Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0880/16
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:MAIS VALIAS IMOBILIÁRIAS
VALOR DE REALIZAÇÃO
PRESUNÇÃO
PROVA
PREÇO
Sumário:Tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (nº 1 do art. 103º da CRP), a imputação de matéria colectável considerando como valor de realização o que resultar para efeitos de IMT, quer se reconduza a uma presunção legal ou a uma ficção legal, deverá ter-se por ilidível, face ao disposto no art. 73º da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P22378
Nº do Documento:SA2201710110880
Data de Entrada:07/05/2016
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………… e B…………, ambos com os demais sinais dos autos, contra a liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios, tudo relativamente ao ano de 2006 e no montante global de 17.396,99 Euros.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A. Pretende o Tribunal de 1ª instância ser admissível aqui aplicar as regras contidas no art. 31°-A do Código do IRS, atinentes à determinação do rendimento tributável originado pela transmissão onerosa de imóveis, por forma a obviar à pretensa desigualdade na tributação de rendimentos provenientes da mesma fonte.
B. Ora os rendimentos que o tribunal a quo pretende aproximar não têm a mesma natureza, nem a mesma fonte, sendo característica das mais-valias o não se considerarem rendimentos empresariais e profissionais (art. 10°, n° 1 do Código do IRS), sendo ainda distinta a natureza da alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial, daquela resultante do incremento patrimonial por alienação fortuita ou ocasional de um prédio.
C. Distintas são também as regras para a determinação do rendimento colectável sujeito à tributação do IRS, feita com base no regime simplificado ou na contabilidade (art. 28° do Código do IRS) na Categoria B, enquanto as mais-valias da Categoria G originadas pela alienação de imóveis são apenas consideradas em 50% do seu valor (art. 43°, n° 2 do Código do IRS).
D. Recorta-se assim com clareza que nada no Código do IRS convida ou admite a aproximação entre uma e outra categoria de rendimentos, como desavisadamente fez a sentença recorrida.
E. Para além destas distinções conceptuais e sistemáticas, também as regras a que obedece a hermenêutica das normas do Direito Tributário repudiam a exorbitante aproximação advogada no aresto impugnado.
F. Atentando aos artigos 9° e 10° do CC, aqui aplicáveis por reenvio expresso do art. 11° da LGT, o intérprete deverá respeitar a correspondência entre a letra da lei e o pensamento legislativo, o qual se presume expresso da forma mais adequada.
G. Donde, a solução consagrada no art. 44° do Código do IRS corresponde à volição e expressão do legislador fiscal, pois onde os impugnantes e, por arrastamento, o Meritíssimo Juiz do Tribunal de 1ª instância vislumbram presunção passível de ilisão, vê-se antes regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS.
H. E ainda que fosse de admitir a existência de lacuna no referido normativo, não seria a mesma passível de integração mediante o recurso à disciplina contida no art. 31°-A, os n° 5 e 6 do Código do IRS, quanto está em causa um facto tributário ocorrido em 2006.
I. Pois tal formulação da norma só surge no ordenamento jurídico e entra em vigor em 2007-01-01, por via das alterações ao Código do IRS contidas na Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2007).
J. Apenas a partir daquela data se conferiu aos titulares de rendimentos da Categoria B a faculdade de suscitar, com as necessárias alterações, o procedimento previsto no art. 129° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC).
K. Carece de suporte a apontada desigualdade na tributação de rendimentos gerados pela transmissão onerosa do direito de propriedade sobre imóveis, conforme ocorresse no âmbito da Categoria B ou da Categoria G, pois em 2006 eram semelhantes as estatuições contidas no art. 31°-A, n° 1 e no art. 44°, n° 2 do Código do IRS e em nenhuma delas se previa forma do contribuinte fazer prova do valor de realização efectivo.
L. Igualmente, resulta a manifesta impossibilidade de aplicar analogicamente as disposições contidas nos nº 5 e 6 do art. 31°-A do Código do IRS ao regime definido pelo art. 44° do mesmo diploma, na medida em que as mesmas não estavam ainda consagradas no ordenamento jurídico à data da ocorrência do facto sub judice.
M. Não pode merecer acolhimento o juízo que sindica a valia e bondade da actuação da AT empreendida no ano de 2006, à luz de um quadro normativo que só surge com a entrada em vigor da Lei n° 82-E/2014, de 31 de Dezembro, ocorrida em 2015-01-01.
N. Pois à AT apenas pode, e deve, exigir-se actuação conforme com o princípio da legalidade (art. 55° da LGT), sendo óbvio que este se refere ao feixe de normas de direito material vigentes e não às hipotéticas normas que integrem o ordenamento jurídico do futuro.
O. Na realidade, a entrada em vigor da Lei n° 82-E/2014, de 31 de Dezembro, nada “clarificou” quanto ao regime da determinação do valor de realização contido no art. 44° do Código do IRS, outrossim alterou-o e matizou a relevância até então dada ao valor patrimonial tributário do imóvel e/ou ao valor do mesmo utilizado para a liquidação definitiva de IMT.
P. Do singular entendimento propalado pelo Tribunal a quo resulta que, para um mesmo facto tributário (a venda do imóvel), para os recorridos tal valor seja de € 200.000,00, para efeitos de tributação em sede de IRS, e para o adquirente do imóvel tal valor é de € 264.100,00, aqui para efeitos de pagamento de IMT.
Q. Defende-se que o cerne da tributação efectuada aos impugnantes não radica tanto na interpretação da regra do n° 2 do art. 44° do Código do IRS, ou com a possibilidade da aplicação analógica do disposto no art. 31°-A do mesmo diploma ao caso em apreço, mas antes na postura inerte por eles adoptada face à notificação da avaliação tributária do imóvel alienado em 2006.
R. Ficou então na sua disponibilidade contradizer o resultado da avaliação, demonstrando o seu excesso (art. 76°, n° 8 do Código do IMI), pelo que não tendo requerido a realização do procedimento de segunda avaliação (art. 76°, n° 1 do Código do IMI), o valor patrimonial tributário do imóvel em causa consolidou-se na ordem jurídica como “caso resolvido”.
S. Tal é a eloquente expressão utilizada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. n° 04603/11, de 2011-11-09), de que se respiga a relevante conclusão:
«VII) Estando em causa a liquidação do IRS, como bem se aduziu na sentença recorrida, decorre do disposto no n° 1, do art. 15°, conjugado com a alínea a), do n° 1, do art. 27°, do Dec.-Lei n° 287/2003, de 12.11, que sendo tais prédios objecto de transmissão após 1 de Janeiro de 2004, o valor de avaliação releva, não só para efeitos do IMI e do IMT, como também e por força do referido preceito do IRS, para efeitos de determinação do ganho resultante do valor de realização, e sendo assim é forçoso concluir que, fixado em auto de avaliação o valor do prédio e não tendo o impugnante requerido 2ª avaliação, o valor ficou definitivamente fixado, sendo vedado ao tribunal colocá-lo em causa.»
T. Apartando-se decisivamente de tal quadro norteador, e pronunciando-se nos moldes em que o fez, incorre a decisão proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal em error in judicando, denegando a judiciosa aplicação das pertinentes normas contidas nos Códigos do IRS, do IMT e do IMI à questão controvertida, no que se suporta o pedido de revogação da sentença judicial ora deduzido.
Termina pedindo o provimento do recurso, com consequente revogação da sentença recorrida e improcedência da impugnação.

1.3. Contra-alegando, os recorridos terminam com a formulação das Conclusões seguintes:
1ª - A questão a decidir consiste em saber se o valor de realização para efeitos de mais-valias em sede de IRS deve ser o valor patrimonial tributário resultante da avaliação em sede de IMI, quando superior ao valor declarado pelo sujeito passivo do imposto como preço de transmissão do prédio urbano, ou se, deverá ser conferida ao sujeito passivo a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante a prova do preço da transmissão efetivo.
2ª - No IRS a incidência pressupõe a realização da mais-valia.
3ª - Tal regra está em linha com o princípio da tributação do rendimento real em que assenta a tributação do rendimento (art. 104° da CRP e art. 4º n° 1 da LGT).
4ª - Para o caso das mais-valias prediais, a Lei, no art. 44° n° 2 do CIRS, faz prevalecer como valor de realização “os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de IMT, ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.”
5ª - O art. 44º n° 2 do CIRS tem que ser interpretado no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção, a qual cede perante prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT.
6ª - O art. 44º n° 2 do CIRS é materialmente uma norma de incidência.
7ª - Neste sentido, vide, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, p. 446: “Ora a Lei Geral Tributária, como é sabido, estabelece que as presunções consagradas em normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário. Posto que o n° 2 do artigo 44° se inclua, na sistemática do CIRS, no capítulo da determinação da matéria tributável e não no capítulo da incidência, é materialmente uma norma de incidência, porque determina afinal, em última análise, o valor que há-de ser submetido a imposto.”
8ª. - No mesmo sentido, vide, Américo Fernando Brás Carlos, Impostos, Teoria Geral, 2ª Ed., Actualizada e Aumentada, Coimbra, 2008, pp. 102-103: “Aderimos à posição do Tribunal Constitucional e da doutrina coincidente nesta matéria, concluindo que as normas que definem o montante a tributar, apesar de serem formalmente normas de determinação da matéria colectável, são, do ponto de vista do princípio da legalidade tributária, normas de incidência. São, substancialmente, normas de incidência real e como tal devem ser tratadas.”
Acresce que,
9ª - Ainda, neste mesmo sentido vide, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 446 e 447: “não se considerar a acima mencionada regra legal como estabelecendo uma simples presunção, com admissibilidade de prova em contrário, acabaríamos por tributar não o rendimento real operado pela transmissão, mas um rendimento normal. Se é certo que o princípio constitucional do rendimento real tem assento normativo quanto à tributação das empresas, segundo o n° 2 do art. 104° da Constituição da República, (...) parece-nos defensável ver nesse princípio a expressão de uma hostilidade geral do legislador dos impostos de rendimento a fazer incidir esses impostos sobre valores normais, quando valores reais estão ao alcance e podem ser determinados com segurança. Se se tratar de uma presunção, admitindo prova em contrário, o sujeito passivo tem a possibilidade de provar que o valor de realização foi efectivamente inferior e a mais-valia tributável corresponde então ao “rendimento real”.
10ª - As presunções tributárias em normas de incidência admitem sempre prova em contrário.
11ª - O art. 73° da LGT, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999 afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de presunções inilidíveis.
12ª - O Tribunal Constitucional tem admitido a constitucionalidade da utilização de presunções para determinar a matéria colectável desde que seja permitida a sua ilisão, o que é reclamado pelo princípio da igualdade, que exige que a imposição de obrigações de impostos seja feita segundo a capacidade contributiva de cada um.
13ª - Neste sentido vejam-se os Acórdãos do TC n° 348/97 (processo 63/96, publicado no BMJ n° 466, página 140) e n° 211/03 (processo n° 203/2002, publicado no DR, I Série, de 21-06-2003): “O estabelecimento de presunções com o objetivo de conferir certeza e simplicidade às relações fiscais, de permitir uma pronta e regular percepção dos impostos e de evitar a evasão e a fraude” (...) “tem de compatibilizar-se com o princípio em análise (da igualdade tributária) o que passa, quer pela ilegitimidade constitucional das presunções absolutas na medida em que impedem o contribuinte de provar a inexistência da capacidade contributiva visada na respetiva lei quer pela exigência de idoneidade das presunções relativas para apresentarem o pressuposto económico tido em conta” (...) “presunções devem apoiar-se em elementos concretamente positivos que as justifiquem racionalmente e admitir prova em contrário, de modo a que o imposto se ligue a um pressuposto económico certo, provado e não apenas provável.”
14ª - De igual forma o Acórdão do STA de 4-11-2009, no Processo n° 553/09 “a regra estabelecida no art. 73° da LGT vale não apenas para as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também em relação a outras normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer diretamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indiretamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação), pois que o advérbio “sempre” aí utilizado inculca a ideia de tratar-se de um princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade.”.
15ª - O art. 44° n° 2 do CIRS contém uma presunção ilidível devendo, para afastar tal presunção, recorrer ao procedimento estabelecido no art. 139° do CIRC, não havendo qualquer impedimento a aplicar o n° 6 do art. 31°-A do CIRS às mais-valias prediais da Categoria G.
16ª - Trata-se de uma norma procedimental em que o recurso à analogia não está proibido.
17ª - A recente alteração legislativa, aprovada pela Lei 82-E/2014 de 31 de dezembro, ao incluir expressamente, no n° 5 do art. 44º do CIRS, a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante a prova do preço de transmissão efetivo, veio contribuir de forma inequívoca para uma correta interpretação do art. 44° n° 2, no sentido de admitir sempre prova em contrário, em linha com o entendimento que já era seguido na jurisprudência e na doutrina e com os princípios constitucionais e com a Lei Geral Tributária.
18ª - A Administração Tributária, através das alegações de recurso produzidas pelo Representante da Fazenda Pública, defende a existência de uma presunção absoluta de rendimentos, uma presunção juris et de jure, expressamente proibida pelo nosso ordenamento jurídico, aceitando como valor de referência para efeito de tributação das mais-valias imobiliárias o valor patrimonial definitivo, apurado com base numa fórmula matemática, sem possibilidade de prova do preço efectivo, ao invés de atender ao rendimento real efectivamente percebido e provado in casu pelos contribuintes.
19ª - É a Administração Tributária, ao defender a tributação com base no valor patrimonial definitivo que serviu de base à liquidação do IMT sem admissão de prova em contrário, que viola os princípios constitucionais que defendem a tributação do lucro real e da igualdade e capacidade contributiva consagrados na Constituição da República Portuguesa.
20ª - Não está em causa, nem nunca esteve, como pretende fazer crer a Administração Tributária, através das alegações de recurso produzidas pelo Representante da Fazenda Pública, o valor patrimonial tributário do imóvel, o qual foi determinado nos termos do CIMI e se encontra consolidado na ordem jurídica.
21ª - O que está em causa é o facto de não ter sido concedido ao sujeito passivo a possibilidade de afastar o valor patrimonial tributário mediante a prova do preço efetivamente auferido ilidindo a presunção constante do art. 44° n° 2.
22ª - Ou seja, pretende a Administração Tributária fixar-se no resultado obtido com base nas regras do CIMI ao invés de se fixar no rendimento efetivamente percebido pelo contribuinte. O facto de a posteriori, vir a Administração Fiscal fixar, através de uma fórmula matemática, para efeitos de imposto municipal sobre os imóveis, um valor patrimonial superior, não pode, inelutavelmente, ficcionar um recebimento por parte do alienante do imóvel. Seria absurdo conceber o caso em que a Administração Fiscal fixava o valor patrimonial tributário num milhão de euros, e automaticamente daí retirar para os contribuintes uma mais-valia de oitocentos mil euros, quando estes provaram efetivamente, apenas terem recebido duzentos mil euros na alienação.
23ª - Não foi certamente essa a vontade do legislador, nem pode ser essa a interpretação se atendermos aos princípios basilares da nossa Constituição nesta matéria.
24ª - Acresce que a faculdade de ilidir a presunção constante do art. 44° n° 2 do CIRS, resulta desde logo do art. 73° da LGT, em vigor desde 1.01.1999, não sendo necessário o recurso às regras do n° 6 do art. 31°-A, para poder lançar mão do procedimento previsto no art. 139° do CIRC.
25ª - Procedimento esse que o legislador veio agora instituir, com a alteração introduzida no art. 44° do CIRS, o que apenas beneficia a segurança jurídica naquele que já era o entendimento seguido.
26ª - Torna-se, pois, evidente que a sentença recorrida não merece qualquer censura.
Termina pedindo que o recurso seja julgado totalmente improcedente.

1.4. O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitiu o seguinte Parecer:
«Insurge-se a Fazenda Pública contra a sentença do TAF de Leiria de 14.04.2016 que, julgando procedente a impugnação deduzida pelos ora recorridos, anulou a liquidação impugnada.
Creio que lhe assiste razão.
Entende-se, com efeito, que a sentença recorrida não fez a melhor aplicação do direito devendo, por isso, salvo melhor entendimento, ser revogada.
Por um lado, porque assimila rendimentos (mais-valias e rendimentos empresariais e profissionais) que não têm a mesma natureza, desconsiderando a letra e inclusão sistemática dos preceitos (arts. 10°, 31º e 44°, todos do CIRC).
Por outro, porque afronta o principio tempus regit actum ao aferir a legalidade do acto por normas que ao tempo ainda não vigoravam, concretamente os nºs. 5 e 6 do art. 31°-A do CIRS, aditados pela Lei n° 53-A/2006, de 29 de Dez..
Finalmente, porque considera que na norma do art. 44º, n° 2 do CIRS se contém uma presunção passível de ilisão quando o que nela se comporta é, salvo o devido respeito e melhor entendimento, uma regra clara e objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS que, admitindo a divergência de valores, estabelece a prevalência, quando superior, dos valores por que os bens houverem sido considerados “para efeitos de liquidação de sisa”.
Assim, concordando, no essencial, com os argumentos vertidos na Alegação de Recurso, sou de parecer que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, nessa conformidade, ser revogada a decisão recorrida e, julgando-se improcedente a impugnação, ser mantida a liquidação impugnada.»

1.5. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
2. A sentença recorrida julgou provada a factualidade seguinte:
A. Em 25.01,2001, os Impugnantes adquiriram pelo preço de € 145.648,99 o prédio urbano sito na ………, nº ……, Vilamoura, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Quarteira sob o artigo 2160 — cf. fls. 6 e 7 do anexo ao PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
B. Em 13.04.2006, os Impugnantes alienaram o imóvel referido no ponto A. que antecede, tendo o respectivo preço sido fixado em € 200.000,00 — cf. fls. 6 e 7 do anexo ao PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
C. Em 15.04.2007, o prédio referido no ponto A. supra foi avaliado nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), tendo o seu valor patrimonial tributário (VPT) sido fixado em € 264.100,00 — cf. fls. 13 a 15 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
D. Em 25.03.2010, os Impugnantes foram notificados da avaliação referida no ponto C. que antecede, não tendo requerido a 2ª Avaliação — cf. fls. 13 a 15 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas; cf. factos alegados no ponto 5º da petição inicial;
E. Em 19.04.2010, os Impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Tomar requerimento no sentido de fazer prova do preço efectivo de venda do imóvel referido no ponto A. supra — cf. fls. não numeradas do PAT, que se dão por integralmente reproduzidas;
F. Em 16.06.2010, os Impugnantes foram notificados, através do Ofício nº 4782, de 15.06.2010, para, querendo, exercer o direito de audição relativamente ao projecto de decisão de indeferimento do pedido efectuado no requerimento referido no ponto E. que antecede — cf. fls. 16 a 19 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
G. Em 22.06.2010, os Impugnantes foram notificados, através do ofício nº 3183, de 22.06.2010, para, querendo, exercer o direito de audição prévia quanto à proposta de alteração de rendimentos do ano de 2006 — cf. fls. 27 a 31 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
H. Em 25.06.2010, os Impugnantes apresentaram requerimento referente ao exercício do direito de audição quanto ao projecto de decisão de indeferimento do pedido efectuado no requerimento referido no ponto E. supra — cf. fls. 21 a 26 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
I. Em 01.07.2010, os Impugnantes apresentaram requerimento referente ao exercício do direito de audição quanto à proposta de alteração de rendimentos do ano de 2006 — cf. fls. 33 a 39 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
J. Em 29.07.2010, os Impugnantes foram, através do ofício nº 5688, de 26.07.2010, notificados do despacho final de indeferimento do pedido efectuado no requerimento referido no ponto E. supra com fundamento, em síntese, de que o disposto no artigo 31º do Código do IRS não é in casu aplicável, tendo em 13.08.2010 deduzido recurso hierárquico — cf. fls. 40 a 57 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
K. Em 01.09.2010, os Impugnantes foram notificados do despacho final do Director de Finanças de Santarém quanto à alteração dos rendimentos do ano de 2006, no sentido de ser considerado em sede do IRS o VPT do imóvel referido no ponto A. supra — cf. fls. 58 a 66 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas;
L. Em 20.09.2010, foi emitida pela AT a liquidação adicional de IRS nº 20105004977114, referente ao ano de 2006, como valor a pagar de € 17.396,99 — cf. fls. 11 dos autos, que se dá por integralmente reproduzida;
M. Em 02.11.2010, a petição inicial deu entrada neste Tribunal — cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos.

3.1. Enunciando como questão a decidir a de saber se o regime constante do art. 31°-A do CIRS (possibilidade de o contribuinte provar que o preço efectivo de venda do imóvel é inferior ao seu valor patrimonial tributário) pode ser aplicado no caso concreto, a sentença respondeu afirmativamente e, consequentemente, veio a julgar procedente a impugnação, anulando a liquidação impugnada.
Para tanto, a sentença considera, em síntese:
— dada a concepção de rendimento-acréscimo inerente ao CIRS e aceitando-se a tributação das mais-valias na medida em que a alienação de um determinado bem por um valor superior àquele por que foi adquirido tem por resultado um acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante, o ganho sujeito a imposto será constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição (cfr a al. a) do nº 1 e o nº 4, ambos do art. 10º do CIRS);
— apesar de o referido art. 31º-A do CIRS estar sistematicamente inserido na parte relativa a rendimentos empresariais ou comerciais (categoria B), e não naqueles que resultem de mais-valias (categoria B), esse normativo deve também ser aplicado às mais-valias geradas com a venda de direitos de propriedade sobre imóveis (rendimentos da categoria G), sob pena de se criar uma manifesta e injusta desigualdade na tributação em sede do IRS de rendimentos provenientes da mesma fonte, sem que se vislumbre uma razão com força suficiente que tal possa justificar;
— o regime consagrado neste art. 31°-A do CIRS tem em vista garantir o direito do contribuinte à demonstração do preço efectivo do bem alienado quando inferior ao valor patrimonial tributário, ou seja, está em o apuramento do valor efectivo do bem alienado, visando garantir a tributação do contribuinte de acordo com o seu rendimento real. O referido regime tem, assim, por desiderato o apuramento exato do preço do bem alienado, tendo em vista a determinação correta dos rendimentos tributáveis do sujeito passivo do IRS, sendo que o princípio da tributação pelo rendimento real (nº 1 do art. 4° da LGT) impõe que os contribuintes sejam tributados em sede do IRS de acordo com os rendimentos efectivamente auferidos, e não com base em presunções ou estimativas, sendo que as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, nos termos do art. 73° da LGT;
— por isso, o nº 2 do art. 44º do CIRS, sendo uma verdadeira norma de incidência, deve ser interpretado no sentido de admitir a ilisão da presunção que consagra, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT), uma vez que não há razão para não admitir para os rendimentos da categoria G uma solução idêntica à consagrado no art. 31°-A do CIRS;
— acrescendo que com a reforma do IRS (aprovada pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12) foi incluída expressamente (nº 5 do art. 44º do CIRS) a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efectivo, alteração legislativa esta que contribui, de forma inequívoca e decisiva, para interpretar adequadamente o disposto naquele n° 2 do art. 44° do CIRS.

3.2. Discordando, a recorrente Fazenda Pública invoca, como se viu, que:
— nada no CIRS admite ou convida à aproximação entre uma e outra categoria dos rendimentos em confronto (mais-valias e rendimentos empresariais e profissionais), os quais nem sequer têm a mesma natureza, nem a mesma fonte, sendo característica das mais-valias o não se considerarem rendimentos empresariais e profissionais (nº 1 do art. 10° do CIRS) e sendo, igualmente, distinta a natureza da alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial, da alienação resultante do incremento patrimonial por alienação fortuita ou ocasional de um prédio;
— também são distintas as regras para a determinação do rendimento colectável sujeito IRS, feita com base no regime simplificado ou na contabilidade (art. 28° do CIRS) na Categoria B, enquanto as mais-valias da Categoria G originadas pela alienação de imóveis são apenas consideradas em 50% do seu valor (art. 43°, n° 2 do CIRS).
— e também as regras de interpretação afastam o entendimento assumido na sentença, pois que onde esta vislumbra uma presunção passível de ilisão, existe, antes, uma regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS.
— além de que, a admitir-se a existência de lacuna no referido normativo, ela não seria passível de integração por recurso ao regime contido nos apontados números do art. 31°-A do CIRS, visto que, no caso, o facto tributário ocorreu em 2006 e a dita formulação da norma só surge no ordenamento jurídico e entra em vigor em 1/1/2007 (Lei n° 53-A/2006, de 29/12 – OE 2007), não havendo, então, qualquer desigualdade na tributação de rendimentos gerados pela transmissão onerosa do direito de propriedade sobre imóveis, conforme ocorresse no âmbito da Categoria B ou da Categoria G, pois em 2006 eram semelhantes as estatuições contidas no nº 1 do art. 31°-A e no nº 2 do art. 44° do CIRS e em nenhuma delas se previa forma do contribuinte fazer prova do valor de realização efectivo.
— O cerne da tributação operada aos impugnantes não radica na interpretação da regra do n° 2 do art. 44° do CIRS nem na possibilidade da aplicação analógica do disposto no art. 31°-A do mesmo diploma, mas radica, antes, no facto de, quando foram notificados da avaliação tributária do imóvel alienado em 2006, não terem sindicado o resultado da avaliação (demonstrando o seu excesso - art. 76°, n° 8 do CIMI), nem terem requerido a realização do procedimento de 2ª avaliação (nº 1 do art. 76° do CIMI). Daí que o valor patrimonial tributário do imóvel em causa se tenha consolidado na ordem jurídica como “caso resolvido”.
Vejamos, pois.

4.1.
— Na al. a) do nº 1 do art. 9º do CIRS (redacção à data) dispõe-se:
Artigo 9º - Rendimentos da categoria G
«1 - Constituem incrementos patrimoniais, desde que não considerados rendimentos de outras categorias:
a) As mais-valias, tal como definidas no artigo seguinte;
(...)»

— E na al. a) do nº 1, no nº 3 e na al. a) do nº 4 do art. 10º do mesmo Código (redacção à data) dispõe-se:
Artigo 10º - Mais-Valias
«1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(...)
3 - Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no nº 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
(...)
4 - O ganho sujeito a IRS é constituído:
a) Pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nos casos previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 1;
(...)»

— Por sua vez, no art. 31º-A do mesmo CIRS, dispunha-se (sendo que os nºs. 5 e 6 foram aditados pelo art. 46º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12):
Artigo 31º-A - Valor definitivo considerado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis
«1 - Em caso de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, sempre que o valor constante do contrato seja inferior ao valor definitivo que servir de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, ou que serviria no caso de não haver lugar a essa liquidação, é este o valor a considerar para efeitos da determinação do rendimento tributável.
(...)
3 - O disposto no nº 1 não prejudica a consideração de valor superior ao aí referido quando a Direcção-Geral dos Impostos demonstre que esse é o valor efectivo da transacção.
(...)
5 — O disposto nos nºs 1 e 4 não é aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 — A prova referida no número anterior deve ser efectuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139º do Código do IRC, com as necessárias adaptações

— E no artigo 44º do CIRS dispunha-se:
Art. 44º - Valor de realização
«1 - Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização:
(...)
f) Nos demais casos, o valor da respectiva contraprestação.
2 - Nos casos das alíneas a), b) e f) do número anterior, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de sisa ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
(...)»
Posteriormente, a Lei nº 82-E/2014, de 31/12, veio introduzir neste artigo 44º do CIRS os actuais nºs. 4 a 7, com a redacção seguinte:
«5 - O disposto no nº 2 não eì aplicável se for feita prova de que o valor de realização foi inferior ao ali previsto.
6 - A prova referida no número anterior deve ser efetuada de acordo com o procedimento previsto no artigo 139º do Código do IRC, com as necessárias adaptações.
7 - Nos casos em que são efetuados ajustamentos, positivos ou negativos, ao valor de realização, e se aÌ data em que for conhecido o valor definitivo tiver decorrido o prazo para a entrega da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 57º, deve o sujeito passivo proceder aÌ entrega de declaração de substituição durante o mês de janeiro do ano seguinte

4.2. É sabido que no âmbito do IRS, os ganhos que resultem de transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis podem integrar-se na categoria B (por constituírem rendimentos empresariais) ou na categoria G (por serem mais-valias) — cfr. o segmento inicial do nº 1 do art. 10° do CIRS.
E se estivermos perante um incremento patrimonial qualificável como mais-valia, estabelece a al. a) do nº 4 do art. 10º do CIRS que o ganho é constituído “pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição”, sendo que as regras para o estabelecimento do valor de realização constam do art. 44º do mesmo CIRS, nomeadamente, no que ora releva, na al. f) do seu nº 1 e no nº 2 [este com a alteração que foi introduzida pelo art. 108º da Lei nº 64-B/2011, de 30/12 — substituindo a referência à sisa pela referência ao IMT, conforme já resultava, aliás, da remissão constante do nº 2 do art. 28º do DL nº 287/2003, de 12/11 (reforma da tributação do património)] onde se dispõe, como acima se transcreveu, para o que aqui releva, que (por ser mais elevado do que o valor constante do contrato) se considerará e prevalecerá como valor de realização, o que foi considerado para efeitos de liquidação de IMT.
Ora, no caso, embora os ganhos aqui em causa não configurem rendimentos empresariais e profissionais (sendo que, como se disse, a natureza da alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial é diferente daquela que resulte de incremento patrimonial por alienação fortuita ou ocasional de um prédio), não se vê que a sentença recorrida confunda as categorias B e G de IRS ou proceda a errada aproximação entre ambas.
Com efeito, mesmo que se admitisse eventual incorrecção terminológica no uso da expressão “rendimentos provenientes da mesma fonte”, a sentença é explícita na afirmação de que, não obstante a norma constante do art. 31º-A do CIRS (possibilidade de o contribuinte provar que o preço efectivo de venda do imóvel é inferior ao seu valor patrimonial tributário) estar sistematicamente inserida na parte relativa às mais valias prediais que se reconduzam a rendimentos profissionais e comerciais (categoria B), o regime ali prescrito deve também ser aplicável quando os rendimentos provêm de mais-valias enquadráveis na categoria G (geradas com a venda de direitos de propriedade sobre imóveis, como sucede no caso vertente), sob pena de se criar uma manifesta e injusta desigualdade na tributação em sede do IRS.
Sendo que, de todo o modo, a referência ao disposto no art. 31º-A do CIRS, acaba por se traduzir, no essencial, em mera asserção argumentativa no sentido de não haver razão para não admitir para os rendimentos da categoria G uma solução idêntica à consagrado naquele normativo (para rendimentos provenientes de alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial, enquadráveis na categoria B), pois que, sendo o nº 2 do art. 44º do CIRS uma verdadeira norma de incidência, também ele deve ser interpretado no sentido de admitir a ilisão da presunção que consagra, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT).
Neste contexto, não releva, portanto, a alegação relativa à distinção entre a natureza da alienação de imóveis no âmbito da actividade comercial e da alienação resultante do incremento patrimonial por alienação fortuita ou ocasional de um prédio, bem como a alegação relativa às diferenças entre as regras para a determinação do rendimento colectável sujeito a IRS, operada com base no regime simplificado ou na contabilidade (art. 28° do CIRS) na Categoria B e a operada com base nas regras das mais-valias da Categoria G (o saldo entre as mais-valias e menos-valias realizadas no mesmo ano é apenas considerado em 50% do seu valor — nº 2 do art. 43° do CIRS).

4.3. A recorrente sustenta, igualmente, que a sentença enferma de erro de julgamento na interpretação da lei, por ter concluído que, consubstanciando o nº 2 do art. 44º do CIRS uma verdadeira norma de incidência, também ele deve ser interpretado no sentido de admitir a ilisão da presunção que consagra, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT).
Como se deixou dito, o entendimento da Fazenda Pública é o de que esse normativo não contém nenhuma presunção, mas, antes, uma regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS e, ainda assim, a admitir-se a existência de lacuna no referido normativo, ela não seria passível de integração por recurso ao regime contido nos apontados números do art. 31°-A do CIRS, visto que, no caso, o facto tributário ocorreu em 2006 e a dita formulação da norma só surge no ordenamento jurídico e entra em vigor em 1/1/2007 (Lei n° 53-A/2006, de 29/12 – OE 2007), não havendo, então, qualquer desigualdade na tributação de rendimentos gerados pela transmissão onerosa do direito de propriedade sobre imóveis, conforme ocorresse no âmbito da Categoria B ou da Categoria G, pois em 2006 eram semelhantes as estatuições contidas no nº 1 do art. 31°-A e no nº 2 do art. 44° do CIRS e em nenhuma delas se previa forma do contribuinte fazer prova do valor de realização efectivo.
Não procede, todavia, esta alegação.
Na verdade, tendo em atenção o princípio da igualdade, na vertente da imposição de imposto segundo a capacidade contributiva e do objectivo constitucional da «repartição justa dos rendimentos e riqueza» (cfr. nº 1 do art. 103º da CRP), aquela imputação de matéria colectável considerando como valor de realização o resultante da posterior avaliação para efeitos de IMT, há-de reconduzir-se, como diz a sentença, a uma presunção legal ou, até, a uma ficção legal que, face ao disposto no art. 73º da LGT (que afasta expressamente, no domínio das normas de incidência tributária, a possibilidade de existência de presunções inilidíveis) deverá ter-se por ilidível.(Cfr. o ac. do STA, de 9/4/2003, proc. nº 0320/03.)
Recentemente, o Tribunal Constitucional (cfr. o acórdão nº 211/2017, proferido em 02/05/2017, no proc. nº 285/15, da 3ª secção) julgou inconstitucional, aliás, esta norma contida no nº 2 do art. 44º do CIRS, “na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa”, sendo que para o Tribunal, quer se entenda “a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido.
De todo o modo, para os efeitos previstos nesse art. 73º e no art. 64º do CPPT, deve entender-se igualmente,(Neste sentido se concluiu no ac. do STA, de 29/2/2012, no proc. nº 0441/11, com apoio na doutrina: cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011, anotações 2 e 3 ao art. 64º, pp. 585 a 588, que cita Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., p. 126 e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, p. 56.) que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata (as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação») e não apenas na acepção mais restrita (normas que indicam o sujeito passivo e a definição da matéria colectável, sem abranger a sua determinação).
E dado que as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, reveladas pela utilização da expressão «presume-se» ou semelhante, mas «também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva», quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores, afigura-se-nos que, no caso, sendo o rendimento colectável de IRS «o que resulta do englobamento das várias categorias auferidos em cada ano» (art. 22º do CIRS), também aqui é de concluir que «… as normas que ficcionam valores para efeitos de determinar a medida dos rendimentos contêm presunções implícitas, já que não se pode aceitar, à face do princípio constitucional da igualdade, que se queiram tributar rendimentos inexistentes; por isso, as ficções de valores de matéria tributável foram introduzidas na lei no pressuposto de que correspondem à realidade os valores determinados por via de presunção.
Em situações deste tipo, está-se perante a aplicação de presunções contidas em normas de incidência objectiva (conceito em que se englobam as normas sobre determinação da matéria tributável de natureza substantiva, como é jurisprudência assente do TC), pelo que os interessados podem ilidi-las, ao abrigo do disposto no art. 73° da LGT, e fazer uso do procedimento de ilisão de presunções previsto neste art. 64° do CPPT; é admissível ilidir as presunções implícitas porque o que se pretende «sempre» é tributar rendimentos reais e não inexistentes e é por esta razão, de se querer «sempre» tributar valores reais, que o art. 73° da LGT permite «sempre» ilidir presunções.
É esta a interpretação que está em sintonia, por um lado, com o princípio enunciado no art. 11°, n° 3, da LGT de que, nos casos de dúvida sobre a interpretação das normas tributárias «deve atender-se à substância económica dos factos tributários» e, por outro lado, com o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, que impõe que a tributação da generalidade dos contribuintes, sempre que possível, assente na realidade económica subjacente aos factos tributários e não se compagina com a existência de casos especiais de tributação com base em valores fictícios em situações em que é conhecido ou é apurável o valor real dos factos tributários: como a tributação de rendimentos inexistentes conduziria a que quem os não teve fosse tributado como quem os teve e tal ofende o princípio da igualdade, é «sempre» possível demonstrar a realidade dos rendimentos, ilidindo o que se presume nas normas relevantes para a fixação de valores para o seu cálculo.
Pode tributar-se com base em ficções de rendimentos, quando a lei os presume, mas só se pode fazê-lo porque se presume que os valores dos rendimentos ficcionados são os que correspondem à realidade, admitindo-se «sempre» a prova de que há dissonância entre os rendimentos ficcionados e a realidade.» (Jorge de Sousa, loc. cit. anotação 5, pp. 589-591, concluindo que também no nº 2 do art. 44º do CIRS se estabelece uma presunção implícita de rendimento. )
Aliás, referindo-se à previsão constante deste nº 2 do art. 44º do CIRS (e bem antes do aditamento dos respectivos nºs. 5 a 7, que veio a ser operado pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12, aditamento este que, nas palavras do supra citado acórdão nº 211/2017, do Tribunal Constitucional, terá sido determinado com vista à concretização dos valores jurídico-constitucionais relevantes em matéria fiscal, especificamente quanto à incidência do imposto), também Xavier de Basto (IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 445-448.) já ponderava que esta disposição «... tem de ser interpretada no sentido de que se limita a estabelecer uma presunção sobre o valor de realização, que cede perante prova em contrário, ou seja, prova de que o valor de realização foi efectivamente inferior ao valor tomado como base para a liquidação do IMT», sendo que, se assim não for, poderemos estar a tributar um rendimento normal, em vez do rendimento real operado com a transmissão e sendo certo que, de todo o modo, a Fazenda Nacional sempre continuará defendida de manobras evasivas sobre o valor de realização.
Além de que, esta será a interpretação que parece ser imposta face aos regimes paralelos, tanto em matéria de IRS, como em matéria de IRC, pois que em sede de IRS, no caso das mais-valias prediais qualificáveis como rendimentos profissionais e empresariais, os n.ºs 5 e 6 do art. 31º-A do CIRS (aditados pelo art. 46º da Lei nº 53-A/2006, de 29/12), vieram permitir que o contribuinte possa provar que o valor de alienação/realização foi inferior ao que serviu de base à liquidação de IMT) e em sede de IRC o (então) art. 129º do CIRC prevê a mesma situação, em confronto com o então art. 58º-A (cfr. os actuais arts. 64º e 139º).
E assim sendo, carece de relevância a argumentação da recorrente, quer no sentido de que, mesmo a admitir-se a existência de lacuna no art. 44º do CIRS, esta não seria passível de integração mediante o recurso à disciplina contida nos nºs. 5 e 6 do art. 31°-A, ou dos posteriormente aditados nºs. 4 a 7 daquele mesmo art. 44º do CIRS, por estar em causa um facto tributário ocorrido em 2006, quer no sentido de que esta possibilidade introduz desigualdade no sistema, por dela poderem resultar para um mesmo facto tributário (a venda do imóvel) diferentes valores para efeitos de tributação em sede de IRS (para o vendedor) e para efeito de pagamento de IMT (para o adquirente do imóvel).
É que, independentemente de só a partir daquela data a lei ter conferido aos titulares de rendimentos da Categoria B a faculdade de suscitar o procedimento previsto no art. 129° do CIRC, (Sobre a matéria atinente à forma, regras e meios impugnatórios, aplicáveis no âmbito deste procedimento, cfr. os acs. do STA, de 09/03/2016, proc. nº 820/15, de 03/12/2014, no proc. nº 0881/12 e de 06/02/2013, no proc. nº 0989/12.) ou independentemente de ser admissível requerer 2ª avaliação para efeitos de IRS, IRC e IMT (nº 3 e nº 8 do art. 76º do CIMI, na redacção dada pelo art. 93º da Lei nº 64-A/2008, de 31/12) essa possibilidade de ilisão da presunção (ou ficção) de rendimentos já então se impunha face às normas constitucionais e à lei ordinária (LGT).
Há, assim, que confirmar a sentença recorrida, com esta fundamentação.

DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Fazenda Pública.
Lisboa, 11 de Outubro de 2017. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.