Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01065/14
Data do Acordão:12/03/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:I – O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II – A oposição de julgados não é fundamento legal de admissibilidade de recurso excepcional de revista.
III – Poderá o recurso excepcional de revista ser convolado em recurso por oposição de julgados se a tal não obstar a intempestividade da sua interposição para como tal ser apreciado.
IV – Não pode servir de fundamento a um recurso por oposição de acórdãos um Acórdão proferido por Tribunal da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Nº Convencional:JSTA000P18321
Nº do Documento:SA220141203010695
Data de Entrada:10/03/2014
Recorrente:A............ E OUTRA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………… e B…………, ambos com os sinais dos autos, vêm interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 12 de Junho de 2014, que negou provimento ao recurso por eles interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 11 de Abril de 2014, que julgara improcedente o recurso da decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos para efeitos de IRS dos anos de 2010 e 2011 da autoria do Director de Finanças do Porto.
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1º - Resulta dos factos provados que o recorrente A………… é titular de uma quota equivalente a 50% do capital social da sociedade comercial C.……….., Lda, que no ano de 2010 e 2011, ano da tributação, lhe fez entregar de capitais, consideradas retiradas por conta de lucros, de €61.089,07 e de €45.000,00, respetivamente;
2º - Tais rendimentos integram o património dos Recorrentes e foram sujeitos à tributação à taxa liberatória de 20% e de 21,55 nos anos de 2010 e 2011, os quais,
3º - Devem concorrer para demonstração de que é verdadeira a fonte geradora de fortuna a que se refere o art. 89.º-A, n.º 3 da LGT;
4.º - Sujeitar de novo aqueles rendimentos a tributação origina uma inconstitucionalidade material da constituição da República Portuguesa por violação dos princípios constitucionalmente salvaguardados da repartição justa dos rendimentos e da riqueza e o princípio da legalidade fiscal;
5º - Não é suficiente para provar que a recorrente B…………, filha de D…………, é a única com direito à totalidade do depósito, existente na conta n.º ……… do BCP, excluindo deste o direito a metade que sua mãe detém, o facto da Administração Tributária provar que a mãe da Recorrente é uma idosa de 80 anos, está incapacitada de falar e anda numa cadeira de rodas, se tal prova estiver desacompanhada da evidência de que não lhe era possível, durante os 70 anos em que não esteve incapacitada, angariar meios de fortuna que lhe permitam evidenciar movimentações financeiras reveladas em tal conta de €173.238,42;
6º - A prova que no douto Acórdão recorrido se refere ter sido feita reporta a questões que nada têm a ver com a titularidade, natureza e origem dos meios de fortuna encontrados na conta titulada pela Recorrente e sua mãe;
7º - O art. 516.º do Código Civil ao estabelecer que nas relações entre si, os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais no débito ou no crédito, a menos que se prove que são diferentes as suas partes, ou que é a um só deles que cabe responder pela dívida ou obter o benefício do crédito, reporta-se precisamente à titularidade, natureza e origem da dívida ou do crédito e não às questões incidentais que envolvam a pessoa de algum dos intervenientes;
8º - O douto Acórdão recorrido ao decidir que não é de aplicar o princípio da presunção estabelecido no artigo 516.º do CC, considerando suficiente a prova produzida pela AT de que era aos recorrentes que pertencia o valor dos depósitos na conta do BCP, decidiu em oposição aos Acórdãos citados, e que se conhecem, proferidos no domínio da mesma legislação, nomeadamente Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 14.01.1998, in CJ, I, p. 183 e segs.; Acs. do STJ de 27.01.98, in CJSTJ, I, pag. 42 e segs., e de 20.01.99 in CJSTJ, I, pag. 48 e segs.;
9º - O Acórdão recorrido está também em manifesta oposição com o Acórdão do STA de 08.05.2013, proferido no processo n.º 0567/13, que decidiu ser obrigatório provar, a par da fonte das manifestações de fortuna, também a origem dos depósitos nas contas bancárias dos Recorrentes, quando o Acórdão que se invoca decidiu no sentido de não ser obrigatória tal prova quando a manifestação de fortuna reside na mobilização de aplicações financeiras em que se verifica a tributação, que no caso do presente recurso ocorreu em 2010 e 2011;
10º - Decidiu igualmente no mesmo sentido o Ac. do TCA Sul proferido no processo n.º 04596/11 de 23.03.2011, e que é invocado no Acórdão do STA invocado;
11º - A melhor doutrina é assim aquela que é perfilhada nos Acórdãos citados do Tribunal da Relação do Porto de 14.01.1998 e dos Acs. do STJ de 27.01.1998 e 20.01.1999, melhor identificados no ponto 8º destas conclusões e o Acórdão do STA e do TCA Sul, ambos citados e também melhor identificados em 9º e 10º destas conclusões e, como tal deverá continuar a ser seguida.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se o douto Acórdão recorrido, assim se continuando a fazer Justiça!

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 279/281 dos autos, concluindo que não se mostram reunidos os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista previstos no artigo 150.º do CPTA, motivo pelo qual não deve o recurso ser admitido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -
4 – Matéria de facto
Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório constante de fls. 200 a 205 do Acórdão recorrido.

5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O presente recurso foi interposto para este STA como recurso excecional de Revista, embora invocando como fundamento Oposição de Julgados (cfr. requerimento de fls. 241/242 dos autos), tendo vindo a ser admitido como recurso excepcional de Revista, pois que como recurso por oposição de julgados (como primeiro fora admitido – cfr. despacho de fls. 265) não o poderia ser por intempestividade e por manifesta improcedência, atento a que os recorrentes invocaram oposição do decidido com acórdãos de tribunais superiores que não integram a jurisdição administrativa e fiscal (cfr. despacho de fls. 270 a 274 dos autos).
Haverá, pois, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade do recurso de revista excepcional, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo – cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

No caso dos autos, e no que especificamente respeita aos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excepcional, os recorrentes nada alegam – nem que em causa esteja questão de relevância jurídica ou social fundamental, nem que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, não imputando sequer à decisão recorrida qualquer erro ostensivo ou juridicamente insustentável –, sendo que não estavam dispensados de o fazer, dado o carácter excepcional do recurso e porque que não se afigura notório que as questões que colocam se revelem de importância jurídica ou social fundamental ou que a admissibilidade do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
O recurso fundamenta-se apenas e só na existência de oposição de julgados, daí que como recurso deste tipo devia ter sido interposto, não sendo possível convolá-lo na espécie adequada pois que tal obsta a intempestividade da sua interposição para como tal ser apreciado.
É que o prazo regra para interposição dos recursos no contencioso tributário – e também para a interposição do recurso por oposição de julgados –, é de 10 dias (artigos 279.º e ss. do CPPT), tendo o presente recurso excepcional de revista sido interposto no 16.º dia após a notificação do acórdão recorrido, sendo tempestivo enquanto recurso excepcional de revista urgente (pois que nos termos do CPTA o prazo para recorrer é de 30 dias, sendo reduzido a metade tratando-se de processo urgente – cfr. os artigos 144.º, n.º 1 e 147.º do CPTA), com pagamento de multa processual correspondente ao 1.º dia de atraso (artigo 139.º, n.º 5 do CPC), mas intempestivo para ser apreciado como recurso por oposição de acórdãos, mesmo com pagamento de multa.
Acresce que tal convolação, se possível (e não o é, por intempestividade, como dissemos já), sempre se limitaria à questão da alegada manifesta oposição do decidido com o Acórdão do STA de 08.05.2013, proferido no processo n.º 0567/13, que decidiu ser obrigatório provar, a par da fonte das manifestações de fortuna, também a origem dos depósitos nas contas bancárias dos Recorrentes, quando o Acórdão que se invoca decidiu no sentido de não ser obrigatória tal prova quando a manifestação de fortuna reside na mobilização de aplicações financeiras em que se verifica a tributação, que no caso do presente recurso ocorreu em 2010 e 2011 (cfr. conclusão 9º das alegações de recurso), pois que em relação à alegada oposição de julgados entre o decidido e os Acórdãos da Relação do Porto e do STJ não é admissível recurso, pois se trata de decisões de tribunais superiores integrados em diferentes jurisdições (cfr., por todos, o todos, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 12 de Fevereiro de 2008, rec. n.º 490/07 e o acórdão do STA de 18 de Fevereiro de 2010, rec. n.º 722/09).

O recurso excepcional de revista não será, pois, admitido.
- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.