Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0846/09.4BELLE-A 0293/18
Data do Acordão:04/04/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:NULIDADE DO LICENCIAMENTO
EXECUÇÃO DE JULGADO
DEMOLIÇÃO
ESTADO DE DIREITO
Sumário:I. A execução de sentenças anulatórias de actos administrativos deve consistir na reposição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, e no cumprimento dos deveres não cumpridos com fundamento nesse acto, de modo a que a ordem jurídica seja reintegrada;

II. A execução coerciva da declaração de nulidade de acto de licenciamento de obra não tem de significar, necessariamente, a demolição da obra. Para que essa solução radical se imponha, ela tem de resultar e, portanto, ser precedida, de testes de «necessidade e proporcionalidade» relativos à situação concreta;

III. Nos casos em que a norma infringida está ao serviço de um direito ou interesse particularmente relevante, e cuja infracção, por isso mesmo, é sancionada com a nulidade, são os próprios fundamentos do sistema que são postos em crise por esse vício absoluto, de tal modo que a atribuição de quaisquer efeitos jurídicos, ainda que colaterais, ao acto nulo, representaria, por isso, um entorse intolerável na estrutura normativa do Estado de Direito.

Nº Convencional:JSTA000P24419
Nº do Documento:SA1201904040846/09
Data de Entrada:05/09/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA E OUTROS
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. O MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA, A……. e B……, devidamente identificados nos autos, interpuseram dois recursos de revista, independentes, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], de 09.11.2017, que negou provimento às duas apelações por eles interpostas da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé [TAF], datada de 19.01.2016, a qual, no âmbito de uma execução de julgado, promovida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, ordenou a demolição de uma moradia e impôs uma sanção pecuniária compulsória ao Presidente e Vereadores da Câmara Municipal de Albufeira.

2. O MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA [MA] formulou, na sua revista, estas conclusões:

I. Quanto aos pressupostos de admissibilidade do «recurso de revista»:

1- O presente recurso excepcional de revista vem interposto do douto acórdão da 1ª Secção do 2º Juízo do TCAS, que julgou improcedentes os recursos de apelação interpostos da sentença proferida pelo TAF de Loulé, e determinou a demolição, em 3 meses, da moradia dos contra-interessados A…. e marido, e impôs a todos os membros da vereação do recorrente sanção pecuniária compulsória pelo eventual atraso naquela demolição;

2- Apoia-se este recurso, quanto aos pressupostos de admissibilidade, na relevância jurídica e social das questões de importância fundamental a decidir;

3- A relevância jurídica das questões a decidir radica na circunstância de, na interpretação que faz das normas aplicáveis ao caso, designadamente da salvaguarda dos direitos de terceiros de boa-fé perante a declaração de nulidade de acto administrativo, expressa, para o que ao caso importa, no nº3 do artigo 162º do CPA - salvaguarda essa que a sentença exequenda, de resto, havia abordado e consignado de modo expresso - o acórdão recorrido vir subscrever o entendimento propugnado pela 1ª instância, de que os direitos emergentes de hipoteca registada sobre prédio rústico, mas destinada - pelo momento e com o conteúdo em que foi constituída - a servir de garantia a financiamento para a construção de um edifício nesse mesmo imóvel, não saem prejudicados com a sua manutenção apenas sobre o terreno, despojado do edifício;

4- Isto em consequência de sentença [a executiva, apelada] que viria a decretar a demolição desse edifício cerca de doze anos após a prolação dos actos de licenciamento emitidas pela autoridade administrativa competente;

5- Esta tese, que o recorrente respeitosamente crê repugnar ao Direito, faz tábua rasa de circunstâncias ponderosas, que merecem a tutela dos princípios da protecção da confiança e da boa-fé, nomeadamente de terceiros em relação ao acto administrativo, mas também dos sujeitos, individuais e empresas, que confiam na legalidade dos actos da Administração para a partir dela se obrigarem em operações de crédito muitas vezes de significativa amplitude, directamente relacionadas com o financiamento da edificação;

6- Pelas razões aduzidas em alegações, que em economia de meios nos permitimos dar por reproduzidas, o entendimento do tribunal a quo, neste contexto específico, viola o disposto no artigo 162º, nº3, acima referido, e no artigo 10º, ambos do CPA, e no nº2 do artigo 266º da Lei Fundamental;

7- Tal interpretação, a vingar, propiciará, com grande margem de segurança, grave impacto negativo, e de magnitude dificilmente quantificável, na estrutura económica e social do nosso país, pois nem os particulares directamente interessados em operações urbanísticas [pessoas singulares e empresas] nem o sistema bancário, que as mais das vezes fornece os meios financeiros que permitem a sua realização, poderão confiar em actos administrativos de teor permissivo, emitidos por quem detém competência legal para os proferir, quando os efeitos produzidos no mundo real ao seu amparo, ao cabo de uma década ou mais, podem ser totalmente destruídos por opção tomada quanto à medida ou extensão das consequências de ulterior declaração de nulidade daqueles actos;

8- A insegurança daqui resultante para a sociedade impõe, pelo exposto, e como boamente se crê e defendemos, que a interpretação que o acórdão recorrido faz do nº3 do artigo 162º do CPTA é manifestamente ilegal, e, em última análise, inconstitucional, e introduz uma incerteza e disparidade na análise e aplicação das normas jurídicas pelos tribunais, susceptível de afectar profundamente os direitos, liberdade e garantias dos cidadãos;

9- Tal insegurança para a generalidade dos cidadãos advém também de se manter ilesa a decisão do TAF de Loulé que deferiu o pedido do MP de que a moradia dos contra-interessados fosse demolida, sem outra alternativa, manutenção integral de julgado que decorre do acórdão ora em revista;

10- Aplica-se aqui, sem alteração de realce, quanto se adiantou nas conclusões VII a IX, retro, mas também a circunstância de, consabidamente, e como os tribunais superiores - TCAS incluído - vêm conformando, a demolição de edifícios em virtude da declaração de nulidade dos actos administrativos se arvorar como ultima ratio da reposição da legalidade, e não, como se decidiu na 1ª instância, e o acórdão recorrido confirma, a unica sanctio de entre o catálogo de actos em que se possa consubstanciar a reparação do ordenamento jurídico declarado infringido;

11- Decidir, como faz o acórdão recorrido, que a possibilidade de legalizar a obra tem que ser real e presente ou iminente, ou não existe, é, parece-nos, desprezar o disposto no artigo 167º do RGEU, que exige que aquela seja susceptível, outrossim, de vir a satisfazer aos requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade;

12- Num quadro em que, como consta dos autos, e o acórdão recorrido refere, se encontra em revisão o PDM que a sentença exequenda considerou violado, conviria à melhor aplicação do direito estabelecer-se que, para efeitos daquele artigo 167º do RGEU, como para os do artigo 102º-A do RJUE, e ainda para os do artigos 173º, nºs 1 e 2, do CPTA, os tribunais devam fixar um prazo razoável para se comprovar que a obra é realmente passível de se tornar conforme com a lei;

13- O que está em causa não é já a qualificação dos actos administrativos como válidos ou inválidos, questão que se encontra dirimida nos presentes autos e no entendimento deste STA, e que confronta o direito aplicável à data daqueles actos administrativos: o que está em causa é impor-se a fortiori a demolição, como única medida capaz de satisfazer o direito, e que, por irreversível, torna inútil qualquer possibilidade de aproveitamento da construção, mesmo que, em reexercício das competências que detém, a Administração reconheça que ela é susceptível de vir a satisfazer os requisitos exigidos por lei, como esclareceu este Supremo Tribunal no AC de 30.09.2009 [processo nº0210/09];

14- Como erradica tal possibilidade ao abrigo de nova lei que, num quadro temporal necessária e racionalmente definido, crie as condições jurídicas de conformidade da obra, à luz desse mesmo reexercício de competências;

15- A questão que se coloca é, pois, a da bondade e juridicidade de se estabelecer, como fez a sentença executiva, e pontuou o acórdão recorrido, que a única solução que agrada ao direito é a demolição e num prazo objectivamente curto - 3 meses - para criar uma situação de irreversibilidade que, a confirmar-se, constituirá óbice intransponível a que qualquer daquelas possibilidades possa revelar-se exequível;

16- Por fim, o acórdão recorrido, conquanto aponte no relatório para uma via de exculpação do presidente da câmara municipal, enquanto membro do órgão encarregado de dar cumprimento à decisão judicial executiva, confirma apesar disso, ao manter integralmente o julgado da 1ª instância, que, ainda que legalmente impedido de participar no procedimento em que se substancie aquele cumprimento, aquele titular do órgão fica em todo o caso sujeito à sanção pecuniária compulsória prevista para o incumprimento;

17- Tal interpretação do disposto no nº4 do artigo 169º é incompatível com a manutenção pura e simples do julgado executivo apelado, importando estabelecer, para melhor aplicação do direito, que, ao contrário do decidido pela 1ª instância, os titulares do órgão da Administração incumbente de dar cumprimento ao julgado executivo mas que se encontrem em situação de impedimento já declarada, por qualquer um dos fundamentos previstos na lei, não podem, a partir daquela declaração em juízo, continuar sujeitos à sanção pecuniária compulsória, justamente por obediência aos princípios da imparcialidade e da boa administração postulados nos artigos 9º e 5º do CPA, impondo-se, assim, a revogação parcial do acórdão recorrido e o estabelecimento dessa barreira lógica jurídica à aplicação da sanção determinada pelo tribunal;

18- Pelo exposto, crê, o aqui recorrente, estarem preenchidos, como alegados e demonstrados, os pressupostos de admissibilidade da importância fundamental, pela relevância social e para melhor aplicação do direito, das questões expostas, devendo, assim, admitir-se o presente recurso excepcional de revista;

19- Tendo ainda em conta a capacidade de expansão da controvérsia de tais questões para além das situações concretas em análise, susceptível de vir a repetir-se num número indeterminado de casos futuros.

II. Quanto à questão de fundo do «recurso de revista»:

1- O presente recurso excepcional de revista vem interposto do douto acórdão da 1ª Secção do 2º Juízo do TCAS, a 09.11.2017, que julgou improcedentes os recursos de apelação interpostos da sentença proferida pelo TAF de Loulé, e determinou a demolição, em 3 meses, da moradia dos contra-interessados A…… e marido, e impôs aos membros da vereação do agora recorrente sanção pecuniária compulsória pelo eventual atraso naquela demolição;

2- Ao manter integralmente a sentença apelada, o douto acórdão do tribunal a quo viola o disposto no nº3 do artigo 162º do CPA, densificando a previsão do nº3 do artigo 134º da versão anterior do mesmo código;

3- Desconsiderando, em claro desalinho com a sentença exequenda, os efeitos putativos derivados do decurso prolongado do tempo que mediou entre a prolação dos actos administrativos e o trânsito em julgado da sua declaração de invalidade;

4- Propugnar, como faz a sentença apelada, e o acórdão recorrido confirma, que os direitos emergentes de hipoteca registada sobre prédio rústico, mas destinada - pelo momento e com o conteúdo em que foi constituída - a servir de garantia a financiamento para a construção de um edifício nesse mesmo imóvel, não saem prejudicados com a eliminação da benfeitoria que justificou a sua constituição, e se contentam com a sua subsistência sobre o terreno apenas;

5- Isto em consequência de sentença [a executiva, apelada] que viria a decretar a demolição desse edifício cerca de 12 anos após a prolação dos actos de licenciamento emitidos pela autoridade administrativa competente;

6- Esta tese afronta o princípio da protecção da confiança, nomeadamente a de terceiros de boa-fé envolvidos nas relações jurídico-sociais directa ou indirectamente afectadas pelos actos administrativos assim declarados inválidos;

7- Constitui ao mesmo tempo estandarte hermenêutico de impacto negativo incomensurável na esfera dos sujeitos, individuais e empresas, que confiam na legalidade dos actos da Administração para a partir dela se obrigarem em operações de crédito muitas vezes de significativa amplitude, directamente relacionadas com o financiamento da edificação;

8- O entendimento do acórdão recorrido, neste trecho da protecção dos direitos dos contra-interessados, viola o disposto no artigo 162º, nº3, acima referido, e no artigo 10º, ambos do CPA, e no nº2 do artigo 266º da Lei Fundamental;

9- Também a manutenção, pelo acórdão em revista, do julgado da 1ª instância, quanto à ordem de demolição da moradia dos contra-interessados, atinge gravemente previsão legal expressa, com enraizamento na Jurisprudência e na Doutrina, e que se reflecte na consideração de que tal operação, enquanto conteúdo dos actos materiais de reposição da legalidade urbanística, será sempre a última opção, quando nenhum outro meio se mostre possível;

10- Esta constatação não é mais do que afloramento do princípio da proporcionalidade, e encontra arrimo positivo nos artigos 102º e 106º, nº2, do RJUE, e 167º do RGEU;

11- Para mais num quadro de circunstâncias em que, avisados os autos, o instrumento de gestão territorial que a sentença exequenda teve por infringido se encontra em revisão;

12- Justiça se fazendo, sim, para efeitos daquele artigo 167º do RGEU, do artigo 102º-A do RJUE, e do artigo 173º, nº1 e nº2, do CPTA, fixar-se, judicialmente, em sede de execução de sentença, um prazo razoável para se tornar a moradia conforme com a lei, antes da intervenção irreversível do camartelo;

13- O que está em causa não é já a qualificação dos actos administrativos como válidos ou inválidos, questão que se encontra já dirimida nos presentes autos e no entendimento deste STA, e que confronta o direito aplicável à data daqueles actos administrativos;

14- O que está em causa é impor-se sem mais a demolição, como a única medida capaz de satisfazer o direito, e que, quando facto consumado, torne inútil qualquer possibilidade de aproveitamento da construção, mesmo que, em reexercício das competências que a Administração detém, ela seja susceptível de satisfazer os requisitos da lei;

15- A questão que se coloca é, pois, a da bondade e juridicidade de se estabelecer, como fez a sentença executiva, e pontuou o Acórdão recorrido, que a única solução que agrada ao direito é a demolição e num prazo objectivamente curto - 3 meses - para criar uma situação de irreversibilidade que, a confirmar-se, constituirá óbice intransponível a que qualquer daquelas possibilidades possa revelar-se exequível;

16- Finalmente, o acórdão recorrido, conquanto aponte no relatório para uma via de exculpação do presidente da câmara municipal, enquanto membro do órgão encarregado de dar cumprimento à decisão judicial executiva, confirma, apesar disso, ao manter integralmente o julgado da Instância, que, ainda que legalmente impedido de participar no procedimento em que se substancie aquele cumprimento, aquele titular do órgão fica em todo o caso sujeito à sanção pecuniária compulsória prevista para o incumprimento;

17- Tal interpretação do disposto no nº4 do artigo 169º é incompatível com a manutenção pura e simples do julgado executivo apelado, importando estabelecer, para melhor aplicação do direito, que, ao contrário do decidido pela 1ª instância, os titulares do órgão da Administração incumbente de dar cumprimento ao julgado executivo que se encontrem em situação de impedimento já declarada, por qualquer um dos fundamentos previstos na lei, não podem, a partir daquela declaração em juízo, continuar sujeitos à sanção pecuniária compulsória;

18- Justamente por obediência aos princípios da imparcialidade e da boa administração postulados nos artigos 9º e 5º do CPA;

19- Impondo-se, também neste trecho, a revogação do acórdão recorrido e o estabelecimento dessa barreira lógica jurídica à aplicação da sanção determinada pelo tribunal;

20- Pelo exposto, crê o recorrente verificar-se os pressupostos de que depende a revogação do acórdão em revista, e, consequentemente, da sentença proferida pelo TAF de Loulé, julgando-se improcedente o pedido de condenação à prática dos actos de demolição requeridos pelo MP, e procedente a existência de causa legítima de inexecução da sentença no que tange à reconstituição da situação por ela repristinada, por inexistência daquele dever de demolição, uma vez que, no tempo possível e no modo permitido por lei, o executado se dispõe a observar actos jurídicos que convolem a reposição da legalidade no quadro definido pelo douto julgado exequendo;

21- Deverá, ainda, decretar-se a suspensão da instância pelo prazo máximo de dois anos, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 272º do CPC, de modo a permitir-se concluir o procedimento administrativo de cumprimento da sentença exequenda;

22- Ainda, conhecer-se da ilegalidade de aplicação ao presidente da Câmara Municipal de Albufeira, …………., da sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 169º do CPTA, tendo em conta que, por se encontrar em situação de impedimento legal tipificada na alínea d) do nº1 do artigo 69º do CPA, se verifica já, quanto a ele, e desde o início, a causa de exculpação consignada na segunda parte do nº 4 do primeiro daqueles preceitos.

Termina pedindo a admissão da «revista» e o seu provimento, sendo proferida decisão que fixe definitivamente o regime jurídico adequado aos factos.

3. Os contra-interessados A…… e B……. formularam, na «sua revista» as seguintes conclusões:

a) Errou o TCAS na fundamentação da sentença, ao considerar que os direitos de garantia resultantes da hipoteca constituída a favor do Banco e contra-interessado nos autos estão salvaguardados com a existência do prédio rústico;

b) Errou de direito o TCAS, ao violar o disposto no nº3 do artigo 134º do CPA;

c) Errou igualmente de direito o TCA Sul ao não considerar para o caso submetido a julgamento o principio da proporcionalidade invocado pelos recorrentes,

d) Quer sobre os efeitos necessariamente a atribuir à situação de facto em apreço, face ao tempo entretanto recorrido;

e) Não aplicando, como deveria, o disposto no nº3 do artigo 134º do CPA, com referência para os artigos 1º e 2º do DL nº413/91, de 19.10;

f) Errou por último o TCAS ao não considerar a existência de causa ilegítima de execução da sentença, nos termos vertidos em sede de alegações.

Terminam pedindo a admissão e o provimento da «revista».

4. O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou advogando a não admissão da revista, e, de todo o modo, o seu não provimento. Mas não formulou conclusões.

5. O recurso de revista acabou sendo admitido por este STA [formação a que alude o nº5 do artigo 150º do CPTA, na redacção aplicável].

6. Colhidos que foram os «vistos» legais, cumpre apreciar e decidir as revistas.

II. De Facto

São os seguintes os factos provados que nos vêem das instâncias:

a) A contra-Interessada A……. é proprietária de um prédio rústico de cultura arvense com amendoeiras, figueiras e oliveiras, situado em Barrancos, freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz rústica sob o artigo 62-Secção P e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº03803/20001115 - documentos nºs 1 e 3 da petição inicial do processo número 846/09.4BELLE;

b) Em 13.08.2001, foi emitida certidão pelo Serviço de Finanças de Albufeira, certificando que nessa data não se encontravam registados quaisquer bens imóveis em nome da referida contra- Interessada - documento nº1, folha 3, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

c) Em 11.09.2001, foi emitido atestado pela Junta de Freguesia de Albufeira, do qual consta que a referida contra-interessada não possui habitação própria e reside com os seus pais - documento nº, folha 1, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

d) Em 08.02.2002, pela Comissão Regional da Reserva Agrícola do Algarve foi emitido parecer, do qual consta, designadamente, o seguinte:

Nos termos e para os efeitos previstos no artigo 9º, do DL nº196/89, de 14.06, comunica-se a V. Exa que a Comissão Regional da Reserva Agrícola do Algarve em 02.02.08, deliberou emitir parecer FAVORÁVEL ao solicitado no s/ requerimento de 27.11.01, referente ao prédio rústico sito em Barrancos, freguesia de…., concelho de Albufeira, com a área total de 8.480 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº03803/20001115.

O presente parecer refere-se à construção de uma habitação, com a área de ocupação de 250 m2, no local assinalado na planta anexa;

Não se sobrepõe às disposições regulamentares do Plano Director Municipal em vigor [...] - documento nº5 da petição inicial no processo nº846/09.4BELLE;

e) Em 07.05.2002, a dita contra-interessada solicitou junto da Câmara Municipal de Albufeira licença para construção de moradia e muros de vedação, destinada a habitação, no seu prédio rústico - documento nº1, folha15, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

f) O prédio dito em 1) situa-se em «Zona Agrícola», segundo a «Carta de Ordenamento do Plano Director Municipal de Albufeira» [PDM] - documento nº4 da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

g) Na mesma data, pela «Assistente Técnica» ……. foi emitido parecer do qual se retira o que segue:

A pretensão localiza-se de acordo com a Carta de Ordenamento do PDM em Zona de Uso Agrícola.

Tem por objectivo a construção de moradia e muros de vedação.

Não tem a requerente habitação própria, como demonstram o atestado emitido pela Junta de Freguesia e certidão das Finanças, em anexo.

A pretensão é insusceptível de alterar o equilíbrio agrícola da zona, conforme parecer favorável da CRRAA em anexo. […]

Por estes motivos julgamos que a pretensão cumpre o estipulado no PDM - documento nº1, folha 13, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

h) Em 01.08.2002, pela «Técnica Superior e Serviço Social da Câmara Municipal de Albufeira» foi elaborado um «Relatório Social» onde se concluiu que - [...] embora não existam carências económicas, existem, no entanto, indicadores de carência habitacional, a requerente não tem habitação própria, a casa onde habita presentemente pertence a seus pais. A requerente é uma jovem, que pretende emancipar-se do agregado familiar de seus pais, no entanto os seus rendimentos não lhe permitem contrair num empréstimo que seja suficiente para adquirir um terreno e construir uma habitação.

Face ao exposto, o parecer destes serviços é favorável no que diz respeito à construção de uma nova habitação, uma vez que, é importante que sejam criadas as condições ideais de habitabilidade e conforto para o agregado familiar e só assim a jovem poderá ter a sua própria habitação e constituir a sua própria família - documento nº6, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

i) Em 12.11.2002, a Câmara Municipal de Albufeira, por deliberação veio a aprovar o projecto de arquitectura, tal como é requerido, nos termos do parecer técnico de 12.09.2001 e uma vez que a Câmara Municipal considera preenchidos os requisitos previstos no artigo 18º do PDM para tratamento do pedido como ponderoso - documento nº1, folha 15, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

j) Em 17.06.2003, por deliberação da Câmara Municipal de Albufeira, foi deferido o pedido de licença de construção referido em E) - documento nº1, folha 15, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

k) Em 28.07.2003, pelo Presidente da Câmara foi proferido despacho, do qual consta:

Proceda-se à elaboração do alvará de licença de construção […] - documento nº2 da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

l) Em 13.01.2004, por escritura pública, o contra-interessado Banco……., S.A., declarou conceder um empréstimo na quantia de 75.000,00€ aos contra-interessados A….. e B……., constituindo, a seu favor, hipoteca sobre o prédio referido na alínea a) - documento nº3 da contestação dos contra-interessados A…… e ……… no processo nº846/09.4BELLE;

m) Em 05.04.2004, o registo da hipoteca referida na alínea anterior foi convertido em registo definitivo - documento nº3, da petição inicial do processo nº846/09.4BELLE;

n) Na reunião camarária de 22.08.2000, foram definidos critérios quanto aos pressupostos para aferir as razões ponderosas dos pedidos de licenciamento para construção - documento nº1 da contestação no processo nº846/09.4BELLE;

o) Em 23.03.2011 foi proferida douta sentença no processo nº846/09.4BELLE - documento nº1 da petição inicial;

p) Pelo douto acórdão do TCAS, de 23.05.2013, não foi conhecido o recurso da sentença referida em o) e foi determinada a baixa dos autos ao TAF - documento nº1 da petição inicial;

q) Pelo acórdão de 16.01.2014, foi indeferida a reclamação da sentença referida e mantida a mesma - documento nº1 da petição inicial;

r) Em 30.09.2014, o exequente vem intentar a presente acção - folha 1 dos autos;

s) A sentença exequenda, referida no ponto o), e que aqui se dá por reproduzida, decidiu declarar a nulidade:

- Da deliberação da Câmara Municipal de Albufeira de 17.06.2003, que deferiu o pedido de licença de construção;

- Do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Albufeira proferido em 28.07.2003, que deferiu o pedido de emissão de alvará de licença de obras;

- Do despacho do Vice-Presidente da Câmara Municipal de Albufeira proferido em 02.08.2006, que deferiu o pedido de emissão do alvará de licença de utilização da moradia entretanto concluída;

- Do alvará de utilização nº239/2006, emitido em 08.08.2006;

Todos eles relativos à construção de uma moradia e muros de vedação no prédio rústico situado em Barrancos, freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz rústica sob o artigo 62-Secção P, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº03803/20001115, de que era proprietária a contra-interessada A…….

t) Tal sentença transitou em julgado no dia 03.03.2014.

III. De Direito

1. A acção administrativa especial [AAE] nº846/09, intentada no TAF de Loulé, terminou com o acórdão de 16.01.2014 desse mesmo tribunal, que, mantendo a sentença reclamada, decidiu «declarar a nulidade» de 4 actos «administrativos» - todos relativos à construção de uma moradia e muros de vedação no prédio rústico sito em Barrancos, freguesia e concelho de Albufeira, inscrito na matriz rústica sob o artigo 62º-Secção P, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº03803/20001115, de que era proprietária A…….. - que são os seguintes: - Deliberação da Câmara Municipal de Albufeira [CMA], datada de 17.06.2003, que decidiu deferir o pedido de licença de construção; - Despacho do Presidente da CMA, datado de 28.07.2003, que decidiu deferir o pedido de emissão de alvará de licença de obras: - Despacho do Vice-Presidente da CMA, de 02.08.2006, que deferiu o pedido de emissão de alvará de licença de utilização, e o respectivo alvará de utilização, nº239/2006, datado de 08.08.2006.

2. Transitado tal acórdão, o MINISTÉRIO PÚBLICO veio intentar a presente acção de execução de julgado anulatório, pedindo a condenação do MA a «cassar o alvará de utilização nº239/2006», a «demolir todo o edificado ao abrigo do licenciamento em causa», a «repor o solo na situação em que se encontrava antes das respectivas obras», tudo em «prazo não superior a 3 meses», e, ainda, a impor uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no respectivo cumprimento.

Por sentença datada de 19.01.2016, o TAF de Loulé «julgou procedente a acção executiva» - intentada contra o MUNICÍPIO DE ALBUFEIRA, e os contra-interessados A…….., marido B…….., e BANCO …….., S.A. - e deferiu o pedido formulado pelo exequente MINISTÉRIO PÚBLICO.

Desta sentença foram interpostas 3 apelações: pelo MA; pelos contra-interessados A…… e B…….; e pelo B….

Pelo acórdão do TCAS de 09.11.2017 foi-lhes negado provimento, e confirmada, em consequência, a sentença recorrida.

Deste acórdão, vêm interpostas «revistas» pelo MA e pelos contra-interessados A….. e B……. Ambas as revistas apontam, exclusivamente, erros de julgamento de direito ao acórdão recorrido.

Segundo «todos os recorrentes», o acórdão recorrido faz um errado julgamento de direito, porque desrespeitador dos artigos 102º, 106º, nº2, do RJUE, e 167º, do RGEU [conclusões IX a XV da revista do MA e conclusões c) e d) da revista dos contra-interessados] e violador, ainda, do artigo 134º, nº3, do CPA aplicável [actual artigo 162º, nº3], e dos princípios da confiança, nomeadamente de terceiros de boa-fé [artigos 266º, nº2, da CRP, e 6º-A do CPA aplicável (actual artigo 10º)] - ver conclusões I a XV da revista do MA e a) a e) da revista dos contra-interessados.

Alega o recorrente MA que acórdão recorrido «erra na interpretação e aplicação dos artigos 169º, nº4, do CPTA, e 6º e 10º do CPA aplicável» [actuais artigos 5º e 9º] - ver conclusões XVI a XX. E por fim, alegam, os demais recorrentes, que o acórdão errou ao não considerar existir causa legítima de inexecução - ver conclusão f).

3. Efectivamente, defendem os recorrentes que a demolição do prédio - que deverá ser sempre a última opção - se mostra, no caso, uma medida desproporcional, e para mais numa situação em que se encontra em revisão o respectivo PDM, pelo que o mais sensato seria o tribunal conceder um prazo razoável [dois anos] para permitir a legalização da edificação [referem os artigos 173º do CPTA, e 102º-A do RJUE]. O recorrente MA chega a sugerir, inclusivamente, que se suspenda a instância pelo período de dois anos.

Mais entendem que não foram tidos em conta, como devia, os efeitos putativos derivados do decurso do tempo entre a prática dos actos declarados nulos e essa mesma declaração, bem como «desprotege os direitos emergentes da hipoteca registada» sobre o prédio rústico a favor do contra-interessado B…..

4. Por princípio, a «execução de sentenças anulatórias de actos administrativos» deve consistir na reposição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, e no cumprimento dos deveres não cumpridos com fundamento nesse acto, de modo a que «a ordem jurídica seja reintegrada» [artigo 173º do CPTA].

Não se encontram fixadas na lei, explicitamente, as consequências executivas da declaração judicial de nulidade de actos administrativos, motivo pelo qual devem ser procuradas, desde logo, no âmbito do regime jurídico da própria nulidade.

Esse regime jurídico consagra a regra segundo a qual «o acto nulo não produz quaisquer efeitos, independentemente da declaração dessa nulidade» [artigo 134º, nº1, CPA], mas ressalva que tal ausência de efeitos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito [artigo 134º, nº3, do CPA].

Constata-se, assim, que o legislador, não obstante fixar a completa esterilidade jurídica do acto nulo [nº1], não esquece simplesmente a situação de facto que tal acto pode ter gerado, abrindo até a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica por força do simples decurso do tempo e de acordo com os princípios gerais do direito.

Esta lógica jurídica manifesta-se no plano concreto da urbanização e edificação, no qual a lei manda atender «às situações de facto surgidas à sua margem» ao permitir que - nomeadamente - a demolição de edificações clandestinas possa vir a ser evitada no caso de se mostrar possível o seu licenciamento [ver artigo 106º, nº2, do RJUE].

A execução coerciva da declaração de nulidade de acto de licenciamento de obra, e, como no caso, também de licenciamento de utilização, não tem de significar, pois, necessariamente, a demolição da obra. Para que tal aconteça, isto é, para essa solução radical se imponha, ela tem de resultar e, portanto, ser precedida, de testes de «necessidade e proporcionalidade» relativos à situação concreta.

Tem de surgir como «necessária», pois não devem ser impostas aos particulares restrições desnecessárias, e tem de ser «proporcionada» ao restabelecimento da legalidade, tendo em conta os pressupostos de facto e de direito atendíveis [ver artigos 2º e 266º da CRP, e 5º, nº2, do CPA aplicável].

Efectivamente, essa solução radical - demolição total - pode não ser imposta pela concreta ilegalidade que inquinou os actos administrativos licenciadores e justificou a sua declaração de nulidade e pode surgir, até, como desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por «licenciamento contrário ao ordenamento jurídico», veio a consolidar-se no mundo real.

Como solução drástica que é, a demolição não poderá resultar de uma aplicação cega da lei, antes devendo ser encarada, também pelo tribunal, como a «ultima ratio».

Assim, impõe-se ao julgador, no plano da «execução do acórdão que declarou a nulidade» - no caso, das licenças de obras e de utilização do edificado - que preste atenção aos contornos da situação de facto que foi gerada pelos actos nulos, que pondere a possibilidade de extirpar a causa dessa nulidade, revertendo a situação de facto ilegal numa situação de legalidade, e que só parta para a demolição se isso não se mostrar possível.

5. A execução coerciva da declaração de nulidade dos actos em causa não terá de passar, assim, necessariamente, pela demolição do prédio edificado «no terreno da contra-interessada A…….», mas não poderá deixar de consistir, em obediência ao caso julgado carente de execução, no conjunto de actos, e de operações materiais que sejam necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a ser restabelecida uma situação de legalidade.

Na prossecução deste desiderato tem interesse deveras relevante a constatação da «concreta ilegalidade» que inquinou os actos administrativos licenciadores, e que, por isso, determinou a sua declaração de nulidade pelo tribunal.

É importante, pois, ter em conta o «fundamento» pelo qual a nulidade da licença de construção e da licença de utilização foi decretada pelo tribunal, pois que este fundamento não só consubstancia o vício sancionado como delimita a possibilidade da sua respectiva sanação.

Ora, a fixação da forma mais proporcionada de restabelecer a legalidade violada, sem passar pela solução drástica da demolição do edificado, surge relativamente fácil naqueles casos em que esteja em causa a satisfação «de requisitos legais ou regulamentares, de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade», sendo a obra susceptível de os vir a satisfazer.

É este, aliás, o regime jurídico consagrado no artigo 106º do RJUE, que se pauta pelo princípio da proporcionalidade, numa lógica de impor ao executado o menor sacrifício possível, o que se traduz na impossibilidade de ordenar a demolição de obras que, apesar de ilegais, cumprem ou são susceptíveis de vir a cumprir esse tipo de requisitos.

Já nos casos em que a norma infringida está ao serviço de um direito ou interesse particularmente relevante, e cuja infracção, por isso mesmo, é sancionada com a nulidade, são os próprios fundamentos do sistema que são postos em crise por esse vício absoluto, de tal modo que a atribuição de quaisquer efeitos jurídicos, ainda que colaterais, ao acto nulo, representaria, por isso, um entorse intolerável na estrutura normativa do Estado de Direito.

E, assim, tendo subjacente - embora não de forma expressa - este tipo de visão, já este Supremo Tribunal julgou não ser viável a legalização de uma construção inserida em REN [Reserva Ecológica Nacional], sendo por isso válida a ordem de demolição e reposição do terreno no estado em que se encontrava» - AC STA de 22.11.2011, Rº0576/11.

No caso concreto - em revista - os actos administrativos foram «declarados nulos» por o seu conteúdo dispositivo - licenciador - ter conduzido a uma utilização «não agrícola» de solo integrado na RAN [Reserva Agrícola Nacional], mais concretamente na RAA [Reserva Agrícola do Algarve], e ter desrespeitado norma que combate «habitação dispersa» [artigos 18º, nº3.1, do Regulamento do PDM de Albufeira, e 26º, nº2, do PROT-Algarve].

E por isso mesmo foram declarados nulos ao abrigo do artigo 68º, alínea a), do RJUE, que pune com a nulidade as licenças urbanísticas que violem - nomeadamente -o que é disposto em «plano municipal de ordenamento do território e plano especial de ordenamento do território». Sendo que este labéu da nulidade, atento o «bem» por ele protegido, e que respeita ao correcto ordenamento do território nacional, se mantém enquanto se mantiverem as regras cuja violação o ditou [rebus sic standibus].

O que significa que esta declaração de nulidade continua actual, e que não fará sentido «suspender a instância» à espera de eventual alteração das normas cuja violação a ditaram - tal como sugere o recorrente MA - uma vez que isso resultaria numa pura instrumentalização da lei, alijando a aplicação da lei vigente em prol de normas incertas e futuras.

A demolição, enquanto acto de execução coerciva do acórdão declarativo, deve suportar-se no regime jurídico vigente à data da sua determinação, pois é nessa data que se têm de verificar os requisitos que a habilitam, não fazendo qualquer sentido reportá-la quer a diplomas legais já erradicados da ordem jurídica quer a normas futuras e incertas.

Entendemos, nesta base, que o julgamento feito pelas «instâncias», mormente o realizado no acórdão sujeito a revista, não erra no julgamento de direito quanto à interpretação e aplicação que faz dos artigos 106º, nº2, do RJUE, 134º, nº3, e 6º-A, do CPA aplicável, bem como 266º da CRP [os artigos 102º do RJUE, e 167º do RGEU, não têm qualquer interesse na economia dos autos, uma vez que o 1º nada tem a ver directamente com eles, e o 2º se encontra revogado desde Março de 2000 - ver artigo 129º, alínea e) do RJUE].

6. E esta conclusão a que chegamos, segundo a qual é de manter o decidido nas instâncias, em nada prejudica o direito de garantia existente a favor do B….. Na verdade, a «hipoteca» constituída para garantir o empréstimo de 75.000,00€ que foi concedido, pela referida instituição bancária, aos contra-interessados A…… e B……., tem exclusivamente como objecto o prédio rústico, isto é, o terreno em que foi construída a casa de habitação dos mesmos [ver pontos l) e m) do provado]. Por isso, a demolição desta última deixa incólume aquela garantia real.

As considerações tecidas pelos recorrentes relativamente «à protecção do B….», enquanto terceiro de boa-fé, perante a eminência da «demolição do edificado», não fazem, assim, o menor sentido.

7. O artigo 169º, nº4, do CPTA, estipula que «A sanção pecuniária compulsória cessa quando se mostre ter sido realizada a execução integral da sentença, quando o exequente desista do pedido ou quando a execução já não possa ser realizada pelo destinatários da medida, por terem cessado ou sido suspensos do exercício das respectivas funções».

Com base nesta norma, e ainda nos princípios da igualdade e boa-fé, defende o recorrente MA que os titulares de órgão da Administração «a quem incumbe dar cumprimento ao julgado», e que se encontrem numa situação de impedimento já declarada - por qualquer dos fundamentos previstos na lei - não podem, a partir dessa declaração, continuar sujeitos a «sanção pecuniária compulsória».

Depreende-se que este seja o caso de algum dos titulares que são visados neste caso concreto, mas certo é que isso não consta da factualidade provada, e nela, apenas, teremos de basear a avaliação do «mérito» da revista.

Não pode, nem deve, este Supremo Tribunal, lucubrar sobre questões inócuas ao interesse da revista, por surgirem, na prática, com feição meramente académica, tal como acontecerá se o fizermos relativamente a esta.

Por fim, alegam os recorrentes particulares que o acórdão recorrido «errou» ao não considerar verificada a «existência de causa legítima de inexecução».

Esta questão não foi sequer aflorada no âmbito do acórdão recorrido, razão pela qual não se entende a invocação de erro de julgamento de direito relativo ao seu conhecimento.

8. Ressuma do exposto que deve ser negado provimento aos recursos de revista, e, em conformidade, ser mantido o decidido pelas instâncias, ou seja, o decidido pelo acórdão recorrido.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento às revistas e manter o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 4 de Abril de 2019. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.