Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0191/23.2BELRA
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO SOBRE VEÍCULO
BENEFÍCIOS FISCAIS
INTERPRETAÇÃO
SUBDELEGAÇÃO DE PODERES
Sumário:I - O acto a notificar não se confunde com a notificação desse acto, sendo diversos os requisitos de validade de um e do outro.
II - A falta de referência ao acto por que foi feita a subdelegação de poderes na comunicação do acto – sendo que na notificação foi expressamente referido quem era o autor do acto e que o praticava no uso de poderes subdelegados, como o impunha o art. 48.º do CPA – não tem qualquer desvalor jurídico, como resulta, por argumento de maioria de razão, do disposto no n.º 2 do art. 48.º do CPA
III - A resolução do contrato de compra e venda do automóvel relativamente ao qual pessoa com deficiência usufruiu do benefício previsto no art. 54.º do CISV nenhuma relevância assume sobre o facto tributário, que é a introdução do veículo no consumo.
IV - Tal situação não é subsumível a qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 48.º do CISV – onde estão previstas as excepções à limitação temporal estipulado no n.º 1 do mesmo artigo – nem pode considerar-se como integrando essas excepções por via de interpretação extensiva (cfr. art. 10.º do EBF), uma vez que não é possível concluir, para além de qualquer dúvida, que o legislador tenha dito menos do que pretendia ao aí não a incluir.
Nº Convencional:JSTA000P31886
Nº do Documento:SA2202402070191/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de acção administrativa com o n.º 191/23.2BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 O acima identificado Recorrente, inconformado com a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a acção administrativa por ele deduzida contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do pedido de benefício fiscal proferido pelo Director de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, dela interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.

1.2 O Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«i. O Recorrente veio deduzir ação administrativa contra a Autoridade Tributária, na sequência da notificação do Despacho de Indeferimento, do Recurso Hierárquico apresentado sobre o Despacho de Indeferimento de pedido de Benefício Fiscal ao abrigo do artigo 54.º do Código do Imposto sobre Veículos, proferido pelo Exmo. Sr. Director de Serviço Central de Justiça Tributária, contido no ofício n.º ...26, notificado ao Autor em 16.11.2022, proferido no âmbito do processo n.º ...83, peticionando a anulação do acto impugnado e, consequentemente, a sua substituição por outro que defira a sua pretensão.

ii. A Sentença ora em crise veio indeferir os pedidos formulados pelo Recorrente, julgando a final a ação totalmente improcedente e absolvendo a entidade demandada do pedido, com a qual o Recorrente não se conforma entendendo que se impunha uma decisão de Direito distinta.

iii. Ao contrário do referido na Sentença proferida pelo Tribunal a quo entende o Recorrente que a Decisão do Recurso Hierárquico foi proferida por quem não tinha competência para o fazer, uma vez que apenas é feita menção à delegação de competência, e entende o Recorrente que a indicação da origem dos poderes do Autor do acto é fundamental, por forma a garantir os direitos de defesa do ora Recorrente, designadamente, para aferir da (i)legalidade do acto praticado com eventual usurpação de poderes, o que torna o acto nulo nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável subsidiariamente por remissão do artigo 2.º do CPPT, sendo forçoso concluir que pela falta de identificação do acto que delegou e subdelegou as competências no autor da decisão é o mesmo incompetente para decidir.

iv. Pelo que não podemos se não concluir que, por falta de menção do Despacho de Delegação e Subdelegação que atribuem poderes ao Exmo. Sr. Director de Serviço Central de Justiça Tributária, era o mesmo incompetente – ainda que formalmente – para a tomada daquela decisão, pelo que deveria ter sido julgado procedente o alegado vício, impondo-se a revogação da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo nesse circunspecto.

v. O Recorrente entende que a Sentença ora recorrida faz deficiente aplicação do direito quando determina que o Recorrente não possui direito a que lhe seja reconhecido o benefício peticionado.

vi. A fundamentação aduzida pela Douta Sentença quanto ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 435.º do Código Civil, não faz qualquer sentido para os presentes autos, uma vez que aquele artigo invocado não possui qualquer conexão com o caso sub judice, porque a Recorrida não é terceiro para efeitos de registo, não é adquirente, nem tampouco existe qualquer ação de resolução que tenha sido submetida a registo, sendo de afastar a aplicação dessa norma.

vii. Entende o Tribunal a quo ainda, e a nosso ver mal, que as vicissitudes invocadas pelo Recorrente não relevam no âmbito da relação com a Recorrida.

viii. O Recorrente celebrou com a A..., S.A., NIPC ...52, com sede na Avenida ..., Braga, um contrato de compra e venda cujo objecto foi o veículo automóvel novo da marca Jaguar, modelo ... 2.0... ..., com o chassis n.º ..., matrícula ..-..-EG, tendo sido essa aquisição efetuada ao abrigo de um benefício fiscal previsto nos artigos 54.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) e 15.º, n.º 8 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), motivo pelo qual não foi liquidado ISV nem IVA, por ser o Recorrente pessoa com deficiência motora nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º do CISV, no entanto, e com fundamento nas desconformidades técnicas incompatíveis com as características do veículo adquirido pelo Recorrente à A..., celebraram as partes em 23.09.2021 um acordo de resolução do Contrato de Compra e Venda, ao abrigo do disposto n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que faz a transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999

ix. O Estado Português está obrigado a vincular-se à Directiva, que refere que os consumidores têm o direito, na falta de conformidade do bem, a resolver o contrato com o vendedor, o que o Recorrente fez, todavia entende o Tribunal a quo e a Recorrida que a relação jurídico-tributária do Recorrente com a Recorrida é indiferente às vicissitudes contratuais que estiveram na base da mesma, o que não é admissível quando a obrigação tributária emerge de facto jurídico consubstanciado na aquisição do Recorrente de uma viatura à A..., S.A., sendo este o facto tributário que dá início à relação jurídica tributária nos termos do n.º 1 do artigo 36.º da LGT.

x. O Código Civil determina que os efeitos da resolução de um contrato são os que seriam aplicáveis em caso de nulidade ou anulabilidade, nos termos do 433.º e 434.º do Código Civil, com efeitos retroactivos, sendo forçoso concluir que a resolução do contrato celebrado entre o Recorrente e a A..., S.A. decorre do exercício de um Direito, é equiparada à nulidade ou anulabilidade e produz efeitos retroactivos.

xi. Em virtude de serem aplicados à resolução os efeitos da declaração de nulidade ou anulabilidade, as partes são necessariamente colocadas na situação objectiva que tinham antes da celebração do contrato, como se este não tivesse sido realizado, com a repristinação da situação anterior, o que o Recorrente defendeu quer no Recurso Hierárquico quer na PI, o que não mereceu acolhimento pelo Tribunal a quo.

xii. Entende o Recorrente que o Acordo de Resolução, celebrado entre o Recorrente e a A..., S.A. anulou o Contrato de Compra e Venda em todos os seus efeitos desde a sua celebração, tendo o Recorrente restituído a viatura e a A..., S.A. restituído a quantia paga pelo Recorrente, e a Recorrida procedido à liquidação do Imposto sobre Veículos (ISV) e Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) não pagos no momento da aquisição da viatura por parte do Recorrente, que foram pagos pela A... em nome do Recorrente, que só posteriormente tomou conhecimento da situação, conforme já alegado em sede de PI.

xiii. Na sequência da resolução do contrato que o Recorrente adquire uma viatura para fazer face às suas necessidades de deslocação, tendo apresentado novo pedido de benefício fiscal, ao abrigo do disposto nos artigos 54.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV) e 15.º, n.º 8 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), para aquisição de uma viatura nova, de marca Volvo, com o chassis n.º ..., o qual deveria ter sido deferido, uma vez que não se trata de um “novo pedido”, mas sim um pedido originário como o que foi feito quanto à viatura da marca Jaguar, no entanto o Tribunal a quo e a Recorrida entendem que não lhe pode ser concedido, pelo facto de ter já existido a concessão de um benefício fiscal ao abrigo do artigo 54.º do CISV e de não ter decorrido o lapso temporal para atribuição de novo benefício, o que não é aceitável porquanto a concessão do benefício se deu com um facto tributário cujos efeitos foram destruídos.

xiv. O Tribunal a quo ignora o sentido da norma e o espírito do legislador quando pretendeu consagrar a limitação temporal para atribuição de novo benefício, adotando uma posição juridicamente inaceitável e violadora de dois direitos do Recorrente, o de resolver um contrato quando adquire um bem que não está conforme às características que o mesmo deveria possuir, e em resolvendo, o de beneficiar de um benefício fiscal relativo ao ISV e ao IVA, a que tem direito por ser deficiente motor.

xv. O Recorrente entende que o facto tributário não existe quanto ao contrato que esteve na génese da atribuição do benefício fiscal em 2021, porquanto o mesmo foi resolvido com efeitos retroactivos e a circunstância de um veículo ter sido adquirido ao abrigo de um regime fiscal mais favorável não pode significar uma limitação dos direitos do Recorrente quanto à resolução desse contrato com fundamento na desconformidade do bem.

xvi. O espírito do legislador quando determinou a obrigatoriedade de o adquirente manter o veículo pelo menos durante 12 meses e não poder beneficiar de uma nova isenção pelo período de 5 anos, cumpre outras finalidades, tais como impedir que o Estado subsidie, através da isenção, a sucessiva e desnecessária aquisição de veículos por parte de um contribuinte e a prevenir que um cidadão que beneficiou da isenção não a utilize para fazer negócio, beneficiando-se a si ou terceiro, no entanto o Recorrente não alienou a viatura, exerceu sobre a mesma o seu Direito de Resolução.

xvii. Entende o Recorrente que por via da resolução do contrato, foram destruídos os efeitos, ab initio, do um contrato de compra e venda de um outro veículo automóvel desconforme e, como tal, inviabilizada a concessão e desaproveitado o benefício fiscal, sendo agora negado ao Recorrente a concessão do benefício a que tinha e tem direito, perfilhando a Sentença recorrida uma solução ilegal.

xviii. A nossa Jurisprudência reconhece que quando deixa de existir facto tributário, deixa de existir direito à tributação, que equivale a dizer, quando não se verifique facto tributário não se verifica relação jurídico-tributária, num caso idêntico de resolução de contrato, sendo de concluir que com a extinção do facto tributário extingue-se a relação jurídico-tributária dele emergente, mesmo que essa extinção tenha efeitos retroactivos como é o caso do Recorrente, que reúne todos os requisitos para que lhe possa ser concedido o benefício fiscal que lhe foi recusado pela Recorrida e pelo Douto Tribunal a quo.

xix. O Recorrente entende que a única forma de não coartar os seus direitos como consumidor e como deficiente é reconhecendo os efeitos retroactivos e repristinatórios da Resolução do Contrato que o Recorrente celebrou com a A..., S.A., que decorrem da Lei.

xx. Sem conceder, entende ainda o Recorrente que a resolução tem de ser reconhecida como um facto que origina o direito a ser concedida nova isenção antes de decorrido o prazo de cinco anos, conforme prevê o artigo 54.º do CISV, porquanto é situação que priva o beneficiário da utilização e fruição da viatura, por facto que não decorre de culpa sua.

xxi. O Recorrente entende que a recusa da concessão do benefício fiscal viola a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 8.º e 71.º, e viola a Unidade do Sistema Jurídico prevista artigo 9.º do Código Civil, assentando na interpretação de que o exercício de um direito de consumidor – de resolução do contrato pela existência de defeitos e desconformidade do bem – invalida o benefício de um outro direito – no caso, de benefício fiscal decorrente de grau de incapacidade.

xxii. Pelo que é forçoso concluir por evidente, que a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo tem de ser substituída por outra, que reconheça os efeitos retroactivos da resolução do contrato com a A..., com a consequente anulação dos efeitos da isenção concedida, ou, pelo menos, que reconheça a resolução do contrato por desconformidades como uma das causas de atribuição de benefício antes de decorrido no prazo de cinco anos, na mesma linha das isenções previstas no artigo 54.º do CISV.

Fazendo-se assim a costumada Justiça».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O ora Recorrente, inconformado com a decisão proferida em primeira instância, vem recorrer da douta sentença da matéria de direito, “nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º, alínea a) do n.º 1 do artigo 645.º, e n.º 1 do artigo 647.º, todos do Código de Processo Civil (CPC), por remissão do artigo 281.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT)”.

B. Pretendendo o Recorrente, com o presente recurso, a substituição da sentença por outra que reconheça os efeitos retroactivos da resolução do contrato com a A..., com a consequente anulação dos efeitos da isenção concedida, ou, pelo menos, que reconheça a resolução do contrato por desconformidades como uma das causas de atribuição de benefício antes de decorrido no prazo de cinco anos, na mesma linha das isenções previstas no artigo 54.º do CISV.

C. Entende-se, no entanto, que o recurso apresentado da sentença que julgou improcedente a acção administrativa por si interposta, não é susceptível de alterar o conteúdo da decisão prolatada pelo Tribunal recorrido, porquanto a mesma é válida, clara, encontrando-se devidamente fundamentada, de facto e de direito, em todos os seus termos.

D. O Recorrente nada vem acrescentar relativamente ao já alegado em primeira instância, pelo que pretende a Recorrida reiterar a sua posição em face do peticionado, e bem assim, manifestar a sua concordância com o bem fundado e sentido da decisão objecto de recurso.

E. Nas suas conclusões de recurso afirma o Recorrente, quanto à questão da competência do autor do acto de indeferimento do recurso hierárquico do despacho de indeferimento da isenção prevista no artigo 54.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), que, ao contrário da douta sentença, entende que a decisão de recurso hierárquico “foi proferida por quem não tinha competência para o fazer uma vez que apenas é feita menção à delegação de competência” e que, “por falta de menção do Despacho de Delegação e Subdelegação, que atribuem poderes ao Exmo. Director de Serviço Central de Justiça Tributária, era o mesmo incompetente – ainda que formalmente – para a tomada daquela decisão”.

F. Considerando-se, quanto à alegada incompetência do autor do acto, que a sentença, ao julgar improcedente o alegado vício de incompetência, sustentou tal decisão, de facto e de direito, fundamentando o sentido decisório, conforme se retira, designadamente, de fls. 10 a 11:
Acresce que, tal como se prevê expressamente no artigo 48.º, n.º 1, do CPA o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação.
Ressalve-se que em caso de incompetência do órgão que praticou o acto poderá haver lugar à ratificação por parte do órgão com competência a qual retroage os seus efeitos à data do acto praticado pelo órgão incompetente, cf. artigo 164.º, n.ºs 1, 3 e 5, do CPA.
Por seu turno importa trazer à colação, em matéria de notificações, o disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, norma na qual se prevê que: «Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento».
Dessa decisão de indeferimento foi dado conhecimento ao Advogado do Autor através do ofício n.º ...26 pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, que foi recebido em 16/11/2022, informando-se que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi proferida pelo Director de Serviço Central em 11/11/2022 no uso de competência subdelegada, cf. facto provado na alínea L) do probatório.
Deste modo advém da matéria de facto provada nos presentes autos que aquando da prolação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Autor foi expressamente invocado pelo autor do acto, a saber, pelo Director de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, BB, a actuação ao abrigo de competência subdelegada.
E assim sendo mostra-se cumprido o disposto no artigo 48.º, n.º 1, do CPA, sendo que caso o Autor entendesse que estava em falta a identificação do concreto despacho de subdelegação de competências poderia ter requerido essa informação ao abrigo do disposto no artigo 38.º, n.º 1, do CPPT.

G. Em sede de contestação defendeu-se que a competência para decisão de recursos hierárquicos, relativos a impostos sobre o consumo, está cometida à Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, a qual foi subdelegada no Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos Indirectos (Imposto sobre o Valor Acrescentado e Impostos Especiais sobre o Consumo), nos termos do Despacho n.º 13101/2022, de 7 de Novembro de 2022, publicado no Diário da República (DR) n.º 218, II série, de 11-11-2022.

H. E a competência sobre esta matéria foi subdelegada pelo Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária - Impostos Indirectos, cargo desempenhado por CC, conforme se extrai do mesmo despacho n.º 13101/2022, no Director de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo e do Imposto sobre Veículos, a cargo de BB, como decorre do despacho n.º ...23, de 22 de Dezembro de 2022, publicado no DR n.º 8, Série II, de 11-01-2023.

I. O despacho de subdelegação de competências é público, encontrando-se, publicado no Diário da República, sendo, portanto de fácil acesso através do site do Diário da República, pelo que, o então requerente ou o seu mandatário, sempre poderiam tê-lo consultado ou requerer, junto dos serviços, nos termos previstos no artigo 37.º (Comunicação ou notificação insuficiente) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no caso de entender que a notificação era omissa quanto a algum dos seus requisitos, o que não foi feito.

J. Do ofício n.º ...26, remetido ao mandatário do Autor, ora Recorrente, que acompanhou o despacho de indeferimento do recurso hierárquico, consta a identificação do agente que praticou o acto administrativo e a qualidade em que intervém, concluindo-se que o acto de indeferimento do recurso hierárquico praticado pelo Director de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo e do Imposto sobre Veículos, é válido, não padecendo de qualquer vício que o invalide.

K. Atendendo a que a decisão foi proferida pela entidade competente, tendo o seu autor decidido no âmbito de competência que lhe foi subdelegada, conforme indicado no ofício de notificação, não se vislumbra de que forma os direitos de defesa do Recorrente poderiam ter sido violados, pois que, a notificação em causa contém os elementos obrigatórios exigidos para a perfeição e validade das notificações nos termos do artigo 36.º do CPPT.

L. Quanto à alegação do Recorrente de que a sentença fez deficiente aplicação do direito quando determina que “não possui direito a que lhe seja reconhecido o benefício peticionado”, defende-se, igualmente, que a decisão recorrida se encontra devidamente fundamentada.

M. No caso vertente, e atenta a factualidade considerada provada na douta sentença, levanta-se a questão de saber se o Autor/Recorrente, tenho-lhe já sido concedida isenção de Imposto sobre os Veículos (ISV) ao abrigo do artigo 54.º do Código do ISV (CISV), teria direito a beneficiar de nova isenção de ISV ao abrigo da mesma norma.

N. Atento o quadro jurídico estabelecido no CISV, sufragando a decisão a quo, entende-se que, por força da limitação temporal estabelecida no artigo 48.º do mesmo código, o Recorrente não pode beneficiar de nova isenção relativamente ao veículo novo da marca Volvo, modelo ..., introduzido no consumo através da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) n.º ...31.

O. Tal sucede porquanto, em 31-03-2021, já tinha sido concedida ao Autor/Recorrente isenção fiscal na aquisição de outro veículo (da marca Jaguar, modelo ..., declarado e introduzido no consumo através da DAV n.º ...33, da Alfândega do Jardim do Tabaco, com data de aceitação de 25-02-2021, ao qual foi atribuída a matrícula ..-..-EG.

P. O Recorrente defende, não obstante, que tem direito ao benefício pelo facto de, em 23-09-2021, ter procedido à resolução do contrato de compra e venda do veículo automóvel com a matrícula acima identificada (..-..-EG) com a empresa A..., S.A., nos termos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.

Q. A questão controvertida prende-se com a aplicação do regime de isenção previsto nos artigos 54.º a 57.º do CISV, estando em causa a concessão do benefício sem que tenha decorrido o prazo de cinco anos expressamente indicado no n.º 1 do artigo 48.º do mesmo código, com fundamento na resolução de contrato de compra e venda do veículo isento, com entrega ao vendedor e restituição do montante pago.

R. Ora, decorre do artigo 48.º, que estabelece uma limitação temporal quanto às isenções previstas no CISV, que “as isenções previstas no CISV ou em legislação avulsa, só podem ser reconhecidas ao mesmo beneficiário uma vez em cada cinco anos”, a contar da data de atribuição da matrícula nacional, sendo que, constitui facto provado que, em data anterior, a Alfândega do Jardim do Tabaco já tinha concedido ao Recorrente a isenção de ISV prevista no artigo 54.º do CISV, relativamente ao veículo supra identificado, o qual foi introduzido no consumo usufruindo do benefício fiscal, tendo obtido a respetiva matrícula nacional.

S. A relação jurídico-tributária estabelecida entre o operador registado, o beneficiário da isenção (Recorrente), e a AT, consolidou-se na ordem jurídica, conforme resulta do teor da respetiva DAV, de cujo campo R, relativo ao cálculo do ISV, consta a isenção/benefício (145) do imposto, conforme Documento junto aos autos.

T. E, como já se aludiu em sede de Contestação, o Recorrente circulou com o veículo, usufruindo, assim, do mesmo, tendo, consequentemente, o benefício fiscal produzido os seus efeitos.

U. As vicissitudes por ele indicadas, relativas à resolução do contrato de compra e venda do veículo, não relevam no âmbito da relação estabelecida com a administração tributária, não produzindo efeitos suscetíveis de, face à lei, alterar ou modificar a relação jurídico-tributária e, ao invés do afirmado pelo Recorrente na suas Alegações, no contexto do ISV, a aquisição de uma viatura não é o facto tributário que dá início à relação jurídica-tributária nos termos do n.º 1 do artigo 36.º da LGT.

V. Conforme defendem a doutrina e a jurisprudência, o facto tributário é a situação de facto concreta, que se encontra prevista na lei fiscal como geradora do direito ao imposto, e a aquisição de um veículo não constitui o facto tributário do ISV, estabelecendo, concretamente, o CISV, no artigo 5.º, os factos tributários ou factos geradores do imposto, sendo que, conforme resulta do n.º 1, além de outros previstos no n.º 2, constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal.

W. Destarte, no que concerne ao contrato de compra e venda celebrado entre o Recorrente e a A... S.A., importa clarificar que os contratos celebrados entre as partes resultam da autonomia da vontade destas, e, sendo do foro do direito privado, regem-se pelo direito civil (artigos 874.º e seguintes do Código Civil), pelo que as vicissitudes inerentes a esse contrato, e seus efeitos, dizem respeito às partes nele envolvidas, que não incluem a Administração Pública ou a AT.

X. Alegando ainda o Recorrente que não se trata de um novo pedido, mas de um pedido originário porque “a concessão do benefício se deu com um facto tributário cujos efeitos foram destruídos”, importa reiterar que o facto tributário verifica-se com referência a um veículo, aferindo-se a existência dos factos geradores (fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal) em relação a cada veículo, sendo que, cada um dos veículos em causa, foi fabricado e introduzido no consumo de acordo com as formalidades previstas no CISV.

Y. Não existe, consequentemente, qualquer “extinção” do facto tributário, sendo que, o CISV, até em matéria de reembolso, prevê apenas que este ocorra nas situações de expedição ou exportação do veículo, havendo sempre lugar, nestes casos, ao cancelamento da matrícula nacional (cf. resulta do artigo 29.º do CISV), o que não foi o caso.

Z. O primeiro veículo, da marca Jaguar, comprado pelo Recorrente, foi introduzido no consumo com isenção de ISV, e atribuída matrícula nacional, não tendo ocorrido qualquer outro facto que tenha alterado a sua situação fiscal, revelando-se totalmente infundada a argumentação do Recorrente relativa aos efeitos que pretende assacar à resolução do contrato de compra e venda do primeiro veículo introduzido no consumo, tendo em vista a concessão de nova isenção.

AA. Acresce que, o novo pedido de isenção para o veículo da marca Volvo, foi analisado à luz do CISV e dos princípios que norteiam a atividade da AT – princípios da legalidade, da igualdade, da tipicidade, da proteção da confiança e da boa-fé – e, concretamente, face ao disposto no n.º 2 do artigo 48.º, que se refere às únicas situações em que pode ser concedida nova isenção antes de decorrido o prazo de cinco anos aos beneficiários das isenções previstas no artigo 54.º, as quais se reconduzem a:
a) Acidente de que resultem danos irreparáveis, que determinem o cancelamento da matrícula do automóvel;
b) Furto ou roubo devidamente participado às autoridades policiais, sem que o automóvel tenha sido encontrado e restituído ao seu proprietário no prazo de seis meses, e desde que se comprove o cancelamento da matrícula;
c) Inadequação do automóvel às necessidades do deficiente, devido ao agravamento comprovado da sua incapacidade, desde que não seja possível proceder à necessária adaptação do veículo.

BB. Atento o disposto no n.º 2 do artigo 48.º do CISV, esta norma não contempla os defeitos referidos pelo Recorrente, isto é, defeitos apresentados pelo veículo, pelo que, além destes não se encontrarem contemplados naquela norma, ou em qualquer outra do mesmo código, também não resulta dos autos que o Recorrente tenha declarado e apresentado documento que comprove um agravamento da sua incapacidade.

CC. Não é possível, assim, acolher a pretensão do Recorrente porquanto não preenche as condições previstas na alínea c), do n.º 2, do artigo 48.º do CISV, nem se verificam, igualmente, as situações descritas nas alíneas a) e b).

DD. Concluindo-se que, no contexto do reconhecimento, ao mesmo beneficiário, da isenção estabelecida no artigo 54.º do CISV, prevista para os condutores de veículos que sejam portadores de deficiência, como, aliás, para as demais isenções, este código consagra, como se aludiu, no n.º 1 do artigo 48.º, uma limitação temporal, de acordo com o qual “as isenções previstas no CISV ou em legislação avulsa, só podem ser reconhecidas ao mesmo beneficiário uma vez em cada cinco anos” a contar da data de atribuição da matrícula nacional.

EE. Esta interpretação das normas em causa não suscita dúvidas, afirmando Fernanda Alves e Nuno Victorino, na obra supra indicada, em anotação ao artigo 48.º do CISV, que “(…) Nas situações de transferência de residência e cessação de funções, os beneficiários só podem usufruir de nova isenção decorridos dez anos sobre a data da atribuição da matrícula nacional do último veículo isento; Nas restantes situações, nomeadamente pessoas com deficiência, o benefício é reconhecido uma vez em cada cinco anos.
O n.º 2 estabelece as situações em que as pessoas com deficiência podem beneficiar de nova isenção sem que o prazo dos cinco anos tenha decorrido. É o caso, por exemplo, da destruição de um veículo devido a acidente, que levou ao cancelamento da matrícula ou do furto do veículo nas condições da alínea b). A inadequação do automóvel às necessidades do deficiente, devido ao agravamento da sua incapacidade deverá ser comprovada através de documento emitido por uma Junta Médica”.

FF. Resulta da matéria de facto, considerada provada, que o Recorrente já obteve, em 31-03-2021, um benefício fiscal ao abrigo do artigo 54.º do CISV, e que, desde a concessão deste primeiro benefício e até à formulação do novo pedido, em 09-03-2022, não decorreu mais de um ano, verificando-se, pois, por imperativo legal, uma limitação temporal para a concessão de nova isenção.

GG. A situação do Recorrente, como se afirmou, também não se enquadra nos pressupostos do n.º 2 do artigo 48.º do CISV, que lhe permitiriam beneficiar de nova isenção, antes de decorrido o prazo de cinco anos.

HH. Nos termos do artigo 8.º da LGT, os benefícios fiscais estão sujeitos ao princípio da legalidade, não podendo a AT conceder qualquer benefício fora dos condicionalismos legalmente previstos, sob pena de praticar um acto ilegal, tendo a Recorrida actuado em obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que lhe estão atribuídos e em conformidade com os fins que lhe estão cometidos, conforme dispõe o artigo 55.º da LGT.

II. Razões, pelas quais, a Recorrida, perante toda a factualidade considerada provada, mantém todo o vertido na contestação anteriormente apresentada, expressando, igualmente, a sua concordância com a sentença a quo.

JJ. Atento o supra exposto, conclui-se que não merece qualquer censura a decisão do Tribunal a quo, a qual deve ser integralmente mantida, com as legais consequências, julgando-se improcedente o recurso jurisdicional para esse alto Tribunal.

Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença do tribunal a quo, assim se fazendo Justiça».

1.4 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

O Recorrente entende que a Sentença recorrida faz uma deficiente aplicação do direito ao determinar que não possui direito a que lhe seja reconhecido o benefício fiscal de isenção de ISV relativamente ao veículo automóvel, marca Volvo.
A douta sentença sob recurso fixou os factos provados e analisou e decidiu:
- Relativamente ao invocado vício de incompetência do autor do referido despacho de indeferimento, considera “… Deste modo advém da matéria de facto provada nos presentes autos que aquando da prolação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Autor foi expressamente invocado pelo autor do acto, a saber, pelo Director de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, BB, a actuação ao abrigo de competência subdelegada.
E assim sendo mostra-se cumprido o disposto no artigo 48.º, n.º 1, do CPA, sendo que caso o Autor entendesse que estava em falta a identificação do concreto despacho de subdelegação de competências poderia ter requerido essa informação ao abrigo do disposto no artigo 38.º, n.º 1, do CPPT”.
- Quanto ao pedido de concessão do benefício fiscal de isenção de ISV relativamente ao veículo automóvel, marca Volvo, “… provando-se nos presentes autos que o Autor introduziu o referido veículo da marca Jaguar no consumo e que circulou com esse veículo dúvidas não se oferecem em como o mesmo beneficiou efectivamente da isenção de ISV.
Deste modo … o benefício fiscal produzido os seus efeitos, não obstante as vicissitudes indicadas pelo Autor, as quais não relevam no âmbito da relação estabelecida com a Administração Tributária, não produzindo efeitos susceptíveis de, face à lei, alterar ou modificar a relação jurídico-tributária. (…)”.
Em suma tendo o Autor beneficiado da isenção de ISV aquando da aquisição do veículo da marca Jaguar, com o chassis n.º ..., em 31/03/2021, o mesmo não poderia beneficiar de nova isenção de ISV referente à compra do veículo automóvel da marca Volvo modelo L, chassis ..., em 01/02/2022, por não terem decorrido cinco anos desde a primeira isenção de ISV, atento o disposto no artigo 48.º, n.º 1, do CISV. (…) face ao exposto, que o Autor não tem direito à concessão do benefício fiscal de isenção do ISV à luz do disposto no artigo 54.º do CISV relativamente ao veículo automóvel da marca Volvo…”.
Efectivamente, atenta a factualidade assente, a análise jurídica efectuada na sentença recorrida encontra-se correcta, em nosso entender, sem necessidade de repetição.
Para o caso em apreço, há que atender ao carácter excecional dos benefícios fiscais (isenção fiscal de ISV), à necessidade do seu reconhecimento, à concessão da isenção de ISV na compra do veículo automóvel marca Jaguar, à sua utilização, ao teor do contrato de resolução do contrato de compra e venda, ocorrido um ano antes da concessão da isenção e finalmente à pretensão do Recorrente de beneficiar da isenção relativamente ao veículo automóvel, marca Volvo, que adquiriu sem que tivessem decorridos cinco anos.
Razão pela qual, por força da aplicação conjugada do disposto nos arts. 47.º, 48.º, n.ºs 1 e 2 e 54.º, todos do CISV, a nova aquisição do veículo da marca Volvo não se enquadra nos pressupostos de concessão do benefício de isenção de ISV, não se verificando a violação de qualquer princípio da Constituição da República Portuguesa.
Deste modo, entendemos que o Recorrente carece de razão, para além de que não trouxe argumentação nova que permita contrariar o entendimento jurídico explanado na sentença recorrida.
Pelo que se considera que foi correcta a interpretação e aplicação dos normativos em causa, não se nos afigurando que se verificam os vícios apontados».

1.6 Cumpre apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento quando julgou improcedente a acção, o que passa por verificar:

i) se o autor do despacho que indeferiu o recurso hierárquico era competente para proferir essa decisão (cfr. conclusões i. a iv.);

ii) se a resolução do contrato de compra e venda de um veículo relativamente ao qual o ora Recorrente beneficiou de isenção de Imposto sobre Veículos (ISV) ao abrigo do disposto no art. 54.º do respectivo Código (CISV), permite, designadamente em face do disposto nos arts. 433.º e 434.º do Código Civil (CC), que o beneficiário volte a usufruir desse benefício fiscal relativamente à aquisição de outro veículo antes de decorrido o prazo de 5 anos estipulado no art. 48.º do mesmo Código (cfr. conclusões i., ii. e v. a xxii.).


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) O Autor é detentor de certificado de incapacidade multiusos por ter uma limitação de carácter permanente no membro inferior esquerdo que lhe causa muita dificuldade de deslocação na via pública sem auxílio de prótese – por acordo (cf. artigos 6.º e 7.º da petição inicial e artigo 8.º da contestação) e cf. informação constante do PA apenso aos autos a fls. 196-200 do SITAF;

B) Em 31/03/2021 foi concedido ao Autor a isenção do Imposto Sobre Veículos (ISV) referente à compra do veículo automóvel da marca Jaguar, com o chassis n.º ..., no montante de € 7.800,00 – cf. informação constante do PA apenso aos autos a fls. 196-200 do SITAF;

C) Em 16/07/2021 foi emitida a factura n.º ...39 por A..., S.A. em nome do Autor referente à compra pelo mesmo do veículo automóvel com a matrícula ..-..-EG, da marca Jaguar, com o chassis n.º ..., pelo preço de € 56.000,00 – cf. DOC. n.º 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junto com a petição inicial (PI) a fls. 30 do SITAF e declaração aduaneira de veículo a fls.98-99 do SITAF;

D) Em 23/09/2021 foi celebrado um contrato entre o Autor e A..., S.A. designado “ACORDO DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA DA VIATURA COM A MATRÍCULA ..-..-EG”, no qual pode ler-se:


[IMAGEM]

(…)»
(cf. DOC n.º 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junto com a PI a fls. 31-36 do SITAF);

E) Em 28/10/2021 foi pago por A..., S.A. em nome do Autor o montante de € 22.220,00 no qual se inclui o montante de € 7.800,00 correspondente ao ISV sobre o veículo automóvel referido na alínea anterior e nas alíneas A) e B) supra – cf. DOC. n.º 4 e DOC. n.º 5, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, juntos com a PI a fls. 37-38 do SITAF;

F) Em 01/02/2022 foi apresentada declaração aduaneira de veículo n.º 2022/...31 pelo Autor, na Alfândega do Jardim do Tabaco, na qual pediu a isenção de Imposto sobre Veículos (ISV) referente ao veículo automóvel da marca Volvo modelo L, chassis ... – cf. informação constante do PA apenso aos autos a fls. 196-198 do SITAF;

G) Em 18/04/2022 foi proferido despacho pelo Director da Alfândega do Jardim do Tabaco de indeferimento do pedido de isenção de ISV ao abrigo da Lei 22-A/2007 de 29 de Junho para aquisição do veículo referido na alínea anterior do qual foi dado conhecimento ao Autor através do ofício n.º ...88, datado de 19/04/2022 – cf. DOC. n.º 7, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junto com a PI a fls. 42-43 do SITAF;

H) Em 07/06/2022 foi apresentado recurso hierárquico pelo Autor contra a decisão de indeferimento do pedido de benefício fiscal referida na alínea anterior – cf. DOC. n.º 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido junto com a PI a fls. 44-51 do SITAF e comprovativo de entrega de documentos a fls. 112 do SITAF;

I) Em 11/11/2022 foi publicado no Diário da República n.º 218/2022, II Série, de 11/11/2022, o despacho delegação e subdelegação de competências n.º 13101/2022, de 07/11/2022, da Directora-geral da Autoridade Tributária no qual delegou, com autorização para subdelegar, no Subdirector-Geral CC as competências relativas às competências ao nível, central, regional e local para as áreas dos impostos especiais de consumo e do imposto sobre veículos;

J) Em 11/11/2022 foi prestada informação pela Direcção de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos que concluiu que não se encontrava “cumprido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 48.º do CISV” e propôs o indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Autor – cf. DOC. n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, junto com a PI a fls. 24-29 do SITAF;

K) Em 11/11/2022 foi proferido despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Autor pelo Director de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos BB no uso de competência subdelegada – cf. DOC n.º 1 junto com a PI a fls. 23-24 do SITAF;

L) Em 14/11/2022 foi enviado ao Advogado do Autor o ofício n.º ...26 pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, que foi recebido em 16/11/2022, dando conhecimento da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Autor proferida pelo Director de Serviço Central em 11/11/2022 no uso de competência subdelegada – cf. DOC. n.º 1 junto com a PI a fls. 23 do SITAF e comprovativo CTT constante do PA a fls. 224 do SITAF;

M) Em 11/01/2023 foi publicado no Diário da República, n.º 8/2023, II Série, de 11/01/2023, o despacho de subdelegação de competências n.º 524/2023, datado de 22/12/2022, do Subdirector-geral para a Área de Gestão Tributária CC no qual delegou no Director de serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, BB a competência para apreciar e decidir os recursos hierárquicos previstos nos artigos 66.º e 76.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, salvo no que se refere aos recursos em que o montante de imposto contestado seja superior a 300 000 EUR, com efeitos a 01/10/2022».

*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Está em causa nos autos a possibilidade de um contribuinte, na sequência da resolução do contrato por que adquiriu um veículo com isenção de ISV ao abrigo do disposto no art. 54.º do CISV, poder beneficiar novamente dessa isenção, relativamente à compra de um outro veículo e antes de decorrido o prazo de 5 anos sobre a aquisição do primeiro veículo previsto no art. 48.º do CISV.
No caso, o ora Recorrente adquiriu um veículo em 2021, tendo-lhe sido reconhecido o benefício previsto no art. 54.º do CIVS em Março desse ano. Por acordo celebrado entre ele e o vendedor do veículo, em Setembro de 2021, o contrato de compra e venda do veículo foi resolvido, mediante a invocação do disposto no n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (Dispunha essa norma: «Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato».).
Em Fevereiro de 2022 o ora Recorrente apresentou pedido de isenção de ISV, ao abrigo do art. 54.º do CISV, relativamente a um outro veículo, pedido que foi indeferido.
Desse indeferimento interpôs recurso hierárquico, que também foi indeferido, pelo Director de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, BB, no uso de competência subdelegada, essencialmente, porque foi considerado que não se encontrava «cumprido o requisito previsto no n.º 1 do artigo 48.º do CISV».
O ora Recorrente deduziu acção administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, pedindo que o referido despacho de indeferimento do recurso hierárquico seja anulado e «substituído por decisão de deferimento, favorável à pretensão do Autor, concedendo-lhe o benefício fiscal previsto no artigo 54.º do CISV ou, caso já tenha pago o ISV relativo à viatura em causa no pedido de benefício, que o valor do mesmo lhe seja devolvido».
É da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente essa acção que vem interposto o presente recurso. O ora Recorrente continua a sustentar, por um lado, que o autor do despacho que indeferiu o recurso hierárquico da decisão que recusou o pedido de reconhecimento do benefício fiscal não tinha competência para a prática desse acto e, por outro lado, que esse despacho enferma de violação de lei, uma vez que estão verificados os requisitos para que lhe seja reconhecida a pretendida isenção. Por isso, pretende que este Supremo Tribunal substitua a sentença «por outra que reconheça os efeitos retroativos da resolução do contrato com a A..., com a consequente anulação dos efeitos da isenção concedida, ou, pelo menos, que reconheça a resolução do contrato por desconformidades como uma das causas de atribuição de benefício antes de decorrido no prazo de cinco anos, na mesma linha das isenções previstas no artigo 54.º do CISV».
Atento o teor da sentença e das alegações de recurso, as questões que cumpre apreciar e decidir são as que deixámos enunciadas em 1.6.

2.2.2 DA COMPETÊNCIA DO AUTOR DO ACTO

A primeira questão suscitada pelo Recorrente é a do erro de julgamento relativamente à competência do autor do acto de indeferimento do recurso hierárquico.
Salvo o devido respeito, a sentença deu cabal e acertada resposta a esta questão. Nela ficou dito sobre a mesma:
«[…] no que concerne à matéria da competência dos órgãos, prevê-se no artigo 36.º, n.º 1, do CPA, que a competência «é definida por lei ou por regulamento, e é irrenunciável e inalienável, sem prejuízo do disposto quanto à delegação de poderes, à suplência e à substituição».
E prevê-se no artigo 37.º, n.º 1, do CPA que «A competência fixa-se no momento em que se inicia o procedimento, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente».
Ora, tal como se prevê no artigo 44.º, n.º 1, do CPA, sob a epígrafe “Delegação de poderes”, os órgãos administrativos «normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente da mesma pessoa coletiva ou outro órgão de diferente pessoa coletiva pratique actos administrativos sobre a mesma matéria».
Em sentido similar rege o artigo 62.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Geral Tributária (LGT), onde se prevê, respetivamente, que «Salvo nos casos previstos na lei, os órgãos da administração tributária podem delegar a competência do procedimento» e que «A competência referida no número anterior pode ser subdelegada, com autorização do delegante, salvo nos casos em que a lei o proíba».
Acresce que, tal como se prevê expressamente no artigo 48.º, n.º 1, do CPA o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação.
Ressalve-se que em caso de incompetência do órgão que praticou o acto poderá haver lugar à ratificação por parte do órgão com competência a qual retroage os seus efeitos à data do acto praticado pelo órgão incompetente, cf. artigo 164.º, n.ºs 1, 3 e 5, do CPA.
Por seu turno importa trazer à colação, em matéria de notificações, o disposto no artigo 37.º, n.º 1, do CPPT, norma na qual se prevê que: «Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento».
[…]
O Autor apresentou recurso hierárquico, em 07/06/2022, contra a decisão de indeferimento do pedido de isenção de ISV, para aquisição do veículo da marca Volvo modelo L, chassis ..., proferida pelo Director da Alfândega do Jardim do Tabaco em 18/04/2022, cf. factos provados nas alíneas G) e H) do probatório.
O referido recurso hierárquico foi indeferido pelo Director de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, BB, em 11/11/2022, no uso de competência subdelegada, cf. facto provado na alínea K) do probatório.
Dessa decisão de indeferimento foi dado conhecimento ao Advogado do Autor através do ofício n.º ...26 pela Divisão de Justiça Tributária da Direção de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, que foi recebido em 16/11/2022, informando-se que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico foi proferida pelo Director de Serviço Central em 11/11/2022 no uso de competência subdelegada, cf. facto provado na alínea L) do probatório.
Deste modo advém da matéria de facto provada nos presentes autos que aquando da prolação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pelo Autor foi expressamente invocado pelo autor do acto, a saber, pelo Director de Serviços de Impostos Especiais de Consumo e Imposto sobre Veículos, BB, a actuação ao abrigo de competência subdelegada.
E assim sendo mostra-se cumprido o disposto no artigo 48.º, n.º 1, do CPA, sendo que caso o Autor entendesse que estava em falta a identificação do concreto despacho de subdelegação de competências poderia ter requerido essa informação ao abrigo do disposto no artigo 38.º, n.º 1, do CPPT.
Nestes termos conclui-se, face ao exposto, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, que a presente ação improcede com fundamento no alegado vício de incompetência».
O Autor não se conformou com esta posição assumida pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e dela veio recorrer, continuando a sustentar a incompetência do autor do acto com a seguinte fundamentação, que ora se sintetiza: «apenas é feita menção à delegação de competência» e deveria também no despacho que indeferiu o recurso hierárquico ter-se identificado o acto por que foram delegadas e subdelegadas as competências no autor do acto, de modo «a garantir os direitos de defesa do [seu destinatário], designadamente, para aferir da (i)legalidade do acto praticado com eventual usurpação de poderes, o que torna o acto nulo nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável subsidiariamente por remissão do artigo 2.º do CPPT». Segundo o Recorrente é «forçoso concluir que pela falta de identificação do acto que delegou e subdelegou as competências no autor da decisão é o mesmo incompetente para decidir».
Salvo o devido respeito, é manifesta a falta de razão do Recorrente, que assenta na confusão entre o acto a notificar e a notificação desse acto: uma coisa é o autor do acto não ser competente para a prática do mesmo, outra coisa é a falta de comunicação ao destinatário do acto do despacho por que foram delegadas no autor do acto as competências para a prática do mesmo. Tenha-se bem presente que está provado nos autos que na notificação do indeferimento do recurso hierárquico ao ora Recorrente – que foi feita na pessoa do seu mandatário judicial – foi expressamente mencionado que a decisão foi proferida pelo Director de Serviço Central, que foi identificado pelo seu nome, e que o foi no uso de competência subdelegada [cf. facto provado na alínea L) do probatório] (Note-se, aliás, que a falta de menção da delegação ou subdelegação no acto praticado ao seu abrigo não afecta a validade do acto, como resulta expressamente do n.º 2 do art. 48.º do CPA.).
Ora, enquanto a inexistência de delegação e subdelegação de poderes, genericamente admitidas pelo art. 62.º da LGT e pelos arts. 44.º e 46.º do Código de Processo Administrativo (CPA), determinaria a invalidade do acto por incompetência (vício que consiste na prática, por um órgão da Administração, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão), sancionada com a anulabilidade (cfr. art. 163.º do CPA), sem prejuízo de eventual ratificação (Ratificação pelo órgão competente, com retroacção de efeitos à data da prática do acto (cfr. art. 164.º do CPA).), já a falta de referência ao acto por que foi feita a subdelegação de poderes («A delegação e subdelegação de poderes carecem de ser decididas em actos que as autorizem, praticados pelo órgão competente à face da lei, no primeiro caso, ou por aquele por quem foram delegados ou subdelegados os poderes, no segundo» (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, anotação 3 ao art. 62.º, pág. 537).) na comunicação do acto – não perdendo de vista que, no caso, na notificação foi expressamente referido quem era o autor do acto e que o praticava no uso de poderes subdelegados, como o impunha o art. 48.º do CPA – não tem qualquer desvalor jurídico, como resulta, por argumento de maioria de razão, do disposto no n.º 2 do art. 48.º do CPA.
O recurso não pode, pois, ser provido nesta parte.

2.2.4 CONSEQUÊNCIAS DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO SOBRE A POSSIBILIDADE DE USUFRUIR DO BENEFÍCIO FISCAL

A segunda questão suscitada pelo Recorrente é a do erro de julgamento relativamente à possibilidade de usufruir do benefício fiscal previsto no art. 54.º do CISV relativamente à compra de um veículo (automóvel ligeiro de passageiros) que efectuou antes de decorridos 5 anos sobre a isenção concedida relativamente a um outro veículo, no caso em que a venda deste foi resolvida por acordo entre o vendedor e o comprador, o ora Recorrente.
Note-se que o único motivo por que a AT recusou a concessão do benefício foi por o ora Recorrente ter beneficiada da mesma isenção há menos de cinco anos (à data em que formulou o pedido) e a referida resolução do contrato de venda do primeiro veículo automóvel não ser subsumível à previsão legal de qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 48.º do CISV.
O Recorrente sustentou junto da AT, como depois perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria e, agora, neste Supremo Tribunal que a resolução do contrato de venda do primeiro veículo tem os mesmos efeitos que a nulidade do contrato, por força do disposto no arts. 433.º e 434.º do Código Civil (CC), ou seja, tem efeito retroactivo e «as partes são necessariamente colocadas na situação objetiva que tinham antes da celebração do contrato, como se este não tivesse sido realizado, com a repristinação da situação anterior», motivo por que deve considerar-se que aquele contrato não produziu quaisquer efeitos e que «o facto tributário não existe quanto ao contrato que esteve na génese da atribuição do benefício fiscal em 2021».
Também a esta questão a sentença deu acertada resposta. Nela ficou dito sobre a mesma:
«[…] eis-nos chegados ao cerne da questão decidenda consubstanciada nos efeitos da resolução do contrato de compra e venda, com efeitos retroactivos, referente a veículo automóvel cujo proprietário beneficiou da isenção de ISV e a repercussão desses efeitos no âmbito tributário, mormente, na concessão do benefício de isenção de ISV.
Antes de prosseguirmos importa ter presente a natureza jurídica do ISV relembrando mais uma vez o já referido acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte proferido em 27/05/2021, proc. n.º 01006/13, a cuja fundamentação se adere integralmente e da qual se transcreve o seguinte excerto: «(…) Ora, o ISV é um imposto especial de consumo, que tem como facto gerador o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. Ou seja, não há qualquer dúvida que, pelo menos do ponto de vista formal, o ISV não é um imposto de matrícula.
Com efeito, nesta matéria, a doutrina maioritária continua a defender que o ISV é um imposto interno de consumo, que tem como facto gerador do imposto a “introdução no consumo”– cfr. AFONSO, António Brigas, “Notas sobre o Código dos Impostos Especiais do Consumo”, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 402, Abril-Junho 2001, DGCI/CEAPT, pp. 147 a 183, em especial p. 151, BASTO, José Xavier, “A Tributação do Consumo e a sua Coordenação Internacional”, in Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 164, DGCI/CEF, Lisboa, 1991, p. 24 , e VASQUES, Sérgio, “A Reforma da Tributação Automóvel: Problemas e Perspectivas”, in Fiscalidade, n.º 10, Abril 2002, pp. 59 a 94, em especial pp. 60/61 (…)»
Assim, sendo o ISV exigível no momento da introdução no consumo e considerando-se esta verificada no momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares, à luz do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do CISV, vejamos se o contrato celebrado entre o Autor e a sociedade A..., S.A. intitulado “Acordo de resolução do contrato de compra e venda da viatura com a matrícula ..-..-EG”, é susceptível de contender com o facto gerador do imposto e com o momento da sua exigibilidade.
Neste domínio assume especial relevância o disposto no artigo 435.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil norma na qual se prevê que a resolução não prejudica os direitos adquiridos por terceiros exceto quando esteja em causa o registo da ação de resolução que respeite a bens imóveis ou a móveis sujeitos a registo pois nesses casos o direito de resolução é oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da ação.
Ora, resultando da matéria de facto provada na alínea D) do probatório que o veículo da marca Jaguar, com o chassis n.º ..., ao qual foi atribuída a matrícula ..-..-EG, foi introduzido no consumo pelo Autor a exigibilidade do imposto consumou-se nesse momento.
E, sendo assim, os efeitos do aludido contrato celebrado entre o Autor e a sociedade A..., S.A. não são oponíveis à Administração Tributária.
Recorde-se que os benefícios fiscais são medidas de caráter excecional que impedem a tributação referente aos impostos que lhes estão subjacentes, no caso concreto, em relação ao ISV.
Por conseguinte provando-se nos presentes autos que o Autor introduziu o referido veículo da marca Jaguar no consumo e que circulou com esse veículo dúvidas não se oferecem em como o mesmo beneficiou efetivamente da isenção de ISV.
Deste modo merece inteiro acolhimento, neste domínio a argumentação expendida pela Entidade Demandada segundo a qual o benefício fiscal produziu os seus efeitos, não obstante as vicissitudes indicadas pelo Autor, as quais não relevam no âmbito da relação estabelecida com a Administração Tributária, não produzindo efeitos suscetíveis de, face à lei, alterar ou modificar a relação jurídico-tributária.
Em suma tendo o Autor beneficiado da isenção de ISV aquando da aquisição do veículo da marca Jaguar, com o chassis n.º ..., em 31/03/2021, o mesmo não poderia beneficiar de nova isenção de ISV referente à compra do veículo automóvel da marca Volvo modelo L, chassis ..., em 01/02/2022, por não terem decorrido cinco anos desde a primeira isenção de ISV, atento o disposto no artigo 48.º, n.º 1, do CISV.
Termos em que se conclui, face ao exposto, que o Autor não tem direito à concessão do benefício fiscal de isenção do ISV à luz do disposto no artigo 54.º do CISV relativamente ao veículo automóvel da marca Volvo, com o chassis n.º ... (acto mediato), improcedendo na sua totalidade a presente ação».
O Recorrente insiste que com a resolução do contrato «deixa de existir facto tributário» e «extingue-se a relação jurídico-tributária dele emergente», daí retirando que nada obsta a que possa beneficiar da isenção fiscal em causa.
Mas, a resolução do contrato de compra e venda – que não produziria efeitos relativamente à AT (cfr. art. 38.º, n.º 1, da LGT) –, não implica, contrariamente ao que sustenta o Recorrente, que «deixa de existir facto tributário».
Desde logo, porque não se confundem a relação jurídico-privada, que se estabelece entre os contratantes no âmbito de um contrato de direito privado (no caso, entre o comprador e o vendedor na compra e venda do veículo), e a relação jurídico-pública, que se estabelece entre um deles e o Estado, na sua vertente de Administração tributária, ainda que com referência a esse contrato.
Tenha-se presente a autonomia de natureza e de estrutura do direito fiscal relativamente ao direito privado, característica que, como alertava VÍTOR FAVEIRO, «logo nos previne, por um modo decisivo, contra a eventual tendência para aplicarmos ao direito fiscal as estruturas jurídicas a que estamos habituados na contemplação do direito privado» (A FORMA JURÍDICA DOS FACTOS TRIBUTÁRIOS, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, pág. 30.).
Depois, e decisivamente, porque a resolução do contrato de compra e venda não implica que tenha “deixado de existir” o facto tributário, que, recorde-se, foi a introdução do veículo no consumo e não a compra e venda do veículo. Por isso, aliás, o ISV veio a ser pago pelo vendedor na sequência da resolução do contrato de compra e venda e da perda do benefício.
No caso, não há dúvida – nem vem questionado – que o primeiro veículo adquirido pelo ora Recorrente foi introduzido no consumo e essa introdução no consumo não “deixou de existir” (para usar a expressão do Recorrente) por força da resolução do contrato de compra e venda e dos efeitos retroactivos dessa resolução. O Recorrente ensaia reconduzir o litígio aos efeitos da resolução do contrato de compra e venda, mas, ao fazê-lo, desloca a questão a dirimir nos autos, que se refere, não à compra e venda, mas à introdução do veículo no mercado.
Os efeitos da resolução do contrato de compra e venda verificam-se apenas entre o ora Recorrente e o vendedor daquele veículo. Afigura-se-nos, aliás, que seria a este que aquele poderia pedir, a título de indemnização, os danos sofridos com a impossibilidade de beneficiar da isenção pelo período remanescente até ao perfazer do prazo de 5 anos previsto no n.º 1 do art. 48.º do CISV. Talvez por isso, a inclusão do ponto 5 na cláusula segunda do acordo de resolução…
Em todo o caso, não podemos concordar com a afirmação do Recorrente, de que «não existiu, sequer, qualquer isenção e o Recorrente não beneficiou efetivamente dela», a qual ignora que a isenção foi efectivamente concedida e que o Recorrente dela beneficiou, tendo inclusive utilizado o automóvel.
Uma breve nota para refutar a argumentação de que o Tribunal a quo ignorou o sentido da norma e o “espírito do legislador”.
Antes do mais, há que ter presente que os benefícios fiscais estão sujeitos ao princípio da legalidade (cfr. art. 8.º, n.º 1, da LGT), o que significa, desde logo, que não podem ser concedidos senão nas condições definidas na lei e, se é certo que são susceptíveis de interpretação extensiva, está vedada a sua integração analógica, a colmatação de lacunas, como estipula o art. 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF). A interpretação extensiva é o resultado da interpretação quando o intérprete «chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que naquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei. Da própria ratio legis decorre, p. ex ., que o legislador se quer referir a um género; mas, porventura fechado numa perspectiva casuística, apenas se referiu a uma espécie desse género» (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 185.).
Será que, em face do espírito da lei, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que o legislador minus dixit quam voluit quando não incluiu a resolução do contrato de compra e venda entre as excepções que elencou no n.º 2 do art. 48.º do CISV à limitação temporal estipulado no n.º 1 do mesmo artigo? Manifestamente, não.
As excepções legais ao limite de cinco anos para o reconhecimento do mesmo benefício resultam de circunstâncias totalmente fora do controlo do beneficiário da isenção: acidente, furto ou roubo, sempre dependentes do cancelamento da matrícula, e agravamento comprovado da incapacidade da pessoa com deficiência que determina a inadequação do automóvel às suas necessidades, desde que não seja possível proceder à necessária adaptação do veículo.
No caso, houve resolução do contrato, que é a destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado (Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, 3.ª edição, Vol, II, pág. 242.).
Ora, não pode considerar-se que o caso em que tenha havido resolução do contrato, que está dependente da vontade do beneficiário da isenção, tenha qualquer similitude com os casos enunciados no n.º 2 do art. 48.º do CISV, a permitir a conclusão de que a não inclusão daquele no referido rol resulte da circunstância de o legislador ter dito menos do que pretendia, de que, sem dúvidas, a letra da lei se quedou aquém do seu espírito.
Assim, concluímos que o recurso também não pode ser provido com este fundamento

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - O acto a notificar não se confunde com a notificação desse acto, sendo diversos os requisitos de validade de um e do outro.
II - A falta de referência ao acto por que foi feita a subdelegação de poderes na comunicação do acto – sendo que na notificação foi expressamente referido quem era o autor do acto e que o praticava no uso de poderes subdelegados, como o impunha o art. 48.º do CPA – não tem qualquer desvalor jurídico, como resulta, por argumento de maioria de razão, do disposto no n.º 2 do art. 48.º do CPA
III - A resolução do contrato de compra e venda do automóvel relativamente ao qual pessoa com deficiência usufruiu do benefício previsto no art. 54.º do CISV nenhuma relevância assume sobre o facto tributário, que é a introdução do veículo no consumo.
IV - Tal situação não é subsumível a qualquer das alíneas do n.º 2 do art. 48.º do CISV – onde estão previstas as excepções à limitação temporal estipulado no n.º 1 do mesmo artigo – nem pode considerar-se como integrando essas excepções por via de interpretação extensiva (cfr. art. 10.º do EBF), uma vez que não é possível concluir, para além de qualquer dúvida, que o legislador tenha dito menos do que pretendia ao aí não a incluir.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, que ficou vencido no recurso (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 1.º do CPTA).


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Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso.