Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01937/18.6BEBRG
Data do Acordão:04/10/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:INSOLVÊNCIA
IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
SUJEITO PASSIVO
IMPOSTO
RESPONSABILIDADE
PAGAMENTO
DÍVIDA
MASSA INSOLVENTE
Sumário:I - Tendo o facto gerador de imposto de IMI ocorrido em momento posterior à declaração de insolvência, independentemente de o sujeito passivo ser a pessoa colectiva insolvente, tal crédito constitui uma dívida da Massa Insolvente, cujo pagamento deve ser exigido ao Administrador de Insolvência, que tem o dever de, por recurso aos bens que integram a referida Massa, proceder ao seu pagamento com preferência sobre os demais créditos a pagamento.
II - Não tendo o Administrador da Insolvente, notificado nesta qualidade, procedido voluntariamente a esse pagamento, bem andou a Administração Tributária em extrair certidão, instaurar Execução Fiscal contra a Massa Insolvente e, bem assim, em citar o seu Administrador para, em sua representação, proceder ao pagamento e para o exercício dos demais direitos que a lei tributária, nestas circunstâncias, lhe reconhece.
Nº Convencional:JSTA00071837
Nº do Documento:SA22024041001937/18
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA TAF DE BRAGA
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:INSOLVÊNCIA
Área Temática 2:DIVIDAS FISCAIS
Legislação Nacional:ARTIGOS 47º, 51º, 55º, nº1, al. b) e 172º nº2 do CIRE, 8º DO CIMI
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. AA, na qualidade de Administrador de Insolvência da “A..., LDA. – EM LIQUIDAÇÃO”, intentou, ao abrigo do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a presente Oposição Judicial que dirigiu à Execução Fiscal que corre termos no Serviço de Finanças de Braga 1, instaurada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IMI do ano de 2011 (2ª prestação) no valor de € 12.963,33.

1.2. Na petição inicial invocou em abono da sua pretensão quatro fundamentos:

(i) a sua ilegitimidade para a Execução Fiscal - porque a entidade citada e, bem assim, a que consta das certidões de dívida que servem de título executivo nos presentes autos é a sociedade “A... - EM LIQUIDAÇÃO”, a qual foi declarada insolvente em 2005 e para cuja Massa Insolvente foram apreendidos em 2006 todos os imóveis a que se reportam os IMI em cobrança, pelo que, conclui, estes créditos tributários constituem uma dívida da Massa Insolvente e é a esta que deve ser exigido o seu pagamento, e não à “A... - EM LIQUIDAÇÃO, que é, neste contexto, parte ilegítima;

(ii) a inexigibilidade da dívida por falta de notificação para pagamento do tributo - uma vez que nem o Administrador de Insolvência nem a Sociedade foram notificados para procederem ao pagamento do IMI de 2011, pelo que, a existir qualquer valor a pagar, o mesmo não é exigível por ineficácia da liquidação;

(iii) a caducidade do direito à liquidação do tributo - que “se irá verificar a 31.12.2015», uma vez que até à data de apresentação da Oposição Judicial (23-12-2015) nem o Administrador de Insolvência nem a Sociedade Insolvente foram validamente notificados foram validamente notificados da liquidação «e já não o serão certamente até 1. 01.2016»;

(iv) a falta de título executivo e de fundamentação quanto ao valor peticionado como acrescido” - por não ter sido transmitido à Executada a que título e as razões para lhe estar a ser exigido o pagamento da quantia de € 2.583,74.

1.2. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a Oposição foi julgada procedente e declarada extinta a respectiva Execução Fiscal.

1.3. Inconformada, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrente), interpôs recurso jurisdicional, condensando nas conclusões que infra transcrevemos as razões da sua discordância com o julgado:

«1.ª) – A única questão apreciada em sede de sentença prende-se com a inexigibilidade da dívida, por a Oponente não ser, à data da incidência do IMI, a detentora dos imóveis, por os mesmos se encontrarem apreendidos à ordem do processo de insolvência;

2.ª) – Para resposta à única questão decidenda apreciada em sede de sentença, o mui douto Tribunal a quo limitou-se a escudar a sua posição num único Acórdão, o qual, aliás, tem uma declaração de voto de vencido [Acórdão proferido no Processo n.º 01024/12, de 06/03/2014];

3.ª) – O Acórdão fundamento da sentença apelada, concluiu, em síntese, pela inexigibilidade da dívida em cobrança coerciva por entender que “verifica-se que estão a ser exigidos valores cujo vencimento ocorreu após a declaração de falência da oponente (…) ou respeitam a dívidas reportadas a períodos de imposto em que o imóvel era já parte integrante da massa insolvente e relativamente ao qual os poderes de administração e de disposição competiam a liquidatário judicial (…), em tais circunstâncias, à oponente não pode ser exigido o pagamento do IMI referente aos anos de 2004 e subsequentes, dado que à data de 31 de Dezembro de 2004 e anos subsequentes, o imóvel, estava já apreendido para a massa insolvente, sob poderes de administração legalmente previstos. Esta interpretação não altera a qualidade de sujeito passivo do imposto prevista no artigo 8.º, n.º 1 do CIMI, mas valoriza (…) a administração por terceiros do bem gerador do tributo e imputa a tal administração o dever de solver a dívida tributária”;

4.ª) – Entende a mui douta sentença, estribada no Acórdão fundamento, não estar preenchido o pressuposto da necessária exigibilidade;

5.ª) – A decisão proferida pelo mui douto Tribunal a quo ancorada no identificado Acórdão do STA encontra-se em oposição com jurisprudência assente, também, do STA;

6.ª) – Em oposição com o fundamento da decisão recorrida e com o único Acórdão do STA fundamento da decisão recorrida, existe jurisprudência do STA em dois segmentos decisórios, o primeiro desse segmento, conforme consta do voto de vencido do Ilustre e Venerando Juiz Conselheiro Pedro Delgado, por entender “na hipótese da execução ser relativa a créditos vencidos após a declaração de falência, se encontra legitimado o respectivo prosseguimento até à sua extinção (cfr. neste sentido acórdãos de 02.03.2011, recurso 137/11, de 31.01.2008, recurso 887/07, de 15.11.06, recurso 625/06 e de 29.11.06, recurso n.º 603/06)”;

7.ª) – Nestes casos (créditos vencidos após a declaração de insolvência), a execução poderá ser instaurada e prosseguir mas apenas se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação;

8.ª) – Importa, ainda, referir que o IMI não é um imposto sobre o rendimento, mas sim imposto sobre o património (art. 1.º do CIMI), cujo sujeito passivo é, em regra, o proprietário do prédio (art. 8.º, n.º 1 do CIMI);

9.ª) – Assim, sendo o proprietário o devedor do tributo, a demonstração de que ele não é o possuidor ou fruidor em nada afeta a dívida de imposto, pois a posse e fruição não podem servir de base à incidência do imposto;

10.ª) – Nestes casos, não terá qualquer relevo a constatação no processo de execução fiscal de que o proprietário não foi o possuidor ou fruidor dos bens no período a que se reporta a dívida exequenda, pois é precisamente pelo facto de ser proprietário que lhe é imputada a dívida de imposto, ou seja, só após a transferência da propriedade do imóvel é que a Oponente deixa de ser responsável pelas dívidas de IMI;

11.ª) – Destarte, neste primeiro segmento, podemos, desde logo, apontar que a decisão recorrida encontra oposição nos Acórdãos do STA de 02/03/2011, recurso 137/11; de 31/01/2008, recurso 887/07; de 15/11/06, recurso 625/06; e de 29/11/06, recurso 603/06;

12.ª) – Oposição que se verifica no sentido de que, na hipótese da execução ser relativa a créditos vencidos após a declaração de falência, se encontra legitimado o respetivo prosseguimento até à sua extinção, pois, nestes casos (créditos vencidos após a declaração de insolvência), a execução poderá ser instaurada e prosseguir, mas, apenas, se forem penhorados bens não apreendidos naqueles processos de falência ou recuperação;

13.ª) – Ainda que os créditos se tenham vencido após a declaração de insolvência da Oponente, a execução prosseguirá os normais termos até à extinção, donde se conclui que, sendo possível instaurar a execução e esta prosseguir os seus normais termos até à extinção, a dívida em cobrança coerciva, além de certa e líquida, tem de ser necessariamente exigível, revestindo-se da necessária exigibilidade da quantia exequenda;

14.ª) – A decisão fez errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 6 do art. 180.º do CPPT;

15.ª) – Em oposição com o fundamento da decisão recorrida e com o único Acórdão do STA fundamento da decisão recorrida, existe jurisprudência do STA num segundo segmento, isto é, a jurisprudência do STA que tem afirmado reiteradamente que a liquidação de IMI, efetuada dentro do prazo normal, não carece de notificação ao sujeito passivo, bastando o envio do documento de cobrança aludido nos artigos 119.º e 120.º do CIMI para tornar a dívida exigível;

16.ª) – Nesta análise, atente-se no que ficou decidido nos Acórdãos do STA de 05/07/2017, Processo: 0729/16; de 16/12/2015, Processo: 01218/13; e de 18/11/2015, Processo n.º 0319/14;

17.ª) – Destarte, a mui douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 119.º do Código do IMI (CIMI) [ou seja, caso o sujeito passivo não receba o documento de cobrança referido no n.º 1 do art. 119.º, deve solicitar em qualquer serviço de finanças uma 2.ª via];

18.ª) – A AT envia aos sujeitos passivos avisos/notas de cobrança para efeitos do pagamento do IMI, a ser efetuado nos termos do n.º 1 do art. 120.º do mesmo CIMI, e caso não seja recebido o aviso/nota de cobrança, é o sujeito passivo quem deve solicitar uma 2.ª via em qualquer serviço de finanças (n.º 3 do art. 119.º do CIMI);

19.ª) – Em causa estão avisos/notas de cobrança, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 119.º do CIMI, com o intuito de alertar o sujeito passivo para efetuar o pagamento do imposto, não tendo a natureza de uma “notificação” (veja-se o disposto no n.º 3 do mesmo art. 119.º do CIMI);

20.ª) – No sentido da jurisprudência acima citada resulta que a interpretação que deve ser dada ao n.º 3 do art. 119.º do CIMI é a de que caso o sujeito passivo não receba a 1.ª via do documento de cobrança, e independentemente da obrigação que recai sobre a AT da sua remessa, aquele tem o ónus de solicitar uma 2.ª via, pois não se restringem as causas de não recebimento do documento de cobrança, e nessa medida, abrange toda e qualquer causa, incluindo a sua não remessa, extravio, furto da caixa de correio, etc.;

21.ª) – Por outras palavras, aquele preceito legal impõe ao sujeito passivo o ónus de solicitar uma 2.ª via do documento de cobrança de IMI, em todo e qualquer caso que não receba a 1.ª via, abrangendo o caso em que o não recebimento desta 1.ª via resulte da não remessa;

22.ª) – Portanto, do n.º 3 do art. 119.º do CIMI resulta que a exigibilidade do imposto é independente da remessa do documento de cobrança, pois cabe ao sujeito passivo, em qualquer caso de não recebimento, providenciar pela obtenção de uma 2.ª via;

23.ª) – Por outro lado, o legislador ao implementar o regime em causa garantiu adequadamente ao sujeito passivo o conhecimento do IMI devido em cada ano, não somente pela remessa do documento de cobrança prevista no n.º 1, mas também através da disponibilização dessa informação quer às câmaras, quer aos serviços de finanças da área da situação dos prédios que pode ser consultada por aquele, nesses locais, enquanto interessado (n.º 2 do art. 119.º do CIMI);

24.ª) – Portanto, encontram-se estabelecidas duas vias para levar ao conhecimento do sujeito passivo o imposto devido, quer pela remessa do documento de cobrança pelos serviços da AT, quer pela disponibilização para consulta dos seus elementos em dois locais diferentes;

25.ª) – Ainda que a remessa do documento de cobrança não se verifique por qualquer falha do sistema de remessa dos serviços, ainda assim, sempre o sujeito passivo tem ao seu dispor, em dois locais diferentes, a consulta dos elementos constantes da nota de cobrança;

26.ª) – Deste modo, também do n.º 2 do art. 119.º do CIMI resulta que a dívida de IMI é exigível;

27.ª) – Em suma, garantido que está o conhecimento do imposto devido pelo sujeito passivo por aquelas duas vias, e cabendo a este o ónus de solicitar uma 2.ª via caso não receba a 1.ª, em todas as situações de não recebimento do documento de cobrança, conclui-se que o IMI é exigível independentemente da remessa do documento de cobrança;

28.ª) – Assim, a quantia exequenda é certa, líquida e exigível.».

1.4. A Oponente, A..., LDA. – EM LIQUIDAÇÃO notificada da interposição do recurso e da sua admissão, na pessoa do Administrador da Insolvente, não contra-alegou.

1.5. A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da revogação da sentença.

1.6. Não se verificando qualquer causa obstativa de apreciação do mérito do recurso, submetemos, agora, os autos à conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, é apenas uma a questão a decidir, qual seja, a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir que a dívida em cobrança na Execução Fiscal “é inexigível” à Oponente, e Executada na Execução Fiscal, por o crédito se ter vencido em data posterior à data de declaração de insolvência e o imposto ser relativo a imóveis que se encontravam apreendidos e integravam a Massa Insolvente anos antes da ocorrência do facto tributário.

2.3. Embora do que deixámos dito resulte já suficientemente indiciado que não será dado relevo ao teor das alegações vertidas nas conclusões 17ª a 27ª, entende-se, ainda assim, justificar a apontada irrelevância desse conjunto de alegações. Que é simples: como a Recorrente reconhece nas conclusões da sua motivação (conclusão 1ª), a única questão apreciada na sentença recorrida foi a da «inexigibilidade da dívida por a Oponente não ser, à data da incidência do IMI, a detentora dos imóveis, por os mesmos se encontrarem apreendidos à ordem do processo de insolvência». Todas as demais suscitadas pela Oponente foram expressamente julgadas prejudicadas pelo Tribunal a quo.

2.4. Donde, sem prejuízo de confirmarmos que, sendo o recurso julgado procedente, se imporá a apreciação e decisão das demais questões, este julgamento competirá, em primeira linha, ao Tribunal a quo (e não a este Supremo Tribunal que, como é sabido, não detém poderes de conhecimento em substituição), para o qual, sendo caso disso, se determinará a baixa do processo.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com relevância para a decisão da causa dão-se como provados os seguintes factos:

A) A 05.09.2018, foi extraída certidão n.º 2012/328453, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, constando como executada “A... LDA - EM LIQUIDAÇÃO”; natureza da dívida: Imposto Municipal de Imóveis (IMI) de 2011 (2.ª prestação); Data de vencimento: 30.09.2012; Quantia exequenda: 12.963,33 – cfr. fls. 5 a 7 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas;

B) Com base na certidão referida em A), pelo Serviço de Finanças de Guimarães 2, foi instaurado e corre termos, contra “A... LDA - EM LIQUIDAÇÃO”, o processo de execução fiscal n.º ...26, a correr termos no Serviço de Finanças de Braga 1, instaurada para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IMI do ano de 2011, no valor de € 12.963,33 – cfr. fls. 1 a 7 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas;

C) A sociedade executada foi declarada insolvente a 07.06.2005, no âmbito do processo n.º 1414/05.5TJVNF, que correu termos no 4.º Juízo de Competência Especializada Cível do Tribunal da Comarca de Vila Nova de Famalicão – cfr. fls. 14 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas;

D) No decurso do aludido processo de insolvência, a 27.09.2006, foram apreendidos os imóveis pertencentes à executada, sobre os quais incide o IMI, agora, em cobrança coerciva – cfr. fls. 15 a 17 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas.

Factos Não Provados:

Inexistem factos não provados.

Motivação:

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso, conforme o especificado nas várias alíneas da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, sobretudo certidão de dívida, anúncio de declaração de insolvência e auto de apreensão dos imóveis».

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Defende a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante Recorrente) que a sentença recorrida, que julgou não ser exigível à «A... LDA - EM LIQUIDAÇÃO” o pagamento de dívida de IMI que se encontra em cobrança coerciva padece de erro de julgamento. Por um lado, porque nada obsta a que seja instaurada e prossiga uma Execução Fiscal após a declaração de insolvência se apenas forem penhorados bens não apreendidos no processo de “falência” ou recuperação – artigo 180.º, n.º 6 do CPPT (vide, alegações e, em particular, 6ª e 7ª conclusões). Por outro, porque não sendo o IMI um imposto sobre o rendimento, antes sobre o património, que tem por sujeito passivo-regra o proprietário do prédio, é irrelevante a demonstração de que esse proprietário não é possuidor ou fruidor do prédio na data de vencimento do tributo, por essa posse ou fruição não servirem de base à incidência do imposto (vide, alegações e, em particular, 8ª a 14ª conclusões).

3.2.2. Em abono da sua pretensão revogatória convoca um conjunto de acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo, em que, alegadamente, foi perfilhada tese por si defendida, mais adiantando que, de resto, no acórdão convocado como fundamentação do julgamento, oposto à tese em questão, consta, “inclusive” um voto de vencido.

3.2.3. Vejamos, então, se lhe assiste razão, recordando que o julgamento de procedência da Oposição se mostra fundado na conclusão de que não é exigível à Oponente que pague a dívida em cobrança na Execução Fiscal, IMI do ano de 2011, «quer porque, à data da incidência do imposto a executada havia sido declarada insolvente, quer, porquanto, à data do seu vencimento, os imóveis estavam já apreendidos para a massa insolvente, sob poderes de administração aí legalmente previstos». Conclusão que surge no julgamento após o Meritíssimo Juiz ter transcrito um acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo em que, além do mais, ficou decidido que estando «a ser exigidos valores cujo vencimento ocorreu após a declaração de falência da oponente (…) ou respeitam a dívidas reportadas a períodos de imposto em que o imóvel era já parte integrante da massa insolvente e relativamente ao qual os poderes de administração e de disposição competiam a liquidatário judicial (…), em tais circunstâncias, à oponente não pode ser exigido o pagamento do IMI referente aos anos de 2004 e subsequentes, dado que à data de 31 de Dezembro de 2004 e anos subsequentes, o imóvel, estava já apreendido para a massa insolvente, sob poderes de administração legalmente previstos. Esta interpretação não altera a qualidade de sujeito passivo do imposto, prevista no artigo 8.º, n.º 1 do CIMI, mas valoriza (…) a administração por terceiros do bem gerador do tributo e imputa a tal administração o dever de solver a dívida tributária”.

3.2.4. Vejamos, pois, o que nos oferece dizer, começando por realçar, atenta a crítica que é feita ao Tribunal a quo por ter convocado aquele concreto aresto para fundamentação do julgado, que nem a circunstância de a sentença recorrida se ter alicerçado num único aresto deste Supremo Tribunal nem a circunstância de nesse mesmo acórdão constar um voto de vencido contribui, em abstracto, para a decisão que nos cumpre proferir e que é a de saber se foi ou não cometido erro de julgamento.

3.2.5. O erro de julgamento, que desde já se confirma, existe (e só existe), porque os factos que estão apurados no acórdão que a sentença acolheu como constituindo o seu julgamento de direito são distintos dos factos que, apesar de exíguos, foram fixados para conhecimento da única questão que foi objecto de julgamento (e manifestamente insuficientes para conhecimento das demais questões enunciadas como questões a decidir, o que, face a tudo quanto foi alegado nos múltiplos articulados e requerimentos, às diligências realizadas e aos documentos juntos, se revela difícil de compreender).

3.2.6. Na verdade, uma leitura cuidadosa do acórdão transcrito na sentença recorrida, particularmente a conjugação do que está exarado no relatório com o que ficou vertido no probatório, permitira que se tivesse concluído que naquele processo a Oponente era uma pessoa singular (o que se podia deduzir de também estarem em causa dívidas de IRS), que tinha sido contra essa pessoa singular, declarada insolvente, que a Execução Fiscal fora instaurada e que foi essa pessoa singular que foi citada para os termos da Execução. Distintamente, no presente processo, a Execução foi instaurada contra a “A... LDA - EM LIQUIDAÇÃO” e a citação desta Executada foi realizada na pessoa do Administrador de Insolvência – segundo confissão do próprio (artigo 2. do requerimento de Oposição Judicial), tendo sido este que se apresentou a deduzir Oposição.

3.2.7. Donde, sem prejuízo de as questões a apreciar serem, grosso modo, as mesmas em ambos os processos – saber se pode e em que termos ser instaurada e prosseguir execução fiscal contra pessoa declarada insolvente para cobrança de dívidas emergentes de créditos tributários vencidos após essa declaração e quem é o responsável pelo pagamento de créditos que se tenham vencido posteriormente a essa declaração conexionados com bens apreendidos para a Massa Insolvente – a resposta que naquele outro julgamento foi dada à questão aí submetida a apreciação do Supremo Tribunal não pode, pelas distinções já identificadas, ser simplesmente transposta para o julgamento desta causa.

3.2.8. Posto isto, e ainda antes de enfrentarmos as questões colocadas pela Recorrente, não podemos deixar de tecer algumas considerações.

3.2.8.1. A primeira para sublinhar, o que este Supremo Tribunal vem fazendo recorrentemente, a complexidade de julgamento das questões suscitadas em recursos interpostos em processo judicial tributário nas situações em que estão em causa dívidas tributárias geradas após a declaração de insolvência de pessoa colectiva. Complexidade que, diga-se sem receio, resulta, pelo menos preponderantemente, da opção legislativa que vem sendo mantida na última década em não produzir uma reforma legislativa capaz de assegurar a difícil compatibilização entre os regimes jurídicos constantes, por um lado, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e, por outro, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da Lei Geral Tributária (LGT), e de tantos outros diplomas privativos do domínio da fiscalidade (designadamente nos Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI). Dificuldades estas de compatibilização que, bem o sabemos, tem conduzido, com frequência, à prolação de decisões contraditórias (ou, pelo menos, de desfecho antagónico) dos Tribunais Superiores da Jurisdição Comum e dos Tribunais Superiores da Jurisdição Administrativa e Fiscal, que vão dando prevalência, consoante a qualidade dos Tribunais apontada, ao primeiro ou ao segundo dos regimes.

3.2.8.2. A segunda nota decorre da primeira. Não é questionado pelos Tribunais Superiores de qualquer uma das Jurisdições que o processo de insolvência é um processo de execução universal que decorre da impossibilidade do devedor cumprir as suas obrigações. Não é questionado que este processo de insolvência tem, como principal propósito, desde a reforma operada pelo Dec. Lei n.º 53/2004, de 18-3, a satisfação dos créditos dos credores. E é uma realidade evidente que a jurisprudência está cada vez mais consciente que o julgador, na resolução das questões tributárias conexas com processos de insolvência, tem que ter sempre presente a distinção entre Insolvente e Massa Insolvente (artigo 46º do CIRE), entre créditos sobre a Insolvência (artigo 47º do CIRE) e dívidas da Massa Insolvente (artigo 51º do CIRE), por dessa qualificação e imputação estar dependente a resposta correcta a dar às diversas questões que nos são colocadas.

3.2.8.3. E se é certo que as respostas encontradas perante cada um destes regimes – quer sejam relativas às condições de admissibilidade de instaurar e/ou fazer prosseguir execução para o pagamento dessas dívidas, de identificação da pessoa/ente contra quem a acção ou execução pode ser instaurada ou quem é o efectivo responsável pelo pagamento dessas dívidas - são distintas, isso deve-se à imposição de observância dos distintos regimes vigentes, mais concretamente, no caso do crédito tributário, atenta a sua natureza, a incidência subjectiva do imposto, a forma como se constitui, como é reconhecido, como se vence, como se torna exigível e perante quem e qual o ou os patrimónios que garantem esse cumprimento da obrigação tributária. Tudo conformado por regras jurídicas muito diferentes das que regulam a constituição de créditos puramente civis e dos seus titulares e o reconhecimento das correspondentes dívidas e seus responsáveis, encontrando, umas e outras, conforto distinto no âmbito do CIRE.

3.2.9. É neste contexto que iremos julgar as questões que nos são colocadas, nestas incluindo a enunciada no ponto 2.2., nas duas vertentes suscitadas pela Recorrente, uma vez que, tendo a questão da possibilidade de instauração e seu prosseguimento sido suscitada nos articulados, tendo o Tribunal a quo optado por realizar o julgamento por remissão, sem reservas, para o Acórdão do Supremo Tribunal e tendo neste esta questão sido apreciada e decidida, se tem que reconhecer como legitimo que a Recorrente ataque a decisão no pressuposto de que essa questão também foi apreciada e, consequentemente, vencida, isto é, deve ser-lhe reconhecido o direito a se insurgir contra a resposta dada pelo acórdão acolhido e a ver apreciada essa questão por este Supremo Tribunal assim se lhe garantindo coim a maior amplitude o direito a ver reapreciada a sua pretensão.

3.2.9.1. Comecemos, então, pela vertente em que a questão nos foi colocada em primeiro lugar: é ou não legalmente admissível a instauração e prosseguimento de Execução Fiscal após declaração de insolvência?

A resposta a esta questão depende do objecto da Execução Fiscal. Se o crédito tributário cujo pagamento coercivo se prossegue através dessa instauração é anterior à declaração de insolvência, isto é, se o crédito tributário se constituiu antes da declaração da insolvência, a Execução Fiscal não pode prosseguir e, a ser instaurada, deve ser imediatamente suspensa (artigo 180.º, n.º 1 do CPPT e 88.º do CIRE). Se o crédito tributário cujo pagamento coercivo se prossegue com a instauração se constituiu posteriormente a essa declaração de insolvência, a Execução Fiscal pode ser instaurada e prosseguir mas a dívida tributária não pode ser paga à custa dos bens que integram a Massa Insolvente (artigo 88.º do CIRE e 180.º, n.º 6 do CPPT).

Foi este o entendimento firmado pela doutrina e secundado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo: não obstante a regra consagrada no artigo 88.º, n.º 1 do CIRE, que veda claramente a instauração ou prosseguimento de execuções contra a Insolvente após a declaração de insolvência («A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência») é admissível, à luz do regime especial consagrado no artigo 180.º, n.º 6 do CPPT, a instauração e prosseguimento da Execução Fiscal se tiver por objecto créditos vencidos após a declaração de insolvência, mas o pagamento desses créditos não pode ser satisfeito através da penhora e venda de bens que tenham sido apreendidos no processo de insolvência, ou seja, apreendidos para a Massa Insolvente. (Neste sentido, designadamente, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 6-4-2011 (processo n.º 981/10); 20-2-2012 (885/11) e de 6-6-2018 (processo n.º 1342/17), todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt. Na doutrina, percursora, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª edição, Volume III, lisboa, Áreas editora, 2011, pág. 324).

Temos, pois, por seguro, por referência a esta interpretação de compromisso entre a legislação falimentar e a legislação tributária, que aqui acolhemos, que a resposta à primeira questão enunciada pela Recorrente deve ser afirmativa: após a declaração de insolvência e por créditos tributários vencidos após essa declaração pode ser instaurada e seguir os seus trâmites normais uma Execução Fiscal contra o próprio Insolvente desde que o crédito tributário se tenha constituído em data ou período posterior à declaração de insolvência. E, consequentemente, só respondem pelo pagamento dessa dívida da Insolvente a universalidade de bens de que aquele seja dono ou titular e não tenham sido apreendidos para a Massa Insolvente.

Como é óbvio, esta jurisprudência só vale para os créditos sobre a Insolvência. Não para as dívidas da Massa Insolvente. Estas últimas, vencidas após a declaração de insolvência e devendo ser pagas pela Massa Insolvente só a esta podem ser exigidas, devendo ser pagas pelo Administrador, prioritariamente às demais, pelos bens ou produto da Massa Insolvente.

Recorde-se que na sequência da declaração de insolvência são apreendidos todos os bens e direitos susceptíveis de penhora do Insolvente (artigo 46º do CIRE) que formam a Massa Insolvente, que é, como é sabido, um património de afectação à finalidade específica de satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas.

Ou seja, sendo, por força do preceituado no artigo 51.º, n.º 1, al. c) do CIRE, dívidas da Massa Insolvente todas as que emergem de factos tributários que tenham origem ou conexos com actos de administração, liquidação e partilha da Massa Insolvente ocorridos após a declaração de insolvência - como é o caso das dívidas de IMI relativas a imóveis apreendidos para a Massa Insolvente e que a integram, e enquanto não forem objecto de transmissão de propriedade, isto é, enquanto se mantiverem na esfera jurídica do Insolvente, independentemente da privação de uso, detenção ou fruição de que foi privado – então só à Massa Insolvente pode ser exigido o seu pagamento.

Note-se que quer o devedor singular quer o devedor pessoa colectiva mantêm, mesmo após a declaração de insolvência, a qualidade de sujeito passivo da relação jurídica fiscal. É exactamente a manutenção da qualidade de proprietário que justifica, face ao preceituado no artigo 8.º do CIMI, que o Insolvente se mantenha como sujeito passivo do imposto e que as notas de cobrança sejam emitidas em seu nome, uma vez que a legislação tributária não reconhece à Massa Insolvente (contrariamente ao que ocorre com outros entes, em sede de tributação de rendimentos, como sejam os Fundos de Investimento, as heranças jacentes ou heranças indivisas), a qualidade de sujeito de relação jurídico-tributária, a qualidade de sujeito de imposto de IMI.

Daí que, em nossos entender, a questão que a Recorrente coloca em primeiro lugar, ainda que determinada pela primeira parte da conclusão extraída na sentença, não seja a mais relevante para a decisão deste recurso, nem nela suportamos a verificação do erro de julgamento.

3.2.9.2. A questão relevante nos autos é a segunda parte da mesma questão nos termos em que surge dividida nas conclusões de recurso e que é a de saber a quem deve ser exigido o pagamento coercivo do crédito tributário de IMI nas situações em que este nasce de facto tributário ocorrido posteriormente à declaração de insolvência e relativo a imoveis apreendidos para a Massa Insolvente antes da ocorrência daquele facto. Em suma, a questão fundamental, no caso, não é a de saber quem pode ser sujeito passivo de imposto (que nem é questão a discutir na Oposição), mas, sim, contra quem, havendo declaração de insolvência, devem ser propostas as acções executivas por dívidas tributárias constituídas após a declaração de insolvência, quem deve, sendo caso disso, representar a/o Executado e quem é responsável pelo seu pagamento.

Ora, tendo a Massa Insolvente personalidade judiciária e existindo dívidas que devam por esta ser satisfeitas, é também contra esta que a Execução Fiscal deve ser instaurada, por força do regime consagrado no artigo 89º do CIRE (que, sob a epígrafe de «Acções relativas a dívidas da massa insolvente» determina que as acções, incluindo as executivas, relativas às dívidas da massa insolvente correm por apenso ao processo de insolvência, com excepção das execuções por dívidas de natureza tributária» - n.º 2).

Foi este, pelo menos aparentemente, o entendimento perfilhado pela sentença recorrida (que não pelo acórdão fundamento que não se ocupou desta questão mas apenas da responsabilidade pelo pagamento), uma vez que, se bem a interpretamos, aí se exarou, após transcrição do acórdão deste Supremo Tribunal, que tinha sido contra a Sociedade “ A... - EM LIQUIDAÇÃO” que a Execução Fiscal tinha sido instaurada e que fora a esta Sociedade que o pagamento da dívida fora, mal, exigido por ser uma dívida da Massa Insolvente.

Este julgamento não é, todavia, e salvo o devido respeito, correcto.

Na verdade, como resulta dos factos apurados (e a estes nos cingiremos por nos estar vedado ajuizar do teor dos múltiplos documentos elaborados e subscritos quer pela Fazenda Pública quer pela Senhor Administrador da Insolvência e que o é também, da Massa Insolvente por força do quadro funcional a que está legalmente afecto) a Execução Fiscal foi instaurada contra «A... LDA - EM LIQUIDAÇÃO», denominação que não expressa correctamente o estatuto e regime jurídicos aplicáveis a uma sociedade comercial cuja dissolução tenha por causa a insolvência. Em bom rigor a denominação utilizada só seria a correcta se estivéssemos perante um processo de liquidação que devesse seguir o regime dos artigos 146º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais (CSC) ou os termos do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais (nos termos do artigo 146º nº1 do CSC «Salvo quando a lei disponha de forma diversa, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, nos termos dos artigos seguintes do presente capítulo, aplicando-se ainda, nos casos de insolvência e nos casos expressamente previstos na lei de liquidação judicial, o disposto nas respectivas leis de processo.»). Nas situações, como a presente, em que na sequência da declaração de insolvência são apreendidos todos os bens e direitos susceptíveis de penhora do insolvente (artigo 46º do CIRE) que formam a Massa Insolvente, constituindo esta, como dissemos já, um património de afectação à finalidade específica de satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas ( Neste sentido, entre outros, Paula Costa e Silva em A liquidação da massa insolvente, ROA, 2005, Ano 65, Vol. III, Dez. 2005, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados/ano-2005/ano-65-vol-iii-dez-2005/doutrina/paula-costa-e-silva-a-liquidacao-da-massa-insolvente/.) e sendo um património sujeito e titular de direitos e obrigações, com personalidade judiciária que pode demandar e ser demandado, a Executada, formalmente, em rigor, devia ter sido designada na certidão de dívida (e na citação) por “Massa Insolvente da A... LDA.”.

Porém, esta incorrecção terminológica não é decisiva, importando reter que, declarada a insolvência, quer a Insolvente, para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência (artigo 81º nº4 do CIRE), quer a Massa Insolvente (artigos 46º e 55º do CIRE) são representadas pelo Administrador da Insolvência.

Donde, tendo a Execução Fiscal sido instaurada contra a “A... LDA - EM LIQUIDAÇÃO” e citado para os seus termos o Administrador da Insolvência (como a Oponente, representada pelo Administrador da Insolvência, confessa), fácil se mostra concluir que não foi contra a pessoa colectiva existente antes da declaração da insolvência que a Execução Fiscal foi instaurada, nem foi a essa Sociedade, tal como existia antes da declaração de insolvência, que o pagamento foi exigido. Antes, que a Execução Fiscal, insista-se, incorrectamente denominada, foi instaurada contra a Massa Insolvente a quem foi imputada a responsabilidade pelo pagamento da dívida em cobrança, como, de resto, resulta de ter sido citado para os termos da Execução o Administrador da Insolvente, nessa qualidade, e de este se ter apresentado a deduzir Oposição.

Questão distinta, que quer a Oponente quer a ora Recorrente quer a sentença recorrida também abordaram (esta última sempre interpretada por referência ao acórdão transcrito e que esgotou a sua fundamentação) é a de saber se é ou não a Massa Insolvente, contra quem foi intentada a Execução Fiscal, que é responsável pelo pagamento do imposto que na Execução se exige.

A nossa resposta não pode deixar de ser afirmativa, como de resto a própria Autoridade Tributária e Aduaneira vem há anos admitindo, entendimento que fez difundir, enquanto instrução, para os Serviços, pela Circular n.º 19/2015, de 9 de Setembro.

Nesta Circular concilia-se, a nosso ver de forma irrepreensível, a qualidade de sujeito passivo do imposto, o património que responde por esse imposto e a pessoa responsável por proceder ao seu pagamento: sempre que o facto tributário, definido nos termos dos artigos 8.º e 9.º do CIMI, ocorra em data anterior à declaração de insolvência, as dívidas de IMI são da responsabilidade da pessoa colectiva insolvente e devem ser reclamadas no processo de insolvência nos termos previstos no artigo 128.º do CIRE e no prazo constante da alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º do mesmo código; se o facto tributário ocorrer em data posterior à declaração de insolvência, as dívidas de IMI referentes a prédios que tenham sido apreendidos no cumprimento do determinado na alínea g) do n.º 1 do artigo 36.º do CIRE para entrega ao administrador da insolvência, devem ser consideradas dívidas da Massa Insolvente e como tal enquadráveis no artigo 51.º do CIRE, devendo ser pagas pelo Administrador conforme previsto no artigo 172.º do CIRE.

Ou seja, apesar de com a declaração de insolvência não se operar a transmissão da titularidade dos imóveis da esfera jurídica da Insolvente para a Massa Insolvente, isto é, ainda que a pessoa colectiva permaneça como proprietária dos imóveis e, consequentemente, continue, pelo menos à luz do direito constituído, a ser o sujeito passivo do imposto (IMI), fica, desde a declaração de insolvência e apreensão desses imóveis, sem poderes de administração, disposição e fruição dos bens, os quais, por força do artigo 81.º do CIRE, passam a ser exclusivamente detidos (reportamo-nos aos bens integram a Massa Insolvente) pelo Administrador a quem deve ser exigido o pagamento e que deve proceder a esse pagamento por recurso ao património que integra a Massa Insolvente por ser dívida própria desta.

Em suma, a nosso ver, nem o facto de a lei tributária impor, no artigo 8.º do CIMI, uma “coincidência perfeita, como regra geral, entre o devedor do tributo e aquele que for o titular do direito de propriedade do imóvel alvo de tributação» (António Santos Rocha – Eduardo José Martins Brás, Tributação do Património, 3ª Edição Revista, Ampliada e Atualizada, pág.64, anotação ao artigo 8.º.) (apenas expressamente quebrada nas situações excepcionais expressamente previstas nos n.ºs 2, 3 e 5 do citado normativo e diploma, respectivamente para o usufrutuário, titular de propriedade resolúvel e herança indivisa), nem o facto de não resultar da lei tributária expressamente o reconhecimento de personalidade tributária à Massa Insolvente [como ocorre, em matéria de impostos sobre o rendimento, com os fundos de investimento (nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, al. b) do CIRC e 11.º, n.º 2, al. b) do Decreto-lei n.º 14/2013, de 20-1), as heranças jacentes (nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do CIRC) e as heranças indivisas (por força do artigo 16.º do citado DL n.º 14/2013)] invalidam que se reconheça que responsável pelo pagamento do imposto deve ser aquele que detém o poder, atribuído pela ordem jurídica, de usar, colher os frutos, onerar ou alinear os prédios, que detém a qualidade de beneficiário efectivo do direito de gozo, como definido no artigo 1305.º do Código Civil. Nem obstam a que esse pagamento se faça à custa dos bens que integram esse património autónomo, afecto à satisfação das dívidas, particularmente das que lhe são próprias.

Aliás, salvo o devido respeito, quanto a esta questão, o acórdão cuja fundamentação foi acolhido vai no mesmo sentido da posição defendida por todas as partes neste processo.

Na verdade, aí se firmou o entendimento de que embora a Contribuição Autárquica e o Imposto Municipal sobre Imóveis não sejam, como a Contribuição Predial, um imposto sobre o rendimento, mas sim impostos sobre o património, cujo sujeito passivo é, em regra, o proprietário do prédio, a interpretação do artigo 8.º do CIMI apenas por referência à qualidade formal do sujeito proprietário do imóvel, sem excepções, conduziria a absurdos que levaram o legislador, desde logo, a excepcionar o caso do usufruto e da propriedade resolúvel (vide nºs 2 e 3 do referido artigo 8º do CIMI).

Aí se adiantou, ainda, que o legislador não desligou completamente o uso e o gozo da coisa da condição de proprietário e que, se tributa o proprietário, é porque está a considerar que o mesmo é, em regra, quem retira ou podia retirar o proveito do bem imóvel de que é titular. Mas, constatando-se que proprietário não foi o possuidor ou fruidor dos bens no período a que se reporta a divida exequenda - não por livre vontade, mas por lhe ter sido apreendido o bem para a massa insolvente - se deve configurar a responsabilidade pelo pagamento do imposto como podendo não coincidir com a do sujeito passivo do imposto. Interpretação que resulta da conjugação das regras de incidência do imposto com as das consequências legais da declaração de insolvência.

Em suma, para este Supremo Tribunal, conforme firmado no acórdão que vimos convocando, o desapossamento da insolvente, do prédio gerador de IMI não pode deixar de relevar para efeitos da responsabilidade pelo pagamento do tributo tanto mais que nem sempre o bem é gerador de “passivos” podendo ao invés gerar rendas ou “activos”, não sofrendo dúvidas que tais rendas integrariam a Massa Insolvente para com ela serem, em primeiro lugar, satisfeitas as dívidas da Massa Insolvente e, subsequentemente, os vários créditos de várias entidades (artigos 55º, nº1, al. b) e 172º nº2 do CIRE). Donde, consoante o valor de IMI em dívida seja anterior ou posterior à declaração de insolvência, tal facto fará classificar o eventual crédito como um crédito sobre a insolvência que carece de ser reclamado, respectivamente, no âmbito do processo de insolvência pela Fazenda Pública (artigo 47.º do CIRE) ou como uma dívida da Massa Insolvente (artigo 51.º do CIRE), que, à semelhança de outros créditos (anúncios; honorários de peritos advogados; etc.), deverá ser paga de imediato.

É neste contexto que também no referido aresto se elegeu como questão essencial, atentas as particularidades do processo de insolvência, a questão de saber a quem deve ser exigido o pagamento do imposto - e não quem é o sujeito passivo do mesmo -, concluindo-se que deve ser exigível à Massa Insolvente o pagamento do imposto se o IMI em causa se reportar a período posterior à apreensão do bem à sua ordem, sendo no entanto indiscutível que pelo IMI referente a imóvel da insolvente liquidado por referência a período anterior à declaração de insolvência será responsável a Insolvente, É também este, sem qualquer dúvida, o nosso entendimento e é também este, de resto, o entendimento que vem sendo prosseguido, como deixámos já nota, pela Recorrente.

Em conclusão:

- Tendo o facto gerador de imposto de IMI ocorrido em momento posterior à declaração de insolvência, independentemente de o sujeito passivo ser a pessoa colectiva insolvente, tal crédito constitui uma dívida da Massa Insolvente, cujo pagamento deve ser exigido ao Administrador de Insolvência, que tem o dever de, por recurso aos bens que integram a referida Massa, proceder ao seu pagamento com preferência sobre os demais créditos a pagamento;

- Tendo sido o Administrador da Insolvente, nessa qualidade, notificado para esse pagamento, e não tendo procedido ao mesmo, bem andou a Recorrida em extrair certidão e instaurar contra a Massa Insolvente (“A... - EM LIQUIDAÇÃO) a presente Execução Fiscal e, bem assim, em citar o seu Administrador para, em sua representação, proceder ao pagamento.

Há, pois, em conformidade, que revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para que sejam apreciadas, se a tal nada mais obstar, as demais questões suscitadas pela Oponente.

3.3. As custas da presente acção serão suportadas pela Recorrida, integralmente vencida, sem prejuízo de não lhe ser exigível o pagamento de taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC).

4 – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário, concedendo provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para, se a tal nada mais obstar, serem objecto de julgamento as demais questões suscitadas e que foram julgadas prejudicadas.

Custas pela Recorrente, que não pagará taxa de justiça por não ter contra-alegado.

Registe e notifique.

Lisboa, 10 de Abril de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (com a seguinte declaração de voto:

“1. A única questão que importa decidir é a que deriva das conclusões 9.º e 10.º do recurso, isto é, a de saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao concluir que a dívida não podia ser exigida à sociedade executada. Todas as demais devem ser consideradas como questões novas, isto é, questões que o Tribunal a quo não apreciou e que não podem ser colocadas ao tribunal de recurso em primeira mão.

2. A única interpretação que julgo possível da sentença recorrida é a seguinte: foi ali entendido que a dívida não podia ser exigida à sociedade executada porque deve ser responsabilizada pelo seu pagamento a massa insolvente. Porque é quem tem o uso e fruição do prédio.

3.Ao contrário do que foi concluído na sentença recorrida, a questão de saber se a dívida pode ser exigida à sociedade executada não é uma questão de exigibilidade da sua cobrança, porque está a montante dela. Do que se trata verdadeiramente é de saber se a liquidação subjacente é ilegal por o imposto ter sido liquidado à pessoa errada. Esta questão pode ser suscitada na oposição a coberto do artigo 204.º, n.º 1, alínea b), segunda parte do CPPT.

4. Para saber se a liquidação subjacente é legal não se convocam as regras do CIRE, que não definem a incidência tributária. A norma a convocar e a interpretar é o artigo 8.º do CIMI.

5. Ao contrário do que se concluiu na sentença recorrida, ainda que por remissão para acórdão anterior (que – tenho de o dizer claramente – também não acompanho), o artigo 8.º do CIMI não considera sujeito passivo do imposto o proprietário por ser quem, em regra, tem o uso e a fruição do prédio. Pelo contrário: quando releva o uso e a fruição do prédio é para impedir que a condição que, na propriedade resolúvel, pode ser oposta ao proprietário também possa ser oposta à tributação.

6. E o contrário não deriva do princípio da capacidade contributiva. Por um lado, a capacidade contributiva afere-se (nos impostos sobre o património), pela titularidade do bem (propriedade plena ou certos direitos reais limitados). Por outro lado, o facto de o sujeito passivo estar insolvente e o bem ter sido apreendido não significa que não revele capacidade de contribuir.

7. A massa insolvente não é o sujeito passivo do IMI. Desde logo, porque não é proprietária do prédio. Depois, porque a lei tributária aplicável nem sequer lhe atribui a qualidade de sujeito de obrigações tributárias. Não o faz, designadamente, o artigo 18.º, n.º 3, da LGT, que se limita a prever a possibilidade de o património ser um sujeito passivo quando tal resulte (especialmente) dos «termos da lei» (tributária). O que também não pode ser deduzido por analogia, porque as normas de incidência tributária não são suscetíveis de integração analógica.

8. A tal não obsta o facto de o CIRE dizer que as dívidas emergentes de atos de administração, liquidação e partilha são «dívidas da massa insolvente». Porque com essa expressão não se pretende dizer que a massa insolvente passa a ser uma pessoa jurídica: pretende dizer-se apenas que a massa insolvente é o património que garante o pagamento dessas dívidas e que estas são pagas à frente dos créditos sobre a insolvência. Não se pretende aludir a um sujeito de deveres, mas ao objeto de uma garantia.

9. A tal não obsta, também, o facto de o CIRE atribuir ao administrador os poderes de «administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente». Esta norma não permite deduzir que o faça em representação da massa insolvente, como ente personalizado.

10. Por todo o exposto, decidiria como foi decidido no acórdão que fez vencimento. Isto é, revogaria a sentença recorrida. Mas não teria conhecido da matéria a que alude o ponto 3.2.9 do acórdão que fez vencimento. Não teria convocado para o demais as normas do CIRE ali indicadas, a não ser para justificar a razão por que entendo que não relevam para o decidir. Não teria convocado, para o sentido firmado, a fundamentação do acórdão citado na decisão recorrida que, pelas razões sobreditas, não acompanho. E não teria incluído na fundamentação do decidido a afirmação de que a dívida só pode ser dirigida à massa insolvente, ou que esta é representada pelo administrador da insolvência. Ou ainda que a responsabilidade pelo pagamento do imposto deve ser daquele que detém o poder de administração ou disposição do bem.”).