição sobre essa matéria.
I) Os Autores consideram que uma análise global e contextualizada dos Factos Provados não permite reduzir a questão dos danos morais por eles sofridos apenas aos incómodos resultantes da privação do uso do veículo, como considerou o acórdão recorrido, não atendendo assim a toda a factualidade relevante para a sua apreciação. Com efeito, verificamos que os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores resultam de uma conduta manifestamente ilegal do Estado que permitiu/impôs o desapossamento/”expropriação” forçado (com recurso a meios policiais de grande visibilidade, como carro patrulha, agentes fardados e armados) de um bem propriedade de cidadãos portugueses, contra a vontade destes e sem que estes se pudessem defender ou sequer tomar antecipadamente conhecimento do que se estava a passar, sujeitando-os à frustração/sentimento de injustiça de não poderem usufruir do seu veículo, mas acima de tudo de verem o mesmo ser usufruído por um terceiro contra a sua vontade, tendo pelo meio ficado sujeitos à chacota de terceiros (chegaram a tentar marcar de modo jocoso um exame pericial ao veículo; obviamente que este cenário é substancialmente diferente do cenário (para pior e mais grave) descrito pelo douto acórdão recorrido quando se pronuncia sobre a questão dos danos morais sofridos pelos Autores. No entanto, é aquele que resulta dos referidos Factos Provados constantes do douto acórdão recorrido, motivo pelo qual não se pode concordar com a decisão de julgar improcedente o pedido no capítulo dos danos morais.
J) Deste modo, o acórdão recorrido errou quando, atento os factos provados, considerou que os danos morais/não patrimoniais sofridos pelo AA. são episódicos e destituídos de gravidade merecedora de enquadramento no instituto do artigo 496.º do CC. Sucede que, como resulta dos Factos Provados 8 a 16, 23 a 32, 36 a 40, 58 a 62 e 66 a 70 constantes do acórdão recorrido, a situação foi bastante mais grave do que a mera privação do uso do seu veículo, ao contrário do que considerou o acórdão recorrido, violando o disposto no art. 496.º do Código Civil.
K) Os danos morais resultantes dessa factualidade, pela sua gravidade e consequências, merecem a tutela do direito nos termos do art. 496.º do Código Civil, pelo que o pedido deduzido pelos Autores a esse título deve ser julgado procedente.
C) DO DESGASTE ADICIONAL DO VEÍCULO DECORRENTE DA SUA UTILIZAÇÃO ILEGAL:
L) Os Autores entendem que o dano de privação de uso (prejuízo decorrente do impedimento de usufruir do veículo) é diferente e autónomo do dano inerente a ver o seu veículo utilizado e usufruído por terceiro, contra a vontade dos seus legítimos proprietários, durante 529 dias em que foram percorridos 35.141km. Não se trata apenas da mera desvalorização natural do veículo pelo decurso do tempo (sendo certo que nem essa lhe foi atribuída pelo Tribunal “a quo”), mas a ela acresce a sua utilização e desgaste intensos durante esse mesmo período, sempre contra a vontade dos seus proprietários.
M) Mesmo que o Tribunal não concorde com o critério utilizado pelos Autores para cálculo da indemnização deste dano, sempre teria a obrigação de, na equidade, encontrar outro que considerasse mais justo e adequado. Saliente-se que na escolha desse critério deve-se ter em conta que o valor do veículo em causa ascendia a, pelo menos, EUR 10.000,00 conforme resulta do auto de penhora junto aos autos pelo Serviço de Finanças de Felgueiras a 01/10/2012, a fls. ... dos autos e não os EUR 5.700,00 (valor da venda coerciva da AF) a que o Acórdão recorrido faz referência.
N) Ao contrário do que defende o Tribunal “a quo”, não se pode pura e simplesmente considerar que esse desgaste adicional não existiu ou que se trata de um desgaste “normal”. E mesmo que se considere “normal” tem de ser indemnizado esse prejuízo adicional e autónomo da simples privação do uso. Constituindo danos patrimoniais autónomos e independentes, devem também ser autonomamente indemnizados.
O) O mesmo se diga, aliás, das despesas com revisões, pneus, IMV, bem como as despesas inerentes à reparação do veículo após a sua entrega. Todas elas constituem prejuízos indemnizáveis. Mas com a exceção do ar condicionado, o Tribunal “a quo”, erradamente, considerou os mesmos “desgaste normal”, logo sem direito a indemnização. No entanto, como se disse supra, mesmo considerando-se desgaste normal, não faz qualquer sentido que não sejam danos indemnizáveis pois, em consequência direta e necessária da conduta dos Réus, os Autores não puderam beneficiar das manutenções, reparações e melhoramentos por si efetuados. Consequentemente, têm direito a ser ressarcidos dos investimentos realizados no seu veículo até essa data, em montante não inferior a EUR 1.128,87 (mil cento e vinte e oito euros e oitenta e sete cêntimos), calculado do seguinte modo: EUR 777,20 + EUR 319,29 + EUR 32,38 = EUR 1.128,87.
P) Por outro lado, resulta ainda do Facto Provado 54 e 55 que, pouco tempo depois de o veículo lhes ter sido devolvido, mais concretamente em 22/01/2009, os Autores ordenaram à firma C……….., Lda. (………….) que procedesse a uma vistoria ao veículo em causa, tendo sido detetadas diversas anomalias que implicaram reparações e afinamentos melhores descritos nos docs. 22 a 24, para o que despenderam o montante global de EUR 1.013,75 (mil e treze euros e setenta e cinco cêntimos). Despesas essas que os Autores não teriam se não fosse a conduta dos Réus, pelo que têm o direito de ser ressarcidos desses montantes por eles despendidos em consequência da conduta do Réu.
Q) Deste modo, o acórdão recorrido errou quando entendeu que o desgaste do veículo decorrente da utilização ilegal a que foi sujeito (35.141 km em 529 dias) contra a vontade dos seus proprietários não deve ser contemplado autonomamente do dano de privação de uso. Os Autores entendem que o dano de privação de uso (prejuízo decorrente do impedimento de usufruir do veículo) é diferente e autónomo do dano inerente a ver o seu veículo utilizado e usufruído por terceiro, contra a vontade dos seus legítimos proprietários, durante 529 dias em que foram percorridos 35.141 km. Constituindo danos patrimoniais autónomos e independentes, devem também ser autonomamente indemnizados …».

5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações, pugnando pela total improcedência do recurso e manutenção da decisão judicial recorrida [cfr. fls. 661/670], culminando-as com o seguinte quadro conclusivo:
«
B. A indemnização arbitrada vence juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão, conforme o exarado no acórdão recorrido.
C. Não tendo ocorrido qualquer desvalorização por dano específico (ex. acidente) que tivesse provocado um desgaste adicional ou excecional, não existe o direito a uma indemnização suplementar para além daquela que foi contemplada em sede de privação de uso. Também as despesas reclamadas pelos recorrentes não são autonomamente indemnizáveis …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 27.10.2016, veio a ser admitido o recurso de revista consignando-se na sua fundamentação que a «… questão do termo inicial de contagem de juros de mora em ações indemnizatórias tem virtualidade de colocar-se noutros casos do género e justificou a admissão de revista excecional (cf. Acs de 20/6/2012 - P.0610/12 e de 3/4/2014 - P.01314/13, identificados pelos recorrentes). Sucede que o acórdão recorrido decidiu aquela questão aparentemente em sentido contrário ao entendimento conhecido do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. os Acs. de 15/1/2013 e de 18/6/2015, proferidos nos processos acima referidos). Assim, justifica-se a admissão do recurso pela relevância jurídica e esclarecimento da boa aplicação do direito sobre uma questão com potencialidade de repetição em litígios semelhantes. (…) Tanto basta para admitir a revista, sem necessidade de examinar as demais razões invocadas …».

7. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

8. Constituem objeto de apreciação nesta sede os assacados erros de julgamento acometidos pelos AA./Recorrentes ao acórdão recorrido quanto ao juízo no mesmo efetuado face à pretensão indemnizatória deduzida, visto entender haver violação, nomeadamente, dos arts. 496.º, 562.º, 564.º, 566.º, 804.º, 805.º, n.ºs 2, al. b) e 3, e 806.º, todos do Código Civil [CC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
9. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) Os AA. são donos e legítimos proprietários de um veículo automóvel de marca «SEAT», «Toledo 1.9 TDT Sport» [Diesel], cor cinza, com a matrícula …………, o qual, por ter sido adquirido na constância do matrimónio, constitui bem comum do casal.
II) A aquisição do direito de propriedade sobre o veículo aqui em causa encontra-se definitivamente registada na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa em nome e a favor dos AA..
III) O A. foi gerente da sociedade comercial «D………….., Ld.ª» desde 03.01.1996 até 07.07.1998, data em que renunciou à gerência.
IV) Em 25.03.1998, no Serviço de Finanças de Felgueiras, foi instaurada execução fiscal com o n.º 98/100679.7 contra a sociedade comercial «D……………., Ld.ª», para cobrança coerciva de dívidas respeitantes a coimas.
V) Em 21.11.2000 foi instaurada contra a mesma sociedade, no Serviço de Finanças de Felgueiras, a execução fiscal n.º 00/101863.9, por dívidas de coimas e custas.
VI) Em 19.03.2001, foi instaurada contra a mesma sociedade, a execução fiscal n.º 01/100620.7, para cobrança coerciva de dívidas relativas a «IVA» do ano de 1995.
VII) Em 05.03.2001, foi instaurada a execução fiscal contra a mesma sociedade, para cobrança de dívidas relativas a «IVA» do ano de 1998.
VIII) Por despacho de 15.10.2002 foi ordenada a reversão da execução contra o A., o qual foi citado em 15.04.2005.
IX) Por essa citação, foi ainda o Executado informado que «... nos termos do n.º 4 do art. 22.º da Lei Geral Tributária a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos constantes no art. 99.º e prazos estabelecidos nos artigos 70.º e 102.º do CPPT …».
X) Em 22.04.2005, o A. apresentou no Serviço de Finanças de Felgueiras, um requerimento que dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Felgueiras e a que chamou reclamação graciosa, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
XI) Em 20.03.2006, foi ordenada a penhora do veículo automóvel mencionado em II), tendo o A. ficado fiel depositário do mesmo.
XII) Em virtude de ter uma reclamação graciosa pendente [sobre a qual não foi ainda proferida decisão pela Administração Fiscal] e, mediante a penhora do veículo, ter sido prestada garantia suficiente, o A. ficou convencido que a referida execução se encontrava suspensa.
XIII) Em 24.05.2007, o Sr. Chefe de Finanças de Felgueiras proferiu despacho a ordenar a venda dos bens penhorados à «D……………… Ld.ª» mediante propostas em carta fechada para o dia 31.07.2007.
XIV) Com efeito, em 07.06.2008, o A. apenas foi notificado do seguinte «Fica V.ª Ex.ª notificado, na qualidade de fiel depositário, que se vai proceder à venda judicial por proposta em carta fechada dos bens penhorados à firma “D……………. Ld.ª”».
XV) A Administração Fiscal ordenou a afixação de editais publicitando a venda no Serviço de Finanças de Felgueiras e na Junta de Freguesia de Varziela, Felgueiras.
XVI) Em 31.07.2007, a Administração Fiscal aceitou a única proposta apresentada, no valor de 5.700,00 €, apresentada por «E…………, Ld.ª».
XVII) Em 11.08.2007, foi elaborado o auto junto à «p.i.» como doc. n.º 08, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
XVIII) Logo em 16.08.2007, o A. apresentou no Serviço de Finanças de Felgueiras e dirigido ao TAF de Braga, pedido de anulação da referida venda do veículo com fundamento nas ilegalidades atrás mencionadas.
XIX) Pedido de anulação esse que correu termos pela Unidade Orgânica 3 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga sob o Processo n.º 1023/07.4BEBRG (…) e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
XX) Em 07.11.2008, no âmbito desse processo, foi proferida decisão judicial com o seguinte teor:
«(...) No caso concreto, um dos editais não foi publicado no local que a lei determina, ou seja, a sede da junta de freguesia de Darque, concelho de Viana do Castelo.
Houve assim, preterição de uma formalidade essencial para se realizar a venda judicial dos bens penhorados, sendo certo que tal omissão influiu na venda, na medida em que não permitiu uma concorrência de pessoas que se soubessem da sua existência não deixariam de nela participar.
Conclui-se, assim, existir nulidade da venda adveniente da preterição de uma formalidade legal essencial relativa à sua publicidade.
Por outro lado, também se omitiu o nome do Executado nos editais e anúncios e também essa omissão nos parece colocar em causa a completa publicidade da venda, uma vez que pode revestir interesse na formação da decisão de concorrer à venda, saber quem é o executado, até mesmo para permitir o exercício do direito de remição previsto no art. 912.º do CPC.
Também esta preterição de formalidade legal porque tem influência na venda, prejudicando, negativamente a publicidade desta, gera a respetiva nulidade.
De resto, teremos de convir que, tendo o Executado o seu domicílio em Viana do Castelo e aí se encontrando o bem penhorado, não fará grande sentido organizar toda a venda em Felgueiras, dar publicidade através de anúncios publicados em jornal dessa cidade (ainda que legalmente) e afixar os editais exclusivamente em Felgueiras (aqui ilegalmente).
Nesta conformidade e para concluir deverá a venda ser anulada, nos termos do disposto no art. 257.º, n.º 1, al. c), do CPPT e nos arts. 201º, n.º 1 e 909º, n.º 1, al. c), do CPC.
3. Decisão:
Assim, pelo exposto, decide-se:
Julgar o presente incidente procedente e, em consequência, anular a venda realizada na execução fiscal supra identificada …».
XXI) Decisão essa que transitou em julgado em 04.12.2008.
XXII) Logo em 15.12.2008, o A. solicitou junto do Serviço de Finanças de Felgueiras que desse cumprimento à referida decisão judicial e procedesse à imediata restituição do veículo.
XXIII) A Administração Fiscal não notificou os AA. da concretização da venda do veículo, da obrigação de entregar o veículo ao referido comprador ou sequer a identidade deste.
XXIV) Na manhã do dia 11.08.2007 (sábado), o representante legal da firma compradora do veículo deslocou-se à residência dos AA. sem qualquer aviso prévio e exigiu a entrega do veículo referido em II).
XXV) Só nesse momento, os AA. tomaram conhecimento da venda do seu veículo.
XXVI) Os AA., então, recusaram-se a entregar o veículo até que a situação fosse esclarecida junto do Serviço de Finanças de Felgueiras 2, na 2.ª feira seguinte.
XXVII) Nessa sequência, o representante da firma compradora solicitou o apoio policial para tomar posse do veículo.
XXVIII) A PSP de Viana do Castelo enviou para a residência dos AA. um carro patrulha e 02 agentes fardados e armados para forçar os AA. a entregar o veículo à «E……………., Ld.ª».
XXIX) Os agentes da PSP comunicaram aos AA. que, caso estes não entregassem voluntariamente o veículo, iriam chamar o reboque e levá-lo coercivamente.
XXX) Os AA. aceitaram conduzir o veículo para as instalações do Comando da PSP de Viana do Castelo com a condição de que este ficaria à guarda da PSP até posterior resolução judicial.
XXXI) Os AA. ficaram impedidos de utilizar o seu veículo desde esse dia 11.08.2007.
XXXII) Em 14.09.2007, a PSP de Viana do Castelo procedeu à entrega do veículo ao gerente da «E…………, Ld.ª», passando esta a dispor do mesmo de acordo com a sua vontade.
XXXIII) Só em 21.01.2009, a firma «E………..., Ld.ª» procedeu à restituição do veículo em causa aos AA., possuindo o mesmo registada uma quilometragem de 220.141 km.
XXXIV) Em 11.08.2007, o veículo dos AA. tinha uma quilometragem não superior a 185.000 km.
XXXV) No dia 06.08.2007, 05 dias antes, os AA. procederam a uma reparação ao mesmo na firma «F………………, SA», concessionária da marca «Seat» em Viana do Castelo, tendo sido constatado que o mesmo possuía 184.636 km.
XXXVI) O A., no exercício da sua atividade, tinha necessidade de fazer constantes deslocações.
XXXVII) Para o efeito o A. tinha necessidade de utilizar o veículo em causa.
XXXVIII) O veículo era ainda utilizado pelo agregado familiar dos AA. no seu dia a dia, nomeadamente para fazer compras, visitar a família, passear, ir de férias.
XXXIX) Por conta do sucedido, os AA. ficaram impedidos de usufruir e utilizar o seu veículo nas suas deslocações, como era sua intenção e vontade, durante o período que decorreu entre 11.08.2007 e 21.01.2009 [durante 529 dias].
XL) Os AA. estão ambos reformados, pelo que utilizavam o veículo aqui em causa para seu recreio, nomeadamente para passear quer por Portugal, quer por Espanha.
XLI) Em 02.01.2008, os AA. celebraram com o «Banco Santander Consumer Portugal, SA», o contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor, do veículo utilitário marca «Opel», modelo «Corsa 1.2 Enjoy», com a matrícula ……………….
XLII) Durante o período entre 02.01.2008 e 21.01.2009, os AA., no âmbito desse contrato de aluguer, despenderam o montante global de 5.806,39 €.
XLIII) Por conta do sucedido, os AA. viram-se obrigados a contratar advogado e interpor a respetiva ação/incidente de anulação da venda do seu veículo junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
XLIV) No âmbito desse processo judicial, os AA. despenderam 360,00 € [trezentos e sessenta euros] em taxas de justiça.
XLV) Para obter a efetiva entrega/devolução do veículo, foram ainda necessários inúmeros requerimentos dos seus advogados para o Serviço de Finanças de Felgueiras.
XLVI) Os AA. necessitaram de contratar advogado e pagar honorários tendo em vista a proposição da presente ação.
XLVII) Por isso, os AA. viram-se obrigados a suportar honorários com advogado, no montante de 2.500,00 € + IVA = 3.000,00 € [três mil euros].
XLVIII) Para preparar e instruir a respetiva ação/incidente de anulação, os AA. viram-se obrigados a solicitar a emissão de certidão do processo de execução fiscal junto do Serviço de Finanças de Felgueiras, para o que tiveram de despender o montante de 39,84 € [trinta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos].
XLIX) Em 17.08.2007, para se precaverem contra o facto de a firma compradora poder vender a um terceiro, os AA. viram-se obrigados a registar a anulação da venda do mesmo junto da Conservatória do Registo Automóvel, para o que tiveram de despender o montante de 63,00 € [sessenta e três euros].
L) Para obter a restituição do seu veículo, os AA. viram-se obrigados a solicitar a emissão de certidão da decisão de anulação de venda de 07.11.2008 para apresentar no Serviço de Finanças de Felgueiras, para o que tiveram de despender o montante de 30,72 € [trinta euros e setenta e dois cêntimos].
LI) Nos dias 31.07.2007, 03.08.2007 e 06.08.2007, os AA. efetuaram a revisão dos 180.000 Km bem como as reparações melhor descritas nas faturas juntas com a «p.i.», para o que despenderam o montante total de 777,20 € [setecentos e setenta e sete euros e vinte cêntimos].
LII) Em 25.07.2007, os AA. já haviam adquirido e montado 04 pneus novos no seu veículo para o que despenderam o montante de 319,29 € [trezentos e dezanove euros e vinte e nove cêntimos].
LIII) Em 21.07.2007, os AA. já haviam pago 32,38 € [trinta e dois euros e trinta e oito cêntimos] a título de Imposto Municipal sobre Veículos e aquisição do respetivo dístico, essencial para o veículo poder circular.
LIV) Depois de o veículo lhes ter sido devolvido, mais concretamente em 22.01.2009, os AA. ordenaram à firma «C……………, Ld.ª» [«………..»] que procedesse a uma vistoria ao veículo em causa, tendo sido detetado que:
a. Era necessário reparar/substituir diversas peças danificadas.
b. O controlo do ar condicionado «Climatronic» (AC) se encontrava avariado.
c. Os 2 pneus traseiros encontravam-se em mau estado.
d. O alarme não funcionava.
LV) Os AA. tiveram de fazer as reparações e afinamentos melhores descritos nos docs. 22 a 24, juntos com a «p.i.» para o que despenderam o montante global de 1.013,75 € [mil e treze euros e setenta e cinco cêntimos].
LVI) Os AA. optaram por não proceder à reparação do controlo do ar condicionado «Climatronic» (AC), pelo que este continua avariado.
LVII) Sendo necessário o montante de 546,36 € [quinhentos e quarenta e seis euros e trinta e seis cêntimos] para proceder à reparação do mesmo.
LVIII) Os AA. são pessoas sérias, honestas e muito bem considerados no meio em que vivem.
LIX) O A. candidatou-se nas eleições autárquicas de 2004, tendo sido eleito membro da Assembleia de Freguesia por votação dos fregueses/eleitores de Darque, Viana do Castelo e Presidente da mesma por votação dos restantes membros desse órgão.
LX) O A. foi professor em …………, tendo nomeadamente exercido por vários anos o cargo de Presidente do Conselho Diretivo da Escola …………. ……………].
LXI) A A. foi também professora, tendo exercido diversos cargos públicos, nomeadamente na coordenação de projetos de toxicodependência, no projeto «Vida/IPDT» e na formação de professores, quer ao nível do concelho, quer ao nível do distrito de ……………...
LXII) Os AA. são pessoas conhecidas e consideradas na cidade de Viana do Castelo e, especialmente, na Freguesia de Darque, onde residem.
LXIII) Na sequência do descrito em VI) a VIII), o Comandante do Comando Distrital da PSP de Viana do Castelo apresentou desculpas formais pela falta de sensibilidade dos agentes em resolver a situação.
LXIV) Os AA. sentiram necessidade de se justificar e explicar o sucedido.
LXV) Sentindo-se angustiados com o facto de poder existir alguém que não acredite nas suas justificações, dado o carácter extraordinário da situação.
LXVI) O A. recebeu o email referido infra.
LXVII) No dia 21.09.2007, o A. recebeu o email junto à «p.i.» como doc. n.º 50, onde alguém, de forma jocosa, tenta marcar um exame presencial ao seu veículo.
LXVIII) Os AA. eram pessoas sociáveis.
LXIX) A A. toma medicamentos antidepressivos para controlar a ansiedade/depressão como «Ciraiex 10 mg», «Alprazolam Generis 0,5 mg» e «Inderal 10 mg».
LXX) O facto de terem ficado impedidos de usufruir do seu veículo e de ver um terceiro [o comprador] a utilizá-lo contra a sua vontade, provocou nos AA. uma sensação de frustração e injustiça.
LXXI) O A. foi citado pessoalmente em 20.03.2006, assinando a respetiva certidão de citação, bem como a sua nomeação como fiel depositário.
LXXII) O despacho que ordenou a venda por proposta em carta fechada de 05.06.2007, foi notificado ao ora A. por carta registada com A/R, em 08.06.2007, tendo sido publicitado em dois números seguidos dos dias 6 e 13 de julho de 2007 do jornal “…………………”.
LXXIII) A venda judicial foi efetuada em 3l.07.2007 e o A., na qualidade de revertido, foi à execução em 13.08.2007 informar que iria impugnar a referida venda.
LXXIV) Quando foram efetuadas as despesas que se reportam à data de 31.07.2007 a 03.08.2007, o veículo em causa estava penhorado.
LXXV) Conforme consta da sentença do TAF de Braga, certificada a fls. 38 e seguintes destes autos, que anulou a venda em execução fiscal do veículo penhorado com a matrícula ……………., penhorado, foi omitida nessa execução a citação do cônjuge do executado, co-A. e Recorrente nestes autos.

*

DE DIREITO
10. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões que constituem objeto do presente recurso de revista.

11. Insurgem-se os AA., aqui recorrentes, quanto ao segmento do acórdão recorrido que apenas condenou o R. no pagamento da quantia ali arbitrada acrescida dos juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado daquela decisão até efetivo pagamento, sustentando que, tratando-se de indemnização relativa a danos patrimoniais emergente de responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito, os juros de mora seriam devidos desde a citação, para o efeito fazendo apelo do disposto nos arts. 804.º, 805.º, n.ºs 2, al. b), e 3, e 806.º todos do CC.
Analisemos.

12. Resulta do disposto no art. 804.º do CC que «[a] simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor» [n.º 1], sendo que «[o] devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido» [n.º 2], estipulando-se no que releva no n.º 2 do artigo seguinte, sob a epígrafe de «momento da constituição em mora», que existe «mora do devedor, independentemente de interpelação: (…) b) Se a obrigação provier de facto ilícito …», e no seu n.º 3 que «[s]e o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número».

13. E no art. 806.º do mesmo Código prevê-se ainda que «[n]a obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora» [n.º 1], que «[o]s juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal» [n.º 2], podendo «no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco» [n.º 3].

14. Extrai-se da máxima uniformizadora de jurisprudência firmada pelo acórdão do STJ n.º 4/2002 [Proc. n.º 1508/2001 - in: DR, I Série-A, n.º 146, de 27.06.2002, págs. 5057 e segs.], convocada em aplicação do n.º 3 do art. 08.º do CC, que «[s]empre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação».

15. Através desta jurisprudência uniformizadora pretendeu-se pôr termo à questão controvertida da cumulação da atualização da expressão monetária da indemnização, no período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e do pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro, dado mostrar-se inadmissível a cumulação de juros de mora, desde a citação, com a atualização da indemnização, em função da taxa de inflação.

16. Nessa medida, quando o juiz faz apelo ao princípio da restituição por equivalente [cfr. art. 566.º, n.º 2, do CC], atribuindo uma indemnização pecuniária aferida pelo valor que a moeda tem à data da decisão, não pode, sob pena de duplicação, mandar acrescer a tal montante os juros moratórios devidos, desde a citação [cfr. art. 805.º, n.º 3, 2.ª parte, com referência ao art. 806.º, n.º 1, ambos do CC].

17. De notar, ainda, que ao considerar-se o momento do início do vencimento dos juros de mora incidentes sobre a indemnização pecuniária, por facto ilícito/lícito ou pelo risco, objeto de cálculo atualizado e reportado à decisão atualizadora, tal significará que esse momento terá de ter como referência a data do encerramento da discussão da matéria de facto, em 1ª instância, o mais próximo possível da prolação da sentença, e não ao seu trânsito, já que, em função do maior ou menor hiato temporal que se vier revelar necessário para a sua verificação, tal poderá acabar o esvaziar desse efeito atualizador e prejudicar, injustificadamente, o lesado.

18. Analisando, agora, os termos do acórdão recorrido dos mesmos extrai-se que, no e para o cômputo do valor global arbitrado a título de danos patrimoniais [10.925,86 €], foram considerados os montantes parcelares de: i) 5.806,38 € [privação do uso do veículo no período 02.01.2008 a 21.01.2009 (correspondente ao custo com aluguer de viatura nesse período) - n.ºs XXXI), XXXVI) a XLII) da factualidade apurada]; ii) de 1.440,00 € [privação do uso do veículo no período 11.08.2007 a 01.01.2008 (144 dias x 10,00 €/dia), sendo tal quantia fixada com recurso a juízos de equidade - n.ºs XXXI), XXXVI) a XLII) da factualidade apurada]; iii) de 546,36 € [correspondente ao custo com reparação da avaria do ar condicionado - n.ºs LIV), LVI) e LVII) da factualidade apurada]; e iv) de 3.133,12 € [relativo às despesas, encargos e custos com processos judiciais instaurados, incluindo honorários com advogados - n.ºs XLIII) a L) da factualidade apurada].

19. Ora, quanto aos valores parcelares i), iii) e iv) referidos do parágrafo antecedente e que, note-se, foram fixados sem qualquer atualização e também sem apelo a quaisquer juízos de equidade, ressalta, desde logo, o desacerto do acórdão recorrido quanto ao momento no mesmo fixado como de início da contagem dos juros de mora já que, atentos os termos decorrentes dos arts. 566.º, 804.º, 805.º, n.ºs 2, al. b), e 3, e 806.º do CC, nunca seria a data do trânsito da decisão, mas, antes, in casu, aquele em que teve lugar a citação do R. para a presente ação, sendo que a idêntica conclusão importa chegar quanto ao outro montante parcelar fixado com apelo a juízos de equidade dado nenhuma referência expressa ter sido feita na decisão a que se tratava de valor objeto de atualização, inexistindo fundamento legal para se presumir judicialmente que tenha havido essa atualização.

20. Na verdade, à luz do quadro legal convocado e perante o contexto factual apurado, e, bem assim, os termos que derivam da decisão judicial, não resultando, nem se descortinando um expresso juízo atualizador emitido a título oficioso ou provocado acerca dos danos patrimoniais sofridos, assiste aos AA. o direito a exigirem, sobre o valor da indemnização arbitrada em dinheiro por tais danos [cfr. art. 566.º do CC], o pagamento de juros de mora à taxa legal desde a citação do R. [cfr., entre outros, os Acs. deste STA de 15.01.2013 - Proc. n.º 0610/12, de 25.03.2015 - Proc. n.º 01932/13 in: «www.dgsi.pt/jsta»; e os Acs. do STJ de 08.05.2003 - Proc. n.º 03B810, de 17.11.2005 - Proc. n.º 04B2616, de 04.12.2007 – Proc. n.º 07ª3836, de 18.03.2010 - Proc. n.º 467/1999.C1S1, de 26.11.2015 - Proc. n.º 30516/11.7T2SNT.L1.S1, in: «www.dgsi.pt/stj» - sítios a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos destes Tribunais sem expressa referência em contrário], cientes de que, no caso concreto, a aplicação da norma do art. 805.º, n.º 3, do CC, não acarreta o perigo de eventual dupla indemnização dado o R. haver sido condenado em valores sem qualquer atualização corretiva dos efeitos da inflação e/ou compensadora dos demais prejuízos direta ou indiretamente decorrentes do atraso na liquidação da indemnização.

21. Não poderá, assim, manter-se este segmento do acórdão recorrido, dado serem devidos juros de mora à taxa legal desde a citação [ocorrida em 16.09.2009 - cfr. fls. 135] e até integral pagamento.

22. Insurgem-se, ainda, os AA., aqui recorrentes, quanto ao juízo de improcedência firmado no acórdão do «TCA/N» relativamente ao pedido indemnizatório pelo desgaste do veículo decorrente da quilometragem que, entretanto, foi pelo mesmo percorrida em consequência de uma utilização abusiva feita no período em que se viram desapossados do mesmo e que computaram no valor de 13.624,79 €, dado em seu entender tratar-se de dano autónomo do que deriva da privação de uso e, como tal, dever ser indemnizado.

23. Não se descortina que neste segmento assista razão aos recorrentes nas críticas que dirigem ao acórdão recorrido.

24. Para que exista obrigação de indemnizar é condição essencial que o facto ilícito e culposo tenha gerado um prejuízo a alguém, sendo a indemnização deve, sempre que possível, reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso (situação hipotética) [cfr. arts. 562.º, 563.º e 566.º do CC].

25. Não existe dúvida de espécie alguma de que é ao lesante e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos causados a este, decorrendo do n.º 1 do art. 564.º do CC, que o dever de indemnizar em matéria de «danos patrimoniais» compreende, desde logo, o prejuízo causado ao lesado, ou seja, os «danos emergentes», enquanto prejuízos causados nos bens ou nos direitos existentes na sua titularidade à data em que se produziu a lesão.

26. No caso vertente e como com pleno acerto se afirma na decisão sob análise inexiste demonstração efetiva da verificação do dano peticionado e respetivo nexo já que, da alegação e prova feita não deriva que o desgaste sofrido pela viatura, pertencente aos AA. e que foi motivada pela utilização feita pela empresa que a adquiriu no quadro de venda realizada na execução fiscal, haja sido anormal por referência àquilo que vinha sendo o desgaste derivado da utilização feita em termos habituais pelos AA..

27. Com efeito, e desde logo, a depreciação ou desvalorização da viatura em termos e por referência à data de matrícula, ao fator tempo de vida de veículo, mostra-se idêntica independentemente dos AA. terem ou não a viatura na sua posse e do facto de da mesma poderem ou não fazer uso, ou que este tenha estado a ser feito por outrem, não sendo pela verificação duma situação de uso por outrem, aceite ou não pelo respetivo dono, que daí derive uma maior depreciação do valor do veículo, porquanto «aqueles fatores de depreciação do valor do veículo iriam manter-se se ele tivesse continuado na disponibilidade dos Autores», nem foi demonstrado «que o património, considerado o momento da recuperação do veículo, tivesse ficado diminuído pelo facto da sua indisponibilidade temporária».

28. Por outro lado, temos que também não resultou apurado que no período em que os AA. se viram desapossados da sua viatura a mesma tivesse sofrido, por referência àquilo que vinha sendo o padrão habitual de utilização que dela vinha sendo feito por aqueles, uma utilização mais intensa, ou agravada/aumentada face àquele padrão, a ponto de se poder considerar que, naquele período, a viatura sofreu um maior desgaste, um desgaste anormal, face àquele que igualmente derivaria da habitual e normal utilização feita pelos AA., e que, nessa medida, fruto desse maior desgaste, daí derivasse uma maior desvalorização do valor da viatura e um consequente empobrecimento patrimonial daqueles em decorrência do ato ilícito.

29. É que, presente a factualidade apurada [cfr. n.ºs XXXI), XXXII), XXXIII), XXXIV), XXXV), LIV), LV)] e o teor do documento de fls. 509 [certificado de matrícula relativo à viatura dos AA. em questão - datado de 13.07.2001], o ritmo de utilização da viatura e do seu consequente desgaste diminuiu, inclusive, nas mãos de terceiro por comparação com aquilo que foi ou havia sido o uso médio feito até aí anteriormente pelos AA. [estes cerca de 30.000 km/ano e aquele menos de 25.000 km/ano], não constituindo, por conseguinte, aquele uso feito por terceiro um real e efetivo fator agravador ou depreciador anormal do valor venal da viatura, não ocorrendo, assim, também e em decorrência, que a diminuição do património daqueles haja sido fruto da atuação ilícita do R..

30. De igual modo teria de ser julgada improcedente, como o foi acertadamente pela decisão recorrida, a pretensão de reparação de alegados prejuízos com custos de liquidação de imposto municipal de veículos, aliás, sempre devido pelos AA., ou ainda com as despesas pelos mesmos havidas com a reparação/manutenção da viatura realizada em momento imediatamente anterior ao desapossamento e que se prendem ou contendem com aquilo que foram as normais necessidades de intervenção e de substituição de peças e de componentes inerentes e naturais ao desgaste gerado pelo uso que foi feito até ali pelos AA. [cfr. n.ºs LI), LII), LIII) da factualidade apurada].

31. E a idêntica conclusão teremos de chegar também quanto aos prejuízos que se prendem com os custos suportados pelos AA. e respeitantes a valores despendidos com a reparação/manutenção da viatura uma vez esta lhes ter sido devolvida [cfr. n.ºs LIV) e LV) da factualidade apurada], porquanto afigura-se-nos que não assiste razão nas críticas acometidas ao acórdão recorrido, dado que reportando-se os mesmos, é certo, a custos que envolvem e decorrem do uso da viatura e da quilometragem entretanto percorrida por terceiro, o que passa é que o património daqueles não saiu empobrecido nessa medida dado que se nos custos que os AA. suportaram com o aluguer do veículo de substituição, no preço final daquele aluguer, estavam abarcados aquilo que eram, para o proprietário do veículo de aluguer, os custos inerentes ao uso e inerente degradação e desgaste da viatura, com substituição de pneumáticos e de outras peças/componentes, ou com a mudança de óleos e de filtros, ou ainda com as despesas de mão-de-obra e serviços de mecânica, etc., então esses custos foram-lhe restituídos com a indemnização fixada através das despesas havidas com a privação de uso.

32. E daí que, nessa medida, os AA. ao serem indemnizados por estes custos efetivamente por si suportados não saem «penalizados» patrimonialmente, já que, no fundo, a assim não ser, então, em última instância, não suportariam aquilo que eram os custos de desgaste resultantes do uso qualquer das viaturas, termos em que não lhes assiste o direito a serem pagos do valor reclamado de 1.013,75 €, na certeza ainda de que, analisada a factualidade e documentação junta, as intervenções de manutenção realizadas na viatura dos AA. não o foram todas logo após a devolução/entrega da sua viatura [26.01.2009] dado terem ocorrido duas delas uma 16.03.2009 e outra a 26.03.2009, uma vez percorridos mais de 3.000/4.000 km [cfr. fls. 86/89].

33. Por fim, os recorrentes discordam do juízo de improcedência firmado no mesmo acórdão quanto à sua pretensão de indemnização pelos «danos não patrimoniais» que, alegadamente, sofreram, porquanto entendem que a realidade factual lograda provar revela e permite fundar um diverso juízo, mercê da existência de danos daquela natureza merecedores de tutela ao abrigo do art. 496.º do CC.

34. Decorre deste preceito que na fixação da indemnização deve atender-se aos «danos não patrimoniais» que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito [n.º 1], sendo que o seu montante é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso [n.º 3].

35. Na caracterização deste tipo de danos poderá partir-se do axioma que estabelece que tal prejuízo é o sofrimento psicossomático experimentado pelo lesado, ou pessoas que tenham direito a indemnização por esse tipo de dano à luz dos normativos próprios.

36. Os «danos não patrimoniais» traduzem-se nas lesões que não implicam diretamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas, o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas supra aludidas.

37. Resulta, assim, que o julgador, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos «danos não patrimoniais», em cumprimento do normativo legal que o manda julgar e de harmonia com a equidade, deverá atender aos fatores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada, tudo com o objetivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos que a esse título sofreu.

38. A lei não enuncia ou enumera quais os «danos não patrimoniais» indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1 do CC, constituindo entendimento comum ao nível doutrinal e jurisprudencial de que a gravidade do dano há-de medir-se, tendo em linha de conta as circunstâncias de cada caso, por um padrão objetivo, e não à luz de fatores subjetivos, de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada do lesado(s) [cfr. ao nível jurisprudencial, entre outros, Acs. deste Supremo de 31.05.2005 - Proc. n.º 0127/03, de 29.06.2005 - Proc. n.º 0395/05, de 08.11.2007 - Proc. n.º 0643/07, de 14.07.2008 - Proc. n.º 0572/07, de 01.10.2008 - Proc. n.º 063/08, de 12.11.2008 - Proc. n.º 0682/07, de 28.01.2009 - Proc. n.º 0884/08, de 28.01.2010 - Proc. n.º 0266/08, de 22.04.2015 - Proc. n.º 0197/15, de 12.07.2017 - Proc. n.º 0865/15].

39. Assim, pode ler-se no acórdão deste Supremo de 31.05.2005 [Proc. n.º 0127/03 supra referido] que a «… personalidade física e moral dos indivíduos é protegida por lei contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa ilícita - artigo 70.º do CC. (…) Por isso, em princípio, a dor moral causada por facto ilícito é abrangida pelo n.º 1 do artigo 496.º. (…) Mas pode não acontecer. Suponha-se uma dor insignificante, uma simples maçada ou incómodo, que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade. Não atingirá, neste caso, a gravidade merecedora da tutela do direito, em sede de atribuição de indemnização por danos não patrimoniais …».

40. Centrando-nos, agora, na análise no caso vertente da existência de danos desta natureza na esfera jurídica dos AA. temos para nós que, ponderada a factualidade apurada e que se revela pertinente neste âmbito [cfr. n.ºs XIV), XV), XXIV) a XXXI), XXXIII), LVIII) a LXVIII) e LXX)], resultam provados in casu «danos não patrimoniais» dotados da magnitude de «gravidade» tutelada pelo art. 496.º, n.º 1 do CC.

41. Se é certo que, na sua plenitude e amplitude, os AA. não lograram provar os danos que a esse título alegaram ter sofrido, como se pode claramente extrair das respostas total ou parcialmente negativas ou limitativas dadas à matéria de facto vertida nos itens da base instrutória [08.º), 20.º), 46.º), 49.º), 51.º), 52.º), 53.º), 54.º), 55.º), 56.º), 57.º), 58.º), 59.º), 60.º), 61.º), 62.º)], mormente, em termos do impacto que a atuação do R. alegadamente teria tido na saúde psíquica da A. ou em termos de amplitude da ressonância local e social, ainda assim do quadro factual logrado provar pelos AA. extrai-se que os mesmos, pessoas sociáveis, honestas e muito bem consideradas no meio onde viviam, desempenhando, inclusive cargos públicos no concelho, acabaram por vivenciar sentimentos de angústia, de frustração e de injustiça pela situação em que se viram envolvidos, tendo sido alvo de ato de chacota como o teor inserto no mail documentado nos autos, sentimentos esses vivenciados em decorrência e resultado da conduta/atuação desenvolvida pelo R. [quer em termos dos procedimentos e atuação do Serviço de Finanças em sede de execução fiscal, quer da própria atuação da PSP/Viana do Castelo no momento da apreensão da viatura e que motivou, inclusive, um pedido de desculpas apresentado aos AA. pelo respetivo Comando Distrital], e da privação da sua viatura nas circunstâncias em que a mesma ocorreu, impedindo-os de usufruir da mesma.

42. Os danos morais apurados e que se mostram sofridos pelos AA. não corporizam, pois, uma simples e insignificante maçada ou incómodo que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade, assumindo os mesmos, em concreto, da gravidade merecedora da tutela do direito exigida e reclamada pelo n.º 1 do art. 496.º do CC.

43. Assim, impondo-se a atribuição de indemnização para a sua reparação, temos que ponderada a gravidade do dano que no contexto apurado se mostra manifestamente reduzida e mitigada face à situação relatada no articulado inicial, os fins gerais e especiais a que se inclina a indemnização deste tipo e aquilo que vem sendo a prática jurisprudencial, entende-se como adequado e equitativo, de harmonia com o disposto no n.º 3 do mesmo normativo e ainda do art. 566.º do mesmo Código, fixar o montante de indemnização global atualizado devido aos AA. a este título em 1.000,00 € [500,00 € para cada um].


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder parcial provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, julgar a presente ação parcialmente procedente, condenando o R. a pagar aos AA. a quantia global de 11.925,86 €, sendo devidos até integral pagamento juros de mora à taxa legal desde a citação [16.09.2009 - cfr. fls. 135] sobre o montante de 10.925,86 € e, da presente decisão, sobre a restante quantia de 1.000,00 €, mantendo-se, no mais, o decidido no acórdão recorrido.
Custas a cargo de AA. e R. na proporção do vencimento e decaimento.
D.N..



Lisboa, 15 de março de 2018. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Alberto Acácio de Sá Costa Reis.