Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01025/11.6BESNT
Data do Acordão:02/04/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
SINAL
PASSEIO PÚBLICO
DEVER DE VIGILÂNCIA
DEVER DE SINALIZAÇÃO
Sumário:A «sociedade» proprietária de terreno onde se encontram implantados dois postes de sustentação de placa metálica de pré-sinalização de trânsito colocada e pertencente à então «Estradas de Portugal», não poderá ser responsabilizada pelos danos causados a um peão que embateu com a face na parte dessa placa que se estendia, baixa, para a via pública, pois sobre ela não recaía dever de vigilância nem de sinalização.
Nº Convencional:JSTA000P27146
Nº do Documento:SA12021020401025/11
Data de Entrada:11/18/2020
Recorrente:A..............................S.A
Recorrido 1:B............ (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A…………………………, S.A. - identificada nos autos - interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 14.05.2020, que, concedendo parcial provimento ao recurso de apelação - apresentado por EP-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. [actual INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.] -, revogou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [TAF] na parte em que a absolveu do pedido formulado nesta «acção administrativa comum» [AAC] por B………… contra a ESTRADAS DE PORTUGAL, e na qual participa como interveniente acessória.

Conclui as suas alegações de revista formulando as seguintes conclusões:

1- A recorrente - independentemente do «juízo de admissibilidade» do recurso a proferir nos termos do nº6 do artigo 150º do CPTA - nunca poderia, em sua consciência, deixar de impugnar uma decisão - a proferida pelo TCAS - que lhe causa incredulidade e estupefacção e que considera violadora, não só da lei, mas dos mais básicos princípios de equidade e justiça;

2- A decisão ora recorrida revoga a sentença na parte em que absolve do pedido a interveniente acessória A…………… , concluindo que são ambas responsáveis - recorrente ESTRADAS DE PORTUGAL e recorrida A…………. - pelos danos causados ao recorrido B…………., sendo de aplicar o artigo 497º, do CC;

3- Face ao preceituado no artigo 631º, nº 2, do CPC, tem a ora recorrente legitimidade para recorrer. Com efeito, essa norma legal atribui legitimidade para recorrer às pessoas directa e efectivamente prejudicadas pela decisão […] ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias;

4- Nos termos do nº1 do artigo 150º do CPTA das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

5- No caso em apreço, verifica-se o preenchimento dos conceitos de relevância social e melhor aplicação do direito de acordo com a densificação que dos mesmos vem fazendo a jurisprudência do STA;

6- A necessidade de uma melhor aplicação do direito pode resultar da circunstância do acórdão recorrido contrariar a orientação uniforme do STA, mas também de todos os demais tribunais superiores, conforme sustentado nos seguintes acórdãos do STA: a) Acórdão de 11.03.2009, sumariado nos seguintes termos É de admitir o recurso de revista excepcional em situação na qual o acórdão recorrido decidiu em desconformidade com a orientação uniforme de jurisprudência deste STA, nomeadamente da resultante de acórdãos proferidos em apreciação de recursos de revista excepcional; b) Acórdão de 17.09.2014, sumariado nos seguintes termos Com vista a uma melhor aplicação do direito ao caso concreto é de admitir o recurso excepcional de revista de decisão do TCA, em sentido contrário a jurisprudência consolidada do STA; c) Acórdão de 07.06.2016, onde se pode ler: É de admitir a revista excepcional se o acórdão recorrido apreciou acção de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa seguindo entendimento diverso do que tem vindo a ser consagrado no Supremo Tribunal Administrativo;

7- No caso em apreço, a posição assumida no acórdão recorrido vai não só contra a posição firmada pelo STA, mas também por todos os demais tribunais superiores no que diz respeito à aplicação da presunção prevista no nº1 do artigo 493º do CC;

8- O acórdão recorrido entende erradamente que a presunção de culpa prevista no nº1 do artigo 493º do CC é aplicável à ora recorrente, violando de forma clara e grosseira a citada disposição legal, bem como o artigo 350º do CC;

9- A posse da coisa não permite afirmar a obrigação de vigilância do seu detentor, contrariamente ao que se infere do acórdão recorrido [a folha 49], onde se afirma que a presunção de culpa [e ilicitude] prevista no nº1 do artigo 493º, do CC, aqui aplicável à RECORRIDA A……………pois este impende, em regra, sobre o proprietário, mas também sobre quem está obrigado à vigilância da coisa [que pode não ser o proprietário, mas quem detenha o poder de facto sobre a mesma e esteja obrigado a vigiá-la];

10- É precisamente neste segmento da «aplicabilidade da presunção do nº1 do artigo 493º do CC», isto é, da aplicabilidade da presunção a quem não tem qualquer dever de vigiar a coisa que causou o dano, que reside o erro ostensivo e manifesto do acórdão recorrido;

11- O facto da placa dos autos se encontrar, uma parte para o lado de dentro das instalações da A………………… e outra parte em cima do passeio, e aliás contra a vontade da recorrente [que solicitou a sua retirada] e por culpa exclusiva da demandada ESTRADAS DE PORTUGAL [que não retirou a placa], não permite afirmar o dever de guarda ou vigilância sobre a placa a cargo da recorrente;

12- A «presunção legal», do artigo 493º, incide sobre quem: 1) esteja obrigado a vigiar a coisa; 2) tenha poder de disposição sobre a mesma;

13- Dos factos provados não resulta qualquer «dever de vigilância» relativamente à placa por parte da ora recorrente. Da lei também não resulta qualquer «dever de vigilância» relativamente à placa por parte da A……………

14- O TCAS, em momento algum do acórdão recorrido, alicerça o «dever de vigilância» da recorrente;

15- Sabemos que o «dever de vigilância» da ré ESTRADAS DE PORTUGAL decorre do disposto no nº3 do artigo 10º da Lei nº67/2007, de 31.12, mas não se descortina onde se alicerça o «dever de vigilância» da ora recorrente, susceptível de fazer operar a presunção legal do nº1 do artigo 493º do CC em desfavor da mesma, invertendo o ónus da prova;

16- Para que possa funcionar a presunção de culpa estabelecida no artigo 493º nº1 do CC, antes de mais é necessária a prova da base da presunção, prova que incumbe ao impetrante da indemnização;

17- A base da presunção engloba factos pelos quais se há-de demonstrar que: a) O alegado responsável tem em seu poder determinada coisa; b) O alegado responsável tem o dever de vigiar essa coisa; c) Essa coisa causou danos ao impetrante da indemnização;

18- Não se provando que a recorrente «estava obrigada a vigiar» a coisa, não pode a mesma ser onerada com a inversão do ónus da prova decorrente da presunção estabelecida no nº1 do artigo 493º do CC;

19- A posição assumida no acórdão relativamente à aplicabilidade do nº1 do artigo 493º do CC vai, não só contra a orientação uniforme do STA, mas vai também contra a orientação uniforme de todos os tribunais superiores, expressa designadamente nas seguintes decisões:

a) AC do STA de 26.03.2009 [processo nº01094/08] onde se pode ler: «Por outro lado, conforme ponderou o acórdão deste STA de 09.05.2002, no processo nº48301: o facto ilícito assume-se como o elemento desencadeador da operacionalidade da presunção da culpa; por outras palavras, só é admissível colocar a questão da presunção da culpa in vigilando depois de estar demonstrado que o agente, por acção ou omissão, praticou um acto ilícito, isto é, um acto violador de direitos de terceiro, em que o objecto cuja vigilância lhe coubesse tenha tido uma intervenção ilícita relevante; a este cabe demonstrar que nenhuma culpa teve no desencadear do sinistro, ilidindo a presunção contra si estabelecida, mas àquele cabe, previamente, demonstrar a prática de tal acto. Não ficou demonstrada a base da presunção da culpa da ora recorrente, que se traduziria na violação, por acção ou omissão, do respectivo dever de vigilâncias e conservação/manutenção;

b) AC do STA de 09.03.2006 [processo nº837/03] e de 02.04.2008 [processo nº958/07], citados no acórdão referido;

c)AC da RP de 01.07.2019 [processo 19413/18.5T8PRT.P1] onde se pode ler «na presunção de ilicitude e de culpa ali consagrada, o proprietário ou o obrigado à vigilância da coisa [que pode não ser o proprietário, mas quem detenha o poder de facto sobre a mesma], responde pelos danos causados ao lesado pela coisa»;

d) AC da RE de 11.01.2018 [processo 611/13.4TBABF.E1], onde se pode ler «A responsabilidade civil especial, prevista no artigo 493º, nº1, do CC, designadamente quanto aos danos causados por coisas, móveis ou imóveis, assente numa presunção de culpa, cabe a quem tiver em seu poder a coisa, com o dever de a vigiar, assentando na ideia de que não foram tomadas as medidas de precaução necessárias para evitar o dano […] estabelece-se neste artigo… a inversão do ónus da prova, ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais ou exerce uma actividade perigosa… estabelece-se uma importante restrição à responsabilidade. Ela só existe se a pessoa que tem em seu poder a coisa móvel ou imóvel […] está obrigada a vigiá-la. Pode tratar-se do proprietário da coisa ou animal; mas não tem necessariamente de ser o proprietário, …. É a pessoa que tem as coisas ou animais à sua guarda quem deve tomar todas as providências indispensáveis para evitar a lesão»;

e) AC da RL de 28.02.2019 [processo 18/17.4T8CSC.L1-6] e do STJ de 17.06.2004 [processo 1775/03] onde consta: «O funcionamento da presunção estabelecida no artigo 493º, nº1 do CC tem como pressuposto o dever de vigilância da coisa por parte de quem a tem em seu poder com o dever de a vigiar. Assim, por força deste preceito à autora bastaria provar que a causa dos danos que sofreu teve origem em coisa sobre a qual o réu estava adstrito a um dever de vigilância, e que sucedeu a violação desse dever de vigilância. É, assim, pressuposto de aplicação da norma em análise que os danos tenham sido causados pela coisa sob vigilância […] Apenas ao detentor da coisa, que tem o encargo de a vigiar, é exigível que tome as medidas adequadas a evitar o dano […] ela [a responsabilidade] só existe se a pessoa que tem em seu poder o imóvel […] está obrigada a vigiá-la»;

f) AC da RC de 11.09.2007 [processo 496/2002.C1] onde se refere «Para que possa funcionar a presunção de culpa estabelecida no artigo 493º nº1 do CC, antes de mais é necessária a prova da base da presunção, prova que incumbe ao impetrante da indemnização; 2. A base da presunção engloba factos pelos quais se há-de demonstrar que: a) O alegado responsável tem em seu poder determinada coisa; b) O alegado responsável tem o dever de vigiar essa coisa; c) Essa coisa causou danos ao impetrante da indemnização. […]»;

g) AC do STJ de 10.11.2016 [processo 472/10.5TBFAF.G1.S2], onde se diz: «I- A responsabilidade civil especial, prevista no artigo 493º, nº1, do CC, designadamente quanto aos danos causados por coisas, móveis ou imóveis, assente numa presunção de culpa, cabe a quem tiver em seu poder a coisa, com o dever de a vigiar. II- A simples entrega do andar à empreiteira, nomeadamente para acesso e realização de obras, não tem por efeito transferir do proprietário o dever de vigilância. III- Assim, a responsabilidade civil, pelos danos causados por inundação provinda de andar, não sendo ilidida a presunção de culpa, recai sobre o proprietário do andar»;

20- O que a decisão do TCAS vem afirmar é algo de tão bizarro quanto isto: O proprietário de um terreno confinante com a via pública é tão responsável como a entidade pública pelo acidente [i] ocorrido na via pública; [ii] causado por um sinal de trânsito [coisa] de que a entidade pública é proprietária; [iii] que a entidade pública implantou no local [via pública]; [iv] que a entidade pública tinha a obrigação de remover; [v] cuja remoção lhe foi solicitada pelo particular. Tudo isto apenas, porque contra a vontade do particular, e abusivamente, o sinal de trânsito ocupava alguns centímetros da sua propriedade e este não «sinalizou o perigo»;

21- Se um tal raciocínio é válido, e porque à luz da lei e do princípio da igualdade, consagrado na mesma, as entidades públicas e privadas merecem igual tratamento, então o seu inverso também seria verdade;

22- Transpondo esse raciocínio expresso, teríamos que o contratante público seria tão responsável como o proprietário de um terreno confinante, pelo acidente [i] ocorrido no terreno do proprietário privado; [ii] causado por um qualquer objecto de que o proprietário privado fosse titular; [iii] que se encontrasse implantado na sua propriedade; [iv] que tivesse obrigação de remover; [v] cuja remoção lhe tivesse sido solicitado pela entidade publica, porque ocupava parte da via pública;

23- Aplicando também generalizadamente o raciocínio expresso no acórdão, porque a situação em apreço se presta a uma aplicação massificada atendendo ao número de sinais de trânsito existentes no país, teríamos que [i] as entidades privadas presumir-se-iam responsáveis [por aplicação do artigo 493º nº1 do CC] pelos acidentes ocorridos na via pública por objectos colocados na mesma pelas entidades públicas, que estas tivessem obrigação de remover, e cuja remoção tivesse sido solicitada, pelo simples facto dos objectos ocuparem abusivamente parte do terreno dos privados; [ii] as entidades públicas presumir-se-iam responsáveis [por aplicação do artigo 493º nº1 do CC] pelos acidentes ocorridos em terrenos privados, por objectos colocados nos mesmos pelos privados e que estes tivessem obrigação de remover pelo simples facto dos objectos ocuparem abusivamente parte da via pública;

24- Face à decisão de que ora se recorre, impõe-se a «admissão do recurso excepcional de revista» e sua «revogação».

Termina pedindo que a «revista» seja admitida e julgada procedente, «revogando-se o acórdão recorrido».

2. A INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

1- A presente revista, instaurada pela A………...., não tem fundamento para sua admissão a julgamento, por não envolver questão relevante do ponto de vista jurídico ou social;

2- A causa incide sobre caso específico, não abrangendo uma enormidade possível de situações, o direito foi aplicado pelo modo como pacificamente tem vindo a ser em casos similares de «culpa in vigilando» de coisas pelos seus detentores;

3- Ao detentor de uma coisa cabe responder pelos danos que ela causar - artigo 493º, nº1 do CC;

4- A ora recorrente de revista, A…………….. comprovadamente, nas instâncias, era a detentora da coisa dos autos que estava implantada na sua propriedade;

5- A coisa, que era um «pré-aviso na forma de placa», constituída por um painel, 2 suportes, 2 prumos, estava, integralmente, cravada na propriedade da ora recorrente;

6- A ora recorrente tinha o integral, exclusivo e diário acesso à coisa dos autos;

7- Apenas 1/3, ou mesmo menos, da superfície do painel da coisa colocada na propriedade da recorrente, estava virada para o passeio construído no local das instalações da ora recorrente;

8- A interveniente, A…………… como apurado na instância, poderia ter assinalado a existência do painel, se não mesmo retirá-lo da zona de circulação pedonal;

9- A matéria de facto ficou definida nas instâncias - TAF de Sintra e TCAS - e apurado ficou que não existem dúvidas que a placa estava situada na propriedade da recorrente A……………

10- O TCAS aplicou correctamente a lei como se verifica do extracto decisório que se transcreve:

«…Mas também a RECORRIDA A…………. que na mesma data em que avisou a RECORRENTE da situação que existia numa das extremas da sua propriedade e consciente da situação de perigo que a mesma implicava, nada fez para sinalizar tal perigo até que a placa fosse retirada pela RECORRENTE, retirada essa que só veio a ocorrer depois do acidente [ver facto 42].

Na verdade, na ausência de prova de factos que afastem a presunção de culpa [e ilicitude] prevista no nº1 do artigo 493º, do CC, aqui aplicável à RECORRIDA A .........., pois este impende, em regra, sobre o proprietário, mas também sobre quem está obrigado à vigilância da coisa [que pode não ser o proprietário, mas quem detenha o poder de facto sobre a mesma e esteja obrigado a vigiá-la], responde pelos danos causados ao lesado pela coisa, pois que, em tal hipótese, concorrem todos os pressupostos da responsabilidade aquiliana, ou seja, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano sobrevindo.

Ora, dúvidas não há que a placa de pré-sinalização que foi causa do acidente, embora seja propriedade da RECORRENTE, estava situada na propriedade da RECORRIDA A……………., pelo que, a ambas caberia ter agido em tempo oportuno - se não antes, pelo menos em 2009 [factos 35 e 36] - não o tendo feito, agiram com culpa, a primeira, por não ter retirado/substituído a placa e/ou sinalizado o perigo - não tendo ilidido a presunção que decorre do nº3 do artigo 10º da Lei nº67/2007; e a segunda, por não ter sinalizado o perigo, pois, enquanto proprietária do terreno no qual estava implantada a placa de pré-sinalização, que se atravessava no passeio, era quem estava em melhores condições de o fazer - não tendo ilidido a presunção que decorre do artigo 493º, nº1, do CC. Na verdade, duas actuações se podiam prever da parte da RECORRIDA A…………… a que concretizou, solicitando a remoção da placa à RECORRENTE ESTRADAS DE PORTUGAL, enquanto proprietária da mesma [factos 35 e 36], e a que não concretizou, ao não sinalizar o perigo que resultava da localização de uma placa no seu terreno que se alongava para o passeio e que colocava notoriamente em perigo os peões, designadamente, seus clientes.

Em virtude do que, conclui-se que são ambas responsáveis, RECORRENTE ESTRADAS DE PORTUGAL e RECORRIDA A…………… pelos danos causados ao RECORRIDO B……………, sendo de aplicar o artigo 497º, do CC, não podendo manter-se, quanto à absolvição do pedido da RECORRIDA A………… a sentença recorrida»;

11- Não sem que a recorrida, INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, não deixe de referir que foi a actuação construtiva da recorrente, A…………….. ao edificar as suas instalações e implantar a vedação das mesmas, que fez com que a referida placa passasse a ficar totalmente dentro da sua propriedade em termos de prumos/estacas, suportes, painel em 2/3 da sua dimensão;

12- Não merece qualquer espécie de censura o acórdão do TCAS, proferido em 14.05.2020;

13- A A…………….. era, de facto, a detentora da coisa do processo e sobre o detentor da coisa móvel aplica-se o artigo 493º do Código Civil.

Termina pedindo a «não admissão» do recurso de revista e, se o for, lhe seja «negado provimento».

3. E também o autor da AAC – B…………. - contra-alegou, concluindo deste modo:

1- Em nossa opinião, o TAF de Sintra interpretou correctamente os factos levados ao seu conhecimento, proferindo a decisão de «absolver a interveniente A ............ …………….., S.A., dos pedidos formulados»;

2- A decisão proferida pelo TCAS que «revoga a sentença recorrida na parte em que absolveu do pedido a interveniente acessória A………. », concluindo que «são ambas responsáveis, recorrente Estradas de Portugal e recorrida A....................., pelos danos causados ao recorrido B………..., sendo de aplicar o artigo 497º do CC», merece a nossa censura;

3- A nosso ver, quem deve arcar com a responsabilidade pelo pagamento dos danos não patrimoniais e consequentemente ser condenada na totalidade do pedido formulado é a recorrida, Estradas de Portugal, S.A. que deu causa ao sinistro;

4- Facto incontornável é que o maior prejudicado com o protelar da decisão é o autor, ora recorrido, B…………., razão pela qual em nosso humilde entendimento deverá a parte vencida a final, ser condenada a pagar os danos não patrimoniais e os juros de mora à taxa legal a contar da decisão de 1ª instância;

Termina pedindo que a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância seja mantida, e, em consequência, seja a ESTRADAS DE PORTUGAL, ou então, ambas as rés, condenadas a pagar capital e juros de mora a contar da decisão proferida na 1ª instância.

4. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal - «Formação» a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA.

5. O Ministério Público não emitiu qualquer pronúncia - artigo 146º, nº1, do CPTA.

6. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêem das instâncias:

1- O autor – B…………….- reside na praceta ………. nº.., …. C, em Sintra;

2- A ré - EP-Estradas de Portugal, SA - tem sede na Praça da portagem, em Almada;

3- No dia 04.02.2010, cerca das 12H00, o autor saiu das instalações da A………… - sitas na Estrada nº249, São Carlos, Mem Martins, ao km 14,500, em Sintra - e seguiu, a pé, no sentido nascente/poente, pelo passeio dos peões, que ladeia aquelas instalações, em direcção à rotunda que se situa um pouco mais à frente;

4- Nesse dia 04.02.2010 e hora, no local caía uma chuva miudinha, puxada a vento;

5- Nessa ocasião e lugar, a referida Estrada nº249 - São Carlos, Mem Martins, ao km 14,500, em Sintra - era da jurisdição da ré - EP-Estradas de Portugal, SA;

6- Naquela ocasião, na dita Estrada nº249 - ao referido km 14,500 - a ré possuía a «placa metálica de sinalização de trânsito» - representada nas fotos de folhas 16, 17, 62, 63, e ainda nas fotos de folhas 219 e 220, bem como folhas 15 e 16, do PA anexo - colocada em parte sobre o passeio destinado aos peões, no qual caminhava o autor;

7- A referida «placa metálica de sinalização de trânsito» foi ali colocada, sob jurisdição da ré, aquando da construção do IC-19 e respectivos ramais de acesso, nos anos 90;

8- No referido dia 04.02.2010, cerca das 12H00, quando, como supra referido, o autor seguia, a pé, no sentido nascente/poente, caminhando pelo passeio, o mesmo embateu com a cara - face esquerda e sobretudo com a vista esquerda - na dita «placa de sinalização», que se encontrava em cima do passeio conforme a representação fotográfica referida [facto 6];

9- No referido dia, hora e local, essa placa encontrava-se com uma parte para o lado de dentro das instalações da A…………… e outra parte em cima do passeio - conforme representação fotográfica já referida [facto 6];

10- Por via desse embate na placa de sinalização, o autor sofreu escoriações nomeadamente na cara [sobrolho], no nariz e em particular na vista esquerda, ficando a sangrar da cana do nariz;

11- Perante os referidos ferimentos, o autor voltou, de novo, às instalações da A……….. onde lhe foi prestado apoio pelo empregado, mas não foi chamada uma ambulância ao local, por, na altura, o autor não prever essa necessidade;

12- No dia 06.02.2010, continuando com dores na vista, e não sentindo «melhoras», o autor deslocou-se ao serviço de urgências do Hospital de Santa Maria [Lisboa], a fim de ser observado;

13- Nesse dia, no Hospital de Santa Maria, o autor fez uma TAC, foi observado em oftalmologia e foi diagnosticado um traumatismo na região frontal, e deslocamento do humor simpático do olho esquerdo, originando alteração da acuidade visual, tendo sido medicado e continuado com tratamentos com vista à sua recuperação;

14- Em 18.02.2010, pelas 11H24, não tendo recuperado, o autor dirigiu à ré o mail de folha 18 [documento 3], contando à mesma o sucedido, as suas lesões e que o responsável pela citada loja da A……………. o informou de que o «sinal de trânsito» era da EP e que já tinha sido pedida a sua remoção, e que o sinal não pertencia à A..................... e que a A..................... não lhe podia mexer;

15- Em 23.02.2010, pelas 09H30, o autor, na sequência do mail supra mencionado, dirigiu à ré novo mail [folha 19 do PA], dando de novo conta do sucedido e solicitando que o informassem «se efectivamente é da vossa responsabilidade a manutenção deste sinal nestas condições»;

16- Em 16.03.2010, pelas 15H44, a ré respondeu ao autor pelo mail nº15058 [folha 19 - documento 4], comunicando, entre o mais, que a anomalia em causa - «painel de sinalização» - se devia ao incumprimento da A………………. do compromisso assumido de mudar o painel após disponibilização do passeio ao tráfego;

17- Em 16.03.2010, na sequência de um telefonema que o autor fez para o programa televisivo da SIC, designado «…………..», a ré dirigiu para …………., da SIC, a comunicação de folha 20 dos autos [documento 5] - dada por reproduzida;

18) A 24.03.2010, às 19H41, o autor dirigiu à ré o mail de folha 22 [documento 6], comunicando- lhe o seu estado de saúde e a necessidade de ser observado por um oftalmologista, solicitando o informação sobre se a ré assume as responsabilidades;

19- O autor nunca obteve resposta da ré ao mail de 24.03.2010, acabado de referir;

20- Em 20.04.2010 - não tendo a situação clínica da vista esquerda melhorado - o autor teve de consultar um oftalmologista, o Dr………….., que o observou e medicou;

21- Em 18.05.2010, o autor foi novamente à consulta daquele especialista - Dr. …………- que de novo o medicou, e, a pedido do autor, elaborou o relatório médico de folha 23 [documento 7], de 20.05.2010, do qual ora se destaca:

«[…] Refere ter sofrido uma contusão acidental no olho esquerdo, resultante de um embate numa placa… No exame objectivo há uma catarata OE, uma rotura radiária da iris esquerda e uma tensão ocular OE extremamente elevada [ou seja um glaucoma traumático]. As lesões observadas e acima descritas coadunam-se com a referida tensão. […]»;

22- Posteriormente, o autor só conseguiu arranjar nova consulta de oftalmologia no Hospital de Santa Maria em Dezembro de 2010, mas continuou a ser seguido, e medicado, pelo médico acabado de referir;

23- O estado clínico da «vista» do autor agravou-se, em consequência do acidente em causa, passando a padecer de catarata traumática e glaucoma, e, a fim de procurar recuperar parte da «visão», foi sujeito a uma intervenção cirúrgica à «vista» esquerda - documento 8 e 9, de folhas 24 a 27 [consultas e proposta de intervenção cirúrgica];

24- O autor foi submetido a intervenção cirurgia na «vista esquerda», realizada nos Serviços de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria [Lisboa], mas não recuperou praticamente nada, ficando apenas com 5% de «visão» - conforme documentos de folhas 26 e seguintes [documentos 9 e seguintes];

25- O autor continua a ser assistido na consulta de oftalmologia devido a problemas derivados do glaucoma que se têm vindo a agravar à medida que o tempo passa [documentos 10 e seguintes, a folhas 28 e seguintes];

26- Em consequência do dito acidente, o autor, até à data da propositura desta acção, efectuou «despesas de natureza médica e medicamentosa» no montante de 720,82€ - documentos 11 a 28, a folhas 29 a 46 - tendo a Segurança Social assumido outros pagamentos, incluindo o pagamento da intervenção cirúrgica, acima referida;

27- Em consequência do acidente, o autor teve de ser visto, tratado, medicado e operado à sua «vista» esquerda, no Hospital de Santa Maria [Lisboa];

28- Em consequência do acidente, o autor perdeu 95% da «visão» da vista esquerda, o que lhe causa inerentes limitações, alguma ansiedade, desgosto e tristeza, e depreciação da respectiva apresentação física;

29- O autor ficou, por isso, afectado na sua condição física e na sua consideração, bem como ficou triste e amargurado, tendo de continuar assim para o resto da sua vida, por não lhe ser possível recuperar mais a «visão» e o referido «glaucoma» da vista se ter vindo a agravar;

30- Em 2003, a então «Direcção de Estradas de Lisboa» licenciou para o local em causa - onde agora se encontram as referidas instalações da A………… a instalação de um edifício destinado a comércio e serviços em nome da firma C…………., Lda. - documento de folhas 11 e 41 do PA anexo;

31- Tal edificação da C………... nunca veio a ocorrer, e, no seu local, vieram a ser construídas, em 2009, as instalações da A....................., beneficiando do alvará de licença de construção passado à C…………;

32- Este «facto» foi «retirado da matéria de facto» por decisão ínsita no acórdão recorrido - [ver página 43 desse acórdão];

33- Este «facto» foi «retirado da matéria de facto» por decisão ínsita no acórdão recorrido - [ver página 43 desse acórdão];

34- Este «facto» foi «retirado da matéria de facto» por decisão ínsita no acórdão recorrido - [ver página 43 desse acórdão];

35- Em 02.06.2009, aquando da construção das instalações da A…………, esta solicitou à ré - através do mail de folha 48-A e foto de folha 49, do PA - em face da informação da Câmara Municipal de Sintra, «a deslocação da placa de sinalização, o mais breve possível» uma vez que se encontrava na «propriedade da A…………, localizada em Mem Martins/ Algueirão - Sintra, junto à EN249-4», indicando os contactos Engenheiro ………….;

36- Em 09.06.2009, a A…………., na qualidade de proprietária do terreno, solicitou de novo à ré «que seja retirada a placa que consta da foto anexa», pelo mail de folha 48 do PA;

37- Em 18.06.2009, a A………….. requereu à ré «o licenciamento da vedação e do acesso ao espaço comercial e prestação de serviços, situados na Estrada Nacional 249 Km 14,5 - S. Pedro de Penaferrim - Sintra», juntando plantas, termo de responsabilidade do projecto, memória descritiva e plantas de folhas 24 e seguintes do PA;

38- A 01.09.2009, a ré dirigiu à A…………. o ofício 99118 - de folha 22 do PA - sobre a legalização de edifício, informando que o mesmo «está em condições de merecer parecer favorável ao abrigo do disposto […]»;

39- Em 29.01.2010, a ré dirigiu à A……………. o ofício DRLSB/075/2010 - de folha 21 do PA anexo - notificando-a de que até então não tinha pago a «taxa relativa à legalização» do edifício;

40- Em 01.03.2010, a A……………. dirigiu à ré o mail de folha 17 do PA - com os comprovativos de pagamento do processo 964LSB090521, com referência DRLSB/439/2009, saída 4982/2010 - informando que fez o pagamento em duplicado, aguardando a regularização do mesmo;

41- Em 16.03.2010, a ré dirigiu à A…………… o ofício saída 14994 - de folhas 6 e 10 do PA - sob o assunto «licenciamento de vedação e acesso» alegando que «relativamente ao assunto em epígrafe e na sequência do processo de regularização dos arranjos exteriores e licenciamento da vedação e acesso à vossa loja de Sintra, foi realizada uma reunião entre o Técnico de Licenciamento desta Delegação Regional e os Senhores ………. e Arquitecto ………… em representação da A....................., na qual foram indicadas as condições de licenciamento do acesso e vedação e ainda a remoção do painel de pré-aviso gráfico ali existente e reinstalação do mesmo em local alternativo como encargo dessa empresa, e isto de modo a permitir a regular construção da vedação.

Verifica-se agora que não foi por Vossas Exas. cumprido este compromisso e mais, foi colocado em serviço o passeio entretanto realizado sem que fossem tomadas as devidas precauções de salvaguarda do trânsito pedonal. Assim sendo, e porque já existem reclamações acerca desta anomalia, consideramos da vossa inteira responsabilidade quaisquer danos decorrentes desta irregularidade.

A ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., substituindo-se ao compromisso do promotor, em 16.03.2010 procedeu à remoção do painel em causa. […]»;

42- Em 16.03.2010, a ré procedeu à remoção do «painel de sinalização» - folha 10 do PA;

43- Em 16.03.2010, a ré dirigiu ao autor o mail de folha 19 [documento 4] e folha 8 do PA, em resposta ao mail de 18.02.2010, informando que «a anomalia em causa se deve a incumprimento do estabelecido entre a EP [...] e a A…………... nos termos do qual aquela firma assumiu compromisso de mudança do painel após a disponibilização do passeio ao tráfego»;

44- No local dos factos, dentro da vedação da A……………, ainda se encontram os dois postes, ou barras metálicas, verticais, de suporte da «placa de sinalização em causa»; e a rede metálica de vedação [das instalações da A…………..] ainda se encontra aberta no sítio por onde se prolongava, para cima do passeio, a parte da placa na qual o autor embateu;

45- A presente acção entrou em juízo em 31.08.2011 - folhas 2 e 3.

E as instâncias deram como «não provado» o seguinte:

A) Que a concessão pela ré à A…………… da «licença de acesso à via rodoviária» tivesse sido efectuada mediante as «condições protocoladas», e que uma das principais obrigações da A………… ao abrigo do protocolo, era a da retirada, do local, do painel dos autos;

B) Que a remoção do painel/placa tenha sido encargo assumido pela A………….

C) Que tivesse sido celebrado qualquer «protocolo», ou acordo, entre a ré e a A………., pelo qual esta tivesse assumido a obrigação de retirar ou mudar de local a placa em causa.

E é tudo quanto ao resultado do «julgamento de facto» efectuado nas instâncias.

II. De Direito

1. O autor da AAC – B……. - «pediu» ao tribunal que condenasse a demandada ESTRADAS DE PORTUGAL [actual INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL] a «pagar-lhe uma indemnização», no valor total de 58.720,82€, por danos patrimoniais e morais resultantes de acidente ocorrido em 04.02.2010, o qual consistiu em ter embatido com a face numa «placa metálica de pré-sinalização de trânsito» que estava colocada, em parte, sobre o passeio pedonal em que ele caminhava e que ladeia as instalações da A......................

Assentou o pedido na «responsabilização civil extracontratual» da entidade demandada - ESTRADAS DE PORTUGAL - por entender que, de acordo com as normas legais aplicáveis, a ela não só coube a iniciativa da «colocação» da dita placa, naquele preciso local, como lhe cabia o «dever de vigiar» para que a mesma não constituísse fonte de perigo para os transeuntes.

A entidade demandada, defendendo-se, invocou um alegado «acordo» verbal entre ela e a A..................... - celebrado por ocasião do licenciamento do acesso desta à via pública - e segundo o qual esta empresa se teria comprometido a retirar a referida «placa metálica» do local. E por isso, a solicitação da ré, a A. foi admitida como «interveniente acessória» nos autos.

A 1ª instância deu como não provada a ocorrência desse «acordo» [pontos «não provados» A, B e C; ver, ainda, os pontos «provados» 15 a 17, 41 e 43], e, com base no preenchimento de todos os indispensáveis pressupostos da «responsabilidade civil extracontratual» da ré ESTRADAS DE PORTUGAL, condenou-a a pagar ao autor uma indemnização global de 40.720,82€ - 720,82€ por «danos patrimoniais»; 40.000,00€ por «danos morais»]. Baseou a ocorrência do pressuposto «culpa» na presunção «juris tantum» estabelecida no artigo 10º, nº2, da Lei nº67/2007, de 31.12 [Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Pessoas Colectivas de Direito Público], e entendeu não se verificar qualquer culpa concorrente do lesado [artigo 570º, nº1, CC]. A interveniente acessória A..................... foi «absolvida do pedido».

A 2ª instância concedeu parcial provimento à «apelação» interposta pela ESTRADAS DE PORTUGAL, e, em conformidade, decidiu «revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu do pedido a interveniente acessória A………….». Para o efeito, e com base nos factos provados, entendeu que esta última também é responsável pela indemnização dos danos resultantes do acidente para o autor, de forma solidária com a ré [artigo 497º, nº1, do CC], e com base na presunção juris tantum estabelecida no artigo 493º, nº1, do CC.

No presente recurso de revista, a A………….. imputa «erro de julgamento de direito» ao acórdão do tribunal de apelação, cingido à parte «em que também é considerada como responsável, perante o autor, pela indemnização dos danos por ele sofridos e resultantes do acidente dos autos». Defende ter sido feita «errada aplicação do nº1 do artigo 493º do CC» - segundo o qual «Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua».

A única «questão» que preenche, assim, o objecto desta revista, resume-se a saber se o resultado do julgamento de facto feito pelas instâncias permite suportar o julgamento de direito consistente na responsabilização civil extracontratual da A……………

2. Depois de qualificar a «conduta omissiva» da ESTRADAS DE PORTUGAL como ilícita - por manter uma placa de pré-sinalização parcialmente sobre passeio pedonal abaixo dos 220 cm [artigo 13º, nº8 e nº9, do «Regulamento de Sinalização do Trânsito», na redacção em vigor à data do acidente dos autos] - e culposa - com base na presunção de culpa in vigilandum estabelecida no artigo 10º, nº3, da Lei nº67/2007, de 31.12 -, escreve-se no acórdão recorrido o seguinte:

«Mas também a recorrida A…………… que na mesma data em que avisou a recorrente da situação que existia numa das extremas da sua propriedade e consciente da situação de perigo que a mesma implicava, nada fez para sinalizar tal perigo até que a placa fosse retirada pela recorrente, retirada essa que só veio a ocorrer depois do acidente [ver facto 42].

Na verdade, na ausência de prova de factos que afastem a presunção de culpa [e ilicitude] prevista no nº1 do artigo 493º, do CC, aqui aplicável à A…………….pois este impende, em regra, sobre o proprietário, mas também sobre quem está obrigado à vigilância da coisa [que pode não ser o proprietário, mas quem detenha o poder de facto sobre a mesma e esteja obrigado a vigiá-la], responde pelos danos causados ao lesado pela coisa, pois que, em tal hipótese, concorrem todos os pressupostos da responsabilidade aquiliana, ou seja, o facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano sobrevindo.

Ora, dúvidas não há que a placa de pré-sinalização que foi causa do acidente, embora seja propriedade da recorrente, estava situada na propriedade da recorrida A…………… Pelo que, a ambas caberia ter agido em tempo oportuno - se não antes, pelo menos em 2009 [ver factos 35 e 36] - não o tendo feito, agiram com culpa, a primeira, por não ter retirado/substituído a placa e/ou sinalizado o perigo - não tendo ilidido a presunção que decorre do artigo 10º, nº3, da Lei nº67/2007; e a segunda, por não ter sinalizado o perigo, pois, enquanto proprietária do terreno no qual estava implantada a placa de pré-sinalização, que se atravessava sobre o passeio, era quem estava em melhores condições de o fazer - não tendo ilidido a presunção que decorre do artigo 493º, nº1, do CC. Na verdade, duas actuações se podiam prever da parte da recorrida A……………a que concretizou, solicitando a remoção da placa à recorrente ESTRADAS DE PORTUGAL, enquanto proprietária da mesma [factos 35 e 36], e a que não concretizou, ao não sinalizar o perigo que resultava da localização de uma placa no seu terreno que se alongava para o passeio e que colocava notoriamente em perigo os peões, designadamente, seus clientes.

Em virtude do que, concluiu-se, são ambas responsáveis, recorrente ESTRADAS DE PORTUGAL e recorrida A…………… pelos danos causados ao recorrido B………, sendo de aplicar o artigo 497º do CC, não podendo manter-se, quanto à absolvição do pedido da recorrida A………….. a sentença recorrida».

Mas este julgamento, como bem sublinha a recorrente da revista, não poderá manter-se.

Recordemos que a placa metálica de pré-sinalização, aqui em causa, foi colocada, sob jurisdição da ré «ESTRADAS DE PORTUGAL», nos anos 90 [pontos 5 e 7 do provado], tendo sido os dois postes [barras metálicas] que a sustentavam implantados num terreno em que, em Junho de 2009, foram construídas as instalações da interveniente A ……....... pontos 31 e 44 do provado]. Para além dos postes, tal placa encontrava-se com uma parte para o lado de dentro das instalações da A……………. e a outra parte sobre o passeio edonal que as ladeia [ver pontos 3 e 9 do provado]. Aquando da construção das suas instalações, e visando a vedação da sua propriedade, a A……………., por duas vezes, solicitou à ré a deslocação da placa metálica que se encontrava parcialmente no seu terreno [pontos 35 a 37], sendo certo que apenas em meados de Março de 2010 - cerca de mês e meio após o acidente - a mesma foi removida pela ré ESTRADAS DE PORTUGAL [ponto 42 do provado].

3. Como verificamos, o acórdão recorrido partiu para a responsabilização da A……….. fundamento na «presunção estabelecida no artigo 493º nº1 do CC», a qual, como vem sendo entendido pela jurisprudência, não oferece dúvida quanto a ser aplicável no âmbito da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos [entre outros; AC do STA de 14.03.2002 [Rº048394]; AC STA/Pleno de 03.10.2002 [Rº45621]; AC do STA de 15.03.2005 [Rº036/04]; AC do STA de 04.10.2007 [Rº01186/06]; AC do STA de 26.03.2009 [Rº01094/08]; AC STA de 23.09.2009 [Rº 0606/09]; e AC STA de 23.02.2012 [Rº01008/11], encontrando justificação bastante quer em dados da experiência, dado que boa parte dos danos provocados por coisas «procedem de falta de adequada vigilância» sobre elas, quer na «extrema dificuldade de prova de factos negativos».

Importará sublinhar, porém, que esta presunção assenta num conjunto de pressupostos indispensáveis ao seu funcionamento, sendo dois positivos e um negativo: - alguém «ter em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar»; - tal coisa «ter causado danos» a terceiro; - não ter sido provado que isso aconteceu «sem qualquer culpa» do detentor ou que os danos «se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua» - artigo 493º, nº1, do CC.

Estes pressupostos são cumulativos, para que funcione a presunção legal, e a verdade é que não se verifica, relativamente à «interveniente acessória» A…………, desde logo, o primeiro deles.

Na verdade, a circunstância de a A……………., em 2009, ter procedido à «construção das suas instalações» num terreno em cuja extrema já se encontrava implantada, desde há mais de uma década, a placa metálica de pré-sinalização de trânsito, não significa, sem mais, que ela passasse a ter essa placa em seu poder e com o dever de a vigiar. Antes pelo contrário, a presença dessa placa metálica, implantada na extrema do seu terreno e a invadir parcialmente o seu espaço aéreo apenas lhe causava problemas, mormente para efeito de vedação do respectivo prédio. E, por isso mesmo, solicitou à ESTRADAS DE PORTUGAL a sua deslocação, encarando-a como coisa alheia, sobre a qual não tinha qualquer poder, nem de direito nem de facto, nem estava ao seu cuidado.

E assim era efectivamente. Essa placa metálica pré-sinalizadora não só pertencia como tinha sido colocada «sob a jurisdição da ré», sendo que, como decorre da lei, era a esta que cabia «zelar e vigiar» a mesma enquanto coisa sua, colocada em espaço público, e susceptível de aí gerar algum perigo para os peões [artigo, nº3, da Lei 67/2007, de 31.12], dever genérico este que saiu reforçado após os «pedidos de deslocação da placa» efectuados pela A…………..

Não é pelo simples facto de os dois postes que sustentavam a placa pré-sinalizadora, e parte desta, estarem colocados em terreno da A…………… que esta passa a ser detentora da mesma, isto é, que a placa passa a estar em seu poder com dever de a vigiar. Para tanto requerer-se-ia «algo mais», que não consta, de modo algum, da matéria de facto provada.

Trata-se de uma «coisa» pertencente a uma entidade pública, sob a sua jurisdição, zelo e vigilância, ali colocada ao serviço do interesse público, sendo que esta situação não é susceptível de ser alterada pelo facto de, «à data do acidente», e fruto de vicissitudes entretanto ocorridas durante mais de uma década, essa «coisa» se encontrar instalada, parcialmente, em terreno e espaço aéreo de um particular.

Mas o «acórdão recorrido» não só enxerta a responsabilidade da A…………, por conduta omissiva ilícita e culposa, na detenção da placa, com o dever associado da sua vigilância, como extrai desta situação - para a A………….. - o dever de sinalização do perigo constituído por a placa se encontrar demasiado baixa sobre o passeio pedonal. Ou seja, ela devia, substituindo-se à entidade ré, sinalizar esse perigo, existente para os peões que, como o autor, caminhassem pelo espaço público constituído por esse passeio.

Mas, para além de, como dissemos, não se verificar uma situação de detenção da placa com dever de vigilância por parte da A……….., também não poderá ser imposto a esta um tal dever de sinalização desse perigo. Note-se, a este respeito, que o «regulamento de sinalização de trânsito» - Decreto-Regulamentar nº22-A/98, de 01.10 - reserva a instalação de sinais de trânsito nas vias públicas às entidades competentes, ou mediante autorização destas, sob pena de sancionamento, sendo que, em caso de emergência, e com o objectivo de estabelecer o adequado ordenamento de trânsito, eles poderão ser colocados por entidades competentes para a fiscalização do mesmo [artigo 3º].

Claramente, pois, um tal dever de sinalização de uma situação de perigo existente na via pública não se impunha à particular A…………… - aqui interveniente acessória - dado que não preenche os predicados subjectivos de competência para o fazer.

Ressuma do exposto, que deverá ser concedido provimento à revista, com a revogação do acórdão recorrido na parte em que responsabiliza a interveniente acessória A…………….. - em regime de «solidariedade» - pela indemnização dos danos decorrentes do acidente para o autor.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos conceder provimento ao recurso de revista, e revogar o acórdão recorrido «na parte em que responsabiliza a interveniente acessória» pelos danos decorrentes do acidente.

Custas pela recorrida [ré na acção] aqui e na 2ª instância.

Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13.03, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros ANA PAULA PORTELA e ADRIANO CUNHA - têm voto de conformidade.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2021

José Augusto Araújo Veloso