Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0469/10
Data do Acordão:10/13/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
PRAZO
PAGAMENTO
JUROS MORATÓRIOS
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO A REQUERIMENTO DO RECORRIDO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:I - As obrigações de entrega das contribuições e de entrega das declarações de remunerações, por parte das entidades empregadoras, devem ser realizadas no mesmo prazo, até ao dia 1 do mês seguinte àquele a que respectivamente dizem respeito: o do exercício da actividade profissional dos trabalhadores.
II - Sendo assim, se a entidade empregadora pagar as contribuições apenas no mês seguinte ao do pagamento da remuneração, que não o mês seguinte àquele a que aquelas diziam respeito, são devidos juros moratórios.
III - A ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do artigo 864.º-A do CPC, apenas admite a reabertura da discussão sobre determinados fundamentos que foram invocados na acção (impugnação judicial) no caso de terem sido julgados improcedentes na sentença recorrida, a que acresce a exigência da procedência do recurso, sem essa apreciação.
Nº Convencional:JSTA00066630
Nº do Documento:SA2201010130469
Data de Entrada:06/01/2010
Recorrente:INST DA SEGURANÇA SOCIAL, IP
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:L 32/2002 DE 2002/12/20 ART45 N2 ART47.
DL 199/99 DE 1999/06/08 ART3 ART10 N1 N2.
DRGU 26/99 DE 1999/10/27 ART6.
CPC96 ART684-A ART715 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC745/06 DE 2007/02/07.; AC STA PROC185/07 DE 2007/05/23.; AC STA PROC252/07 DE 2007/09/19.; AC STA PROC41187 DE 1999/09/23.; AC STA PROC1206/06 DE 2007/04/12.; AC STA PROC40/08 DE 2008/11/06.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 - O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO DISTRITAL DE BRAGA, não se conformando com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…, SA, contra a liquidação de juros de mora pela não entrega atempada das contribuições de Segurança Social, correspondentes aos meses de Outubro e Novembro de 1999, Fevereiro, Agosto e Dezembro de 2000, Maio, Junho, Novembro e Dezembro 2001, Janeiro a Dezembro de 2002, Janeiro a Dezembro de 2003, Janeiro a Março de 2004 e Agosto de 2007, no valor de 16.567,84 € dela vem interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A liquidação de juros de mora efectuada pela Recorrente, pelo facto de a Recorrida ter efectuado o pagamento das contribuições para a Segurança Social referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 1999, Fevereiro, Agosto e Dezembro de 2000, Maio, Junho, Novembro e Dezembro de 2001, Janeiro a Dezembro de 2002, Janeiro a Dezembro de 2003, Janeiro a Março de 2004 e Agosto de 2007 inclusive fora do prazo legal, decorre da aplicação da lei.
2. As contribuições devem ser pagas até ao dia do mês seguinte àquele a que dizem respeito.
3. O despacho conjunto das Secretarias de Estado do Emprego e Formação Profissional e da Segurança Social, de 26 de Fevereiro de 1986, publicado no Diário da República, II Série, 15 de Março de 1986, foi proferido no âmbito da conjuntura económica e social que o País atravessava naquela época, não sendo aplicável à situação em análise, tal como decorre da factualidade ora em apreço.
4. Não estamos, no caso em apreço, propriamente perante uma situação de salários em atraso mas, apenas, perante um procedimento da Recorrida que, entregando as declarações de remunerações até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as mesmas respeitam paga as contribuições apenas no dia 15 do mês seguinte ao do pagamento das remunerações.
5. A obrigação contributiva nasce com o início do exercício da actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço, isto é, quando os trabalhadores iniciam a sua prestação de trabalho na entidade empregadora.
6. As contribuições são devidas com o início do exercício da actividade profissional pelos trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, se as declarações de remunerações são entregues até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita a prestação de trabalho e o pagamento das contribuições devem ser pagas até ao dia 15 do mês àquele a que disserem respeito.
7. A Segurança Social tem toda a legitimidade para presumir que as contribuições são devidas no mesmo período pois a entrega daquelas declarações indicia o pagamento de salários e consequentemente deve considerar-se que as contribuições devem ser pagas até ao dia 15 do mês a que respeitam.
8. Diferentemente seria o caso de a Recorrida não proceder há entrega de declarações de remunerações ou de terem salários em atraso.
9. Não pagando a Recorrida as contribuições até ao dia 15 do mês em que entrega as declarações de remunerações, deverá considerar-se que são devidos juros de mora à taxa legal.
10. A obrigação contributiva das entidades empregadoras para a Segurança Social, no âmbito do Regime Geral, constitui-se o início do exercício da actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço, são devidas em função dos valores das remunerações pagas aos trabalhadores e devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.
11. As declarações de remunerações devem ser entregues até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam as remunerações.
12. Entregando a Recorrida as declarações de remunerações até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeita a prestação de trabalho, deve considerar-se que as contribuições são devidas no mesmo prazo, atento, também, o facto de efectuarem o pagamento de salários nesse período.
13. O não pagamento das contribuições dentro daquele prazo pela Recorrida determinou o nascimento da obrigação de juros de mora.
14. Não tendo, a Recorrida pago as contribuições devidas à Segurança Social dentro do prazo legal estabelecidos no n.º 2 do artigo 45° e n.º 1 do artigo 47° da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, no n.º 2 do artigo 10° do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho e no artigo 8° do Decreto-Regulamentar n.º 26/99, de 27 de Outubro, venceram-se juros de mora legal do valor de € 16.567,84.
15. Assim, não deve proceder-se à anulação dos juros de mora imputados à Recorrida aquando do pagamento não atempado de contribuições.
16. A liquidação dos juros de mora, ora em questão, foi bem efectuada por ser devida.
- A douta sentença em crise violou as disposições legais conjugadas do no n.º 2 do artigo 45° e n.º 1 do artigo 47° da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, no n.º 2 do artigo 100 do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8 de Junho e no artigo 8° do Decreto - Regulamentar n.º 26/99, de 27 de Outubro.
2 - A recorrida A…, SA, contra alegou nos termos que constam de fls. 217 e segts, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para concluir do seguinte modo:
1ª - O prazo de caducidade previsto no art. 45° da LGT é aplicável às dívidas à Segurança Social.
2ª - A impugnante não foi notificada, muito menos na forma legal para o efeito, da liquidação dos juros moratórios exigidos, nos termos do disposto no artigo 36° do Código de Procedimento e Processo Tributário.
3ª - Aquando do pagamento, por parte da impugnante, dos tributos referentes aos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003 (liquidados em Dezembro de 2007) encontrava-se decorrido o prazo legal de caducidade para se proceder à sua liquidação.
4ª- A caducidade do direito de liquidação, como a caducidade em geral, serve-se de prazos pré - fixados, caracterizados pela peremptoriedade e visam limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de exercer-se o direito.
5ª - Tal limitação temporal estende-se à liquidação dos juros, quer sejam estes compensatórios ou moratórios, pois se existe na lei uma limitação temporal do direito à liquidação dos tributos por parte do Estado, sendo tais tributos um crédito irrenunciável, por maioria de razão tal limitação é igualmente aplicável aos juros.
6ª - O Decreto Lei n.º 248-A/2002 prevê expressamente a possibilidade dos administrados pagarem apenas uma parte do capital em dívida, sendo certo que beneficiariam do perdão de juros na parte correspondente.
7ª- O entendimento segundo o qual, não tendo a impugnante pago todo o capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002, não lhe assiste o direito à dispensa dos juros ao abrigo do Decreto Lei n.º 248-A/2002, é ilegal.
8ª - Tendo a impugnante procedido ao pagamento das contribuições correspondentes aos meses de Outubro e Novembro de 1999, Fevereiro, Agosto e Dezembro de 2000, Maio, Junho, Novembro de Dezembro de 2001, Janeiro a Outubro de 2002, antes de 31 de Dezembro de 2002, por aplicação do regime previsto no DL n.º 248-A/2002, beneficia do regime de dispensa de pagamento dos juros moratórios devidos por conta daquelas contribuições, devendo, em consequência, ser anulada a liquidação impugnada.
9ª - A assim não se considerar violar-se-ia os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, já que se o legislador consagrou a dispensa do pagamento de juros de mora para quem se encontrasse numa situação de incumprimento das suas obrigações tributárias, desde que efectuasse o pagamento de parte ou todo o capital em dívida, por maioria de razão tal regime deve aplicar-se a quem já tinha cumprido as suas obrigações relativamente ao capital e fosse apenas devedor de juros.
10ª - Face aos factos provados nos autos, resulta demonstrado que a impugnante estava convencida de que, em Dezembro de 2002, tinha a sua situação contributiva regularizada, facto sustentado igualmente pelas inúmeras certidões de inexistência de dívida que foram sendo emitidas pela impugnada.
11ª- A exigência do pagamento dos juros de mora pela Segurança Social, “repristinando” obrigações contributivas saldadas e/ou perdoadas, decorridos mais de quatro anos, ofende as legítimas expectativas da impugnante e, bem assim, o princípio basilar da actuação da administração e das relações entre esta e os administrados - o princípio da boa fé, com consagração constitucional - art. 266° da CRP.
12ª - Sob pena de se defraudar o princípio da confiança, deve ser reconhecido à impugnante a dispensa do pagamento dos juros moratórios pela entrega tardia das contribuições referentes aos meses de Outubro e Novembro de 1999, Fevereiro, Agosto e Dezembro de 2000, Maio, Junho, Novembro de Dezembro de 2001, e Janeiro a Outubro de 2002.
13ª - A Segurança Social imputa à impugnante juros moratórios alegadamente vencidos em virtude da impugnante não ter procedido ao pagamento das contribuições até ao dia 15 do mês seguinte ao mês em que o trabalho foi prestado, mas antes até ao dia 15 de mês seguinte ao efectivo pagamento dos salários.
14ª- Ainda que assim seja, a impugnante procedeu ao pagamento das contribuições apenas com um mês de atraso.
15ª - Face ao entendimento sufragado pela Segurança Social quanto ao prazo de pagamento das contribuições e a data de pagamento de tais contribuições por parte da impugnante, apenas assistiria direito à Segurança Social de cobrar juros de mora de um mês. 16ª - Tendo a impugnante pago as contribuições decorridos 30 dias desde a data que a Segurança Social entende ter operado o seu vencimento, a cobrança de 2 meses de mora é ilegal.
17ª - A impugnante procedeu ao pagamento das contribuições de Janeiro de 2002, no dia 15 de Março de 2002, pelo valor de valor de 21.024,94€.
18ª - O valor de juros liquidado pela impugnada referente às contribuições e quotizações do mês de Janeiro de 2002, padece de erro e, nessa medida, a sua cobrança é ilegal.
18ª - A Segurança Social pretende cobrar da impugnante, entre outros, alegados juros moratórios vencidos pela entrega tardia das contribuições referentes ao mês de Julho de 2003.
19ª- Resultou provado nos autos que já em 8 de Junho de 2005, a Segurança Social exigiu da impugnante o pagamento da quantia de 207,05 € a título de juros devidos por conta da contribuição de Julho de 2003, quantia que foi paga pela impugnante em 13/06/2005.
20ª - A cobrança dos juros moratórios devidos por conta da contribuição de Julho de 2003 é ilegal, em virtude de já terem sido anteriormente exigidos e pagos pela impugnante.
3 - O Exmº Ministério Publico emitiu douto parecer nos seguintes termos:
“I. Objecto do recurso: a questão objecto do presente recurso consiste em saber quando se vence a obrigação de pagamento das contribuições devidas pelas entidades patronais à segurança social.
Alega o Instituto de Segurança Social que a obrigação contributiva das entidades empregadoras para a Segurança Social no âmbito do Regime Geral, constitui-se o início do exercício da actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço, daí que as contribuições sejam devidas com o início do exercício da actividade profissional dos trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, devendo ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.
A nosso ver o recurso merece provimento.
Com efeito a tese da recorrente vai ao encontro da jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo, que tem vindo a entender, que «as obrigações de entrega das contribuições para a segurança social, quer a parte devida pelas entidades patronais quer a parte devida pelos trabalhadores, e de entrega das declarações de remunerações, por parte das entidades empregadoras, devem ser realizadas no mesmo prazo, isto é, até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que dizem respeito - o do exercício da actividade profissional dos trabalhadores - e não até ao dia 15 do mês seguinte ao do pagamento» - ver neste sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03.10.2007, recurso 537/07, de 07.02.2007, recurso 745/06, de 19.09.2007, recurso 252/07, e de 23.05.2007, recurso 185/07, todo in www.dgsi.pt, tirados em casos idênticos ao dos presentes autos, ou seja, em que resultava do probatório que a entidade patronal pagava as remunerações dos trabalhadores nos três primeiros dias úteis do mês seguinte àquele em que era exercida a actividade.
E o principal argumento em abono de tal tese, que subscrevemos, resulta do facto de o exercício da actividade profissional ser o alicerce de todo o regime.
Como se sublinha no Acórdão 745/06, acima citado, «(...) as remunerações estão dependentes do exercício da actividade profissional e não valem, no ponto, a se: o montante da contribuição determina-se pela remuneração paga mas esta sempre corresponde ao mês em que a actividade profissional foi exercida»
Assim sendo, se a entidade empregadora pagar, como no caso subjudice, as contribuições apenas no mês seguinte ao do pagamento da remuneração serão devidos juros moratórios.
II. Ampliação do objecto do recurso: na sua resposta de fls. 217 e segs. a recorrida pede ampliação do objecto do recurso.
A possibilidade de ampliação do objecto do recurso, prevista no artº 684-A, nº 1, do CPC, não visa substituir a necessidade de interposição de recurso jurisdicional (principal ou subordinado) por parte daqueles que se julguem prejudicados com uma decisão de um tribunal, mas sim permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos (fundamentos) que foram por si invocados na acção (e julgados improcedentes) - (cf. neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª secção de 12.04.2007, recurso 1207/06, e de 23.9.99, recurso 41187, e acórdão STJ de 17.6.99 no recurso. 98B1051, entre muitos outros).
Face à posição tomada quanto à procedência do recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social haverá que emitir pronúncia sobre pedido de ampliação do objecto do recurso.
No seu requerimento a recorrida veio suscitar as seguintes questões:
1. Caducidade do direito à liquidação
A alega a recorrida que não foi notificada, muito menos na forma legal, para o efeito da liquidação dos juros moratórios exigidos nos termos do disposto no artigo 36º do Código de Procedimento e Processo Tributário.
E conclui que, aquando do pagamento, por parte da impugnante, dos tributos referentes aos anos de 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003 (liquidados em Dezembro de 2007) se encontrava decorrido o prazo legal de caducidade para se proceder à sua liquidação.
Afigura-se-nos que, nesta parte, a pretensão da recorrida não deve proceder.
Com efeito a liquidação de juros moratórios não é uma liquidação principal mas, antes, meramente acessória do tributo, no caso contribuições à Segurança Social.
Ora, como se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.09.2009, recurso 436/09, no caso das contribuições e quotizações em dívida à Segurança Social não é configurável a caducidade do direito à liquidação.
E isto porque o acto da entidade emitente do respectivo título executivo (certidão de dívida) «não pode ser formalmente definido como acto de liquidação, desde logo porque não está subordinado a qualquer procedimento próprio para liquidação de tributos, nem é imposta por lei a notificação de qualquer acto antes da citação em processo fiscal.»
De resto a própria Lei 32/2002 (Lei de Bases da Segurança Social) não prevê, ao contrário do que sucede com a prescrição, qualquer regime especial de caducidade do direito à liquidação.
O legislador nada consagrou, pois, no que respeita a um eventual prazo de caducidade do direito à extracção de certidões das dívidas à Segurança Social para efeitos de instauração de processo executivo, estando aquelas dívidas sujeitas apenas a um regime específico de prescrição.
E, se assim é em relação à dívida principal, o mesmo se passará em relação aos respectivos juros moratórios.
2. Alega também a recorrida que o entendimento de que, não lhe assiste o direito à dispensa dos juros ao abrigo do Decreto Lei nº 248-A/2002 porque não pagou todo o capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002, é ilegal.
Afigura-se-nos que lhe assiste razão.
Resulta do artº 2, nº 1 do Decreto Lei nº 248-A/2002, que o pagamento, no todo ou em parte, do capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002 determina, na parte correspondente, dispensa dos juros de mora e dos juros compensatórios.
Como bem sublinha a recorrida o referido decreto-lei prevê expressamente a possibilidade dos administrados pagarem uma parte do capital em dívida, beneficiando do perdão de juros na parte correspondente.
Assim sendo, resultando do probatório que foram pagas as contribuições até Outubro de 2002, a recorrida beneficia do regime de dispensa dos respectivos juros moratórios, pelo que deverá ser julgado procedente, nesta parte, o recurso.
3. Alega ainda que procedeu ao pagamento das contribuições apenas com um mês de atraso. Face ao entendimento sufragado pela Segurança Social quanto ao prazo de pagamento das contribuições e a data de pagamento de tais contribuições por parte da impugnante, apenas assistiria direito à Segurança Social de cobrar juros de mora de um mês.
Também aqui deve proceder o recurso.
Com efeito resultando do probatório (ponto 22) que a recorrida procedia ao pagamento dos salários nos primeiros três dias úteis do mês seguinte àqueles a que respeitava a actividade profissional exercida pelos seus trabalhadores, e também que pagou as contribuições à Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele em que procedeu ao pagamento dos salários - e não até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que diziam respeito - o do exercício da actividade profissional (ponto 11), é manifesto que procedeu ao pagamento dos tributos apenas com um mês de atraso, pelo que só poderiam ser cobrados juros de mora de um mês.
Os cálculos dos juros cobrados pela Segurança Social padecem pois de erro, como demonstrado a fls. 231, pelo que deve nesta parte proceder o recurso.
4. Finalmente alega a recorrida que resultou provado nos autos que já em 8 de Junho de 2005, a Segurança Social exigiu da impugnante o pagamento da quantia de 207,05 € a título de juros devidos por conta da contribuição de Julho de 2003, quantia que foi paga pela impugnante em 13/06/2005.
Assim a cobrança dos juros moratórios devidos por conta da contribuição de Juros de 2003 é ilegal em virtude de já terem sido anteriormente exigidos e pagos pela impugnante.
Também aqui procederá a pretensão da recorrida, atento o probatório, nomeadamente os pontos 16, 17 e 18.
Nestes termos, e em face de tudo o exposto, deve ser julgado procedente o recurso do Instituto de Segurança Social e parcialmente procedente o recurso da A…, SA, revogando-se o julgado recorrido.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4- A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1- A liquidação impugnada diz respeito a juros de mora por atraso na entrega de contribuições à Segurança Social relativas aos meses de Outubro e Novembro de 1999, Fevereiro, Agosto e Dezembro de 2000, Maio, Junho, Novembro de Dezembro de 2001, Janeiro a Dezembro de 2002, Janeiro a Dezembro de 2003, Janeiro a Março de 2004, e Agosto de 2007.
2- A impugnante já pagou as liquidações impugnadas.
3- No momento do pagamento, a impugnante deixou expressa a sua discordância quanto ao acto ora impugnado, juntando ao pagamento uma carta onde declarou expressamente que o pagamento não podia “ser interpretado como assunção ou reconhecimento da situação de mora invocada pela Segurança Social e sendo certo que não deixará de recorrer, oportunamente, e pelos meios que entender adequados, da cobrança ora operada.”
4- A justificação dada para a cobrança dos aludidos juros prende-se com o facto da impugnante não ter procedido ao pagamento das contribuições respeitantes apenas ao mês de Novembro de 2002,
5- Ou seja, entendeu-se que não tendo a impugnante pago todo o capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002 não lhe assistiria o direito à dispensa dos juros ao abrigo do Decreto-Lei n.º 248-A/2002.
6- A impugnante é uma sociedade comercial, com o número de identificação de pessoa colectiva …, com sede no lugar de Valdante, da freguesia de Ronfe, do concelho de Guimarães, tendo o número 20007493498 de contribuinte da Segurança Social integra-se num grupo de empresas denominado B….
7- Na sequência do pedido de emissão de uma certidão de inexistência de dívidas, a impugnante foi informada, via fax, da existência de uma dívida no valor de 16.567,94 € respeitante a juros de mora pela entrega tardia das contribuições referentes aos meses de Outubro e Novembro de 1999, Fevereiro, Agosto e Dezembro de 2000, Maio, Junho, Novembro de Dezembro de 2001, Janeiro a Dezembro de 2002, Janeiro a Dezembro de 2003, Janeiro a Março de 2004, e Agosto de 2007.
8- Na sequência de exigência de pagamento dos referidos juros, um funcionário do b…, da qual a Impugnante faz parte, Sr. C…, dirigiu-se à Segurança Social (Braga) para se inteirar dos motivos da recusa da emissão da certidão de inexistência de dívidas, bem como, da razão de ser das dívidas cujo pagamento a Segurança Social exigia,
9- Nessa altura, a Impugnante, na pessoa do citado funcionário Sr. C…, transmitiu que todas as contribuições vencidas até 31 de Dezembro de 2002 haviam sido integralmente liquidadas até o final desse ano de 2002, beneficiando a impugnante da dispensa dos juros de mora e compensatórios, ao abrigo D.L. nº 248-A/2002, de 14 de Novembro.
10- A impugnante, antes de 31 de Dezembro de 2002, procedeu ao pagamento do capital que a Segurança Social lhe transmitiu estar em dívida.
11- O impugnante entregou as referidas contribuições em causa à Segurança Social, até ao dia 15 do mês seguinte a ter pago os salários a que as mesmas diziam respeito aos seus trabalhadores.
12- Todavia, foram liquidados os juros de mora referidos porquanto a Segurança Social entendeu que as contribuições lhe são devidas até ao dia 15 do mês seguinte ao mês a que diga respeito o salário, e não ao mês em que este foi efectivamente pago.
13- Para o efeito, a impugnante dirigiu-se à Segurança Social, requerendo o pagamento das contribuições vencidas até Dezembro de 2002, tendo procedido ao pagamento das mesmas até ao facto tributário respeitante ao mês de Outubro de 2002,
14- Fê-lo até esse período por indicação da Segurança Social e por entender que as contribuições para a Segurança Social têm de ser entregues no mês seguinte ao do pagamento das remunerações e não no mês seguinte aquele a que o mesmo dizia respeito.
15- Ficou a impugnante convencida, após o pagamento da capital em dívida até 31 de Dezembro de 2002, de que estava inteiramente “em dia” perante a Segurança Social.
16- Em 8 de Junho de 2005, a Segurança Social informou a impugnante da existência de juros em dívida.
17- Nessa altura, foi exigido à impugnante apenas o pagamento dos juros devidos por conta da contribuição de Julho de 2003.
18- Com vista à obtenção da necessária certidão de inexistência de dívidas, a impugnante, em 13/06/2005, procedeu ao pagamento da quantia de 207,05€ a título de juros vencidos, tendo a certidão sido emitida com a mesma data.
19- Depois dessa, a Segurança Social foi emitindo certidões de inexistência de dívidas sempre que tal lhe foi sendo solicitado pela impugnante, sem que exigisse da impugnante o pagamento de quaisquer juros moratórios, ou informasse a impugnante da existência dos juros moratórios que ora constituem o objecto da presente impugnação.
20- Criou-se na convicção da impugnante a certeza de que tinha a sua situação contributiva inteiramente regularizada.
21- O n.º 1 da cláusula 32ª do Contrato Colectivo de Trabalho em vigor na altura para o sector de actividade da impugnante, a Indústria Têxtil, (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 37, de 8110/81, a fls. 2707), dispunha que; “O pagamento da remuneração mensal deverá ser efectuado até ao terceiro dia útil do mês seguinte àquele a que respeita”.
22- Assim, por exemplo, no que diz respeito ao trabalho prestado em Agosto, a impugnante procedia ao pagamento do salário nos três primeiros dias úteis do mês seguinte, ou seja, Setembro.
23- Sendo que as contribuições eram pagas até dia 15 do mês seguinte, ou seja, Outubro.
24- A impugnante procedeu ao pagamento das contribuições de Janeiro de 2002, no dia 15 de Março de 2002, pelo valor de valor de 21.024,94€.
5.1. A questão suscitada pela recorrente no seu recurso consiste em saber do momento temporal relevante para efeito do nascimento da obrigação de pagamento das contribuições devidas pelas entidades patronais à Segurança Social.
Ora, acontece que a respeito da questão enunciada este Supremo Tribunal tem vindo a conhecer e decidir de forma uniforme e reiterada em casos idênticos, com base em entendimento que merece a nossa inteira concordância, pelo que, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC), passamos a transcrever o que se deixou expresso no acórdão de 7/2/07, no rec. n.º 745/06 (vide ainda os acórdão de 23/05/07 e 19/09/07, nos recursos n.ºs 185/07 e 252/07):
“Nos termos do artigo 45°, n.° 2, da Lei n.° 32/2002, que aprova as bases da segurança social, a obrigação contributiva das entidades empregadoras constitui-se com o início da actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço, sendo os termos do seu cumprimento estabelecidos no quadro do respectivo regime de segurança social. E, assim constituída a obrigação contributiva, há que determinar os responsáveis pelo pagamento das contribuições, o tempo do cumprimento da obrigação e quais as obrigações acessórias respectivas.
Tal responsabilidade é naturalmente das entidades empregadoras, num sistema de retenção na fonte quanto às contribuições dos trabalhadores - artigo 47.° - uma vez que o valor das correspondentes quotizações é descontada nas remunerações a estes pagas - n.° 1.
Por outro lado, as contribuições, tanto as dos trabalhadores como as das entidades patronais, devem ser pagas “até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito” - artigo 10°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 199/99, de 8 de Junho. Este diploma, que “procedeu à definição das taxas contributivas do regime geral dos trabalhadores por conta de outrem”, foi regulamentado pelo Decreto Regulamentar n.° 26/99, de 27 de Outubro, que veio determinar - artigo 6.°- o prazo para entrega das declarações de remunerações pelas entidades empregadoras: “até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as remunerações disserem respeito”.
Temos, assim, que as declarações de remuneração devem ser entregues até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que estas dizem respeito, o que se compreende já que o montante das contribuições é determinado pela aplicação das taxas previstas no artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 199/99, de 8 de Junho, às remunerações legalmente consideradas como base de incidência contributiva - artigo 10.° deste diploma.
Ou seja: o montante das contribuições depende do valor das remunerações e as remunerações dizem naturalmente respeito ao mês em que a actividade é exercida, pois que a obrigação contributiva se refere ao exercício da actividade profissional pelos trabalhadores - dito artigo 45°. Por outro lado, as contribuições - todas - devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.
Ora, se as remunerações respeitam ao mês em que a actividade é exercida, temos que o prazo para entrega das declarações coincide com o prazo para a entrega das contribuições.
O que se afigura perfeitamente lógico dado que as contribuições dos trabalhadores são descontadas, como se disse, pela entidade patronal, nas respectivas remunerações e as desta têm também estas como referente.
E tanto assim é que o artigo 10°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 199/99 e o artigo 6.° do Decreto Regulamentar n.° 26/99 - que o regulamentou - utilizam a mesma expressão “a que disserem respeito”.
Certo que, no primeiro, são determinantes as contribuições e, no segundo, as remunerações, mas, como vimos, elas são simultâneas dado, desde logo, aquele sistema de retenção na fonte e o predito referente.
Assim, o exercício da actividade profissional é o alicerce de todo o regime:
- A obrigação contributiva das entidades empregadoras constitui-se com o início do exercício da actividade profissional pelos trabalhadores ao seu serviço - artigo 45. °, n.° 2, da Lei n.° 30/2002, de 20 de Dezembro;
- O montante das contribuições a pagar é determinado pela aplicação das taxas legais às remunerações pagas pelo exercício daquela actividade - artigo 10.°, n.° 1, do Decreto- Lei n° 199/99, de 8 de Junho;
- As contribuições devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito, isto é, ao mês seguinte a que respeitam as remunerações ou, de outro modo, ao mês seguinte ao do exercício da actividade profissional - artigo 10., n.° 2, deste último diploma legal;
- As entidades empregadoras devem enviar as declarações de remuneração até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que as remunerações disserem respeito, ou seja, ao mês seguinte àquele em que foi exercida a actividade profissional - artigo 6.° do Decreto Regulamentar n.° 26/99, de 27 de Outubro.
Do referido contexto legal e ao contrário do que pretendem as recorrentes, não resulta, pois, que o artigo 10.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 199/99, considere relevante o mês do pagamento das remunerações, por modo que o mês de pagamento das contribuições fosse o mês seguinte ao do pagamento das remunerações.
Pois as remunerações estão dependentes do exercício da actividade profissional e não valem, no ponto, a se: o montante da contribuição determina-se pela remuneração paga mas esta sempre corresponde ao mês em que a actividade profissional foi exercida.”
No caso dos autos, como se alcança do 11. do probatório, a ora recorrida “entregou as referidas contribuições em causa à Segurança Social até ao dia 15 a ter pago os salários a que as mesmas diziam respeito aos seus trabalhadores”, não o tendo feito no mês seguinte àquele a que as mesmas diziam respeito e daí que sejam devidos os juros que no recurso vêm questionados.
Sendo assim, procedem todas as conclusões da alegação de recurso.
5.2. A recorrida a fls. 228 das suas contra-alegações pugna pela ampliação do âmbito do recurso tendo em vista o conhecimento de questões que não foram apreciadas na sentença impugnada, o qual teria ficado prejudicado pela procedência da impugnação deduzida com base num dos outros fundamentos invocados.
Nessa sua pretensão não faz apelo a qualquer preceito legal, sendo certo que as conclusões das contra-alegações apenas versam as aludidas questões.
Vejamos.
A possibilidade da ampliação do recurso encontra guarida no n.º 1 do artigo 684.º-A do CPC sob a epígrafe de “Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido”, aí se estabelecendo que - “ No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Com esta faculdade visa-se, assim, permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados fundamentos que foram invocados na acção (“in casu” impugnação judicial) e julgados improcedentes, mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência.
Daí que a aplicação deste normativo não seja irrestrita e se mostre condicionada pela exigência do tribunal “a quo” ter efectivamente conhecido as questões, julgando-as improcedentes- cfr. acórdãos de 23/09/99, 12/04/07 e 6/11/08, nos recursos n.º s 41.187, 1206/06 e 40/08.
Por outras palavras, impõe-se que a parte vencedora tenha decaído no julgamento que o tribunal recorrido tenha feito a respeito dessas questões.
Não é o que acontece na situação em apreço, uma vez que, como a própria recorrente admite, as questões em causa não foram objecto de conhecimento na sentença.
Como assim, o conhecimento dessas questões está vedado a este Tribunal de recurso com base numa “ampliação do âmbito do recurso”.
De igual modo, a regra do conhecimento em substituição prevista no artigo 715, n.º 2 do CPC não permite dar satisfação à pretensão da recorrida, atenta a manifesta carência para o efeito da matéria de facto assente no probatório.
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, a sentença recorrida devendo os autos baixar à 1.ª instância para conhecimento dos restantes fundamentos da impugnação judicial deduzida.
Custas neste STA a cargo da recorrida, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 13 de Outubro de 2010. - Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do ValeJorge Lino.