Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01335/16
Data do Acordão:11/22/2017
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22596
Nº do Documento:SAP2017112201335
Data de Entrada:11/30/2016
Recorrente:A............ E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………… e B…………, com os demais sinais dos autos, recorrem para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 24 de Setembro de 2015, no processo nº 07881/14, invocando oposição entre ele e o acórdão que o Supremo Tribunal Administrativo proferiu em 17 de Outubro de 2012, no processo nº 0583/12.

1.1. Apresentadas que foram as alegações previstas no nº 3 do art.º 284º do CPPT, o Exm.º Juiz Desembargador Relator no Tribunal a quo proferiu despacho onde sustentou que se lhe afigurava ocorrer a invocada oposição de julgados. As subsequentes alegações sobre o mérito do recurso, apresentadas pela Recorrente em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 284º do CPPT, mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo:

I. O Acórdão recorrido viola o disposto no 68º-A nº 1 da LGT e no art.º 55º nº 2 do CPPT, quando não considerou aplicável o teor da Circular nº 21/92, da Autoridade Tributária, datada de 19 de Outubro de 1992, referindo que a mesma não logra afastar o regime que decorre do direito vigente;

II. O Acórdão recorrido viola ainda o disposto nos arts. 2031º e 2119º, ambos do Código Civil, não impondo nem as normas nem os princípios de Direito Tributário entendimento diferente sobre esta matéria;

III. Considerando o exposto, o Acórdão recorrido viola ainda o disposto no art.º 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88 de 30 de Novembro;

IV. O Acórdão recorrido e a sentença proferida em 1ª instância reconhecem que o presente litígio tem como questão controvertida saber se o momento relevante de aquisição do imóvel identificado nos autos para efeitos de tributação em sede de mais-valias (IRS) é o da abertura da sucessão ou o da escritura de partilha, bem como o grau de vinculação da Autoridade Tributária à Circular nº 21/92, de 19 de Outubro.

V. Contudo existe jurisprudência superior que entende em sentido diverso, quer no que diz respeito à aplicação da Circular nº 21/92 quer no que concerne aos efeitos retroactivos da partilha;

VI. Conforme resulta do disposto no art.º 68º-A nº 1 da LGT, a AT está vinculada às orientações genéricas constantes das circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias;

VII. A vinculação da AT pelas orientações genéricas que divulgue é o corolário dos princípios da boa-fé e da igualdade que devem nortear toda a actividade, princípios estes, cuja violação implica que os actos praticados em dissonância com orientações genéricas em vigor enfermem de vício de violação de lei, gerador da sua anulabilidade (cfr. art.º 135º do CPA);

VIII. Assim sendo, não tendo sido revogada a orientação genérica constante da Circular supra mencionada, não pode a AT defender posição contrária à aí perfilhada, sob pena de violação dos princípios da colaboração, boa-fé e confiança;

IX. As circulares administrativas em matéria tributária têm valor simplesmente administrativo, vinculando apenas os órgãos da Administração fiscal mas sem nenhum carácter normativo directo para os contribuintes ou para os tribunais;

X. Em suma, salvo o devido respeito, não podia o Tribunal a quo, de forma superficial, limitar-se a referir que a invocação da Circular não logra afastar o regime do direito vigente, ignorando o grau de vinculação da AT;

XI. Uma vez que a abertura da herança ocorreu antes da entrada em vigor do CIRS e concluindo-se pela natureza meramente declarativa da partilha, por força do estatuído no art.º 5º do Decreto-Lei n.º 442-A/88 de 30 de Novembro, os ganhos obtidos com a alienação do imóvel não estão sujeitos a tributação em IRS.

XII. Acresce que a Circular nº 21/92, de 19 de Outubro, da Direcção de Serviços de IRS, prevê o seguinte: “O momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal.”

XIII. Conforme resulta do previsto no art.º 2119º do Código Civil, feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança sucessor único da herança dos bens que lhe foram atribuídos. Ou seja, os efeitos da partilha retroagem à data da abertura da herança. A partilha tem assim um efeito declarativo e não translativo.

XIV. É assim manifesto que atenta a natureza declarativa da partilha, a mesma não configura um modo autónomo de aquisição e os seus efeitos retroagem ao momento da abertura da sucessão que ocorre “no momento da morte do seu autor” — cfr. art.º 2031º do Código Civil;

XV. Em suma, torna-se juridicamente impossível qualificar como actos de alienação os actos que visam a composição dos quinhões, na medida em que os bens serão considerados do herdeiro retroactivamente, ou seja desde o acto que os levou a pertencer em concreto ao herdeiro, isto é desde a morte do de cujus;

XVI. Identifica-se como jurisprudência proferida em directa oposição com o Acórdão recorrido, legitimando e fundamentando o presente recurso, o seguinte Acórdão fundamento: Acórdão proferido pela 2.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Outubro de 2012, no âmbito do Processo nº 0583/12 (Relatora Isabel Marques da Silva) no qual se entendeu a Administração Tributária vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis, sendo certo que tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do disposto no actual art.º 68º-A nº 1 da LGT e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa-fé e da igualdade que presidem ao exercício da actividade administrativa (art.º 266º nº 2 da Constituição da República);

XVII. No entanto, existem ainda outros Acórdãos, dos quais resulta uma posição oposta à proferida pelo Tribunal a quo, nomeadamente:

a. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 30 de Outubro de 2013, no âmbito do Proc. nº 0763/13 (Relatora Dulce Neto) que refere que as circulares administrativas emanadas pela AT são vinculativas apenas para os respectivos serviços pois, face à lei, os procedimentos definidos, «maxime» o Direito Circulado da AF não pode derrogar o princípio da legalidade Tributária;

b. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, datado de 17 de Junho de 2008, no âmbito do Proc. 02386/08, (Relator José Correia) que sustenta que as circulares administrativas em matéria tributária têm valor simplesmente administrativo, vinculando apenas os órgãos da Administração fiscal mas sem nenhum carácter normativo directo para os contribuintes ou para os tribunais;

c. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Proc. nº 017417, (Relator Ernani Figueiredo) datado de 16 de Março de 1994 que entende que é relevante como facto aquisitivo a abertura da herança de que beneficiou o titular do ganho obtido com a transmissão onerosa de terreno para construção;

d. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Proc. nº 017839 (Relator Lúcio Barbosa) datado de 8 de Maio de 1996 refere que a partilha tem carácter declarativo e não constitutivo. A sucessão não é um modo de transmissão onerosa de bem. As tornas recebidas por um herdeiro não estão sujeitas a imposto de mais-valias.

e. Acórdão do Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do Proc. nº 021388 (Relator Lúcio Barbosa) de 23 de Setembro de 1998 do qual resulta que os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão. A partilha tem carácter declarativo e não constitutivo. A transmissão dos bens reporta-se ao momento da abertura de sucessão.

f. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 4 de Novembro de 2004, no âmbito do Proc. nº 659/04 (Relator Lúcio Barbosa) que na verdade estamos perante um facto tributário de formação sucessiva, integrado por dois momentos: a aquisição e a transmissão. Na data da aquisição, não havia lugar a imposto de mais valias. Daí que se deva concluir que a venda posterior não pode ter como consequência a sujeição do ganho (mais valia) a imposto. Sob pena de aplicação retroactiva da lei. O que no caso não é caso consentido.”

g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 21 de Abril de 2009, no âmbito do Proc. nº 09A0635, (Relator Azevedo Ramos) que refere a comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. Da aceitação sucessória apenas decorre directamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. Ou seja até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fracção ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fracção seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança.

XVIII. Em suma, existe uma jurisprudência, nomeadamente do Acórdão fundamento, que vai no sentido que a retroactividade da partilha abrange todos os bens atribuídos ao herdeiro e não apenas parte deles;

XIX. Deve assim ser proferido um douto Acórdão que, declarando serem aplicáveis o disposto da Circular nº 21/92, da Autoridade Tributária, datada de 19 de Outubro de 1992, em face do disposto no art.º 68º-A da LGT e do art.º 55º nº 2 do CPPT e dos arts. 2031º e 2119º do Código Civil, concedendo provimento ao presente recurso e anulando o Acórdão recorrido.



1.2. A Fazenda Pública, ora Recorrida, não apresentou contra-alegações.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que não devia conhecer-se do objecto do recurso, tendo em conta a inexistência de antagonismo relevante de soluções sobre as duas questões fundamentais de direito enunciadas pelos recorrentes, pressuposto indispensável para a apreciação do mérito do recurso com fundamento em oposição de acórdãos.


2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:

a. Em 24 de Setembro de 1982 faleceu C…………, pai do ora impugnante A………… — Cfr. documento a fls. 26 a 33.

b. Por escritura de partilha outorgada em 26 de Novembro de 2001, ao impugnante foi adjudicado, para preenchimento do seu quinhão hereditário, 1/6 indiviso do prédio rústico denominado “………”, sito em Arneiro, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 9205, inscrito na matriz sob o artigo 1885, correspondente a 4.045$00, pelo que deu de tornas o valor superior ao seu direito, na quantia de 2.528$00, a D………… — Cfr. documento a fls. 26 a 33.

c. Pela apresentação 61, de 13 de Dezembro de 2001, foi efectuado o registo da aquisição, com fundamento na partilha por morte, de 1/2 do prédio rústico denominado “………”, sito em Arneiro, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº 9205, inscrito na matriz sob o artigo 1885, a favor de E…………, A………… e F………… — Cfr. documento a fls. 24 e 25, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido e documento a fls. 26 a 33.

d. Em 28 de Junho de 2006, o impugnante, e demais comproprietários, venderam o imóvel referido na alínea antecedente, pelo preço de € 1.500.000,00 — Cfr. documento a fls. 14 a 23, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

e. A AT procedeu a correcções aritméticas em sede de IRS do ano de 2006, no valor de € 78.118,00, corrigindo o rendimento colectável para € 168.042,92 - Cfr. informação a fls. 55 do PAT, acordo.

f. Em 26 de Novembro de 2010 foi efetuada a liquidação de IRS do ano de 2006 com o nº 2010.5005077602, da qual resultou o valor a pagar de € 35.238,12 — Cfr. documento a fls. 48 e 49 do PAT.

g. Na sequência de Reclamação Graciosa deduzida pelos Impugnantes, em 28 de Fevereiro de 2011, foi proferido despacho pelo Chefe de Finanças Adjunto do Serviço de Finanças de Oeiras 2, indeferindo a mesma — Cfr. documento a fls. 60 do PAT.

h. O indeferimento referido em g) fundamentou-se em informação prestada pelos serviços da qual se destaca o seguinte: “(...) o reclamante, em 2001, adquiriu 1/6 do bem imóvel em apreço, pelo qual pagou sisa de tornas, que se traduz num negócio de alienação/aquisição de um direito real de um bem ou parte dele, consideradas para as quem recebe, como um ganho eventualmente sujeitas a tributação em sede de IRS, bem como serão sujeitas relativamente a quem as paga. Conclui-se, assim, que o reclamante adquiriu a sua parte em dois momentos diferentes, a saber: * 1/16 avos em Outubro de 1982, por óbito de seu pai, que não estão sujeitos a tributação, por força do nº 1 do art.º 5 do D.L. nº 44288; * 1/6 em Novembro de 2001, está sujeita a tributação em sede de IRS por ter sido adquirida à sua mãe, após a entrada em vigor do Código de IRS (...)” — Cfr. documento a fls. 56 do PAT.

i. Os impugnantes prestaram garantia bancária por forma a obter a suspensão do processo executivo nº 3654.2011.01004107 — Cfr. documentos a fls. 35 e 97, os quais se dão, aqui, por integralmente reproduzidos.

j. Em 13 de Dezembro de 2012 os impugnantes prestaram caução, no valor de € 763,69, no âmbito do PEF nº 3654.2011.01004107 — Cfr. documento a fls. 79.



3. No acórdão fundamento consta como provada a seguinte matéria de facto:

1 Por escritura outorgada a 10/04/1989 procedeu-se à partilha por óbito da mãe da impugnante, ocorrido em 10/12/1985, tendo-lhe sido adjudicado o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da Meadela, concelho de Viana do Castelo, sob o artigo 1336.

2 Porque o seu quinhão hereditário era de 1/8, excedeu esse quinhão em 7/8, tendo pago tornas aos demais herdeiros.

3 Por escritura de compra e venda outorgada a 3/06/2003, a impugnante vendeu o referido imóvel.

4 Não obstante a escritura de partilhas ter sido outorgada depois da entrada em vigor do CIRS, não declarou aquela venda como mais-valias.

5 A impugnante apresentou no prazo legal a sua declaração de rendimentos do IRS, relativa ao ano de 2003, de que resultou um reembolso no valor de € 1.658,00.

6 Em 30/07/2004 foi notificada pela Direcção de Finanças de Viana do Castelo para exibir os documentos relativos à aquisição do imóvel em causa e, eventualmente, apresentar uma declaração de IRS de substituição.

7 Documentos que apresentou logo de seguida, recusando-se a apresentar uma nova declaração de rendimentos.

8 A Administração Tributária procedeu oficiosamente a uma liquidação adicional de IRS, de que resultou o valor a pagar e ora impugnado.

9 A impugnante tomou conhecimento da mesma em 12/12/2007, através de consulta ao sistema informático do IRS.

10 Na sequência deste conhecimento, e por discordar daquela liquidação adicional, a ora impugnante reclamou graciosamente em 16/01/2008.

11 Reclamação que foi deferida quanto aos juros compensatórios e indeferida quanto ao imposto.

12 A circular 21/92 de 09-10-1992, da Direcção Geral dos Impostos, relativa aos artigos 5º do DL 442-A/88 de 30-11 e 10º do CIRS, sancionou o seguinte entendimento: “O momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal”.

13 Através do ofício nº 14913, de 29/07/2008, a D.s. de IRS da DGCI, comunicou ao Serviço de Finanças de Viana do Castelo, a pedido deste, o seguinte entendimento: “Outrossim tudo o que o herdeiro adquirir para além da sua quota ideal na herança com o pagamento das respectivas tornas, e porque o pagamento das mesmas consubstancia, em verdade, um negócio de alienação do direito real a um bem ou parte dele, ter-se-á de considerar como data de aquisição do excedente a do facto jurídico que legitima esse negócio, equiparando-se, assim, a escritura de partilhas a um contrato de compra e venda e as respectivas tornas ao correspondente valor de aquisição.

4. O presente recurso tem por base a oposição do acórdão que o TCA Sul proferiu em 24/09/2015, no proc. nº 07881/14 (acórdão recorrido) com o acórdão que o STA proferiu em 17/10/2012, no proc. nº 0583/12 (acórdão fundamento), sendo duas as questões que, segundo os recorrentes, terão sido decididas de forma antagónica e que pretendem que o STA resolva enquanto conflito de jurisprudência:

§ para efeitos de tributação em sede de IRS [mais-valias – art.º 10º do CIRS] e de exclusão de tributação por via do regime transitório contido no art.º 5º do DL nº 442-A/88, de 30.11, e perante uma situação de quinhão hereditário que em acto de partilha é preenchido com imóveis que excedam esse quinhão, deve considerar-se que tais imóveis foram adquiridos na data da abertura da herança ou que foram adquiridos na data da escritura de partilha.

§ qual a consequência jurídica da prática de acto de liquidação de imposto com violação de entendimento expresso em circular administrativa.

Importa, antes de mais, apreciar se ocorre a invocada oposição de acórdãos, tendo por exclusiva referência o individualizado acórdão fundamento.

Estando em causa um recurso por oposição de acórdãos interposto em processo tributário instaurado após a entrada em vigor do ETAF de 2002, o seu conhecimento depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (a) que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito; (b) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

E como reiteradamente tem sido explicado pelo Pleno desta Secção, quanto à caracterização da questão fundamental de direito sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os seguintes critérios: (i) identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas; (ii) que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) que se tenha perfilhado solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral.

Vejamos, então, se no caso em análise ocorrem os enunciados requisitos legais.

Segundo a posição adoptada no acórdão recorrido, o imóvel adquirido pelos recorridos por força do preenchimento do seu quinhão hereditário através de acto de partilha, ocorrido em 2001, deve considerar-se uma aquisição a título oneroso na parte em que esse quinhão é excedido através da adjudicação de bens de valor superior, ocorrendo tal aquisição onerosa no momento da partilha. Razão por que foi concedido provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública e revogada a sentença que professara entendimento contrário, isto é, que professara o entendimento de que o facto aquisitivo ocorre logo no momento da abertura da herança mesmo quando na partilha são adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da quota hereditária.

Como se deixou mencionado no acórdão recorrido, na parte que excede a quota hereditária, o herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realiza uma aquisição a título oneroso. «Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte, a qual reveste a natureza de uma verdadeira compra e venda, assim não reportando os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão e antes se devendo ter por concretizada a aquisição da respectiva propriedade no momento da celebração do contrato, no caso concreto a escritura de partilha lavrada em 3/2/1995 (cfr. artigos 408 e 1317, alínea a), do C.Civil)». Razão por que se conclui que, nos termos do art.º 5º nº 1 do DL nº 442-A/88, a alienação do bem está, nessa parte, sujeita a tributação das mais-valias à luz do regime previsto no CIRS, não logrando uma circular interpretativa afastar o regime que decorre do direito vigente, para o qual só releva o preenchimento do tipo legal e que, no caso, encontra previsão no art.º 10º do CIRS.

Como nele se deixou consignado, «(…) A partilha da herança gera a cessação do estado de indivisão hereditária (contitularidade) e de materialização dos bens de cada quinhão hereditário, retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão (cfr. art.º 2119º do C.Civil), assim se evitando quaisquer hiatos na titularidade das relações jurídicas que são objecto da sucessão. Juridicamente, tudo se passa como se cada um dos herdeiros fosse, desde a morte do de cuius, titular único dos direitos da sucessão hereditária, no que se refere aos bens corporizados na partilha. (…)
No entanto, em tudo o que exceder a quota ideal que ao herdeiro pertence em virtude de concorrer à herança, o mesmo herdeiro não adquire por efeito da sucessão, antes realizando uma verdadeira aquisição a título oneroso, uma autêntica compra, sendo que, recaindo sobre bens imóveis pode sobre a mesma incidir imposto. (…)
Esta diferença, sujeita a tornas, é suficiente para concretizar a onerosidade da transmissão nesta parte, a qual reveste a natureza de uma verdadeira compra e venda, assim não reportando os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão e antes se devendo ter por concretizada a aquisição da respectiva propriedade no momento da celebração do contrato, no caso concreto a escritura de partilha lavrada em 3/2/1995 (cfr. artigos 408º e 1317º, alínea a), do C.Civil)”.
Do acima exposto decorre que a parte do imóvel adquirido pelos recorridos por via do contrato de partilha de 2001, na parte que excede o quinhão hereditário, deve considerar-se objecto de aquisição a título oneroso, no momento da celebração da partilha. O que significa que, nos termos do 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, a alienação do bem, nessa parte, está sujeita a tributação das mais-valias, a luz do regime consignado no CIRS.
Mais se refere que a invocação da circular interpretativa não logra afastar o regime que decorre do direito vigente, para o qual releva o preenchimento, in casu, do tipo legal (artigo 10.º do CIRS). // A sentença recorrida ao julgar em sentido discrepante, deve ser revogada (…)».


Já no que toca ao acórdão fundamento, constata-se que ele foi igualmente proferido no âmbito de recurso interposto pela Fazenda Pública de sentença que julgara procedente a impugnação e anulara a liquidação de IRS com dois distintos e autónomos fundamentos, ambos susceptíveis de conduzir a essa anulação: por um lado, julgara-se que o momento de aquisição dos bens por sucessão mortis causa era o da abertura da herança, ainda que na partilha fossem adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da quota ideal, e, por outro lado, julgara-se que a administração tributária estava vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis. Razão por que foi negado provimento ao recurso com base, exclusivamente, no facto de a recorrente ter ignorado um dos fundamentos determinantes da procedência da impugnação e, assim, ter votado o recurso ao insucesso.
Com efeito, julgou-se, no aludido acórdão, o seguinte:
«Vejamos.
A recorrente, nas suas alegações de recurso e respectivas conclusões, não ataca, expressa ou implicitamente, um - e o primeiro - dos fundamento da sentença recorrida, a saber, o facto de constar da circular nº 21/92 de 19 de Outubro da Direcção de Serviços de IRS o entendimento segundo o qual, para efeitos de “Mais-Valias: Bens adquiridos em acto de divisão ou partilha; Artigo 5º do Dec. Lei nº 442/88, de 30-11; Artigo 10º do CIRS” (cfr. o título da referida circular), ter sido sancionado que: «O momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal».
Ora, fundamentando-se o decidido no facto de o entendimento favorável à pretensão da impugnante constar de circular da DGCI e, bem assim, na valia intrínseca deste entendimento, a recorrente, ao ignorar no seu recurso a existência da referida circular e bem assim as concretas razões que levaram o julgador a decidir como decidiu, condena irremediavelmente o seu recurso ao insucesso.
É que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações respectivas e não sendo atacado um dos fundamentos da decisão – por si mesmo suficiente para justificar a procedência da impugnação em razão da ilegalidade da liquidação sindicada em face do disposto na (então vigente) alínea b) do nº 4 do artigo 68º da Lei Geral Tributária (e hoje do nº 1 do artigo 68º-A da mesma Lei) – a apreciação do mérito do recurso transformar-se-ia na prática de um acto inútil, e como tal proibido por lei, pois que o efeito jurídico com ele pretendido - a revogação da sentença recorrida - nunca seria juridicamente alcançável, pois que incólume ficaria sempre o primeiro dos fundamentos da sentença (neste sentido, cfr. o Acórdão deste Supremo Tribunal de 14 de Outubro de 2009, rec. nº 0492/09).
Ora, do teor das conclusões (e bem assim das alegações de recurso) não é possível extrair a mínima censura à sentença recorrida no segmento em que julga a Administração Tributária vinculada ao teor das circulares que emite sobre o entendimento das normas tributárias aplicáveis, sendo certo que tal vinculação decorre de forma expressa e inequívoca do disposto no artigo 68º, nº 4, alínea b) da LGT (actual 68º-A nº 1 da LGT) e constitui uma decorrência necessária dos princípios da boa-fé e da igualdade, que presidem ao exercício da actividade administrativa (artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República).
Pelo exposto, há-de concluir-se que o recurso não merece provimento.».

Donde decorre, à saciedade, que inexiste antagonismo relevante entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, na medida em que neste não foi emitida qualquer pronúncia, expressa ou explícita, sobre as questões que os recorrentes colocam neste recurso por oposição de acórdãos.

Com efeito, o acórdão fundamento não se pronunciou nem sobre a primeira supra enunciada questão (de saber se o momento relevante para a aquisição do bem vendido é o da abertura da sucessão ou o da escritura de partilha), nem sobre a segunda questão (de saber qual a consequência jurídica da prática de acto de liquidação com violação de entendimento expresso em circular administrativa). Não se pronunciou, sequer, sobre a valia ou bondade da decisão proferida em 1ª instância.

Não há, pois, oposição entre os dois arestos susceptível de ser dirimida mediante o presente recurso fundado em oposição de acórdãos, pelo que este deve ser considerado findo, em conformidade com o disposto no nº 5 do art.º 284º do CPPT.


4. Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 22 de Novembro de 2017. - Dulce Manuel da Conceição Neto (relatora) - Joaquim Casimiro Gonçalves - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.