Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0873/14 |
Data do Acordão: | 10/15/2014 |
Tribunal: | PLENÁRIO |
Relator: | MADEIRA DOS SANTOS |
Descritores: | PLENÁRIO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ACÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL |
Sumário: | I - À luz do ETAF e do CPTA, o conhecimento das acções sobre responsabilidade civil extracontratual de entes públicos compete aos tribunais administrativos. II - Essa competência não é singularmente afastada pelo art. 171º do CPPT, pois esta norma limita-se a regulamentar um preceito – o art. 53º da LGT – que admite a solução dita em I. |
Nº Convencional: | JSTA000P18067 |
Nº do Documento: | SAP201410150873 |
Data de Entrada: | 07/11/2014 |
Recorrente: | JUIZ DO TRIBUNAL TRIBUTÁRIO DE LISBOA |
Recorrido 1: | * |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Plenário do Supremo Tribunal Administrativo: O Mm.º Juiz do Tribunal Tributário (doravante, TT) de Lisboa suscitou «ex officio» a resolução de «um conflito negativo de competência em razão da matéria» entre o seu tribunal e o Tribunal Administrativo de Círculo (TAC) da mesma cidade, conflito esse relativo à acção cuja petição inicial consta de fls. 7 e ss. destes autos. O Ex.º Magistrado do MºPº junto deste Plenário emitiu douto parecer no sentido de se deferir a competência para apreciar a acção ao TT de Lisboa. Cumpre decidir. Depara-se-nos, realmente, um conflito «de jurisdição» (cfr. o art. 29º do ETAF), visto que o TAC de Lisboa, primeiro, e o TT de Lisboa, depois, através de decisões transitadas, recusaram a competência («ratione materiae») própria para o conhecimento da acção aludida nos autos, atribuindo-a ao outro. Trata-se de uma acção tendente a obter a condenação do Estado no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos que a autora sofreu com a persistência da garantia bancária que prestara para sustar uma execução fiscal fundada num acto de liquidação mais tarde anulado «in judicio». É sabido que as acções do género – de responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos – costumam correr nos tribunais administrativos, e não nos tributários. E essa prática – cuja repetição, por si só, nada garante – tem um genuíno fundamento legal. Concede-se que o ETAF não é perfeitamente claro na repartição de competências entre as subjurisdições administrativa e tributária. Mas, se cotejarmos os arts. 44º e 49º do diploma, atentando na minuciosa previsão, no último deles, dos assuntos cujo conhecimento incumbe aos Tribunais Tributários, logo recolheremos aí um forte indício de que o ETAF recortou as competências dessas subjurisdições por forma a conferir à administrativa uma competência que se pode qualificar como residual ou por exclusão. Sendo assim, o próprio ETAF inculca que a apreciação das acções de responsabilidade civil propostas na jurisdição administrativa e fiscal compete ordinariamente aos tribunais administrativos – conclusão que negativamente se extrai do pormenor de elas não estarem directamente previstas no art. 49º do diploma. E isso, para que o ETAF aponta, é confirmado pelo CPTA. Os destinatários imediatos deste código são os tribunais administrativos («vide» o seu art. 1º), aplicando-o os tribunais tributários de um modo apenas subsidiário (art. 2º, al. c), do CPPT). Ora, o art. 37º, n.º 2, al. f), do CPTA é explícito no sentido de que a responsabilidade do Estado deve ser pedida através uma acção administrativa comum – a interpor nos tribunais que o diploma tem em vista e que são os administrativos. E nenhuma estranheza há num tal desfecho. É que a determinação da competência material para conhecer dessas acções de responsabilidade costuma abstrair da natureza do assunto em que se inscreveu a conduta ilícita e danosa imputada ao Estado – como mostra o facto de ele responder nos tribunais administrativos por actos relacionados com o exercício das funções jurisdicional e legislativa (art. 4º, n.º 1, al. g), do ETAF). E, se o Estado responde nos tribunais administrativos em tais casos, nada, «a fortiori», obsta a que possa civilmente responder na mesma sede por condutas ligadas a questões jurídico-fiscais. É certo que a circunstância disto ser assim por via de regra não exclui absolutamente que haja uma excepção; e a disputa travada no TAC de Lisboa parece tê-la surpreendido no art. 171º do CPPT que, «per remissionem» do art. 49º, n.º 1, al. f), do ETAF, afirmaria a competência dos tribunais tributários para conhecer da acção agora em causa. Mas esta via de resolução do assunto não é profícua, como seguidamente veremos. Esse art. 49º, n.º 1, al. f), dispõe que compete aos tribunais tributários conhecer «das demais matérias que lhes sejam deferidas por lei». Ora, o art. 53º da LGT prevê expressamente a hipótese de haver uma indemnização pública pelos prejuízos resultantes da prestação de uma garantia bancária destinada a suspender a execução fiscal; e o n.º 3 do artigo estabelece que tal indemnização «pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente». A circunstância de aí disjuntivamente se prever a possibilidade do prejudicado solicitar a indemnização «autonomamente» denota que ele pode fazê-lo na sede própria e normal das acções do género, ou seja, através da interposição, nos tribunais administrativos de círculo, da acção comum referida no art. 37º, n.º 2, al. f), do ETAF – conforme vimos «supra». E isto aponta de imediato para que, «in casu», se deva concluir pela competência material do TAC de Lisboa. Porém, o mencionado art. 171º do CPPT, dispondo sobre a «indemnização em caso de garantia indevida», silenciou a possibilidade de se pedir a indemnização «autonomamente»; e limitou-se a estabelecer que ela seria «requerida no processo» em que fosse «controvertida a legalidade da dívida exequenda» (n.º 1), precisando ainda que a indemnização seria «solicitada na reclamação, impugnação ou recurso» (n.º 2). Pelo que a letra do art. 171º já sugere que a acção em presença seja atribuída ao TT de Lisboa. Mas o conflito entre essas normas da LGT e do CPPT é só aparente; e teria fatalmente de sê-lo, até pela primazia do primeiro desses diplomas sobre o segundo («vide» o art. 1º do CPPT). Não há dúvida que o art. 171º do CPPT visa regulamentar – e não revogar, sequer em parte – o art. 53º da LGT. Sendo assim, o art. 171º não impede o lesado de propor uma acção de indemnização autónoma; pois o preceito meramente explicita como deve ele proceder caso opte pela outra alternativa prevista no art. 53º, n.º 3, da LGT, isto é, caso peça a indemnização «no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial» («hoc sensu», cfr. o acórdão de 24/11/2010, proferido no proc. n.º 1103/09 pela Secção de Contencioso Tributário do STA). Deste modo, e porque a autora da acção em causa optou pela alternativa – inclusa no art. 53º, n.º 3, da LGT – não prevista na regulamentação constante do art. 171º do CPPT, tem de se concluir que esta norma não é aplicável ao sobredito processo de responsabilidade. Não o sendo, desaparece o único preceito em que se poderia sustentar a tese de que tal acção era de atribuir aos tribunais tributários – por indirectamente caber numa matéria cuja competência lhes fora deferida por lei. E, em resultado de tudo isso, volta a predominar a regra geral – que inequivocamente localiza nos tribunais administrativos a competência para a apreciação das acções de responsabilidade civil extracontratual dirigidas contra pessoas colectivas de direito público. Nestes termos, acordam em anular a decisão que declarou a incompetência do TAC de Lisboa e em resolver o presente conflito por forma a atribuir ao mesmo TAC a competência, em razão da matéria, para conhecer da acção de responsabilidade civil referida nos autos. Sem custas. Lisboa, 15 de Outubro de 2014. – Jorge Artur Madeira dos Santos (relator) – Dulce Manuel da Conceição Neto – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Vítor Manuel Gonçalves Gomes – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Joaquim Casimiro Gonçalves – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes. |