Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02237/20.7BEBRG
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:RECLAMAÇÃO
CPPT
PEDIDO
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PRAZO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário:I - O contribuinte pode a todo o tempo pedir a dispensa da prestação da garantia mas para obter o efeito útil por si pretendido da suspensão da execução é que necessita de o apresentar em determinado prazo.

II - O decurso de qualquer dos prazos previstos no artº 170º do CPPT não libera a Administração Fiscal de conhecer do pedido de prestação de garantia ou de dispensa de garantia, por entender que o pedido é extemporâneo. Enquanto estiver pendente a execução tais pedidos podem sempre ser formulados e têm que ser apreciados.

III - Os prazos dos artigos 169º e 170º são, prazos durante os quais a Administração Fiscal não pode prosseguir com a execução. Decorridos os mesmos, a execução pode e deve prosseguir, mesmo que esteja pendente um requerimento de dispensa de garantia entretanto apresentado.
Isto é, se tiver sido apresentada impugnação, o executado dispõe do prazo de 15 dias para pedir a prestação de garantia ou a sua dispensa e a execução não pode avançar até ser apreciado o pedido.

Nº Convencional:JSTA000P28241
Nº do Documento:SA22021100602237/20
Data de Entrada:07/29/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......UNIPESSOAL, LDA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 2237/20.7BEBRG (Recurso Jurisdicional - Reclamação para a Conferência)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, notificada da Decisão Sumária de 22-08-2021, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo a decisão judicial recorrida, com distinta fundamentação, veio apresentar Reclamação para a Conferência nos termos do nº 3 do art. 652º do C. Proc. Civil tal como consta de fls. 312-317, concluindo no sentido da procedência da presente reclamação, com a anulação da decisão, sendo proferida uma outra que entenda que o pedido de isenção foi intempestivamente apresentado.

Nesta medida, cumpre analisar a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do art. 652º nº 3 do C. Proc. Civil “ex vi” art. 2º, al. e), do CPPT, considerando que a Reclamante alude aos seguintes elementos:
A. A RFP entende que houve um excesso de pronúncia por parte deste Douto Tribunal, pois que o tema do recurso cingia-se à existência, ou não, por parte do órgão de execução fiscal [OEF] de uma violação do princípio do inquisitório, em clara violação do disposto no n.º 2 do art.º 608.º CPC, aplicável pelo art.º 663.º também do CPC, o que determinará necessariamente a nulidade da decisão, nos termos do n.º 1 do art.º 125.º do CPPT e al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
Sem prescindir,
B. Mesmo que se entenda que não houve excesso de pronúncia, a FP não foi ouvida antes da decisão sumária do Senhor[a] Desembargador[a] Relator, i.e., não foi assegurado pelo Relator o cumprimento do contraditório, em clara violação do disposto no n.º 3 do art.º 3 e n.º 3 do art.º 665, ambos do CPC, o que também determinará necessariamente a nulidade da decisão.
Sem prescindir,
C. Fazenda Pública não se pode conformar com a decisão, por entender que se fez uma errada interpretação das disposições combinadas do n.º 8 do art.º 169 e n.º 2 do art.º 170.º do CPPT.
D. Pois, seguir tal linha de raciocínio de que o pedido de dispensa de garantia pode ser apresentado a todo o tempo, fará com que o n.º 2 do art.º 170.º do CPPT seja completa letra morta!
E. Pois se o pedido pode ser apresentado a qualquer momento, qual a necessidade do legislador prever a possibilidade deste ser apresentado no prazo de 30 dias após a ocorrência de factos supervenientes?.
F. Perceciona a Fazenda Pública que a tal linha de raciocínio seja motivado pela teor do n.º 8 do art.º 169.º do CPPT, onde se pode ler que “caso no prazo de 15 dias, a contar da apresentação de qualquer dos meios de reação previstos neste artigo, não tenha sido apresentada garantia idónea ou requerida a sua dispensa, procede-se de imediato à penhora.”
G. Tal entendimento é claramente plausível para a questão da apresentação da garantia idónea pois não só a legislação atual não impõe um prazo para a sua apresentação como, considerando que tal penhora se destina a garantir o processo, compreende-se que o contribuinte o possa fazer de forma voluntária em qualquer momento [pois o efeito útil é o mesmo do conseguido por via da penhora realizada pelo OEF].
H. Já quanto ao pedido de dispensa, não só a lei prevê um prazo específico para a sua apresentação, como não existe qualquer equiparação legal entre o pedido de dispensa de prestação de garantia e a efetiva prestação ou constituição de garantia.
I. Até porque o legislador não o entendeu dessa forma, pois ao alterar o n.º 7 do art.º 169.º do CPPT [atual n.º 8] através da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro [OE 2012], não retirou do n.º 1 e 2 do art.º 170.º do CPPT os prazos legais para apresentar pedido de dispensa de garantia e isso, apesar de ter procedido a uma alteração daquele artigo por via daquela lei [alterando o seu n.º 1].
J. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do CC.
K. Sem prescindir,
1.º Os acórdãos citados para fundamentar a decisão sumária, têm na sua génese uma realidade completamente distinta da dos presentes autos, não podendo aqueles acórdãos, no entender da FP, servir de base à decisão sumária nos termos do art.º 656 do CPC.
L. A RFP não pode deixar de trazer á colação outro acórdão onde se entendeu de forma diferente ao concluída na decisão sumária, nomeadamente o acórdão processo n.º 1630/19.2BELRS [já supra referido] onde ficou dito que “assim, do disposto na letra da lei resulta que o executado apenas pode pedir a dispensa de prestação de garantia após a apresentação do meio gracioso ou contencioso de defesa, incluindo a oposição à execução (artigo 169.º, n.º 7 ex vi do n.º 10 do mesmo artigo 169.º do CPPT) e tem de o fazer até 15 dias após a apresentação do mesmo, sob pena de caducidade do direito a requerer aquela dispensa” [realce nosso]. …”.

Não houve resposta.

Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo à Conferência para julgamento.
*******
Como é sabido, o instituto da reclamação para a conferência, previsto no art. 652º nº 3 do C. Proc. Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.
Sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator (desde que não seja de rejeição do requerimento de interposição do recurso ou de retenção do mesmo, caso em que cabe a reclamação prevista no art. 643º do C. Proc. Civil), pode dele reclamar para a conferência. Os direitos da parte - reforçados pela decisão colegial em conferência - são assegurados pela possibilidade de reclamação para a conferência de quaisquer decisões do relator, excepcionadas as de mero expediente.
A deliberação em conferência pode assumir uma de duas modalidades. Em primeiro lugar pode ser inserida no acórdão que virá a incidir sobre o recurso, seguindo, neste caso, a tramitação que for ajustada ao seu julgamento. Em segundo lugar, pode a mesma deliberação ser autonomizada num acórdão próprio, no caso de se impor uma decisão imediata devido à natureza da reclamação em causa ou se o acórdão sobre o recurso já tiver sido proferido. Em qualquer dos casos, é sobre o projecto elaborado pelo relator que o colectivo irá incidir a sua deliberação, com a consequente manutenção, revogação ou alteração do despacho reclamado (cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.106 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.106 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.244 e seg.; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.421).

Na situação em apreço, a decisão sumária, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo a decisão judicial recorrida, com distinta fundamentação, encontra-se exarada a fls. 285 a 305 dos presentes autos e tem o seguinte conteúdo que integralmente se reproduz:
“(…)
1. “RELATÓRIO
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 10-06-2021, que julgou procedente a presente deduzida por “A…….., UNIPESSOAL, Lda.” no presente processo de RECLAMAÇÃO relacionado com a decisão proferida pela Direcção de Finanças de Braga (OEF) no âmbito do Processo de execução de fiscal (PEF) nº 0361202001065815 e apensos, de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, notificado à Reclamante através do Oficio n.º 70501642 de 15-10-2020.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
a) Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a reclamação de atos do órgão do OEF e, em consequência, decidiu anular a “decisão reclamada”.
b) A Douta sentença padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos n.ºs 58.º, 74.º, n.º 1 do art.º 99.º, todos da LGT, n.º 342 do CC e no n.º 2 do art.º 170.º do CPPT.
c) Ao contrário do decidido, a decisão reclamada não padece de qualquer violação do princípio do inquisitório, sendo discutível a adequação das concretas normas que o Tribunal a quo lançou mão, atenta a falta de lacuna no ordenamento jurídico fiscal e a natureza judicial do processo de execução fiscal.
d) Da leitura do pedido de isenção, não consta qualquer alegação de facto ou de direito quanto à superveniência do pedido, nomeadamente, quanto ao facto das diligências junto das instituições bancárias terem findado após 15 de setembro de 2020.
e) Não se alcança o suporte probatório que leva o Douto Tribunal a quo a concluir que tais diligências ou factos são “posteriores à apresentação das impugnações junto do CAAD” ou “necessariamente após a instauração das impugnações”.
f) Perceciona a RFP que tal conclusão poderá ter levado o Tribunal a intuir que, partindo de tal premissa, existiria uma alta probabilidade da Reclamante só ter tido conhecimento do resultado de tais diligências após 15 de setembro de 2020.
g) No entanto, não sendo possível ao OEF partir de tal premissa, também não lhe era possível intuir ou equacionar que as mesmas terão terminado após tal data.
h) O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas não podemos esquecer que este move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso.
i) A AT está adstrita ao princípio da legalidade, estando-lhe vedada a atribuição de moratórias.
j) O ónus da prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido.
k) Não tendo sido alegado qualquer facto quanto à tempestividade ou superveniência do fundamento que sustenta o pedido, a audição da testemunha não poderia ser equacionada pelo OEF.
l) O princípio do inquisitório fica limitado aos factos de que ao OEF é lícito conhecer.
m) A questão da tempestividade constitui um pressuposto prévio ao conhecimento do próprio mérito do pedido, não fazendo qualquer sentido avançar com a audição das testemunhas se o pedido for intempestivo.
n) Acresce que, o requerimento probatório foi dirigido aos factos atinentes ao próprio mérito do pedido e não à sua tempestividade [por total falta de alegação].
o) O processo de execução fiscal deve ser um processo célere, dando o legislador primazia à prova documental.
p) Não devendo ser equacionada a audição de testemunha em todos os casos, sobretudo nos casos, em que houve um claro défice de alegação por parte da Reclamante.
Sem prescindir,
q) Mesmo que se entenda que houve uma preterição de uma formalidade pelo facto do OEF não indicado o motivo que levou a decidir pela não audição da testemunha apresentada, deverá ser promovido aproveitamento do ato.
r) De todo o exposto, incorreu em erro de julgamento de Direito a sentença, de que se recorre, ao considerar haver uma violação do princípio do inquisitório, designadamente pela violação do disposto nos n.ºs 58.º, 74.º, n.º 1 do art.º 99.º, todos da LGT, n.º 342 do CC e no n.º 2 do art.º 170.º do CPPT.
s) A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso por erro de julgamento, revogando-se a douta sentença recorrida, com as consequências legais.
A Fazenda Pública requer, muito respeitosamente a V. Exas., ponderada a verificação dos seus pressupostos, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.”

A Recorrida “A………, UNIPESSOAL, Lda.” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no artigo 170º nºs 1 e 2, do CPPT e 58º da LGT, ao ter considerado que a Administração Tributária não podia ter indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, com base na sua intempestividade, sem que antes ouvisse a testemunha arrolada sobre as diligências efectuadas junto das instituições bancárias com vista à concessão de garantia bancária.

3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A) Em 25-03-2020, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0361202001065815, por dívida de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do ano de 2016, no valor de € 1.304.288,66 (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF);
B) Em 15-04-2020, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 0361202001082671, por dívida de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) do ano de 2016, no valor de € 631.643,87 (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF);
C) Em 10-07-2020, o PEF n.º 0361202001082671 foi apensado ao processo principal N.º 0361202001065815 (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF);
D) Em 29-07-2020, a Reclamante foi citada pessoalmente no âmbito do PEF n.º 0361202001065815 e apensos (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF e facto não controvertido);
E) Em 29-07-2020, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, contra as liquidações de IVA do ano 2016, em cobrança coerciva no PEF n.º 0361202001065815 (Processo Tribunal Arbitral n.º 386/2020-T) - (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF e documentos nºs 14 e 15 juntos à PI e cujo teor se dá por reproduzido);
F) Em 11-08-2020, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD - Centro de Arbitragem Administrativa, contra a liquidação de IRC do ano 2016, em cobrança coerciva no PEF n.º 0361202001082671 (Processo Tribunal Arbitral n.º 406/2020-T) - (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF e documentos nºs 16 e 17 juntos à PI e cujo teor se dá por reproduzido);
G) Em 07-10-2020, a Reclamante apresentou, por correio electrónico dirigido ao Serviço de Finanças de Braga 1, um “Pedido de dispensa de prestação de garantia” no âmbito do PEF referido em D), “nos termos dos artigos 52º, n.º 4 da LGT e 170º do CPPT” (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF e fls.12/22 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido):
H) Em 12-10-2020 foi proferida pelo OEF informação na qual, além do mais, é referido o seguinte (cfr. fls.35/39 do SITAF e cujo teor se dá por reproduzido):
“(…)
Do Direito
9. Os pressupostos para a isenção de prestação de garantia, com vista à suspensão da execução fiscal, encontram-se previstos no artigo 52º n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT), que prescreve: “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”
10. Os pressupostos de que a lei faz depender a isenção da prestação de garantia são os seguintes:
i) ocorrência de prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia; ou
ii) manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
11. Adicionalmente, em relação a ambos os casos, a lei impõe ainda que:
iii) não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do executado que pretende a isenção.
12. Os requisitos i) e ii) são alternativos, mas o requisito iii) é de verificação cumulativa, tendo de coexistir ou com a ocorrência de prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia ou com a manifesta falta de meios económicos para a prestar.
13. Face ao artigo 170.º n.º 1 do CPPT, o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser apresentado no prazo de quinze dias, tendo como termo inicial a data da apresentação de meio gracioso ou judicial tendente à discussão da legalidade ou da exigibilidade da dívida exequenda.
14. Em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 170º do CPPT, caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.
15. Tal prazo é de natureza judicial, para efeitos do disposto no artigo 20.º n.º 2 do CPPT, pelo que ao mesmo é aplicável o Código de Processo Civil (CPC), correndo continuamente, mas suspendendo-se em férias judiciais, transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte quando terminar em dia em que os tribunais estejam encerrados ou seja concedida tolerância de ponto. [Cfr. artigo 138.º n.º 1 a 3 do Código de Processo Civil (CPC)]
16. Na situação em análise, a requente apresentou pedidos de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD1 em 29-07-2020 e 11-08-2020, para discussão da legalidade das liquidações de IVA e IRC que estão na origem da instauração dos presentes autos.
17. Naquelas datas, os tribunais estavam encerrados por motivo de férias judiciais, que decorreram de 16 de julho a 31 de agosto.
18. Pelo que, o prazo de 15 dias para apresentar o pedido de dispensa de prestação de garantia teve o seu início em 01-09-2020 e o seu fim em 15-09-2020.
19. Em 07-10-2020, data em que a requerente e executada apresentou o pedido de dispensa de prestação de garantia, já se encontrava excedido o prazo de 15 dias previsto no n.º 1 do artigo 170.º do CPPT.
20. Saliente-se que, a requerente não invocou qualquer facto superveniente ao termo daquele prazo.
Conclusão
21. Em face da inobservância do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 170.º do CPPT, conclui-se pela intempestividade do pedido de dispensa de prestação de garantia.
22. Pelo que, parece ser de indeferir o pedido. (…)”;
I) Sobre a Informação supra referida recaiu despacho de concordância do Sr. Director de finanças de Braga, proferido em 13-10-2020, tendo indeferido o pedido m.i. na alínea F) (cfr. fls.34 do SITAF);
J) Com data de 15-10-2020, a Direcção de finanças de Braga remeteu ao Sr. Mandatário da Reclamante, o ofício n.º 705.01642, enviado por carta registada com Aviso de Recepção, dando conhecimento da decisão de indeferimento do pedido e isenção da prestação de garantia (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF e cfr. fls.40 e 42 do SITAF);
K) O Aviso de Recepção que acompanhou o ofício supra referido foi assinado em 16-10-2020 (cfr. fls.41 do SITAF);
L) Em 29-10-2020, a PI da presente acção foi remetida por via postal aos serviços do OEF (cfr. informação proferida pelo OEF e constante de fls.3/11 do SITAF).
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Inexistem outros factos provados ou não provados com interesse para a decisão a proferir.
*
MOTIVAÇÃO
A factualidade dada por provada resulta da análise crítica da documentação junta aos autos, cfr. se enuncia em cada uma das alíneas da fundamentação de facto.
Foi a análise de toda a prova assim enunciada que, em conjugação com as regras da experiência comum, sedimentou a convicção do Tribunal quanto aos factos provados – Cf. arts 74.º e 76.º n.º 1, ambos da LGT e art. 352.º e 362.º e ss do CC.
«»
3.2. DE DIREITO
Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no artigo 170º nºs 1 e 2, do CPPT e 58º da LGT, ao ter considerado que a Administração Tributária não podia ter indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, com base na sua intempestividade, sem que antes ouvisse a testemunha arrolada sobre as diligências efectuadas junto das instituições bancárias com vista à concessão de garantia bancária.

Nas suas alegações, a Recorrente insiste que da leitura do pedido de isenção, não consta qualquer alegação de facto ou de direito quanto à superveniência do pedido, nomeadamente, quanto ao facto das diligências junto das instituições bancárias terem findado após 15 de Setembro de 2020, tendo o Tribunal a intuído que existiria uma alta probabilidade da Reclamante só ter tido conhecimento do resultado de tais diligências após 15 de Setembro de 2020, sendo que não sendo possível ao OEF partir de tal premissa, também não lhe era possível intuir ou equacionar que as mesmas terão terminado após tal data.
Além disso, o princípio do inquisitório tem por objectivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas não podemos esquecer que este move-se dentro dos limites fixados dos factos alegados e do conhecimento oficioso e a AT está adstrita ao princípio da legalidade, estando-lhe vedada a atribuição de moratórias, sem olvidar que o ónus da prova dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia incumbe ao executado, uma vez que se trata de factos constitutivos do direito que este pretende ver reconhecido e não tendo sido alegado qualquer facto quanto à tempestividade ou superveniência do fundamento que sustenta o pedido, a audição da testemunha não poderia ser equacionada pelo OEF, estando o princípio do inquisitório limitado aos factos de que ao OEF é lícito conhecer, verificando-se que a questão da tempestividade constitui um pressuposto prévio ao conhecimento do próprio mérito do pedido, não fazendo qualquer sentido avançar com a audição das testemunhas se o pedido for intempestivo, além de que o requerimento probatório foi dirigido aos factos atinentes ao próprio mérito do pedido e não à sua tempestividade [por total falta de alegação] e o processo de execução fiscal deve ser um processo célere, dando o legislador primazia à prova documental, não devendo ser equacionada a audição de testemunha em todos os casos, sobretudo nos casos, em que houve um claro défice de alegação por parte da Reclamante e mesmo que se entenda que houve uma preterição de uma formalidade pelo facto do OEF não indicado o motivo que levou a decidir pela não audição da testemunha apresentada, deverá ser promovido aproveitamento do ato.

Que dizer?
Nesta matéria, cabe ter presente que o art. 52º nº 4 da LGT estabelece que “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
Por outro lado, o art. 170º nº 1 do CPPT refere que “Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior.”, dispondo o nº 2 do mesmo preceito legal que “Caso o fundamento da dispensa da garantia seja superveniente ao termo daquele prazo, deve a dispensa ser requerida no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”, apontando o nº 3 mesma norma que “O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.”.

Depois de enunciar a matéria em análise “A única questão a decidir é a saber se a decisão que indeferiu o pedido de dispensa/isenção de prestação de garantia apresentado pela Reclamante e o julgou intempestivo, violou o disposto no art. 170º do CPPT ou se, como sustenta a Reclamante, a decisão ora sindicada é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito, em virtude do pedido formulado de dispensa/isenção de prestação de garantia ser tempestivo face à existência de fundamentos supervenientes ao prazo previsto no art. 170º nº1 do CPPT…”, a decisão recorrida acolheu a pretensão da ora Recorrida ponderando que “…vislumbra-se no pedido de dispensa/isenção de prestação de garantia uma alegação (mais ou menos genérica é certo) da existência de factos que são posteriores à apresentação das impugnações junto do CAAD mas de data imprecisa, no sentido da Reclamante ter tentado obter junto de instituições bancárias uma garantia bancária com vista à suspensão do PEF em crise nos autos mas que tal não foi possível e que por essa razão recorreu ao pedido de dispensa/isenção de prestação de garantia no PEF”, considerando ainda que “….a AT ignorou pura e simplesmente o requerimento probatório enxertado no requerimento e indeferiu tout court o mesmo aplicando o disposto no art. 170º nº1 do CPPT e, bem assim, ignorou uma alegação - sintética é certo - mas suficientemente concretizada pela ora Reclamante no sentido de que esta (necessariamente após a instauração das impugnações) realizou diligências que, a final, se revelaram infrutíferas, junto de instituições bancárias com vista a obter uma garantia bancária para suspender o PEF, quando se impunha, com vista a esclarecer a possibilidade de considerar o pedido de dispensa/isenção de prestação de garantia tempestivo por enquadrável no prazo previsto no art. 170º nº2 do CPPT que, para aquilatar ou descartar o alegado nos artigos 33º a 36º do pedido e poder, sem dúvidas, aplicar o prazo previsto no art. 170º nº1 do CPPT, que ouvisse a testemunha arrolada nem que fosse apenas quanto a essa alegação a qual, no contexto da presente reclamação, se mostra absolutamente essencial apurar e cujo esclarecimento cabia, e cabe, apenas à AT e não ao Tribunal”.

Pois bem, o probatório informa que a executada e aqui Recorrida apresentou na 2ª quinzena de Julho e mês de Agosto de 2020 dois pedidos de pronúncia arbitral tendo por objecto a ilegalidade dos actos tributários que deram origem à divida exequenda e, posteriormente, em 7 de Outubro de 2020, apresentou junto do Serviço de Finanças, pedido de dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, que a AT indeferiu com base na sua intempestividade, por não ter sido respeitado o prazo de 15 dias previsto no artigo 170º nº 1 do CPPT, contado a partir de 1 de Setembro de 2020.
Ora, em primeira linha, na reclamação que dirigiu ao Tribunal recorrido a executada contestou a referida decisão, por entender que a decisão assenta numa errada interpretação das normas legais, alegando que no período compreendido entre 14 e 18 de Setembro de 2020 diligenciou junto de instituições bancárias para obter uma garantia bancária, mas não teve sucesso, tendo-lhe sido comunicada a recusa dessa sua pretensão no período de 21 a 25 de Setembro, o que no seu entendimento configura um facto superveniente a que há que atender para efeitos de contagem do prazo de apresentação do seu pedido de dispensa de prestação de garantia, nos termos do nº 2 do artigo 170º do CPPT, alegando ainda que a AT devia ter procedido à audição da testemunha arrolada para confirmar ou esclarecer tais elementos.
Tal significa que a executada e aqui Recorrida assentou a sua reclamação dirigida ao Tribunal recorrido enquadrando a situação na previsão do nº 2 do artigo 170º do CPPT, que, como se alcança da transcrição da norma, prevê um distinto prazo de apresentação do pedido de dispensa da prestação de garantia do previsto no nº 1 do mesmo preceito, e com base no qual a AT indeferiu o pedido com base na sua intempestividade.

Nesta sequência, analisando a decisão recorrida, temos que o Tribunal “a quo”, sem se decidir se se mostrava ou não aplicável o disposto no art. 170º nº 2 do CPPT, considerou que recaía sobre a AT, tendo em conta o princípio do inquisitório, averiguar e esclarecer, designadamente através da audição da testemunha arrolada, se tinham ou não sido realizadas diligências junto das instituições bancárias, de modo a aferir da tempestividade do pedido à luz do citado preceito legal.

Neste ponto, importa notar que a executada no requerimento que dirigiu ao órgão de execução fiscal não invocou qualquer facto que qualificasse como superveniente para justificar a apresentação do pedido somente a 7 de Outubro de 2020, pois que, em tal requerimento é invocado que para além do imóvel sobre o qual foi constituída hipoteca pela AT e que “constitui o único bem que integra o seu ativo, idóneo a garantir o pagamento da quantia exequenda…”, os restantes “ativos da empresa são essencialmente compostos pelo stock de mercadorias afetos à sua atividade comercial de compra e venda de equipamentos informáticos e de comunicações” e que não eram nem suficientes nem idóneos a garantia o pagamento do valor da garantia fixado em € 2.451.697,23 euros, sendo que tal situação e o facto de ter atingido um endividamento bancário de € 1.277.421,40 euros, não lhe permitiu obter junto da banca qualquer garantia bancária (não tendo sido feita qualquer localização temporal das diligências feitas, ou sequer que tipo de diligências, de modo a justificar o pedido de esclarecimentos ou a produção de prova nesse sentido), concluindo, assim, que ficava demonstrada a manifesta falta de meios económicos que justificava a dispensa de prestação de garantia.

Com este pano de fundo, como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, seja expressa ou implicitamente, no requerimento que a executada dirigiu ao órgão de execução fiscal não é mencionado qualquer facto que fosse apresentado como justificativo da apresentação do pedido fora do prazo de 15 dias previsto no nº 1 do artigo 170º do CPPT.

Diga-se ainda que a alegada recusa por parte das instituições bancárias em assegurar a prestação de garantia bancária não configura “facto superveniente” que justificasse, à luz do disposto no nº 2 do artigo 170º do CPPT, a concessão por parte do legislador de um novo prazo de 30 dias, na medida em que, como a própria executada e aqui Recorrida reconhece no requerimento que dirigiu ao órgão de execução fiscal (ponto 36), “a situação patrimonial da Requerente não lhe permite obter garantias bancárias, já que o activo bruto real não é suficiente para que as respetivas instituições financeiras concedam a prestação de uma garantia bancária, em nome da Requerente, no valor de € 2.451.697,23”.

Além disso, ponderando o exposto pela Reclamante, entende-se que a referência genérica a diligências realizadas junto de instituições financeiras feita pela executada no requerimento que dirigiu ao órgão de execução fiscal visou apenas fundamentar a falta de meios económicos para prestar qualquer garantia e não justificar a apresentação do pedido em 7 de Outubro de 2020, o que explica a forma de alegação sem qualquer apelo a um concreto, efectivo e materializado quadro factual susceptível de conferir a virtualidade pretendida ao que ficou exposto em termos de permitir enquadrar o impetrado nos termos do art. 170º nº 2 do CPPT, ou seja, falta o devido quadro circunstancial em que se identificam as instituições bancárias envolvidas, os termos em que foram deduzidos os pedidos de prestação de garantia bancária, a sua data em concreto e a resposta dessas instituições, matéria que, aliás, seria de simples prova documental.

De qualquer modo, na sequência do que ficou exposto, ainda se admita que tais diligências tenham sido realizadas, as mesmas inserem-se no âmbito das operações que a executada normalmente faria para apresentar uma garantia com vista à suspensão da execução fiscal, sendo que face à situação económica e financeira que a própria retrata no requerimento que dirigiu ao órgão de execução fiscal a executada estava em condições para apresentar no prazo legal previsto no nº1 do artigo 170º do CPPT do pedido de dispensa de prestação de garantia ou pelo menos, face ao elevado valor da garantia fixada, de dispensa parcial dessa garantia, o que equivale a dizer que a resposta negativa das instituições bancárias nunca se revelaria como um facto novo e superveniente que assumisse relevância à luz do disposto no nº 2 do artigo 170º do CPPT.

Sendo assim, como é, resulta claro que não é possível acompanhar a linha de raciocínio do Tribunal recorrido, o mesmo sucedendo em relação ao tema da “amplitude dos deveres de inquisição e de colaboração e cooperação entre a administração tributária e o contribuinte”, pois do requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal não resultava, no que respeita à questão da tempestividade do pedido, qualquer elemento sobre o qual houvesse necessidade de qualquer esclarecimento.

No entanto, apesar do que fica exposto, a decisão recorrida tem de ser confirmada, mas com distinta fundamentação.

Com efeito, tal como se aponta no Acórdão deste Supremo Tribunal de 06-04-2016, Proc. nº 0282/16, www.dgsi.pt, “… Mas, a nosso ver a questão da natureza do prazo não é nuclear para a resolução da questão colocada da tempestividade do pedido de dispensa de prestação de garantia no caso dos autos.
É que o contribuinte pode a todo o tempo pedir a dispensa da prestação da garantia mas para obter o efeito útil por si pretendido da suspensão da execução é que necessita de o apresentar em determinado prazo.
Com efeito, o decurso de qualquer dos prazos previstos no artº 170º do CPPT não libera a Administração Fiscal de conhecer do pedido de prestação de garantia ou de dispensa de garantia, por entender que o pedido é extemporâneo. Enquanto estiver pendente a execução tais pedidos podem sempre ser formulados e têm que ser apreciados.
Os prazos dos artigos 169º e 170º são, prazos durante os quais a Administração Fiscal não pode prosseguir com a execução. Decorridos os mesmos, a execução pode e deve prosseguir, mesmo que esteja pendente um requerimento de dispensa de garantia entretanto apresentado.
Isto é, se tiver sido apresentada impugnação, o executado dispõe do prazo de 15 dias para pedir a prestação de garantia ou a sua dispensa e a execução não pode avançar até ser apreciado o pedido
. …”.

Assim sendo, tal como ali se decidiu, a decisão da AT sindicada nos presentes autos que decidiu não conhecer do pedido de dispensa de garantia com o fundamento na sua intempestividade não se pode sancionar pois que lhe compete conhecer do mesmo pedido (cfr. também o Acórdão deste Supremo Tribunal de 26-05-2021, Proc. nº 0295-20.3BESNT, www.dgsi.pt).

A Fazenda Pública requer ainda a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça prevista no n.º 7 do art.º 6º do RCP.
Apreciando:
Dispõe o n.º 7 do artigo 6.º do RCP que: «Nas causas de valor superior a €275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
No caso dos autos o valor da causa é de € 1.978.619,07, sendo o remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso calculado nos termos da tabela I-B (1,5 UC por cada €25.000 ou fracção para além dos €275.000), o que perfaz um montante muito elevado que se nos afigura desproporcionado atenta a pequena complexidade da causa na qual não se decidiu de fundo apenas se anulando um despacho da administração fiscal que considerou intempestivo um requerimento de isenção de prestação de reforço de garantia.
E, no que tange à conduta processual das partes nada há a assinalar.
Tudo ponderando entendemos dever ser deferido o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que, no caso concreto, se mostra mais conforme à efectivação do direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP.

4. DECISÃO
Nestes termos, e de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, decide-se negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida, com distinta fundamentação.
Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Notifique-se. D.N..

A partir daqui, considerando o exposto pela Reclamante, não existem razões para alterar a Decisão Sumária objecto da presente reclamação, na medida em que foi feito o devido tratamento da realidade em apreço, não existindo, desde logo, qualquer situação de excesso de pronúncia, pois que tal nulidade depende de terem sido apreciadas questões de que o juiz não podia tomar-se conhecimento, devendo apenas ocupar-se das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim haverá nulidade por excesso de pronúncia quando o juiz conheça de excepções na exclusiva disponibilidade das partes (….), ou quando seja violado o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, nomeadamente quando a sentença não observe os limites impostos pelo art. 609º nº 1 do C. Proc. Civil, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido (Neste sentido Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, Coimbra Editora, vol. II, pag.670).
Ora, a Decisão Sumária definiu como matéria a analisar o saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no artigo 170º nºs 1 e 2, do CPPT e 58º da LGT, ao ter considerado que a Administração Tributária não podia ter indeferido o pedido de dispensa de prestação de garantia, com base na sua intempestividade, sem que antes ouvisse a testemunha arrolada sobre as diligências efectuadas junto das instituições bancárias com vista à concessão de garantia bancária.
Pois bem, a simples leitura da Decisão permite apreender que o Tribunal nunca deixou de ter presente tal situação, enquadrando a apreciação feita no âmbito da questão definida em função dos contornos particulares da situação desenhada nos autos, o que significa que o Tribunal não excedeu os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir e pedido, em violação da regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar, começando por analisar o percurso da decisão recorrida, concluindo por idêntica solução para a mesma questão, mas em função de um caminho diferente, até porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º nº 3 do C. Proc. Civil).
Em relação ao cumprimento do contraditório, estando perante a mesma questão, a Reclamante já tinha tomado posição nos autos sobre a mesma e quanto a eventual surpresa, a única que se detecta é o facto de a Reclamante desconhecer a jurisprudência que esteve na base da decisão, sem prejuízo do direito a discordar da opção assumida pelo Tribunal.
Depois, no que concerne aos fundamentos da decisão, a Decisão Sumária é clara na linha de raciocínio adoptada, com apoio na jurisprudência indicada, considerando que o contribuinte pode a todo o tempo pedir a dispensa da prestação da garantia mas para obter o efeito útil por si pretendido da suspensão da execução é que necessita de o apresentar em determinado prazo e que o decurso de qualquer dos prazos previstos no art. 170º do CPPT não libera a Administração Fiscal de conhecer do pedido de prestação de garantia ou de dispensa de garantia, por entender que o pedido é extemporâneo. Enquanto estiver pendente a execução tais pedidos podem sempre ser formulados e têm que ser apreciados, mais referindo que os prazos dos artigos 169º e 170º são prazos durante os quais a Administração Fiscal não pode prosseguir com a execução e, decorridos os mesmos, a execução pode e deve prosseguir, mesmo que esteja pendente um requerimento de dispensa de garantia entretanto apresentado. Isto é, se tiver sido apresentada impugnação, o executado dispõe do prazo de 15 dias para pedir a prestação de garantia ou a sua dispensa e a execução não pode avançar até ser apreciado o pedido, para depois concluir que a decisão da AT sindicada nos presentes autos que decidiu não conhecer do pedido de dispensa de garantia com o fundamento na sua intempestividade não se pode sancionar pois que lhe compete conhecer do mesmo pedido, não se vislumbrando no exposto na presente reclamação qualquer virtualidade para colocar em crise o que foi agora destacado, tendo presente que, ao contrário do exposto, a jurisprudência apontada tem plena aplicação na situação dos autos.
Atento o acabado de referir é a Decisão Sumária reclamada confirmada pela Conferência, ao que se procederá na parte dispositiva.

DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir a presente Reclamação para a Conferência, mantendo-se a Decisão Sumária reclamada.
Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc.
Notifique-se. D.N..

Lisboa, 06 de Outubro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (vencido nos termos da declaração de voto que segue:)
Voto vencido porque não consigo acompanhar a última parte da fundamentação da douta decisão reclamada e, por consequência, o sentido da respetiva decisão.
Não me parece, com efeito, que se possa defender que o contribuinte pode pedir a todo o tempo a dispensa da prestação da garantia e mesmo que não invoque a superveniência dos fundamentos em que sustenta a sua pretensão.
Porque não vejo como conciliar tal entendimento com a redação do n.º 2 do artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que condiciona a formulação de um tal pedido à invocação da superveniência dos seus fundamentos, suportada em factos ocorridos nos últimos trinta dias.
A jurisprudência firmada no acórdão de 6 de abril de 2016, tirado no processo n.º 0282/16, deve ser entendida no sentido de que o contribuinte pode pedir a todo o tempo a dispensa da garantia, mas desde que invoque a superveniência dos seus fundamentos e respeite o referido prazo.
Ou seja, no sentido de que os factos supervenientes podem ocorrer em qualquer altura e enquanto pender a execução.
Pelo que teria negado provimento ao recurso, com os fundamentos que constam da primeira parte douta decisão reclamada (até à página 18).
Lisboa, 6 de outubro de 2021
Nuno Bastos