Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02831/11.7BEPRT
Data do Acordão:05/23/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:PENA DE DEMISSÃO
Sumário:Se a justificação, para a aplicação de pena de demissão assumida pela entidade patronal consistiu no: “comportamento irresponsável, manifestado pela arguida, desde a sua falta à Junta Médica até à presente data, comportamento que é ligeiro, grosseiro, atrevido, ofensivo, inaudito, denunciador de má fé, intelectualmente reprovável, tornando assim inviável a manutenção da sua relação funcional com o serviço”, a mesma, mostra-se bastante e suficiente para demonstrar que o comportamento assumido pela ora recorrida inviabilizou a manutenção da relação de emprego/funcional que tinha para com a sua entidade patronal, independentemente da data de actuação dos serviços do HSJ, no que respeita em saber da situação de doença da autora/ora recorrida.
Nº Convencional:JSTA000P24595
Nº do Documento:SA12019052302831/11
Data de Entrada:02/05/2019
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR SÃO JOÃO, E.P.E.
Recorrido 1:A.......
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A…………., médica especialista em otorrinolaringologia, intentou junto do TAF do Porto a presente acção administrativa especial contra o CENTRO HOSPITALAR DE SÃO JOÃO, E.P.E., com vista à impugnação da deliberação de 20/06/2011 do Conselho de Administração do R., que lhe aplicou a pena de demissão, pedindo que se declarasse nulo ou anulasse o acto impugnado e condenasse o R. numa indemnização no valor de 20.000,00€, acrescendo os danos morais e patrimoniais que se venham a apurar.


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O TAF do Porto julgou a acção parcialmente procedente e, nessa procedência anulou o acto administrativo impugnado, condenando o R. a readmitir a A. ao seu serviço e a pagar-lhe uma indemnização no valor de 6.720,57€ (seis mil e setecentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos), acrescido dos correspondentes juros de mora a contar desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

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Inconformado, R. interpôs recurso jurisdicional para o TCA Norte, tendo a A. interposto recurso subordinado relativamente ao quantum indemnizatório fixado na decisão recorrida, tendo o TCA Norte, por acórdão datado de 15 de Junho de 2018, negado provimento a ambos os recursos.

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É desta decisão que o CENTRO HOSPITALAR DE SÃO JOÃO E.P.E. vem interpor o presente recurso de revista, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«A) O douto acórdão, ora recorrido, julgou no sentido de negar provimento ao recurso, ainda que fundamento diferente, mantendo a decisão da 1ª instância;

B) Tal fundamento baseou-se em ponderação das circunstâncias dos factos, concluindo o TCAN que, por ter existido uma suposta “incúria na liderança do Serviço” do recorrente, tal conduz a uma “redução do grau de culpa da arguida” em sede de processo disciplinar, inquinando o preenchimento da cláusula geral de inviabilidade da manutenção da relação funcional;

C) A admissão do presente recurso é “claramente necessária para uma melhor aplicação de direito”, nos termos do art. 150º nº 1 do CPTA, na medida em que tal ponderação está em manifesta oposição à orientação do STA, na medida em que é insindicável jurisdicionalmente, resulta de um conhecimento oficioso indevido e resulta de uma consideração discricionária em violação da lei;

D) A admissão do presente recurso é “claramente necessária para uma melhor aplicação de direito”, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, na medida em que o fundamento do TCAN para a sua decisão encerra, em si mesma, 3 questões de direito já consagradas pelo STA, havendo necessidade de evitar a ocorrência de situações de resolução desigualitária dos litígios, na medida em que aquele fundamento contraria a jurisprudência do Supremo;

E) Deve ser admitida a revista, relativamente à questão de saber se o TCAN poderia conhecer de matérias insindicáveis jurisdicionalmente, que cabem exclusivamente à Administração, no âmbito dos seus poderes discricionários, sendo claramente a admissão necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 150º, nº1 do CPTA – ver Acórdão do STA, de 12/03/2015, Proc. nº 245/14, Acórdão do STA, de 07/02/2002, Proc. nº 48.149, Acórdão do STA, de 03/11/2016, Proc. nº 548/16;

F) Deve ser admitida a revista, relativamente à questão de saber se o TCAN poderia conhecer oficiosamente de matéria não apreciada pelo Tribunal da 1ª instância, e que não foi objeto de recurso, em clara violação do art. 676º nº 1 e, art. 684º nº 3 do CPC, sendo claramente a admissão necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 150º, nº1 do CPTA – ver Acórdão do STA de 29/03/2007, Proc. nº 412/05, Acórdão do STA, de 18/12/2003, Proc. nº 1010/02;

G) Deve ser admitida a revista, relativamente à questão de saber se o TCAN poderia invocar, a título discricionário, uma qualquer “circunstância atenuante” com vista à redução de culpa, em clara violação dos arts. 22º e 23º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela então aplicável Lei nº 58/2008, de 9 de setembro, assim como em violação do princípio da legalidade, sendo claramente a admissão necessária para uma melhor aplicação do direito, nos termos do art. 150º nº 1 do CPTA – ver Acórdão do STA de 14/07/2015, Proc. nº 1409/12;

H) Pelo que, não obstante o carácter de excepcionalidade do recurso de revista, entende o recorrente que estão reunidos os pressupostos para a admissão do presente recurso;

I) Admitido o recurso, deve o mesmo ser considerado procedente, na medida em que TCAN não podia ter sindicado sobre matéria atinente ao grau de culpa, reservada à recorrente, como entidade administrativa – em manifesta violação do princípio da separação dos poderes;

J) Admitido o recurso, deve o mesmo ser considerado procedente, na medida em que TCAN não podia conhecer oficiosamente de matéria não apreciada pelo Tribunal da 1ª instância, e que não foi objecto de recurso, em clara violação do art. 676º nº 1 e, art. 684º nº 3 do CPC;

K) Admitido o recurso, deve o mesmo ser considerado procedente, na medida em que TCAN não poderia invocar discricionariamente uma qualquer “circunstância atenuante” com vista à redução de culpa, em clara violação dos art. 22º e 23º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela então aplicável Lei nº 58/2008, de 9 de setembro, assim como em violação do princípio da legalidade;

Termos em que deve ser admitido o presente recurso de revista.

Na sequência, deve o mesmo recurso proceder, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se o ora recorrente dos pedidos ou baixando-se os autos para decisão em conformidade.»


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A…………. apresentou contra-alegações e formulou conclusões, destinadas à não admissão do recurso de revista, que se dão aqui por integralmente reproduzidas

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A Revista foi admitida por acórdão proferido a 11 de Janeiro de 2019.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria assente nos autos é a seguinte:

«1.º - A A. iniciou funções enquanto Médica Interna do Internato Geral em 01/01/1987, tendo concluído o internato com aproveitamento, em 04/08/1988;

2.º - Em 01/01/1989, a A. iniciou funções na categoria de Médica Interna do Internato Complementar de Otorrinolaringologia, nos serviços do R., tendo tomado posse em 26/05/1989, cargo que concluiu em 30/01/1993, com a classificação final de 19,7 valores, obtendo, assim, o grau de Assistente de Otorrinolaringologia, com grande distinção, passando, a partir da mesma data, a Assistente Eventual de Otorrinolaringologia;

3.º - Em 10/02/1994, a A. tomou posse, após concurso em que obteve a classificação de 19,2 valores, como Assistente de Otorrinolaringologia no Serviço de Otorrinolaringologia do R., com efeitos retroativos a 02/12/1993, em regime de tempo completo;

4.º - Em 25/06/2002, a A. obteve aprovação no concurso de habilitação ao grau de Consultora de Otorrinolaringologia da carreira médica hospitalar, passando, a partir desse exato momento, a Assistente Graduada de Otorrinolaringologia (cfr. publicação no Diário da República, II Série nº 144, de 25/06/2002), categoria que mantém;

5.º - A A. apresentou atestado médico em 02/05/2006, mantendo-se em baixa médica até 30/06/2006;

6.º - A A. esteve em gozo de licença sem vencimento, autorizada por despacho do Conselho de Administração do R. em 05/05/2006, desde 01/07/2006 a 29/09/2006;

7.º - A A. apresentou atestado médico em 30/09/2006, mantendo-se em baixa médica até 04/12/2006;

8.º - A A. compareceu a junta médica em 05/12/2006, 06/03/2007 e 03/07/2007, tendo sido emitido parecer no sentido da impossibilidade da A. regressar ao serviço e designada data para realização de nova junta médica, nos termos previstos no art.º 11º, nº 2, al. b) do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro;

9.º - A A. compareceu a junta médica em 16/10/2007, tendo sido emitido parecer no sentido de ocorrer eventual incapacidade permanente para o serviço, com recomendação ao respetivo serviço sugerindo a apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações, nos termos previstos no art.º 11º, nº 2, al. g) do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29 de Novembro;

10.º - Em 27/11/2007, 06/03/2008, 18/06/2008 e 12/09/2008 foi a A. notificada, além do mais, para comparecer no prazo de 10 dias úteis no Hospital de S. João, Serviço de Gestão de Recursos Humanos, Posto de Atendimento nº 01, munido(a) do respetivo Bilhete de Identidade, cartão de Contribuinte, número Identificação Bancária (NIB) e declaração da segurança Social (caso tenha efetuado descontos);

11.º - Do ofício expedido em último lugar, melhor descrito no ponto anterior, consta ainda o que se segue: “(…) Mais se informa, que o comparecimento físico é imprescindível, pois o processo terá que ser preenchido e assinado pelo próprio. Caso não se cumpra o prazo estipulado, irá ser remetido o processo ao C.A. deste hospital, propondo a passagem à situação de licença sem vencimento de longa duração (de acordo com a legislação em vigor).”;

12.º - A A. compareceu nos serviços do R. em 26/09/2008 - data em que preencheu e assinou o requerimento dirigido à Caixa Geral de Aposentações;

13.º - Em 27/11/2008, o R. expediu o ofício n.º 29749, acompanhado de aviso de receção, dirigido à A. e de cujo teor consta, além do mais, o seguinte:

“(…) Levo ao conhecimento de V. Exª que deverá comparecer no próximo dia 09 de Dezembro de 2008, pelas 15:15 horas, no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, (…), a fim de ser submetido a exame médico, conforme ofício enviado a estes Serviços.(…)”;

14.º - Em 09/12/2008, a A. não compareceu à junta médica a que se refere o descrito no ponto anterior;

15.º - Em 23/11/2009, por meio de telecópia, o R. solicitou à Caixa Geral de Aposentações, informação sobre a situação profissional da A., mencionando que a mesma foi submetida a junta médica de aposentação em 9 de Dezembro de 2008;

16.º - Em 22/12/2009, a Caixa Geral de Aposentações prestou a seguinte informação: “(…) a interessada faltou a uma Junta Médica no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, no dia 09-12- 2008, sem que tenha justificado a falta (…)”;

17.º - Por ofício expedido em 05/01/2010, a Caixa Geral de Aposentações notificou o R. do seguinte: “(…) informo V. Exª de que, por despacho de 2009-12-30 (…), foi arquivado o processo de aposentação, relativo à subscritora em referência, por ter faltado ao exame do Médico Relator no Centro Distrital da Segurança Social, sem que tenha justificado o motivo.”;

18.º - Em 07/01/2010, o Conselho de Administração do R. deliberou o seguinte:

“(…)

O Conselho de Administração tomou conhecimento da informação do Serviço de Gestão de Recursos Humanos sobre a assiduidade da Sra. Dra. A…………. (…). Analisado o histórico da assiduidade e de acordo com a informação recebida da Caixa Geral de Aposentações em 22 de Dezembro de 2009, verifica-se que [a A.] faltou, no dia 9 de Dezembro de 2008, à Junta Médica (…), data a partir da qual se encontra ausente do Hospital de S. João, sem qualquer justificação.

Face ao exposto, o Conselho de Administração decidiu:

1. Considerar injustificadas, para todos os efeitos, as faltas dadas [pela requerente] desde o dia 9 de Dezembro de 2008 até 31 de Dezembro de 2009.

2. Instaurar um Processo Disciplinar à Sra. Dra. A……………..

3. Nomeia-se Instrutor do Processo Disciplinar o Sr. Dr. …………... (…)”;

19.º - Com data de 03/03/2010, o R. expediu ofício dirigido à A., do qual consta em epígrafe o assunto “reposição de vencimentos”, e com o seguinte teor:

“(…) Relativamente ao assunto em epígrafe, cumpre-me informar V.Exª que por ter faltado injustificadamente de 09/12/2008 a 30/11/2009 e não lhe ter sido feito o (necessário) desconto de remuneração base e de adicional de 2%, recebeu indevidamente o montante líquido de 12.808,43€.

A fim de regularizar esta situação solicita-se o pagamento no prazo de 30 dias, na Contabilidade deste Hospital – Piso 1 (9h-12h e 14h-16h) do valor acima referenciado e que consta da guia de reposição que junto se anexa. (…)”;

20.º - Em 06/04/2010 a A. apresentou “reclamação da decisão de reposição de vencimentos”, à qual imputa o vício de falta de fundamentação e de falta de audiência prévia, requerendo, a final, “(…) que a decisão seja revogada por ilegalidade. Ou, caso assim não seja entendido, desde já se requer que seja praticado novo acto administrativo fundamentado relativamente à qualificação da situação da Reclamante como faltas injustificadas no período compreendido entre 09/12/2008 a 30/11/2009, bem como quanto aos montantes e cálculos que determinaram a necessidade de devolução da quantia reclamada pelo HSJ. Mais requer o cumprimento do dever se audiência prévia da Reclamante.”;

21.º - Em resposta, o R. expediu o ofício nº 10163, de 02/06/2010, do qual consta:

“(…) Assunto: Reclamação da decisão de reposição de vencimentos;

V. Cliente A…………

Em relação ao assunto em epígrafe, e tendo analisado o teor da reclamação, informa-se V.Ex.ª que, efetivamente, por lapso, não foi enviado o ofício que permitiria à Reclamante ser consultada nos termos da audiência prévia prevista nos artigos 100º e seguintes do CPA.

1. A reclamante tinha junta médica da Caixa Geral de Aposentações marcada para o dia 09.12.2008;

2. Foi-lhe dado conhecimento do facto através de ofício (anexo 1)

3. Pedido por fax à CGA a decisão de tal junta, foi recebido por este Hospital ofício informando que a ora reclamante não compareceu à Junta Médica no Serviço de Verificação de Incapacidades no Centro distrital do Porto em 09/12/2008, sem ter apresentado qualquer justificação para a mesma.

4. Não possui este Hospital qualquer justificação para as faltas, quer à junta médica referida, quer ao trabalho, mantendo-se a Reclamante ausente do mesmo.

De acordo com o nº 6 do DL 100/99, de 31 de Março, as faltas injustificadas a junta médica implicam a injustificação das faltas dadas desde a data que estava fixada para apresentação.

Ainda de acordo com o nº 1 do art.º 192º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, as faltas injustificadas constituem violação do dever de assiduidade e determinam perda de remuneração correspondente ao período de ausência, o qual será descontado na antiguidade do trabalhador.

Ou seja, a Reclamante encontrar-se-á em situação de faltas injustificadas desde a data em que não compareceu à Junta Médica da CGA que estava marcada e não justificou tal ausência, ou seja, desde 09/12/2008, com as consequências legais.

Deste modo, e nos termos dos artigos 100º e seguintes do CPA, dispõe a reclamante do prazo de 10 dias para se pronunciar. (…)”;

22.º - Em 22/06/2010, a A. emitiu pronúncia quanto ao teor do ofício descrito no ponto anterior, peticionando a final “(…) a revogação da decisão por ilegalidade ou, caso assim não seja entendido, a alteração da decisão da qualificação da situação da Requerente como faltas injustificadas desde a data em que não compareceu à junta médica da CGA, bem como a substituição por nova convocação para realização de exame médico tendente à verificação de incapacidade permanente e a consequente revogação do ofício de 03.03.2010 e que ordena a reposição dos vencimentos.(…)”;

23.º - Em 27/05/2010, o Instrutor do processo disciplinar nº ........... proferiu o despacho que se segue:

“(…) Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital de S. João EPE, datada de 7 de Janeiro de 2010, foi instaurado um processo disciplinar à arguida, Dr.ª A…………., Assistente Graduada de Otorrinolaringologia.

Pelo presente instrumento e no cumprimento do disposto no nº 3, do art.º 39º, do anexo à Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, quer o Conselho de Administração, quer o arguido, quer ainda o participante, tomam conhecimento da data de início do referido processo disciplinar. (…)”;

24.º - Em 07/06/2010 foi junto ao processo disciplinar o registo biográfico e disciplinar da A., e cujo teor consta de fls. 30 e 31 dos autos, que se dá como inteiramente reproduzido nesta sede;

25.º - Foram enviadas notificações à A., acompanhadas do respetivo aviso de receção - com o intuito de a notificar do despacho descrito no ponto anterior e marcação de data para a sua audição - em 27/05/2010 e em 30/06/2010, sucedendo que aquela não atendeu, nem procedeu ao subsequente levantamento da correspondência na estação dos CTT;

26.º - Em 23/07/2010, foi publicado no Diário da República, 2ª série, nº 142, Aviso nº 14633/2010, do Hospital de São João, E.P.E., com o seguinte teor:

“(…) A……………, arguida no processo disciplinar nº ..........., fica V. ex. notificada para nos termos e efeitos estatuídos no nº 2 do artigo 46º, do anexo à Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, e no âmbito do processo disciplinar nº ..........., mandado instaurar pelo Conselho de Administração do Hospital de São João, E.P.E., em 7 de Janeiro de 2010, prestar declarações na qualidade de arguida.

Para o efeito, deve comparecer, no Hospital de São João, E.P.E., dia 3 de Setembro de 2010, às 09.30 h no Gabinete do Instrutor do processo, sito no piso 2, corredor central de acesso à zona de ambulatório, porta com a indicação UIG PD- Director. (…)”;

27.º - Em 03/09/2010, a A. não compareceu para prestar declarações no âmbito do processo disciplinar nº ..........., nem apresentou qualquer justificação;

28.º - Em 16/10/2010, foi proferida acusação, cujo teor consta de fls. 54 a 62 do processo administrativo, da qual consta, além do mais, o seguinte:

“1º - A arguida exerce funções como médica, (…), conforme consta do registo biográfico que se anexa e faz parte da presente acusação (…);

2º - O Conselho de Administração do Hospital de S. João EPE, ao tomar conhecimento, na sequência de uma comunicação do Serviço de Gestão dos Recursos Humanos, datada de 29 de Dezembro de 2009, (...), deliberou, em reunião de 7 de Janeiro de 2010, instaurar um processo disciplinar à DR.ª A…………. (…);

3º - A arguida foi convocada pelo SGRH do Hospital de São João, ofício nº 29749, de 27 de Novembro de 2008, (…) para comparecer dia 9 de Dezembro de 2008, às 15.15h no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, sito (…), a fim de ser submetida a exame medico, conforme ofício nº 182057 de 24 de Novembro de 2008, do Instituto da Segurança Social, do Centro Distrital do Porto (…);

4º- A arguida faltou à referida Junta Médica em 9 de Dezembro de 2008, “sem que justificado a falta”, a expressão é da Caixa Geral de Aposentações, no seu ofício de 16 de Dezembro de 2009 (…);

5º - A afirmação: “a interessada faltou a uma Junta Médica no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, no dia 9 de Dezembro de 2008, sem que tenha justificado a falta”, é feita pelo próprio Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, em 22 de Dezembro de 2009, decorrido um ano após a falta sem justificação à Junta Médica ou ao Hospital;

6º - E, nem ao Hospital, nem ao Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, a arguida comunicou que tinha faltado ou requereu nova Junta Médica;

7º- Mas vamos admitir, que o ofício, carta registada com aviso de receção a notificar a arguida e que tem o carimbo dos CTT/Asprela de 27.11.2008 demorou, convenientemente para a arguida, treze dias a atravessar a cidade do Porto e a chegar à Rua ………. e ao seu conhecimento, apenas no dia 10 de Dezembro de 2008, isto é, no dia seguinte à data da Junta Médica, conforme invoca em carta que os seus advogados dirigem à SGRH em 22 de Junho de 2010, pontos 26 e 29. (…)

Vamos fingir que não sabemos que quando os CTT, dia 28 de Novembro de 2008, às 11.00 horas registam “entrega não conseguida” não deixaram, como sempre fazem, um aviso em como está nos correios uma carta para levantar, isto, doze dias antes da Junta Médica, e que a “entrega conseguida” ocorre apenas no dia 10 de Dezembro às 16.02.h. Vamos fingir que não sabemos. Mas vamos só fingir. Porque sabemos, que assim não é (…);

8º- Vamos admitir, que a arguida só teve conhecimento da referida junta médica após a sua realização. Ainda assim, o seu dever era justificar a falta e requerer que fosse marcada nova junta médica: “no caso de não comparecer no dia e hora indicados deve apresentar justificação atendível para o facto, no prazo de 10 dias úteis, a contar da data marcada para o exame.” O aviso não deixava margem para dúvidas. É parte integrante do ofício do ISS do Porto (…) que o Hospital de São João cuidou de anexar conforme se prova no texto enviado à arguida em 27 de Novembro de 2008. (…);

9º - Nem avisou que tinha faltado. No Hospital ou no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto;

10º- Nem justificou a falta. No Hospital ou no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto;

11º - Nem requereu nova Junta. No Hospital ou no Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto;

12º- Sob o ponto de vista intelectual e argumentativo, é ofensivo, que em expediente trocado com o SGRH do Hospital em Junho de 2010, a arguida diga:

“Tendo para esse efeito justificado a sua ausência à junta médica agendada para o dia 09.12.2008 e obtido a informação de que seria novamente notificada para comparecer a junta médica”. Factos de que não faz prova.

E acrescenta:

“Essa mesma informação foi confirmada por uma conhecida sua que exerce funções nos serviços de contencioso da Segurança Social, razão pela qual a requerente ficou a aguardar a recepção de novo agendamento para junta médica.” (…)

Como se o cumprimento de deveres fundamentais à manutenção de uma relação laboral, pudessem ficar assim assegurados e constituir prova consistente, objectiva, credível e irrefutável. A arguida bem sabe que não.

Em boa verdade, o que sucedeu foi que:

13º - Voluntária e conscientemente, a arguida remeteu-se para um comportamento a todos os títulos censurável: a nada fazer, aguardando, numa atitude de omissão e silêncio reprováveis, quando sabia e não podia ignorar, que as suas ausências ao serviço tinham de estar legitimadas por uma Junta Médica;

14º- A arguida bem sabe, e se não sabe, a ignorância não a aproveita, que as suas ausências têm de ser e estar justificadas;

15º - E é da arguida, a responsabilidade jurídica de justificar perante o Hospital a sua ausência;

16º- O padrão ético denunciado pela arguida quando apenas se limita a não rejeitar mensalmente o vencimento que o Hospital de São João lhe paga e nem sequer o extracto mensal do banco a recorda que as relações jurídicas são sinalagmáticas, revela um desrespeito inqualificável pela sua relação laboral com o Hospital;

17º- O comportamento da arguida, oscila entre o recurso legitimo, mas exaustivo, da lei e da jurisprudência, procurando justificar o injustificável, e a ligeireza, grosseira, atrevida e ofensiva, de pretender fazer prova de factos importantes e determinantes com confirmações por conhecidas suas, o que qualificamos de inaudito, denunciar de má-fé e intelectualmente reprovável.

18º- Apesar de todas as diligências feitas pela instrução no sentido de ouvir a arguida, duas notificações por carta registada com aviso de recepção (…) e, finalmente outra, por aviso nº 14633/2010, publicado no Diário da República 2ª série, nº 142, 23 de Julho de 2010 (…), a verdade porém, é que a arguida nunca se apresentou nem justificou as suas ausências, sempre que foi notificada para ser ouvida no presente processo disciplinar.

Do exposto, outras não podem ser as conclusões desta instrução que não sejam:

19º - A arguida bem sabia, que tendo faltado à junta médica de 9 de Dezembro de 2008, ainda que por motivo que não lhe possa ser imputável, era seu dever elementar dar conhecimento de tal ausência, quer ao Hospital de São João, quer ao Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto. E não o fez.

20º - A arguida bem sabia, que tendo faltado à junta médica de 9 de Dezembro de 2008, ainda que por motivo que não lhe possa ser imputável, era seu dever elementar requerer ao Hospital, ou ao Serviço de Verificação de Incapacidades do Centro Distrital do Porto, nova Junta Médica. E não o fez.

21º - A arguida bem sabia, que tendo faltado à Junta Médica de 9 de Dezembro de 2008, ainda que por motivo que não lhe possa ser imputável, era seu dever “apresentar justificação atendível para o facto, no prazo de 10 dias,” ao ISS do Porto. E não o fez.

22º - A arguida bem sabia, que tendo faltado à Junta Médica de 9 de Dezembro de 2008, ainda que por motivo que não lhe possa ser imputável, era seu dever elementar justificar a sua ausência no Hospital depois daquela data. E não fez.

23º - A arguida bem sabia, e a eventual ignorância não a desobriga, que a sua opção por um comportamento omisso acabaria por resultar na qualificação das suas ausências como faltas injustificadas.

Nestes termos, temos como provado, que:

24º - A arguida violou o dever geral de assiduidade, nº 11, do artigo 3º, do Anexo à Lei nº 48/2008, de 9 de Setembro, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, por não ter comparecido ao serviço regular e continuamente, desde o dia 9 de Dezembro de 2008, incorrendo desde aquela data, até 31 de Dezembro de 2009, em faltas injustificadas como consta do ponto nº 1, da deliberação do Conselho de Administração, datada de 7 de Janeiro de 2010 que instaura o presente processo disciplinar. (…)

25º - A grande relevância jurídica, não é apenas a ausência sem justificação, a qual se subsume na violação do dever geral de assiduidade, nº 11, do artigo 3º, do Anexo à Lei nº 48/2008, de 9 de Setembro, do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, por não ter comparecido ao serviço regular e continuamente ao serviço, a grande relevância jurídica é o comportamento irresponsável, manifestado pela arguida, desde a sua falta à Junta Médica até à presente data, comportamento que é ligeiro, grosseiro, atrevido, ofensivo, inaudito, denunciador de má-fé, intelectualmente reprovável, tornando assim inviável a manutenção da sua relação funcional com o Hospital de São João.

26º- Não podemos deixar de referir o forte juízo de censura e de reprovação entre o comportamento da arguida e a sua vontade: há, inequivocamente, um nexo de imputação ético-jurídica entre os actos, neste caso, non facere da arguida e a sua vontade que podia e devia ter-se abstido dos mesmos.

27º - Não estamos na presença de uma infracção sem consequências no futuro, pelo contrário, estamos perante uma infracção que compromete, definitivamente, e inviabiliza a manutenção da relação funcional da arguida como o Hospital S. João, subsumindo-se assim no nº 11, do artigo 3º, e alínea g), e do nº 1 do artigo 18º, ambos do anexo à Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, infracções de que acusamos a arguida e que são punidas com pena de demissão.

28º- Não militam em favor da arguida, nem circunstancias atenuantes especiais, nem atenuações extraordinárias, tão-pouco circunstâncias dirimentes, respectivamente as previstas nos artigos 21º, 22º e 23º, anexo à Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas.

(…)

Notifique-se a arguida da presente acusação, a qual, querendo, tem dez dias, para apresentar a sua defesa escrita, (…)”;

29.º - A A. foi notificada da acusação descrita no ponto anterior em 27/10/2010;

30.º - Em 11/11/2010, a A. apresentou defesa escrita, cujo teor consta de fls. 66 a 97 do processo administrativo (e que aqui se considera como inteiramente reproduzido para todos os efeitos), juntando documentos, requerendo a junção de diversos elementos documentais e indicando testemunhas;

31.º - Em 31/05/2011, foi proferido o seguinte despacho pelo instrutor:

“(…) Considerando que, no âmbito da apresentação da defesa da arguida A…………. e das diligências probatórias por si requeridas, é pretendido que a instrução do presente processo disciplinar inquira uma das testemunhas de defesa – B………….. - sobre matéria da acusação, nomeadamente acerca dos artigos 3º a 13° e 19° a 22°, determino:

1. Recusar a produção da referida prova testemunhal sobre a matéria da acusação, por considerar a diligência manifestamente impertinente e contrária às regras do ónus da prova, em processo disciplinar, nos termos do nº 1, do artigo 53º, do anexo à Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro. Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.

2. Uma vez que compete, em exclusivo, ao titular da acção disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção imputada à ora arguida, e considerando que a respectiva produção de prova já ocorreu em momento oportuno, nada mais há a considerar sobre a instrução já concluída nos termos do artigo 48º do já mencionado diploma legal.

3. Estando assegurado, ab integro, o direito constitucional da defesa da arguida que, oportunamente, apresentou os factos que contraditam a argumentação plasmada em sede de acusação, os depoimentos das testemunhas a serem inquiridas só deverão incidir sobre os factos constantes dos artigos 112° a 120°, 125° a 134°, 140° a 142° da defesa escrita.

(…)”;

32.º - Em 31/05/2011, foi também proferido o seguinte despacho pelo instrutor:

“(…) Considerando que, no âmbito da apresentação da defesa da arguida A…………….. e das diligências probatórias por si requeridas, é pretendido que a instrução do presente processo disciplinar, aceite a prova documental:

a) Os documentos ora juntos pela arguida.

b) Requerer que seja notificado o Departamento de Recursos Humanos do HSJ para vir aos autos:

c) I. Cópia do processo individual da arguida

II. Última junta médica da arguida em seu poder

III. Regulamento ofícios ou normas internas existentes a respeito da justificação e comunicação de faltas por parte dos trabalhadores.

d) Mais se requer que sejam oficiados os CTT para vir aos autos informar sobre a data em que foi conseguida a entrega da carta com o registo RC 114069054 PT.

Determino:

1. Quanto à alínea a), todos os documentos juntos pela arguida, são aceites e passam a constituir prova;

2. Quanto à alínea b), pontos I e II é documentação que está disponível e pode ser solicitada a consulta ou a sua confiança pela defesa da arguida, sempre que entender, não vendo esta instrução nenhuma vantagem em onerar os autos com tal património documental; o ponto III, porque são do domínio público, o conjunto de normas existentes no Hospital a respeito da justificação e comunicação de faltas por parte dos trabalhadores, estando todas disponíveis, mais legislação no sítio da intranet do Hospital, a instrução não vê pertinência nem necessidade em juntar aos autos as mesmas;

3. Quando à alínea d), a defesa fez prova documental, documento nº 1, que como já se disse foi aceite e é bastante e suficientemente esclarecedora, pelo que se revelou inútil qualquer pedido de esclarecimento aos CTT.”;

33.º - Em 02/06/2011, a A. foi notificada, através do seu Mandatário, do despacho descrito em DD), bem como das datas e horas de inquirição das testemunhas cuja audição foi requerida, tendo sido, ainda, pessoalmente notificada do mesmo em 13/06/2011;

34.º - Foram inquiridas as testemunhas indicadas pela A., e cujos depoimentos constam dos autos de declarações de fls. 164 a 173 e 181 a 185 do processo administrativo, e cujo teor se considera aqui como integralmente reproduzido;

35.º - Em 20/06/2011, foi elaborado relatório final, cujo teor consta de fls. 195 a 247 do processo administrativo (e que aqui se considera como inteiramente reproduzido para todos os efeitos), e que propõe a aplicação à A. da pena de demissão, nos termos do preceituado no art.º 18º, nº 1, al. a) da lei nº 58/2008, de 9 de Setembro;

36.º - Em 20/06/2011, o Conselho de Administração do R. aprovou a proposta de demissão formulada pelo instrutor do presente processo disciplinar nos termos e com os fundamentos aduzidos, e, na mesma data, o Presidente do mesmo Conselho de Administração proferiu despacho de aplicação da referida pena à A.;

37.º - Em 29/06/2011, o R. expedido o ofício n.º 11124, dirigido à A., notificando-a da decisão de aplicação da pena de demissão, proferida no âmbito do processo disciplinar e descrita em II) e HH);

38.º - Em 14/09/1993, pelos serviços do R. foi emitido certificado, do qual consta, além do mais, declaração emitida pelo Diretor do Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, em 13/09/1993, do seguinte teor:

“(…) A Sr.ª Dr.ª A…………, efectuou neste serviço um estágio parcelar de seis meses, tendo tomado amplo contacto com os diferentes aspectos funcionais do dia a dia, nomeadamente na consulta externa, internamento, bloco operatório e serviço de urgência, bem como participar em todas as reuniões de serviço de rotina; demonstrou possuir elevado nível de conhecimentos teóricos e práticos, interesse nas tarefas que lhe foram entregues, e excelente trato com os pacientes e pessoal do Serviço (…)”;

39.º - Em 15/09/1993, pelos serviços do R. foi emitido certificado, do qual consta, além do mais, declaração emitida pelo Director do Serviço de O.R.L., em 09/09/1993, do seguinte teor:

“Relativamente ao pedido formulado pela Requerente, cumpre-nos informar o seguinte:

A Sr.ª Dr.ª A…………. é um elemento de grande valor para o Serviço pelas suas excepcionais qualidades científicas, técnicas e humanas. Ditada de extrema delicadeza, sobriedade e senso clínico, foi sempre cumpridora e assídua. Para além da sai actividade clínica, demonstra grandes qualidades e interesse pela investigação, especialmente na área de Genética Molecular. Por tudo isto, considero a Dr.ª A……………. como um elemento de excepcional valor, com qualidades para prestar uma boa assistência aos doentes, garantir e promover a evolução científica e técnica do serviço (…)”;

40.º - Em 04/03/1998, pelos serviços do R. foi emitido certificado, do qual consta, além do mais, declaração emitida pelo Chefe de Serviço de Prof. Doutor ………….., em 03/03/1998, do seguinte teor:

“(…) A Dr.ª A………… tem desempenhado as funções de Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia com zelo, assiduidade e elevada competência profissional. É responsável pelo sector da Voz que tem procurado desenvolver com grande entusiasmo, apesar de estar ainda numa fase de instalação, devido à falta de equipamentos considerados indispensáveis para o estudo objectivo. É também responsável pelo funcionamento do Bloco Operatório, da Biblioteca do Serviço e está ainda encarregada das Instalações e Aquisição de novos Equipamentos para o Serviço desde há cerca de seis meses, cargos que tem desempenhado com grande dedicação e elevado sentido de responsabilidade. Tem colaborado no Ensino Pré-Graduado, ministrando aulas práticas aos alunos da Faculdade de Medicina, bem como orientado o ensino da Especialidade aos Médicos Internos. Tem desempenhado funções importantes na coordenação de diversas actividades científicas do serviço, sendo de destacar as mais recentes como a organização dos Cursos de Dissecação dos Seios Perinasais, II Simpósio Internacional de ORL Pediátrico e I Congresso Mundial da Voz. Na área de investigação tem procurado intervir directamente nos diferentes projectos de investigação do Serviço, coordenando as diversas fases da investigação, de forma a dinamizar a realização dos mesmos e a sua publicação em Revistas da Especialidade. Pelo exposto se pode concluir que é uma Especialista dotada de grande profissionalismo, preocupada em rentabilizar o Serviço nos diferentes sectores – assistencial, ensino e investigação (…)”.;

41.º - Em 13/04/2000, pelos serviços do R. foi emitido certificado, do qual consta, além do mais, declaração emitida pelo Chefe de Serviço de Prof. Doutor ………….., em 12/04/2000, do seguinte teor:

“(…) A Dr.ª A……….. tem desempenhado as funções de Assistente Hospitalar de Otorrinolaringologia com zelo, assiduidade e elevada competência profissional. É responsável pelo sector da Voz que tem procurado desenvolver com grande entusiasmo, apesar de estar ainda numa fase de instalação, devido à falta de equipamentos considerados indispensáveis para o estudo objectivo, por falta de recursos económicos do Hospital de S. João. É também responsável pelo funcionamento do Bloco Operatório, da Biblioteca do Serviço e está ainda encarregada das Instalações e Aquisição de novos Equipamentos para o Serviço desde há cerca de três anos, cargos que tem desempenhado com grande dedicação e elevado sentido de responsabilidade. Tem colaborado no Ensino Pré-Graduado, ministrando aulas práticas aos alunos da Faculdade de Medicina, bem como orientado o ensino da Especialidade aos Médicos Internos. Tem desempenhado funções importantes na coordenação de diversas actividades científicas do serviço, sendo de destacar as relacionadas com a organização dos Cursos de Dissecação dos Seios Perinasais, II Simpósio Internacional de ORL Pediátrico e I Congresso Mundial da Voz. Na área de investigação tem procurado intervir directamente nos diferentes projectos de investigação do serviço, coordenando as diversas fases da investigação, de forma a dinamizar a realização dos mesmos e a sua publicação em revistas da Especialidade. Pelo exposto se pode concluir que é uma Especialista dotada de grande profissionalismo, preocupada em rentabilizar o Serviço nos diferentes sectores – assistencial, ensino e investigação (…)”;

42.º - Em 31/03/2006, foi emitida declaração, pelo Chefe de Serviço de Otorrinolaringologia, Dr. ………………, de Prof. Doutor ………., da qual consta, além do mais, o seguinte teor:

“(…) declara-se que a Dr.ª A……………., médica Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de Otorrinolaringologia do Quadro deste Hospital foi responsável por toda a área administrativa do Serviço de Otorrinolaringologia (…), por delegação de competências do então Director do Serviço Prof. Doutor ………….., de Janeiro de 2000 a Março de 2006, tendo desempenhado este cargo com extraordinária dedicação ao Serviço, elevada competência e invulgar sentido de responsabilidade. Deste modo, foi-lhe possível cumprir as metas e os objectivos que lhe foram indicados. Ainda conforme a informação do Chefe de Serviço Prof. Doutor …………, já aposentado, de 12 de Abril de 2000, confirma-se plenamente que se trata de uma “…especialista dotada de grande profissionalismo, preocupada em rentabilizar os Serviço nos diferentes sectores – assistencial, ensino e investigação” ao que agora pode ser acrescentado a Gestão dos Serviços de Saúde pelos motivos acima referidos (…).”;

43.º - Em 21/07/2011, a A. constava do “Corpo Docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Serviço de Otorrinolaringologia” como docente voluntária;

44.º - A A., durante o período em que exerceu as suas funções nos Serviços do R., não foi destinatária de qualquer repreensão disciplinar ou de qualquer outra medida disciplinar;

45.º - Durante todo o período de doença, a A. nunca deixou de comparecer a todas as Juntas Médicas para que foi convocada;

46.º - Em 18/01/1993, pelos serviços do R. foi emitido certificado, do qual consta, além do mais, declaração emitida pelo Diretor do Serviço de O.R.I., datada de 11/01/1993, com o seguinte teor: “Durante o tempo em que tive a Exma. Senhora Dra. A……….…como Interna e da qual fui orientador, verifiquei que foi um elemento de grande valor, sempre interessada nos problemas do Serviço e dos doentes, assídua, zelosa e cumpridora. Dotada de extrema delicadeza, sobriedade e senso clínico, demonstrou competência na resolução de toda a patologia que teve de tratar.

Demonstrou também excecionais qualidades de camaradagem, total disponibilidade e colaboração com os colegas.

Para além da sua atividade clínica tem grandes qualidades e interesse pela investigação, como o prova a quantidade e qualidade dos trabalhos publicados.

Por isto classifico a Dra. A………. como uma interna excecional”;

47.º - No ano de 2005 o Hospital de São João ocupou a 1.ª posição no Ranking de Desempenho Global, no que respeita ao desempenho de doenças do foro otorrinolaringológico;

48.º - O ofício descrito em 13º supra foi levantado na estação dos correios em data posterior a 09/12/2008;

49.º - Com a aplicação da pena de demissão, no âmbito do processo disciplinar, a A. sofreu um choque emocional;

50.º - A A., até à data da aplicação da pena de demissão, gozava de uma boa imagem profissional;

51.º - Até ao momento não houve qualquer decisão final quanto ao processo referido em 21.º supra.».


*

2.2. O DIREITO

Nesta revista está em causa a apreciação da pena de demissão aplicada à autora, enquanto médica do Centro Hospitalar do S. João no Porto.

O TAF do Porto, em sede de primeira instância, julgou parcialmente procedente a presente acção, julgando verificados o erro de facto e de direito e a falta de fundamentação, e consequentemente, anulou a deliberação que aplicou à autora a pena de demissão, condenando o réu a readmitir a autora ao seu serviço e a pagar-lhe uma indemnização no valor de 6.720,57€ acrescido de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

Por sua vez, o TCA Norte, em sede de apelação e embora com distinta fundamentação, manteve a decisão da primeira instância. Ou seja, depois de delimitar o âmbito do vício de violação de lei imputado ao acto, entendeu que o que estava verdadeiramente em causa era saber se o comportamento da autora (faltas injustificadas ao serviço), eram ou não, adequadas, em concreto, à pena de demissão que lhe foi aplicada.

Analisou, depois, esta questão, considerando relevante a circunstância da autora ter faltado à Junta Médica da CGA em 09.12.2008. Essa falta levou a CGA a arquivar o pedido de aposentação. A autora não compareceu ao serviço desde então. Os serviços do réu em 23.11.2009 solicitaram à CGA informação sobre a situação profissional da autora, tendo esta entidade respondido, em 07.10.2010, que a interessada faltara à Junta Médica, sem que tenha justificado a falta e que o processo, por esse motivo, tinha sido arquivado. Em 07.11.2010, o Conselho de Administração do réu deliberou considerar injustificadas as faltas da autora a partir de 9 de Dezembro de 2008 e instaurar-lhe o processo disciplinar que veio a culminar com a aplicação da pena de demissão, ora em causa.

Face a este quadro factual, concluindo pela ilegalidade da pena de demissão, o TCA Norte entendeu que o mesmo implicava uma significativa redução do grau da culpa da arguida, pelo prolongamento, verdadeiramente anómalo, da sua ausência ao serviço. E como nele se consignou, “(…) sobretudo fez crer que a inviabilização da relação funcional não pode ser exclusivamente imputada ao seu comportamento, ainda que constitutivo de infracção disciplinar, mas também à incúria da liderança do Serviço”.

E o recorrente faz emergir na revista 3 (três) questões:

(i) Insindicabilidade do poder discricionário da Administração, alegando que a graduação da culpa em matéria disciplinar é matéria exclusiva da Administração, só sendo sindicável pelos Tribunais em caso de erro manifesto e grosseiro; ou então, em caso de violação de princípios como o da justiça ou da proporcionalidade.

(ii) Conhecimento oficioso da questão que não constitui vício, alegando a este respeito que a questão da inviabilidade da manutenção da relação funcional não foi alegada pelas partes, não foi apreciada na sentença, nem foi objecto do processo.

(iii) Violação do princípio da legalidade, alegando que o TCA não poderia invocar qualquer circunstância atenuante com vista à redução da culpa.

Vejamos, sendo que. no acórdão que admitiu a revista, se consignou o seguinte: «(…) Na verdade, estamos perante um largo período de tempo em que a autora faltou ao serviço; nem sequer é questionável que as faltas ao serviço desde 9 de Dezembro de 2008 até 31 de Dezembro de 2009 (praticamente um ano) não foram justificadas; mas, como sublinhou o TCA, é anómalo que os serviços do réu tenham esperado tanto tempo para se inteirarem da situação. Como é anómalo que a autora, após ter faltado à Junta Médica da CGA, não tenha informado os serviços da situação em que se encontrava, continuando todavia a faltar ao serviço. A situação apreciada de atenuação da culpa da autora, com vista a apurar a inviabilidade da manutenção da relação funcional, é assim uma situação de tal modo anómala que não é previsível a sua repetição.

Contudo, esta formação tem atribuído relevância social às questões relativas a sanções disciplinares extintivas da relação funcional, dada a especial gravidade decorrente da quebra definitiva de uma relação de trabalho. Para além da relevância social da questão, por estar em causa um acto de demissão, a concreta situação da autora requer uma especial ponderação justificando a reapreciação do caso pelo STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do Direito, face às especificidades do caso já assinaladas e à natureza dó poder exercido pela entidade recorrida e o âmbito da sua sindicabilidade pelos Tribunais».

Alega o recorrente que o TCAN pretendeu oficiosamente recentrar a questão dos autos na …ponderação sobre a questionada inviabilidade de manutenção da relação funcional, justificativa da pena de demissão, concluindo que é sobre esta ponderação do TCAN que incide o objecto do presente recurso de revista.

Quanto à 1ª questão, no sentido da graduação da culpa em matéria disciplinar constituir uma tarefa exclusiva da Administração, não sendo sindicável pelos tribunais, a não ser em casos de erro manifesto e grosseiro, ou em caso de violação de princípios como a justiça e a proporcionalidade, é verdade que tal assim sucede.

Porém, esta afirmação por si só não gera qualquer ilegalidade quanto ao decidido no Acórdão recorrido, uma vez que, no mesmo se entendeu que se verificavam estes requisitos e, desse modo, os argumentos ali aduzidos [que aliás tinham sido invocados pela autora/recorrida logo em sede de petição inicial] foram de molde a anular a deliberação que aplicou a pena e demissão à autora/ora recorrida. Saber se o fez indevidamente, ou seja sem que se verificassem os respectivos pressupostos, conhecendo de matéria que não podia conhecer, por estar no âmbito da discricionariedade da Administração, é questão de erro de julgamento que infra será apreciado.

Quanto à 2ª questão, ou seja, por alegadamente a ponderação do grau de culpa da arguida, ter sido feito de forma oficiosa, e portanto em violação do disposto nos artºs 676º, nº 1 e 684º, nº 3 do CPC, dir-se-à, desde já, que tal não sucedeu, uma vez que era matéria alegada desde logo pela autora em sede de petição inicial e vinha sendo discutida nos autos; acresce que o Tribunal de apelação não se encontrava impossibilitado de analisar o segundo segmento determinante da validade da aplicação da pena de demissão, que para além das faltas injustificadas, exige que se verifique a inviabilidade da manutenção da relação funcional.

E o enquadramento jurídico que o TCAN lhe deu, delimitado pela factualidade assente e não controvertida, também se encontrava no âmbito os respectivos poderes de cognição permitidos por lei, uma vez que o Tribunal não se encontra limitado no conhecimento da alegação pelas partes, quando a solução jurídica a adoptar se move na análise jurídica das normas jurídicas aplicáveis ao caso; além do mais, esta e outras circunstâncias atenuantes da pena também já haviam sido abordadas nos autos.

Concluiu-se assim pela improcedência desta questão.

Quanto à 3ª questão, que o recorrente traduz em violação de lei, pelo facto do TCAN haver aplicado uma circunstância atenuante em favor da arguida, sem que a mesma estivesse prevista no elenco taxativo previsto no Estatuto Disciplinar, aprovado pela então Lei nº 58/2008 de 09.09 [artºs 22º e 23º] é questão que analisaremos aquando da análise do erro de julgamento em que possa ter incorrido o acórdão recorrido.

Vejamos agora do mérito propriamente dito da presente revista, que ao fim e ao cabo, tal como o recorrente esclarece, o que há que decidir é a questão relacionada com a ponderação sobre a questionada inviabilidade de manutenção da relação funcional, justificativa da pena de demissão, ou seja, verificar a adequação da pena de demissão relativamente ao comportamento supostamente infractivo, que foi objecto da punição (no caso, a violação do dever de assiduidade).

O TCAN para afastar a decisão e o discurso argumentativo aduzido na decisão proferida pelo TAF do Porto em sede de 1ª instância, fez consignar no Acórdão recorrido, o seguinte:

«Verificou-se em 1ª instância, no entender deste TCAN, a deriva para aspectos secundários do litígio, em detrimento do essencial.

Desde logo não se verificou o erro num dos pressupostos de facto da decisão disciplinar afirmado na decisão recorrida.

Sem embargo de não se perfilhar o entendimento de que a falta da Autora à Junta Médica, devidamente notificada para o efeito ou não, seja decisiva na solução do pleito, sempre se dirá que os dados de facto pertinentes são consensuais na sua materialidade e aquilo em que as partes dissentem – se a Autora foi “devidamente convocada” para essa diligência – é matéria de subsunção normativa, logo, uma questão de direito.

Deste modo é de excluir liminarmente a verificação do erro nos pressupostos de facto que foi enunciada no acórdão do TAF, de algum modo contraditoriamente com a referência que “ninguém pode colocar em causa que a impetrante faltou mesmo a tal diligência, sendo um dado objetivamente indesmentível. Também sabemos que a A. faltou à Junta Médica porque não recebeu a convocatória antes do dia designado para a realização da mesma. E igualmente se vê dos docs. patentes nestes autos (pesquisa de objetos no sítio dos CTT na internet) que a entrega da convocatória só foi conseguida em 10/12/2008, isto é, um dia depois da data marcada. Como se vê, só se pode concluir que a convocatória não chegou a tempo da diligência do dia 09/12/2008.”

Outra coisa é a qualificação, como injustificada, da falta de comparência àquela diligência do processo de aposentação que, na opinião do TAF, fez incorrer a decisão punitiva em erro nos pressupostos de direito.

Entende-se que é uma questão inútil porque a Autora não foi punida por faltar à Junta Médica mas sim por faltar ao serviço. Portanto, não se reconhece relevância, para aferição da legalidade do acto punitivo, a esse erro nos pressupostos de direito (violação de lei) afirmado pelo TAF com base em suposto desrespeito do artigo 66º/1 do DL 360/97, de 17/12, por falta de demonstração do requisito “devidamente convocado” previsto na norma. Nem tão pouco, por maioria de razão, se atribui relevância ao vício de forma por inexistência no Relatório Final de referência aos fundamentos normativos da injustificação da falta da Autora à Junta Médica.

Cumpre explicar a razão dessa irrelevância.

É certo que existem na Acusação referências à falta da Arguida à Junta Médica, mas não como elemento constitutivo da infracção. Antes e apenas com a função de contextualizar “o padrão ético denunciado pela arguida”, mais adiante caracterizado nesse libelo acusatório como “o comportamento irresponsável manifestado pela arguida, desde a sua falta à Junta Médica até à presente data, comportamento que é ligeiro, grosseiro, atrevido, ofensivo, inaudito, denunciador de má fé, intelectualmente reprovável”, para logo ser extraída a consequência jurídica que a Administração reputou adequada, ou seja, “tornando assim inviável a manutenção da sua relação funcional com o Hospital de S. João.”

Assim, essa falta da Autora à Junta Médica apenas assume relevância com enquadramento na 2ª parte da “dupla análise” de que fala o TAF, ou seja, no âmbito da ponderação sobre a questionada inviabilidade de manutenção da relação funcional, justificativa da pena de demissão. A sindicância deste aspecto fundamental do acto impugnado constituía, portanto, a tarefa que deveria ter ocupado o lugar principal na decisão do TAF. Dissipada a neblina argumentativa que encobre a realidade, era e é aí que reside o cerne da questão.

Quanto à 1ª parte da mencionada “dupla análise”, que nas palavras do acórdão recorrido se refere à “comprovação objetiva do nº de faltas exigido pela alínea g), do nº 1, do artigo 18.º do ED, e a óbvia ofensa ao dever geral de assiduidade”, é um problema resolvido, mau grado tudo o que a Autora possa em recurso apregoar em contrário, pois não podem subsistir dúvidas sérias, quer sobre as suas faltas ao serviço quer sobre o facto de terem sido consideradas injustificadas.

A própria Autora, então na veste de Arguida, o reconheceu inequivocamente na sua Defesa Escrita no processo disciplinar, quando isso lhe interessava para efeitos de invocação da prescrição do direito de instauração do processo disciplinar. Dessa peça do processo disciplinar se extrai o seguinte:

«59. Assim, e independentemente de ter sido ou não comunicado aos Serviços de Recursos Humanos do HSJ por parte dos Serviços do CGA a não comparência da Arguida ao exame médico agendado, o que releva é a relação de emprego público estabelecida entre a Arguida e o referido Hospital, onde se constatou a ausência de envio de justificativo médico da situação de doença da Arguida e, por conseguinte, a ausência de justificação das respectivas faltas.

60. Pelo que, a partir do momento em que a justificação das faltas não chega ao poder do HSJ no prazo legalmente estabelecido, a qualificação da falta como injustificada é do conhecimento do Hospital e, designadamente, dos superiores hierárquicos da Arguida.

61. Não obstante, e apesar da ausência de comprovativo de doença por parte da Arguida e de informação por parte do CGA, o HJS nada fez.

62. Tendo mantido o comportamento de inércia relativamente à situação da Arguida até ao dia 17.11.2009 – isto é, mais de um ano após a data agendada para o exame médico (…)

63. E sendo certo que nessa data, já se encontrava efectiva e perfeitamente caracterizada quanto ao modo, tempo e lugar da sua prática e quanto à identidade do seu autor a infracção que subjaz ao presente procedimento disciplinar.»

Em suma, na sua materialidade, os factos constitutivos da infracção, isto é, as “5 faltas seguidas ou 10 interpoladas sem justificação” dentro do mesmo ano civil a que se refere o artigo 18º/1/g) do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (ED) aprovado pela Lei nº 58/2008 de 9 de Setembro, estão ex abondanti comprovados, demonstram a violação do dever de assiduidade e podem, em abstracto, justificar a pena de demissão. E em concreto? É o que se verá de seguida, tendo em consideração que, segundo o artigo 18º/1 do ED, «As penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador são aplicáveis em caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação funcional».

Quanto à análise e argumentação supra, não temos dúvidas do acerto da solução do acórdão recorrido, pelo que a acolhemos.

Mas quanto ao mais ali decidido, já não poderemos fazer o mesmo.

Com efeito, nos autos, e para o que se pretende apurar, é inoperante saber das consequências da falta da autora à Junta Médica; é questão lateral do objecto dos autos; consequentemente é inútil discutir-se se a falta a esta Junta Médica deve considerar-se como justificada ou não e as consequências daí decorrentes, uma vez que a pena de demissão aplicada à autora/recorrida não teve por base a sua falta à Junta Médica.

Por outro lado, também não subsistem dúvidas de que se verifica uma comprovação objectiva quanto ao número de faltas dadas pela arguida, conforme o previsto e exigido na al. g) do nº 1 do artº 18 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (ED), aprovado pela Lei nº 58/2008 de 09.09, a sua não justificação e a óbvia ofensa do dever geral de assiduidade [“5 faltas seguidas ou interpoladas sem justificação” dentro do mesmo ano civil], o que, em abstracto, pode efectivamente geral a aplicação da pena de demissão.

O nó górdio da questão que nos cumpre conhecer está em saber se pese esta verificação em abstracto, também se mostra cumprido em concreto o requisito previsto no artº 18º, nº 1 do referido ED que determina que «As penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador são aplicáveis em caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação funcional».

E esta é a QUESTÃO.

Considera o Acórdão recorrido que uma situação de faltas consecutivas ao serviço do HSJ durante mais de um ano, sem justificação, por uma médica que aí exerce funções em regime de contrato por tempo indeterminado, não pode deixar de ser surpreendente e ser entendida como uma situação anómala.

Porém, entendeu, pese embora, esta surpresa e anomalidade, face aos elementos de facto constantes dos autos, quanto ao comportamento da entidade patronal - o HSJ - que havia motivos que justificavam uma redução do grau de culpa da arguida, concluindo pela ilegalidade da pena de demissão.

E fê-lo, argumentando do seguinte modo:

«Ora, no caso destes autos verifica-se que tanto a Autora como os responsáveis hierárquicos do HSJ se alhearam durante muito tempo da colaboração, ou ausência, daquela Médica no serviço. Com a diferença que os factos permitem, quanto à Autora, presumir que não estaria nas melhores condições de saúde e/ou psicológicas para cumprir pontualmente os seus deveres.

Parece claro que, constituindo 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas, numa anuidade, uma falta disciplinar gravíssima, potencialmente merecedora de pena expulsiva, os responsáveis do HSJ deveriam logo de seguida ter procurado informação sobre a situação da Autora, para apuramento das perspectivas da sua aposentação ou condições de regresso ao serviço. E, se já de certo modo se tinham conformado com a inviabilidade de a Autora regressar em pleno ao serviço, como comprovam as diligências feitas junto desta e da CGA, no sentido de uma eventual aposentação por incapacidade ou, em alternativa, prevendo a sua passagem à situação de licença de vencimento de longa duração, então seria expectável que procurassem muito mais atempadamente informar-se do resultado da Junta Médica para verificação da incapacidade daquela.

Independentemente de ter faltado àquela Junta Médica, justificadamente ou não, os precedentes demonstrativos da vontade do HSJ em encaminhá-la para a aposentação ou licença sem vencimento, em conjugação com a sua própria debilidade em termos de saúde, de certo modo legitimavam a Autora a aguardar pela iniciativa dos responsáveis do HSJ e desencorajavam compreensivelmente a sua motivação para um regresso espontâneo ao serviço. Inclusivamente, não seria estultícia pensar que, na mente da Autora, o longo tempo transcorrido sem nenhum contacto do HSJ correspondia a um desinteresse, ou mesmo menosprezo, da sua colaboração no serviço, contribuindo assim para agravar o seu estado de apatia no plano profissional.

Todo este enquadramento conduz, na opinião deste TCAN, a uma significativa redução do grau de culpa da arguida pelo prolongamento, verdadeiramente anómalo, da sua ausência ao serviço. E, sobretudo, faz crer que a inviabilização da relação funcional não pode ser exclusivamente imputada ao seu comportamento, ainda que constitutivo de infracção disciplinar, mas também à incúria da liderança do Serviço.

Em suma, nas circunstâncias dadas, a pena de demissão aplicada é ilegal por não ser factor determinante da inviabilidade da manutenção da relação funcional e, em consequência, embora com fundamentos diferentes dos relevados em 1ª instância, mantém-se a decisão anulatória recorrida».

Não cremos, contudo, que o Acórdão recorrido ao assim ter decidido o tivesse feito em rigor cumprimento da lei.

Com efeito, da matéria de facto dada como provada nos autos, não vislumbramos que a atitude adoptada pelo HSJ possa justificar o entendimento jurídico feito constar do Acórdão recorrido quanto à diminuição do grau de culpa da arguida nem tão pouco que conduza à ilegalidade da pena de demissão que lhe foi aplicada; primeiro porque tal comportamento não encontra suporte na lei, no que toca a atenuantes do grau da culpa do infractor; segundo, porque o Tribunal desconhece os motivos que determinaram tal comportamento, pois nunca foram trazidos aos autos; terceiro, conduz a uma directa errada aplicação do direito, porque em violação do poder discricionário concedido à Administração que só pode ser sindicado quando estão em causa princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé – artº 266º da CPR – e sempre na suposição e verificação de um erro grosseiro e manifesto na apreciação dos factos ou desvio de poder, o que manifestamente não se verifica no caso sub judice.

Mostrando-se assente que a autora/recorrida:

(i) Violou o dever de assiduidade previsto na al. g), do nº 2 do artº 3º e artº 11º da Lei nº 58/2008 de 09.09 [ED];

(ii) Que tal violação acarreta a aplicação da pena de demissão – artº 26º, nº 2, al. h) – pena esta que, efectivamente, lhe foi aplicada;

(iii) A justificação, para tal aplicação de pena, assumida pelo recorrente em sede de relatório final, consistiu no seguinte: A grande relevância jurídica, não é apenas a ausência sem justificação, a qual se subsume na violação do dever geral de assiduidade….a grande relevância jurídica e comportamento irresponsável, manifestado pela arguida, desde a sua falta à Junta Médica até à presente data, comportamento que é ligeiro, grosseiro, atrevido, ofensivo, inaudito, denunciador de má fé, intelectualmente reprovável, tornando assim inviável a manutenção da sua relação funcional com o Hospital de S. João». Sub nosso.

Ora, esta fundamentação é em nosso entender, bastante e suficiente para demonstrar que o comportamento assumido pela ora recorrida inviabilizou a manutenção da relação de emprego/funcional que tinha para com a sua entidade patronal, independentemente da actuação da actuação dos serviços do HSJ, que pelo menos em 23.11.09 diligenciaram junto da CGA, a saber da situação de doença da autora/ora recorrida.

Ou seja, os elementos constantes dos autos são, por si só, suficientes, para permitirem ao Tribunal, dentro dos poderes que nestes casos, em concreto, lhe são permitidos conhecer sem violação do poder discricionário que compete à Administração, concluir que, no caso sub judice se verifica uma situação que inviabiliza a manutenção da relação de trabalho, elementos estes, que se mostram devidamente fundamentados, em obediência ao dever de fundamentação a que está adstrito a entidade patronal, ou seja o HSJ.

Atento o exposto, e sem necessidade de ulteriores considerações, por desnecessárias, importa conceder provimento ao recurso.


*

DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Supremo Tribunal em:

a) Conceder provimento ao recurso.

b) Revogar a decisão recorrida.

c) Julgar improcedente a acção administrativa especial intentada pela autora, A………….

Custas pela recorrida nas instâncias e neste Supremo Tribunal.

Lisboa, 23 de Maio de 2019. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.