Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0606/15.3BELRA 0653/18
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
PRESTAÇÃO INICIAL DE DESEMPREGO
Sumário:A Segurança Social só pode exigir da entidade patronal, ao abrigo do art. 63.º do DL n.º 220/2006, de 03.11, o reembolso das prestações a que o trabalhador teve efetivamente direito e não do que corresponderia à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego.
Nº Convencional:JSTA000P23961
Nº do Documento:SA1201812130606/15
Data de Entrada:06/28/2018
Recorrente:A... S.A
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A……………., LDA.”, devidamente identificada nos autos, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria [doravante «TAF/L»] a presente ação administrativa especial contra o “INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP” [«ISS,IP»], peticionando a anulação do ato de 20.11.2014 da Diretora da Segurança Social do Centro Distrital de Leiria que determinou o pagamento, pela mesma, do montante de 19.128,00 € [correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego devida à sua ex-trabalhadora B………….].

2. O «TAF/L», por sentença de 16.12.2015 [cfr. fls. 115/127 - paginação «SITAF» - tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o R. do pedido.

3. A A., inconformada recorreu para o TCA Sul [doravante «TCA/S»], o qual, por acórdão de 28.02.2018 [cfr. fls. 221/232], veio a negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

4. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA a A., de novo inconformada agora com o acórdão proferido pelo «TCA/S», interpôs, então, o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 246 e segs. e fls. 325 e segs. após despacho convite de fls. 308/309], apresentando o seguinte quadro conclusivo que se reproduz:
«...
I. O Douto Tribunal a quo fez incorreta interpretação e aplicação do artigo 63.º do DL 220/2006, de 3 de novembro, na redação do DL n.º 64/2012, de 15 de março.
(…)
IV. A exigência de pagamento feita à Recorrente traduz uma violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, consubstanciando um enriquecimento sem causa do Instituto da Segurança Social.
V. O TCA Sul considerou que a aqui Recorrente excedeu o limite das quotas disponíveis referido no artigo 10.º, n.º 4, alínea a) do DL 220/2006, de 3 de novembro, e como tal ficara sujeita ao regime estabelecido no artigo 63.º do DL 220/2006, de 3 de novembro, na redação do DL n.º 64/2012, de 15 de março.
VI. Da alínea F) dos Factos Provados em sede de Sentença proferida pelo TAF de Leiria, que não mereceu qualquer reparo por parte do TCS Sul, resultou provado que “A beneficiária B……………. apenas recebeu subsídio de desemprego no período de 2 a 12.10.2014, tendo o pagamento sido suspenso a partir de 13.10.2014 por ter iniciado contrato de trabalho com a empresa C…………., Lda”.
VII. Resultou provado que a beneficiária B………….., com quem a aqui Recorrente celebrou acordo de revogação de contrato de trabalho nos termos do DL 220/2006, apenas beneficiou de subsídio de desemprego por 12 (doze) dias.
VIII. O TCA Sul confirmou a Decisão do TAF de Leiria, que condenou a aqui Recorrente a pagar à Ré a quantia de € 19.128,00, correspondente a um total de 1140 (mil cento e quarenta) dias.
IX. A beneficiária B…………… beneficiou de subsídio de desemprego por um período de 12 (doze) dias, e o Instituto de Segurança Social, IP exige àquela o pagamento da quantia correspondente a 1140 (mil cento e quarenta) dias.
X. Esta Decisão proferida pelo TAF de Leiria e confirmada pelo TCA Sul viola objetivamente o princípio da proporcionalidade.
XI. Não existe, in casu, qualquer nexo de causalidade entre o ato impugnado e os prejuízos que o Tribunal a quo deu como provados, não resultando para o Recorrido quaisquer danos suscetíveis de indemnização, verificando-se, assim, uma violação do disposto no artigo 563.º do Código Civil.
XII. Por não se verificar os requisitos de que a lei faz depender a existência de responsabilidade civil extracontratual da aqui Recorrente, deveria o TCA Sul ter proferido Acórdão distinto daquele de que se recorre.
XIII. A verificar-se violação do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do DL 220/2006, tal ilegalidade não podia ser sancionada com a obrigação de pagar antecipadamente a globalidade do subsídio de desemprego que seria devido.
XIV. Aquando da notificação à aqui Recorrente para pagar a globalidade do subsídio de desemprego que seria devido, o Instituto de Segurança Social IP já era sabedor que a beneficiária B………….. tinha cessado o recebimento de subsídio de desemprego, porquanto estava a trabalhar por conta de outrem.
XV. A Recorrente deveria, tão-só, ressarcir o Recorrido Instituto de Segurança Social IP do montante que foi efetiva e objetivamente pago à trabalhadora em apreço.
XVI. Só pode ser justo e adequado a Recorrente ser responsável pelo pagamento da quantia de € 201,34, correspondente ao período de 12 (doze) dias de desemprego da trabalhadora B…………...
XVII. A restituição da totalidade do subsídio de desemprego, nos termos preconizados pelo TCA Sul no Acórdão de que se recorre, configura um enriquecimento sem causa do Instituto da Segurança Social, e consequentemente um empobrecimento imerecido e injustificado da Recorrente.
XVIII. O artigo 63.º do DL 220/2006 está previsto fora da secção dedicada às contraordenações ou aos processos sancionatórios, o que traduz a intenção clara do legislador de não atribuir a este preceito caráter sancionatório e de penalização, mas tão-só de restituição das prestações que foram efetivamente recebidas pelo trabalhador.
XIX. O entendimento sufragado pelo TCA Sul não pode prevalecer, porquanto, se o TCA Sul atribui dignidade sancionatória ou de penalização àquele normativo legal, teria de considerar o comportamento da Recorrente como configurando um ilícito penal ou de natureza contraordenacional.
XX. O Recorrido não poderia aplicar uma multa ou uma coima sem que antes tivesse possibilitado à Recorrente o exercício do contraditório, a possibilidade de defesa no âmbito de um processo-crime ou contraordenacional que lhe fosse instaurar - algo que não ocorreu nos autos.
XXI. A não ser assim, uma parte do valor que foi exigido à Recorrente correspondia a uma multa ou coima destinada a sancionar um comportamento que fosse considerado ilícito do ponto de vista penal ou contraordenacional sem que houvesse tipificação legal dessa sanção e sem que a sua aplicação obedecesse às exigências legais e constitucionais garantindo, nomeadamente, os direitos de defesa do empregador no âmbito desse processo.
XXII. Nos moldes em que o D. Acórdão recorrido está elaborado, designadamente a interpretação do artigo 63.º do DL 220/2006, configura uma violação do direito de audição e defesa conferidos à Recorrente pelo artigo 32.º, n.º 10 da CRP.
XXIII. A interpretação que o TCA Sul faz do artigo 63.º do DL 220/2006 afigura-se inconstitucional, porquanto viola o princípio da proporcionalidade referido na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIV. Atente-se no D. Acórdão do STA, de 19/06/2014, 1.ª Secção, no Processo n.º 01308/13.
XXV. Esta interpretação ali feita do artigo 63.º do DL 220/2006 é, no entender da Recorrida, aquela que deve ser adotada nos presentes autos.
XXVI. O Acórdão recorrido violou os artigos 3.º, n.º 1, 4.º, 152.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), 153.º, n.ºs 1 e 2, 161.º, n.ºs 1 e 2, alíneas d) e f), todos do Código do Procedimento Administrativo; bem como os artigos 334.º, 473.º, 483.º e 562.º do Código Civil; e outrossim os artigos 32.º, n.º 10 e 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa …».

5. Devidamente notificado o R., aqui ora recorrido, veio produzir contra-alegações [cfr. fls. 275 e segs.], concluindo nos seguintes termos:
«...
A - O Tribunal a quo proferiu o douto Acórdão no sentido de confirmar a sentença do Tribunal de 1.ª instância que julgou totalmente improcedente a ação administrativa, confirmando a sentença recorrida.
B - Sucede que, a Recorrente considera que o douto Acórdão, ao decidir como decidiu, violou princípios constitucionais.
C - Não lhe assistindo, contudo, razão, na medida em que tanto o Recorrido como o Tribunal a quo limitaram-se a cumprir, em estrita obediência ao princípio da legalidade, e no exercício de poderes vinculados, com o estipulado no regime jurídico estipulado no Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro.
(…)
E - A Recorrente, enquanto entidade empregadora, é responsável pelo pagamento do montante correspondente à totalidade ao período de concessão da prestação inicial de desemprego, independentemente de dolo, culpa ou erro da entidade empregadora, ao criar tal convicção do trabalhador no preenchimento das condições previstas no n.º 4 do artigo 10.º, conforme determina o artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro;
F - Atente-se que o artigo 63.º em causa não qualifica o comportamento da entidade empregadora, ao contrário do que sucede, por exemplo, no artigo 483.º do Código Civil, apenas imputa a responsabilidade da entidade empregadora no caso de incumprimento dos requisitos previstos no n.º 4 e 5 do artigo 10.º do Decreto-Lei citado, cuja génese visa combater a precariedade laboral e o “desemprego fácil”, e imprimir um sentimento de responsabilidade perante a sociedade e a sustentabilidade do sistema de segurança social;
G - Entendendo o legislador que a entidade empregadora deve ser responsabilizada pela situação de desemprego que colocou os seus trabalhadores que ficaram excluídos do limite legal para o efeito e, como tal, deverá proceder ao pagamento dos montantes correspondentes à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego
H - O Recorrido não pretende qualquer benefício ao dar cumprimento a uma norma legal que determina a responsabilidade da Recorrente no pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego (artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, já citado);
I - O ato administrativo que ordena o pagamento do montante correspondente ao período de concessão do subsídio de desemprego é um ato estritamente vinculado. Desse modo, não poderá ser alegado um benefício ou um enriquecimento sem causa, quando a legitimidade e o fundamento para efetuar o pedido de pagamento acima referido, resultam de forma expressa da norma ínsita no artigo 63.º citado;
J - O douto acórdão recorrido não padece de qualquer vício ou erro de julgamento, tendo o Tribunal a quo julgado com acerto e brilho o presente dissídio, pelo que deve o presente recurso ser rejeitado, ou, caso assim não se entenda ser julgado improcedente, com as legais consequências …».

6. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 12.07.2018, veio a ser admitido o recurso de revista [cfr. fls. 292 e segs.].

7. O Digno Magistrado do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso [cfr. fls. 303 e segs.].

8. Com dispensa de vistos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.


DAS QUESTÕES A DECIDIR

9. Constitui objeto de apreciação nesta sede o assacado erro de julgamento acometido pela A./recorrente ao acórdão recorrido quanto ao juízo no mesmo efetuado, visto entender haver violação, nomeadamente, do disposto nos arts. 63.º do DL n.º 220/2006, de 03.11 [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 64/2012, de 15.03 - redação essa a que se reportarão ulteriores citações daquele diploma], 03.º, n.º 1, 04.º, 152.º, n.º 1, als. a), b) e c), 153.º, n.ºs 1 e 2, 161.º, n.ºs 1 e 2, als. d) e f), todos do Código do Procedimento Administrativo [CPA] [na redação que lhe foi introduzida pelo DL n.º 4/2015], 334.º, 473.º, 483.º e 562.º, todos do Código Civil [CC], 32.º, n.º 10, e 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa [CRP], e, nessa medida, deveria ter sido julgada procedente a pretensão impugnatória por si deduzida ao invés do que concluíram as instâncias [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].




FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
10. Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:
I) Em setembro de 2011 a A. tinha ao seu serviço 19 trabalhadores [fls. 08/verso do processo administrativo].
II) Em 30.09.2014 foi cessado, por acordo, o contrato de trabalho entre a A. e a trabalhadora B…………. [acordo].
III) A declaração de situação de desemprego entregue àquela trabalhadora criou na mesma a convicção de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego [fls. 08 do processo administrativo].
IV) Em 20.10.2014 foi emitida a nota de reposição n.º 8998163, no valor de 19.128,00 €, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego reconhecido à beneficiária B………… [fls. 02 e 03 do processo administrativo].
V) Através de ofício datado de 20.11.2014, assinado pela Diretora de Segurança Social de Leiria, a A. foi notificada, nomeadamente, de que teria de pagar a quantia indicada na nota de reposição referida na alínea anterior [documento n.º 01 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
VI) A beneficiária B…………. apenas recebeu subsídio de desemprego no período de 02 a 12.10.2014, tendo o pagamento sido suspenso a partir de 13.10.2014 por ter iniciado contrato de trabalho com a empresa “C…………, Lda.” [informação da Entidade Demandada de 21.09.2015].
VII) Nos três anos anteriores a 30.09.2014 a A. cessou mais de cinco contratos de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitem o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho [fls. 08/verso do processo administrativo].

*

DE DIREITO
11. Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação do objeto do presente recurso de revista.

12. Insurge-se a A., aqui recorrente, quanto ao juízo firmado pelo acórdão recorrido que, negando provimento ao recurso, manteve a sentença do «TAF/L» que havia julgado improcedente a ação por ela intentada contra o R./«ISS, IP», e onde impugnou o ato que lhe impôs o pagamento do montante de 19.128,00 €, correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego devida à sua ex-trabalhadora B………….

13. A discussão nos autos centra-se, desde logo, na interpretação e aplicação à situação do regime previsto nos arts. 10.º e 63.º do DL n.º 220/2006 [diploma que estabelece, no âmbito do subsistema previdencial, o quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem] nos termos que se mostram efetuados pelo R., e reputadas de erradas pela A..

14. Extrai-se do art. 10.º do referido DL, sob a epígrafe de «cessação por acordo», no que releva para a situação objeto de litígio, que «[c]onsideram-se desemprego involuntário, para efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo anterior, as situações de cessação do contrato de trabalho por acordo, que se integrem num processo de redução de efetivos, quer por motivo de reestruturação, viabilização ou recuperação da empresa, quer ainda por a empresa se encontrar em situação económica difícil, independentemente da sua dimensão» [n.º 1], que «[p]ara além das situações previstas no n.º 2 são, ainda, consideradas as cessações do contrato de trabalho por acordo fundamentadas em motivos que permitam o recurso ao despedimento coletivo ou por extinção do posto de trabalho, tendo em conta a dimensão da empresa e o número de trabalhadores abrangidos, nos termos seguintes: (…) a) Nas empresas que empreguem até 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até três trabalhadores inclusive ou até 25% do quadro de pessoal, em cada triénio; (…) b) Nas empresas que empreguem mais de 250 trabalhadores, são consideradas as cessações de contrato de trabalho até 62 trabalhadores inclusive, ou até 20% do quadro de pessoal, com um limite máximo de 80 trabalhadores em cada triénio» [n.º 4], e que «[o]s limites estabelecidos no número anterior são aferidos por referência aos três últimos anos, cuja contagem se inicia na data da cessação do contrato, inclusive, e pelo número de trabalhadores da empresa no mês anterior ao da data do início do triénio, com observância do critério mais favorável» [n.º 5], sendo que «[p]ara efeitos dos n.ºs 4 e 5 são consideradas as pessoas singulares e coletivas, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que beneficiem da atividade profissional de terceiros prestada em regime de trabalho subordinado ou situações legalmente equiparadas para efeitos de segurança social» [n.º 6].

15. E no art. 63.º do mesmo diploma, que tem por epígrafe «responsabilidade pelo pagamento das prestações», prevê-se que «[n]as situações em que a cessação do contrato de trabalho por acordo teve subjacente a convicção do trabalhador, criada pelo empregador, de que a empresa se encontra numa das situações previstas no n.º 2 do artigo 10.º ou de que se encontram preenchidas as condições previstas no n.º 4 do mesmo artigo e tal não se venha a verificar, o trabalhador mantém o direito às prestações de desemprego, ficando o empregador obrigado perante a segurança social ao pagamento do montante correspondente à totalidade do período de concessão da prestação inicial de desemprego».

16. Cumpre, então, determinar se o entendimento firmado pelas instâncias quanto à legalidade do ato impugnado se mostra acertado considerando o quadro normativo convocado.

17. A questão ora em discussão, que é a de saber se, por força do que se dispõe no art. 63.º do DL n.º 220/2006, a entidade patronal está obrigada a pagar à Segurança Social a totalidade das prestações devidas mesmo que - por qualquer razão - o trabalhador tenha perdido o direito à sua perceção e, por essa razão, aquele subsídio não tenha sido pago na sua totalidade, não é nova neste Supremo Tribunal, tendo o mesmo no seu acórdão de 18.06.2014 [Proc. n.º 01308/13 - disponível in: «www.dgsi.pt/jsta»], já tomado posição quanto à interpretação do referido quadro normativo.

18. Afirmou-se no referido acórdão que «o empregador só tem de compensar a Segurança Social pelo valor que esta efetivamente despendeu visto a responsabilidade ora em causa ser indemnizatória e, por essa razão, advir do prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado e ter como medida o valor desse dano», pelo que, sendo «ilegal ressarcir alguém de um prejuízo que ele não teve (art. 483.º do CC)», então seria «forçoso concluir que se a Segurança Social, por qualquer razão, só pagou uma parte do subsídio de desemprego a que o trabalhador tinha direito a entidade responsável pelo ressarcimento dessa quantia só terá o dever de a compensar por esse valor visto, de outra forma, se estar a exceder o dever indemnizatório do empregador e a provocar um enriquecimento sem causa da Segurança Social».

19. Para tal argumentou-se, ainda, que a norma enunciada no citado art. 63.º, «teve por finalidade responsabilizar o empregador pelo pagamento do subsídio de desemprego nos casos em que, fraudulentamente, convenceu o trabalhador a cessar, por acordo, o seu contrato de trabalho sem que se verificassem os requisitos que permitiam o seu despedimento e não sancioná-lo por essa conduta ilegal. Ou seja, o escopo único daquela norma foi afastar a hipótese de caber à Segurança Social o pagamento de um subsídio provocado pela conduta dolosa de terceiro e não o ter um efeito punitivo», e, depois, «porque, se assim é, a responsabilidade indemnizatória do obrigado tem de ter como limite o prejuízo efetivamente sofrido pelo lesado e como medida o valor desse dano pelo que não fará sentido ressarcir o Réu por um prejuízo que ela não teve», tanto mais que «a não ser assim, o pagamento de quantia diversa daquela que a Segurança Social efetivamente pagou configurava uma sanção não prevista no citado diploma (vd. seus arts. 64.º a 67.º)», o que seria «ilegal uma vez que as sanções estabelecidas nos apontados normativos não incluem a «punição» que o Acórdão recorrido admitiu».

20. E da linha fundamentadora do mesmo acórdão extrai-se, ainda, que verificado o ilícito isso não significa que «a Segurança Social não possa ordenar a reposição do montante já pago ao trabalhador como ordenar que seja depositado, antecipadamente, o valor que, previsivelmente, irá ser pago e que o devedor não esteja obrigado a proceder a esse pagamento», sendo que tal «não quer dizer que, nessas circunstâncias, o montante pago antecipadamente não possa ser devolvido se se constatar que o trabalhador - por qualquer razão - perdeu o direito ao subsídio e, por esse motivo, a Segurança Social cessou o seu pagamento e que o empregador não possa reivindicar essa devolução».

21. Não vislumbramos razões para nos apartar e divergir deste entendimento, aliás não trazidas aos autos, entendimento este que, assim, se reitera.

22. E fazendo aplicação do mesmo entendimento à situação sub specie temos que assistirá razão à A. na pretensão que deduziu.

23. Com efeito, ressalta assente que a trabalhadora da A. acordou com esta a cessação do seu contrato de trabalho, em 30.09.2014, no convencimento de que se encontrava dentro do limite de quotas estabelecido para acesso às prestações de desemprego e de que, por isso, se verificavam os requisitos previstos no art. 10.º do DL n.º 220/2006, sendo que a cessação daquele vínculo laboral determinou que o R. tivesse concedido àquela trabalhadora o subsídio de desemprego no período de 02.10.2014 a 12.10.2014, tendo o processamento do referido subsídio sido suspenso em 13.10.2014 mercê daquela mesma trabalhadora haver passado a trabalhar para uma outra empresa ao abrigo de contrato de trabalho que, entretanto, celebrou [cfr. n.ºs II), III), e VI) da factualidade provada].

24. O R. constatou que os requisitos não ocorriam o que o levou a ordenar a notificação da A. para que esta pagasse 19.128,00 € [cfr. n.ºs IV), e V) da factualidade apurada], quantia essa correspondente à totalidade das prestações que a trabalhadora iria receber até final do período.

25. Ora, de harmonia com a motivação e entendimento atrás enunciado, mostrando-se apurado de que a ex-trabalhadora da A. só esteve desempregada entre 02.10.2014 e 12.10.2014 e que só durante este período a mesma recebeu subsídio de desemprego, então o R. só poderia exigir à A., aqui recorrente, o montante que, efetivamente, havia pago e não a importância fixada no ato impugnado.

26. O ato impugnado, ao haver fixado e exigido valor superior, mostra-se, assim, proferido em infração do disposto no art. 63.º do DL n.º 220/2006, assistindo, por conseguinte, razão à A. nas críticas que dirigiu ao acórdão recorrido, termos em que se impõe conceder provimento ao presente recurso e julgar procedente a pretensão pela mesma deduzida na ação, sem necessidade de outros considerandos e/ou da análise de demais fundamentos por despiciendos ou precludidos.


DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) conceder provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, revogar o acórdão recorrido;
B) julgar a presente ação administrativa procedente, por provada, e consequentemente, anular o ato impugnado.
Custas nas instâncias e neste Supremo a cargo do R./Recorrido. D.N..



Lisboa, 13 de Dezembro de 2018. - Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.