Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01142/19.4BELSB-R1
Data do Acordão:09/09/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
RECURSO DE REVISTA PER SALTUM
CUSTAS JUDICIAIS
REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:Os processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias estão isentos de custas, nos termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Nº Convencional:JSTA000P28120
Nº do Documento:SA12021090901142/19
Data de Entrada:06/22/2021
Recorrente:FPME - FEDERAÇÃO PROMOTORA DE MONTANHISMO E ESCALADA E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO



1. FPME – FEDERAÇÃO PROMOTORA DE MONTANHISMO E ESCALADA E OUTROS - identificada nos autos – vem arguir três nulidades e requerer, com dois fundamentos distintos, a reforma do Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de julho de 2021, que indeferiu a sua reclamação contra o despacho do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 23 de março de 2021, que não admitiu o seu recurso de revista per saltum do despacho daquele Tribunal que indeferiu a ampliação do pedido, e da sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo o R. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO e a contrainteressada FEDERAÇÃO DE CAMPISMO E MONTANHISMO DE PORTUGAL – UPD da instância.

2. Alega, em primeiro lugar, que o acórdão é nulo por seguir uma tramitação «diversa da legalmente prescrita, por ter reduzido ao julgamento em conferência, a decisão da reclamação».
De acordo com o entendimento da Reclamante, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 643.º do CPC, aplicável ex-vi do disposto no artigo 1.º do CPTA, «o julgamento de uma reclamação dirigida contra um despacho de não admissão de recurso, é decidida por via de uma decisão singular, naturalmente a cargo de um único juiz, decisão essa que, subsequentemente, poderá ser impugnada por via de reclamação para a conferência».
Mas não tem razão.
Neste Supremo Tribunal Administrativo, como nos demais tribunais superiores, a competência reside sempre no órgão colegial, sem prejuízo da faculdade que a lei confere ao relator de praticar singularmente alguns atos no processo. Daí que, sempre que essa faculdade seja conferida ao relator, caiba dos seus despachos reclamação para a conferência, como resulta, entre outros, do disposto nos números 2 do artigo 27.º e 5 do artigo 145.º do CPTA, e no número 3 do artigo 653.º do CPC. Aquela reclamação só não cabe dos seus despachos de mero expediente, porque não envolve o exercício de competências decisórias e não afetam a posição das partes.
O facto de o relator ter a faculdade de praticar singularmente alguns atos no processo, não significa que esteja obrigado a fazê-lo, e não possa submeter a decisão diretamente à conferência.
Como já se decidiu no Acórdão desta Secção, de 11 de setembro de 2019, proferido no Processo n.º 046/09.3BELLE-A, «não ocorre nulidade processual quando sobre a reclamação recai logo um acórdão da conferência, por a falta de intermediação da decisão singular ser insuscetível de influir na decisão, visto não se estar no âmbito de uma competência exclusiva legalmente atribuída ao relator e este ter feito parte da conferência que, por unanimidade, decidiu aquela reclamação».
Pelo que, nesta parte, a alegação da Reclamante, não procede.

3. A Reclamante alega, em segundo lugar, que o acórdão é nulo, por ter seguido para «julgamento na conferência, sem precedência de uma decisão singular, em cumprimento de um despacho estranho ao presente processo, e que dele não devia constar».
É um facto que o relator, por mero lapso, incorporou no SITAF um despacho de inscrição em tabela com o número de outro processo, julgado nesta Secção, pela mesma conferência, na sessão anterior de 24 de junho de 2021.
Tal lapso, sendo manifesto, não afeta a validade do acórdão proferido, tanto mais que o respetivo projeto foi efetivamente inscrito pela Secretaria em tabela, e o processo foi julgado pela formação completa dos juízes que compõem a conferência. A ter existido qualquer irregularidade no agendamento do julgamento, a mesma foi sanada pela intervenção daqueles juízes.
Acresce que o despacho de inscrição de um projeto de acórdão em tabela, tendo em vista o julgamento do processo na sessão imediatamente seguinte, é um despacho de mero expediente, que apenas têm por finalidade regular ou disciplinar o andamento e a tramitação processual e que não importa decisão ou julgamento, denegação, reconhecimento ou aceitação de qualquer direito. Tal despacho não interfere na decisão da causa, não sendo, por isso, passível de recurso, nem determinando a sua falta ou a sua incorreção a nulidade das decisões proferidas.
Pelo que, também nesta parte, a alegação da Reclamante, não procede.

4. A Reclamante alega, ainda, em terceiro lugar, que o acórdão é nulo por nada ter decidido ou ordenado «quanto à nulidade arguida na primeira instância, e à omissão do seu conhecimento, o que, salvo o devido respeito, lhe competia, fazer, nos termos do disposto naquela mesma alínea b) do nº 1 do artigo 652º do CPC».
Mas não tem, também nesta matéria, qualquer razão.
Apenas constituem questões que este Supremo Tribunal deva conhecer as nulidades que vem arguidas das suas próprias decisões, ou as nulidades das decisões do tribunal a quo que constituam objeto de recurso ou reclamação perante ele interposto.
O despacho que não admitiu o recurso, na parte em que convidou o Recorrente, ora Reclamante, a corrigir a espécie do recurso não é, ele próprio, objeto da reclamação, na qual não foi arguida a sua nulidade, mas apenas a admissibilidade do recurso.
O Reclamante teria, pois, que ter reagido da alegada omissão de pronúncia do TAC de Lisboa pelos meios processualmente adequados, nos termos do número 4 do artigo 615.º do CPC, o que não fez.
A alínea b) do número 1 do artigo 652.º do CPC de nada pode valer à pretensão da Reclamante, porque, em rigor, nada obsta ao conhecimento da reclamação do despacho de não admissão do recurso per saltum. É que, ainda que o despacho do juiz a quo fosse nulo, na parte em que convidou a corrigir a espécie do recurso interposto, sempre seria possível reclamar daquele mesmo despacho, na parte em não admitiu o recurso, na espécie em apreço.
Improcede, assim, mais esta nulidade arguida pela Reclamante.

5. A Reclamante vem, por outro lado, requerer a reforma do acórdão, nos termos da alínea a) do número 2 do artigo 616.º do CPC, por entender que, «no CPTA é clara e inequivocamente consagrado o direito de sempre se poder recorrer das decisões de ”improcedência de pedidos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias”, tal como resulta do disposto no artigo 142º nº 3, alínea a) do CPTA».
Sucede, porém, que não se verifica nenhum erro manifesto na interpretação e aplicação das normas aplicáveis à admissão do recurso de revista per saltum por ela interposto, pelo que, no caso dos autos, a reforma do acórdão não tem cabimento. É que, o acórdão cuja reforma se pede, não disse à Reclamante que não podia interpor recurso do despacho do tribunal a quo que indeferiu a ampliação do pedido, e da sentença que julgou improcedente a ação, mas apenas que não podia interpor um recurso daquela espécie.
Como se afirmou no Acórdão da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de julho de 2020, proferido no Processo n.º 0153/07.7BECTB, a faculdade conferida por aquela disposição legal «não se destina à mudança do decidido com base nas divergências entre as partes e o tribunal quanto à interpretação e aplicação das regras de direito (...), as quais, se encerrarem erros de julgamento, só poderão ser corrigidos por recurso, nos casos em que a lei ainda o admita».
Improcede, assim, nesta parte, o pedido de reforma do acórdão.

6. A Reclamante vem, finalmente, requerer a reforma do acórdão quanto a custas, alegando que os processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias estão isentos de custas, os termos do disposto na alínea b) do número 2 do artigo 4º Regulamento das Custas Processuais (RCP).
Nesta parte tem toda a razão, pelo que o Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de 1 de julho de 2021, que indeferiu a sua reclamação contra o despacho do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, de 23 de março de 2021, que não admitiu o seu recurso de revista per saltum do despacho daquele Tribunal que indeferiu a ampliação do pedido, e da sentença que julgou improcedente a ação, deve ser reformado quanto a custas, isentando a Reclamante da obrigação de as pagar.

Decisão

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, reunidos em conferência, em:

a) Conceder provimento ao pedido de reforma do acórdão quanto a custas; e

b) Negar provimento quanto aos demais pedidos formulados.


Sem custas. Notifique-se

O relator consigna e atesta que, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, tem voto de conformidade com o presente Acórdão de todos os restantes juízes que integram a presente formação julgamento, nomeadamente os Conselheiros José Veloso e Ana Paula Portela.


Lisboa, 9 de setembro de 2021

Cláudio Ramos Monteiro

Este acórdão está junto ao acórdão de 1 de julho de 2021.