Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0648/11
Data do Acordão:01/18/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
Sumário:I - Os créditos garantidos por penhora sobre bens imóveis preferem aos garantidos por hipoteca sobre os mesmos bens, se o registo da penhora tiver sido efectuado antes do registo da hipoteca.
II - Os créditos da Fazenda Pública, relativos a IRC e IRS, apenas gozam de privilégio imobiliário geral, nos termos dos arts. 111º do CIRS e 108º do CIRC, não prevalecendo sobre os créditos reclamados garantidos por hipoteca.
III - Concorrendo à graduação créditos de ambas as proveniências, os créditos pelas contribuições à Segurança Social logram preferência sobre os créditos de IRS e de IRC.
Nº Convencional:JSTA00067349
Nº do Documento:SA2201201180648
Data de Entrada:06/30/2011
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO DISTRITAL DE LEIRIA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA DE 2010/10/08 PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CRP84 ART6 N1
CCIV66 ART451 ART733 ART744 A ART748 ART749 ART750 ART819 ART822
DL 103/80 DE 1980/05/09 ART10 ART11
CIMI03 ART122
CIRS01 ART111
CIRC01 ART108
CPC96 ART415
Jurisprudência Nacional:AC TC 363/02 IN DR IS DE 2002/10/16; AC TC 231/07 DE 2007/03/28; AC TC 193/2003 DE 2003/04/09; AC TC 697/2004 DE 2004/12/15; AC STA PROC1068/07 DE 2008/02/13; AC STA PROC172/09 DE 2009/05/06; AC STA PROC237/10 DE 2010/05/05
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1.1. O Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de Leiria, interpõe recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 8/10/2010, proferida no processo de verificação e graduação de créditos nº 1376/09.0BELR, na parte em que graduou os créditos por si reclamados, provenientes de contribuições e juros de mora em dívidas à segurança social.
Nas alegações, conclui o seguinte:
1) - Por apenso ao processo de execução fiscal movido à sociedade “A……, Lda”, veio o ora recorrente reclamar créditos provenientes de contribuições e juros de mora, para serem pagos pelo produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o n° 295, fracção A, da freguesia de ...., penhorado nos autos principais.
2) - Tais créditos dizem respeito ao período contributivo de Abril de 1999 a Junho de 2009, no montante total de €538.836,51, quantia reconhecida pela sentença recorrida.
3) - A totalidade dos créditos reclamados goza de privilégio creditório imobiliário sobre o bem imóvel penhorado, nos termos do disposto no artigo 11° do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9 de Maio, sendo que, os créditos ainda se encontram parcialmente garantidos por penhora de 2002/01/08 e hipoteca legal registada a 2006/06/21, conforme resulta da sentença, bem como se encontra devidamente atestado pela certidão de descrição e inscrição de ónus ou encargos junta aos autos a fls...
4) De tal certidão, tal como também consta discriminado na sentença recorrida, resulta que sobre o prédio penhorado incidem três penhoras efectuadas em 07/01/2002, relativas à dívida do exequente Fazenda Pública, seguindo-se uma penhora de 08/01/2002 da Segurança Social; uma hipoteca da Fazenda Pública registada em 19/12/2003 e uma hipoteca da Segurança Social registada provisoriamente em 21/06/2006 e convertida em definitiva em 17/10/2006.
5) Sucede que, para serem pagos pelo produto da venda do imóvel, foi graduado, após os créditos provenientes de IMI, o crédito hipotecário da Fazenda Pública; seguindo-se o crédito hipotecário da Segurança Social; posteriormente o crédito de IRS; em quinta posição os “Restantes créditos da Fazenda Pública, não abrangidos pelo montante da hipoteca, que gozam da garantia da penhora com registo anterior” e, em último lugar, os “Restantes créditos do ISS, não abrangidos pelo montante da hipoteca, que gozam da garantia da penhora com registo posterior.
6) Ora, face ao disposto no art. 6° do Código do Registo Predial - prevalência do direito inscrito em primeiro lugar, por ordem da data dos registos - e art. 822° do Código Civil - preferência resultante da penhora face a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior - não se compreende que o Tribunal a quo não tenha respeitado a prioridade do registo das penhoras, mais antigas relativamente às hipotecas legais.
7) Assim, tendo em conta a prioridade do registo, no concurso entre as penhoras constituídas no ano de 2002 e as hipotecas constituídas em 2003 e 2006, não pode restar qualquer dúvida que aquelas preferem a estas e, consequentemente, devem ser graduadas com prioridade às hipotecas legais constituídas em momento posterior.
8) Efectivamente, efectuada a penhora e de acordo com o disposto no art. 819° do CC, “são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”, pelo que, as hipotecas registadas em momento posterior não podem preferir às penhoras, dado trata-se de um acto de oneração de um bem já penhorado.
9) Sucede que, apesar da existência de penhora e hipoteca legal constituídas a favor do aqui recorrente, o certo é que, tal como reclamado por este credor (art. 9° do requerimento de reclamação de créditos), todos os créditos reclamados gozam do privilégio imobiliário previsto no art. 11º do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9 de Maio, independentemente da data da sua constituição e graduam-se logo após os créditos referidos no art. 748° do Código Civil, não existindo, portanto, qualquer restrição temporal à eficácia do privilégio conferido, pelo que, é irrelevante o momento da sua constituição.
10) Sobre a questão da preferência do privilégio do aqui recorrente relativamente à penhora, já se manifestou o Tribunal Constitucional através de vários Acórdãos, nomeadamente, os Acórdãos nº 697/2004 e n°231/2007, reiterando este último que “o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 8 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido às instituições de previdência prefere à garantia emergente do registo da penhora sobre determinado imóvel”.
11) Aquele Tribunal também já decidiu que os privilégios creditórios conferidos à Segurança Social têm fundamento constitucional, “existindo um motivo ou fundamento constitucionalmente adequado ou válido, alicerçado no artigo 63° da Lei Fundamental, para tal consagração e que, referentemente à mencionada par conditio creditorum, representa uma distinção de tratamento.” (Acórdão n.º 688/98, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41°, vol., pág. 567).
12) No que diz respeito ao concurso entre o privilégio da Segurança Social e a penhora e ao facto de aquele ter preferência sobre esta, o Acórdão do TC n.º 193/203 afirma que “Não estamos, assim, perante um desproporcionado privilégio da segurança social, afectando um direito real de garantia plena que incide ab origine sobre determinado imóvel e em que a dívida exequenda resulta de um negócio jurídico celebrado no pressuposto da constituição desse mesmo direito real de garantia. Pelo contrário: a garantia dos credores comuns é todo o património do devedor, mas não qualquer bem específico sendo sobretudo função da penhora a individualização desses bens que hão-de responder pela dívida. (...) Não estamos, com efeito, perante uma afectação inadmissível, arbitrária ou excessivamente onerosa da confiança, já que a preferência resultante da penhora é de, algum modo, temporariamente aleatória”.
13) Ora, o facto da Segurança Social ter acautelado zelosamente os seus créditos através da constituição de penhora e hipoteca legal não lhe retira o privilégio creditório atribuído por lei, i.e., os créditos não passam a estar garantidos apenas pela penhora e hipoteca que, sobretudo esta última, atendendo ao circunstancialismo do caso concreto, acaba por ser uma garantia que concede uma menor protecção dos créditos, resultando, pois na prática, que a decisão proferida afasta a preferência que é conferida pela lei substantiva aos créditos da Segurança Social, sobrepondo-se à Lei.
14) Como muito bem refere o Acórdão da Relação de Coimbra, de 2/10/2001: “caso o credor reclame o seu crédito num processo em que esteja a ser executado o património do devedor (executivo ou de falência), é óbvio que, embora a lei não o diga expressamente, na graduação que aí tem lugar, não pode, em relação ao mesmo crédito, ser levada em conta mais do que uma das garantias que o cobrem, que será, sem dúvida, a que concede melhor preferência. Só se esta não abranger a totalidade do crédito é que o remanescente deve ser graduado com base na garantia de menor preferência.” (proferido na Ap. 1719/2001, in www.trc.pt).
15. Portanto, in casu, como se mencionou, a garantia que concede melhor preferência ao credor é o privilégio creditório que abrange a totalidade dos seus créditos.
16) O que está em causa é, efectivamente, a graduação do crédito do aqui recorrente - que goza de privilégio imobiliário e como tal detém uma garantia de natureza substantiva e com fundamento constitucional - face ao credor titular da penhora constituída em primeiro lugar, dado que esta, de acordo com o disposto no art.º 6° do CRP, 819° e 822° do CC, goza in casu de preferência face aos créditos hipotecários cujas garantias são de constituição posterior.
17) Assim, por força do privilégio imobiliário, todos os créditos do recorrente têm que ser graduados com prioridade relativamente aos créditos que gozam da preferência resultante da penhora, que, por sua vez, face à prioridade do registo, prefere às hipotecas registadas posteriormente.
18) Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: “Ora, no caso concreto, como a penhora é anterior ao registo da hipoteca ter-se-ia de atribuir ao credor/exequente a prioridade no pagamento (art. 822° do C.C.). Porém, como a Segurança Social beneficia do privilégio creditório imobiliário geral, independentemente da data da constituição do seu crédito, há que considerar a preferência que resulta deste privilégio creditório, como privilégio imobiliário que é, com a consequência de dever ser pago após os créditos referidos no art. 748° do C.C. e, portanto, com prioridade sobre o exequente”.
19) Ao decidir como decidiu, a sentença recorrido violou a Lei, nomeadamente, os artigos 11º do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9 de Maio, 748°, 819° e 822° do Código Civil e art.º 6.° do Código do Registo Predial.
1.1. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.2. O Digno Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que os créditos reclamados pelo ISS.IP devem ser graduados após os créditos exequendos e reclamados pela Fazenda Pública que gozam da garantia da hipoteca com registo anterior, efectuada em 19/12/2003 e antes dos créditos da Fazenda Pública que gozam da garantia da penhora e dos créditos de IRS reclamados, no montante de €6.143,64 que gozam de privilégio imobiliário geral (art. 111º do CIRS).
2. A sentença recorrida deu como assente os seguintes factos:
a) O Serviço de Finanças de Leiria instaurou a execução fiscal com o número 3603200401019694 e apensos, contra A……, Lda, para cobrança coerciva da quantia de €363.094,72 referente a dívidas provenientes de: coimas, IVA, IRC de 2004 e IRS dos anos 2002 a 2006 (fls. 4 e ss. 87 e ss. e PEF em anexo);
b) No âmbito da referida execução e para garantia da quantia exequenda foram efectuadas 7 penhoras sobre o r/c, loja C, do prédio urbano, sito em ……, descrito na C.R.Predial de Leiria, sob o número 2957/1994011 3-C (fls. 42 e ss., do PEF)
c) As penhoras foram efectuadas em: 07.01.2002, registadas pelas Ap. 76, 77 e 80 de 15.01.2002; e 30.08.2007, registadas pela Ap. 89, 96 e 112, de 1.09.2007 (fls. 42 e ss. do PEF em anexo);
d) Sobre o referido imóvel incide também uma hipoteca a favor da Fazenda Pública, registada pela Ap. 62, de 19.12.2003 (fls. 44, do PEF)
e) O ISS detém sobre a reclamada um crédito, no montante de €538.836,51, garantido por hipoteca e penhora constituídas sobre o prédio aqui penhorado;
f) A penhora foi realizada em 08.01.2002, registada pela Ap. 29, de 22.01.2002 (fls. 43, do PA em anexo);
g) A hipoteca foi registada a favor do ISS pela Ap. 50, de 21.06.2006, convertida em definitiva em 17.10.2006 (fls. 44, do PEF);
h) A executada deve ainda:
- O IRS, dos anos de 2003 e 2004, no montante global de €6.143,64;
- O IMI dos anos de 2004 e 2005, inscritos para cobrança, respectivamente em 2005 e 2006, no montante global de 535,82;
- Coimas do ano de 2008, no montante de €1.108,50 (cfr. fls. 50 e ss.).
3. Na execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas, IVA, IRC de 2004 e IRS de 2002 a 2006, reclamaram créditos o Instituto de Segurança Social (ISS), por dívidas de contribuições à segurança social relativas ao período contributivo de Abril de 1999 a Junho de 2009, e a Fazenda Pública, por dívidas relativas ao IRS de 2003 e 2004, ao IMI de 2004 e 2005 e a coimas.
Tendo em conta as garantias reais existentes sobre o imóvel penhorado – hipotecas, penhoras e privilégios creditórios – a sentença recorrida reconheceu os créditos reclamados e graduou-se com a seguinte ordem de preferência:
1º. Créditos referentes ao IMI;
2º. Crédito exequendo e reclamado pela Fazenda Pública no global, que goza da garantia da hipoteca, com registo anterior, nos seus precisos limites e com limitação dos juros a 3 anos;
3º. Crédito reclamado pelo ISS, que goza da garantia da hipoteca, com registo posterior, nos seus precisos limites e com limitação dos juros a 3 anos;
4º. Crédito de IRS dos anos de 2002, 2004, 2005 e 2006, se não abrangidos pelo montante da hipoteca;
5º. Restantes créditos da Fazenda Pública, não abrangidos pelo montante da hipoteca, que gozam da garantia da penhora com registo anterior;
6º. Restantes créditos do ISS, não abrangidos pelo montante da hipoteca que gozam da garantia da penhora com registo posterior.
O recorrente não concorda com esta graduação por entender que: (i) tendo em conta a prioridade do registo e as regras dos artigos 819º e 822º do CCv, as penhoras constituídas em 2002 têm prioridade sobre as hipotecas legais constituídas em 2003 e 2006; (ii) pelo artigo 11º do DL nº 103/80, de 9/5, o crédito por si reclamado goza de privilégio imobiliário geral, que tem preferência sobre a penhora, tendo esta preferência sobre as hipotecas.
Como resulta dos factos provados, sobre o imóvel penhorado existem as seguintes garantias: (i) seis penhoras registadas em 15/1/2002 e 11/9/2007, para garantia das quantias exequendas e reclamadas pela Fazenda Pública; (ii) um penhora registada em 22/1/2002, para garantia de parte dos créditos reclamados pelo ISS; (iii) uma hipoteca legal registada em 19/12/2003 a favor da Fazenda Pública para garantia de parte da quantia exequenda; (iv) uma hipoteca legal registada em 17/10/2006 a favor do ISS para garantia de parte do crédito reclamado.
Para além destas garantias, em atenção à causa do crédito, os créditos exequendos e reclamados estão protegidos com os seguintes privilégios creditórios: (i) privilégio imobiliário especial, para garantia do IMI (cfr. art. 122º do CIMI e art. 744º do CCV); (ii) privilégio imobiliário geral, para garantia do IRS e IRC (arts. 111º do CIRS e 108º do CIRC); (iii) e o privilégio imobiliário geral, para garantia dos créditos das contribuições devidas à segurança social (art. 11º do DL nº 103/80 de 9/5).
No confronto das várias garantias, o recorrente entende que as hipotecas legais, porque constituídas após as penhoras, são inoponíveis à execução, e por conseguinte, na graduação de créditos apenas concorrem as penhoras e os privilégios creditórios, tendo estes preferência sobre aquelas. Embora não o diga expressamente, se bem se entende a argumentação, o que pretende é que todo o seu crédito fique graduado em segundo lugar, logo a seguir ao crédito do IMI que está protegido com privilégio imobiliário especial.
No que respeita à graduação, em primeiro lugar, do crédito reclamado do IMI inscrito para cobrança em 2005 e 2006 nenhum problema se levanta, uma vez que, gozando de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel penhorado em 2007, têm prioridade sobre quaisquer outros créditos, ainda que com garantias constituídas anteriormente (cfr. art. 744º, al. a) do art. 748º e 751º do CCv e art. 122º do CIMI).
Os créditos reclamados pelo recorrente ISS respeitam todos a contribuições devidas à segurança social em períodos compreendidos entre Abril de 1999 a Junho de 2009 (cfr. doc. de fls. 32 e 33 dos autos).
Pelo artigo 11º do DL nº 103/80, de 9/5, todos esses créditos gozam de privilégio imobiliário geral sobre os bens do devedor existentes à data da instauração do processo executivo. Trata-se de um privilégio que não se encontra sujeito a qualquer limite temporal e que prescinde de qualquer conexão entre o imóvel onerado pela garantia e o facto gerador da dívida.
Parte desses créditos está também garantida por penhora registada em 22/1/2002, garantindo créditos até ao montante de €165.672,76, e por hipoteca legal constituída por registo definitivo em 17/10/2006, garantindo créditos no valor de €246.357,95. Como é evidente, os créditos à segurança social constituídos após o registo da hipoteca, ou seja, os constituídos entre 17/10/2006 e Junho de 2009, não estão abrangidos pela hipoteca nem pela penhora realizada em 22/1/2002.
No concurso entre privilégio imobiliário geral e hipoteca, por aplicação da norma do art. 749º do CCv, aquele não tem prioridade relativamente à hipoteca constituída anteriormente à data da penhora dos bens sobre que incidem um e outra. Com efeito, após a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 11º do DL nº 103/80, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral prefere sobre a hipoteca, ainda que constituída anteriormente (Ac. do TC nº 363/02, in DR. I Série - A, de 16/10/2002), tem vindo a defender-se que o privilégio imobiliário geral só cede perante uma hipoteca que for constituída em data anterior ao registo da penhora dos bens sobre que incide. A tais privilégios, no conflito com créditos protegidos com outras garantias sobre os mesmos bens, aplica-se o artigo 749º, segundo o qual esses privilégios não valem contra terceiros que sejam titulares de direitos que, recaindo sobre coisas abrangidas pela penhora, sejam oponíveis ao exequente. E os direitos oponíveis ao exequente são aqueles que não podem ser atingidos pela penhora, neles se compreendendo os direitos reais de garantia que tenham sido constituídos antes da data da penhora (arts. 819º e 822º do CCv).
Já no concurso entre privilégio imobiliário geral e penhora, aquele artigo 11º tem sido julgado conforme a Constituição, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral por ele atribuído à Segurança Social prefere à garantia emergente da penhora invocada pelo exequente. Contrariamente ao que ocorre na concorrência da hipoteca, entende-se que neste caso não há violação do princípio da confiança dos demais credores, nem a preferência se mostra irrazoável ou desproporcional à protecção conferida pela penhora ao credor comum (cfr. Ac. do TC nº 193/2003, nº 697/2004 e nº 231/07, in www.tribunalconstitucional.pt). De resto, a preferência do privilégio creditório sobre a penhora resulta da conjugação dos artigo 822º com o artigo 733º do CCv, uma vez que a preferência que a penhora confere ao exequente de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior, apenas existe nos casos em que a lei especial não estabeleça outra regras de preferência, sendo um desses casos as normas que estabelecem os privilégios. Por outro lado, confrontando-se o privilégio com créditos cuja única causa de preferência é a penhora, apesar dos direitos conferidos por ambas garantias se reportarem à mesma data – a da apreensão dos bens – o privilégio pré-existe e, por isso, o credor que dele goza deve ser satisfeito com prioridade.
Tendo em conta estas regras, constata-se nos autos que o reclamante ISS tem créditos constituídos em datas anteriores às garantias conferidas pela penhora e pela hipoteca da Fazenda Pública, e por conseguinte têm primazia sobre os créditos garantidos por essas garantias. Assim acontece com todas as contribuições anteriores à data em que foi constituída a hipoteca da Fazenda Pública – 19/12/2003 – como é o caso das contribuições vencidas entre Abril de 1999 e 19/12/2003, as quais gozam de privilégio imobiliário geral que se sobrepõem às penhoras e hipotecas posteriores.
Significa isto que a graduação efectuada pela sentença recorrida, no que se refere aos créditos da Segurança Social anteriores à penhora de 15/1/2002 e à hipoteca de 19/12/2003, está em desconformidade com o artigo 749º do CCv. Tais créditos devem ficar graduados em segundo lugar, ou seja, antes da graduação dos créditos da Fazenda garantidos pela penhora de 15/1/2002 e dos créditos garantidos pela hipoteca registada em 19/12/2003. É verdade que parte desses créditos também está garantida pela penhora realizada pelo ISS em 22/1/2002. Mas, perante a melhor preferência do privilégio imobiliário, tal garantia não tem qualquer relevância na graduação desses créditos.
Já os créditos do ISS posteriores à hipoteca constituída em 19/12/2003 cedem perante esta garantia. Como se referiu, no confronto com outros direitos reais de garantia sobre os mesmos bens, sob pena de inconstitucionalidade, não se aplica o regime previsto no artigo 751º do CCv, mas sim o do artigo 749º, pelo que os privilégios imobiliários gerais cedem perante a hipoteca constituída anteriormente.
Esses créditos estão garantidos com o privilégio imobiliário geral, nos termos do artigo 11º do DL nº 103/80, de 9/5 (actual art. 205.° do Cód. do Regime Contributivo do Sistema Providencial da Segurança Social aprovado pela Lei n.º 110/09, de 16/9, que sucedeu ao disposto nos arts. 10.º e 11.° daquele decreto-lei) e com a hipoteca legal registada em definitivo em 17/10/2006 até ao montante de €246.357,95. Atenta a data em que a hipoteca foi apresentada para inscrição no registo, logicamente que não abrange as dívidas à segurança social vencidas entre 21/6/2006 e Junho de 2009, as quais apenas gozam do privilégio creditório.
Ora, relativamente ao imóvel penhorado, estes créditos confrontam-se com créditos exequendos e reclamados da Fazendo Pública que também estão protegidos com as seguintes garantias: (i) três penhoras registadas em 15/1/2002, que garantem a quantia exequenda proveniente de IVA e coimas dos anos de 1997 a 2001 (cfr. doc. de fls. 87), até ao montante de €145.910,87, 78.518,94 e 110.709,41, respectivamente; (ii) hipoteca legal, constituída em 19/12/2003, para garantia da dívida exequenda proveniente de IVA, coimas e IRS, até ao montante de €722.797,39; (iii) três penhoras registadas em 11/9/2007, para garantia da dívida exequenda e reclamada proveniente de coimas, IVA e IRS, até aos montantes de €11.833,75, €83.716,90 e €56.370,20. respectivamente; (iv) privilégio imobiliário geral relativamente às dívidas exequendas e reclamadas provenientes do IRC de 2004, IRS dos anos de 2002 a 2006.
Neste confronto, de nada vale ao recorrente invocar a sua hipoteca relativamente aos créditos da Fazenda Pública garantidos por hipoteca ou por privilégio creditório. Pela regra da prioridade do registo constante do artigo 6º, nº 1 do C.R.Predial, prevalece a hipoteca da Fazenda; e pela regra do artigo 749º do CCv, preferem os créditos privilegiados constituídos antes do registo da sua hipoteca, ou seja, as dívidas de IRC de 2004 e IRS de 2004, 2005 e 2006, privilegiadas em função das penhoras de 2007.
Sendo o recorrente credor privilegiado pelo artigo 11º do DL nº 103/80, pretende ele fazer valer os créditos constituídos após a hipoteca legal da Fazenda com o argumento de que têm preferência sobre as penhoras efectuadas em 15/1/2002. O raciocínio do recorrente parece ser o seguinte: como no concurso entre penhora anterior e hipoteca posterior aquela tem preferência e no concurso entre privilégio e penhora aquele tem preferência, então deve concluir-se que o privilégio também prevalece sobre a hipoteca.
Todavia, sob pena de inconstitucionalidade, não se pode chegar a essa conclusão, uma vez que ela representaria a aplicação ao privilégio imobiliário geral da regra prevista no artigo 451º do CCv para o privilégio imobiliário especial. É que a supremacia dos créditos com privilégio geral só vale face aos créditos cuja única causa de preferência seja resultante da penhora e não quando concorrem com outras causas de preferência. Havendo várias garantais em concurso, só devem concorrem aquelas que melhor assegurem os créditos em confronto. Por isso, em relação ao privilégio creditório da ISS a Fazenda pode opor a hipoteca constituída anteriormente em vez da penhora. Mas já no confronto entre os créditos da Fazenda garantidos por penhora anterior e hipoteca posterior, tendo em conta o disposto no art. 822º do CCv, prevalece o crédito penhorado, atendendo à prioridade temporal de cada uma das garantias.
Isto significa que os créditos da Fazendo Pública que estão abrangidos pela penhora realizada em 15/1/2002, porque é anterior à hipoteca, devem ser graduados em terceiro lugar e os créditos que estão abrangidos pela hipoteca de 19/12/2003, que prevalece sobre os privilégios constituídos posteriormente, deve ser graduada em quarto lugar.
Os créditos exequendos e reclamados da Fazenda Pública, que não estão garantidos por essa penhora e hipoteca, estão porém garantidos pelas penhoras realizadas em 11/9/2007, até ao limite pelas quais foram efectuadas, e pelo privilégio imobiliário geral que os artigos 111º do CIRS e 108º do CIRC atribuem aos créditos de IRC e IRS dos anos de 2004, 2005 e 2006, os três anos anteriores ao da penhora.
Como estes privilégios prevalecem sobre a hipoteca legal realizada em 17/10/2006 pelo ISS, poderia dizer-se que deveriam ser graduados em quinto lugar.
Mas essa preferência conflitua com o privilégio imobiliário geral que gozam todos os créditos do ISS que foram constituídos após a hipoteca legal da Fazenda registada em 19/12/2003. No confronto entre um privilégio geral da Segurança Social e um privilégio geral da Fazenda Pública prevalece aquele, porque do art. 11º do DL nº 103/80 resulta que os créditos da segurança social se graduam logo após os referidos no artº 748º do CCv, preceito no qual os créditos de IRC e IRS se não incluem. A remissão que se faz para o artigo 748º do CCv tem que ser interpretada no sentido de se pretender dar preferência aos créditos da segurança social relativamente a outros privilégios gerais (cfr. Acs. do STA, de 13/2/2008, rec nº 1068/07, de 6/5/2009, rec nº 172/09 e de 5/5/2010, rec. 237/10). De onde se conclui que os créditos reclamados pelo recorrente, constituídos após 19/12/2003 devem ser graduados em quinto lugar, sendo irrelevante opor a hipoteca legal, uma vez que lhe confere menor garantia relativamente aos privilégios de IRC e IRS da Fazenda Pública.
Os créditos privilegiados da Fazenda, prevalecendo sobre a penhora realizada em 11/9/2007, devem ficar posicionados em sexto lugar, logo seguidos de todos os créditos garantidos que apenas têm como garantia essa penhora.
Importa relembrar que antes de qualquer credor obter o pagamento, serão pagas as custas do processo, as quais saem precípuas do produto dos bens penhorados (art. 455º do CPC).
4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, graduar os créditos pela ordem seguinte, saindo as custas precípuas do produto dos bens penhorados:
1º - Crédito referente ao IMI de 2004 e 2005;
2º - Crédito reclamado pelo ISS.IP, constituído entre Abril de 1999 e 19/12/2003;
3º - Crédito da Fazenda Pública garantido pelas penhoras realizadas em 15/1/2002;
4º - Crédito da Fazenda Pública garantido pela hipoteca registada em 19/12/2003, não abrangido pela penhora realizada em 15/1/2002;
5º - Crédito reclamado pelo ISS.IP, constituído após 19/12/2003;
6º - Crédito exequendo e reclamado referente ao IRS de 2004, 2005 e 2006;
7º. Restantes créditos reclamados e exequendos, que gozam da garantia das penhoras efectuadas em 11/9/2007
Custas pelo recorrente, na proporção de 1/2.
Lisboa, 18 de Janeiro de 2012. - Lino Ribeiro(relator) - Valente Torrão - Dulce Neto.