Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0392/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Sumário:Numa acção urgente, para «atribuição de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária», o uso de «relatórios internacionais oficiais sobre a situação politica-económico-social do país de origem do requerente», por parte do tribunal de apelação, não implica violação dos artigos 412º e 662º do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P23476
Nº do Documento:SA1201806280392
Data de Entrada:05/18/2018
Recorrente:A.....
Recorrido 1:SEF - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A……. - nascido no Paquistão - interpõe «recurso de revista» do acórdão pelo qual o Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS] conhecendo da «apelação» para aí interposta pelo SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF], decidiu revogar a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC/Lisboa] «na parte em que condenou o SEF a conceder-lhe protecção subsidiária».

Culmina assim as suas alegações:

A- O acórdão recorrido deu como provados os factos referidos em 1;

B- Ora sucede que, ao abrigo do disposto nos artigos 662º, nº1, e 665º, do CPC, o tribunal a quo aditou os pontos 9º a 13º à matéria de facto dada como assente;

C- Todavia, o normativo vindo de citar impõe como limites à alteração da referida decisão que,

D- A mesma seja baseada ou em factos dados como assentes; na prova produzida ou; em documento superveniente;

E- Nenhum destes requisitos se verifica porquanto, os referidos factos foram aditados com base na consulta das bases de dados aí referidas;

F- Desconhecendo-se os factos concretos trazidos desses relatórios;

G- Poderíamos todavia dizer que tais factos são notórios, públicos e acessíveis ao comum dos cidadãos;

H- Ora, é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto acórdão de 03.04.2008, Rº08B262, que «Factos notórios são os de conhecimento geral no país, os conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação»;

I- Sendo manifesto que os factos aditados não se enquadram na definição acima, conclui-se que não poderiam por esta via ser aditados para fundamentar o douto acórdão;

J- Referindo ainda que, «O nº1 do artigo 514º do CPC [actual artigo 412º, nº1, do CPC] contém uma regra de direito probatório cuja violação pode, procedentemente, fundar a instalação de um recurso de revista»;

K- De salientar também, que a questão se poderia ainda colocar nos termos do nº2 do preceituado artigo 412º do CPC;

L- Ou seja, que o aditamento daquela factualidade se fundasse no conhecimento que o tribunal tem, em virtude do exercício das suas funções;

M- Ora, também aqui exige a lei que, quando o tribunal se socorra deste tipo de factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove;

N- O que aqui não se verifica pelo que também por esta via não poderiam ser trazidos à matéria de facto dada como assente;

O- A ser assim, estaremos perante uma nulidade do douto acórdão por falta de fundamentação de facto, conforme o disposto no artigo 615º, nº1 alínea b), do CPC, assim como

P- Por uso de factos que extravasam os limites do preceituado pelos artigos 662º, nº1, e 412º, nº1, do CPC.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, e, em consequência, que lhe seja concedida autorização de residência por protecção subsidiária, nos termos e para os efeitos do artigo 7º, da Lei nº27/2008, de 30.06, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº26/2014, de 05.05.

2. O recorrido SEF juntou contra-alegações, nas quais, depois de advogar a não admissão da revista, formulou, quanto ao seu mérito, as seguintes conclusões:

[…]

4- Tendo em conta a natureza dos factos considerados «provados», mormente as fontes oficiais acessíveis ao público, e os elementos existentes no processo administrativo, que foram aceites por ambas as partes, não antevê a recorrida em que medida o tribunal pode ter desrespeitado as normas dos invocados artigos;

5- A ampliação da matéria provada no caso dos autos, encontra o seu amparo legal no artigo 412º do CPC, o qual determina que «1- Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral», e ainda que «2- Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando tribunal se socorra destes factos, deve trazer ao processo documento que os comprove»;

6- Ora, é por demais evidente que os factos acrescentados pelo tribunal recorrido são notórios, constando de sites oficiais, acessíveis a qualquer cidadão, em Portugal ou no resto do mundo;

7- Quanto á matéria factual referente ao seu local de nascimento, ou à zona onde residia no país de origem, importa esclarecer que tais informações foram fornecidas pelo próprio requerente de Protecção Internacional na fase administrativa, tendo a Administração, com base no princípio do benefício da dúvida, aceite sempre como verdadeiros e deles fazendo referência quer em sede administrativa, quer contenciosa, nomeadamente da cidade onde nasceu, MARDAN;

8- Em bom rigor, atendendo ao preceituado no artigo 412º do CPC, a matéria agora dada como assente em razão da sua natureza - emanar de fontes oficiais acessíveis ao público em geral – não requer contraditório mostrando-se neste caso que o recurso ao mesmo seria um exercício dispensável e inútil;

9- O mesmo se passando com os factos referentes à sua cidade natal, e à região onde vivia antes de ter saído do país de origem, uma vez que foi informação veiculada pelo próprio e que a entidade administrativa aceitou ao abrigo do princípio do benefício da dúvida;

10- Tendo em conta as questões a decidir no processo, em sede de apelação, mormente aferir do erro decisório por se ter condenado o SEF a conceder a protecção subsidiária, referiu bem o tribunal recorrido no seu acórdão o seguinte: «…Havia, portanto, no âmbito dos poderes de investigação jurisdicional dos factos, que aceder-se a mais informações acerca das condições de vida no Paquistão, para se poder apreciar de forma mais séria o pedido formulado a título subsidiário pelo autor, e para enquadrar nas alegações que vinham feitas nos autos». «No caso do Paquistão, existem diversos relatórios recentes, feitos por organismos oficiais e internacionais, que são públicos, que facultam a informação necessária. Entre tais relatórios encontramos os da EASO, da AMINISTIA INTERNACIONAL, da HUMAN RIGHTS WATCH, ou da ACNUR, ora indicados nos factos 11 a 14»;

11- O acórdão recorrido, no tocante à situação carreada aos autos, salienta sabiamente o que vem relatado nesses sites, concluindo que «No entanto, as indicadas publicações dizem, também, que as forças militares e estatais vêm tentando desde há vários anos controlar o terrorismo dos grupos talibans. Ali indica-se a dificuldade nesse controlo por força do conflito no Afeganistão e do ingresso dos refugiados nas fronteiras entre os dois países. Igualmente refere-se a diminuição da prática terrorista ao longo dos últimos anos, por força da intervenção militar estatal»;

12- O acórdão escrutinado está de acordo com as normas legais vigentes, em matéria de asilo, acima referenciadas, e não beliscou as normas processuais vigentes no CPC;

13- A decisão administrativa, devidamente acolhida pelo acórdão recorrido, foi de encontro às normas legais vigentes;

14- O exposto demonstra a legalidade do acórdão recorrido, que não padece de quaisquer erros de julgamento.

Termina pedindo que seja negado provimento à revista, mantendo-se o acórdão sob censura.

3. O recurso de revista foi admitido por este Supremo Tribunal - Formação a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se, em suma, pelo não provimento da revista.

5. Sem vistos, por se tratar de processo de natureza urgente, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista.

II. De Facto

São os seguintes os factos que nos vêm das instâncias:

1- Em 11.06.2015, o autor apresentou perante o SEF/GAR, pedido de protecção internacional, que deu lugar à constituição do processo de asilo nº480/15, do Gabinete de Asilo e Refugiados - folha 6 do PA, e admitido por acordo;

2- Em 03.06.2015, o autor compareceu no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Gabinete de Asilo e Refugiados [SEF/GAR], data em que prestou declarações, cujo teor se dá por reproduzido - folhas 15 a 19 do PA, e admitido por acordo;

3- Em 16.07.2015, o GAR emitiu a Informação nº582/GAR/15, com referência ao processo de asilo nº480/15, cujo teor se dá por reproduzido - folhas 28 a 35 do PA, e admitido por acordo;

4- A informação identificada supra mereceu decisão mediante despacho proferido pelo Director Nacional Adjunto do SEF, a 20.07.2015, que recusou ao autor o pedido de asilo e de autorização de residência por protecção subsidiária, por infundados - folha 36 do PA, e admitido por acordo;

5- O autor foi notificado desta decisão - na língua inglesa - em 22.07.2015 - folha 37 do PA, e admitido por acordo;

6- Em 01.08.2017, o CPR - Conselho Português para os Refugiados - emitiu parecer sobre a situação actual no Paquistão, cujo teor se dá por reproduzido - ver requerimento de 01.08.2017 junto aos autos, e admissão por acordo;

Nos termos dos artigos 662º, nº1, e 665º, do CPC - ex vi artigo 1º do CPTA - o TCAS aditou os seguintes factos:

7- O autor, e ora recorrido, nasceu em MARDAN, Paquistão - autorização de residência de folhas 36 e 37;

8- O autor, e ora recorrido, alega ser da zona de PASHTU - ver documento de folhas 27 a 34;

9- A situação político-social do Paquistão está referenciada na publicação do EASO de Agosto de 2017, consultável em https://coi.easo,europa/administration/easo/PLib/Pakistan SecuritySituation2017 - a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida;

10- E em publicação da Amnistia Internacional [AI] - https://www.amnesty.org/es/countries/asia-and-the-pacific/pakistan/report-pakistan/ - a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida;

11- E nas publicações da Human Rights Watch [HRW] - https://www.hrw.org/world-report/2017/country-chapters/pakistan e https://www.hrw.org/report/2017/02/13/pakistan-coercion-un-complicity/mass.forced-return-afghan-refugees - aqui dadas por reproduzidas;

12- O ACNUR publicou as linhas orientadoras para a avaliação da necessidade de protecção internacional dos membros das minorias religiosas do Paquistão, que constam do site seguinte: http://www.refworld.org/docid/4fb0ec662.html;

13- O ACNUR publicou o relatório «2015-2017 Estratégia de Protecção do Paquistão - 2015-2017 Protection Strategy Pakistan» - que consta do site http://unhcrpk.org/contacts/fact-sheets/.

III. De Direito

1. O autor, natural do Paquistão, demandou o SEF, pedindo a condenação desta entidade a conceder-lhe asilo ou, então, residência por protecção subsidiária.

Para além de imputar várias ilegalidades à decisão administrativa que lhe recusou essas pretensões, o autor entende preencher todos os pressupostos legais para que o asilo ou, pelo menos, a residência por protecção subsidiária, lhe tenha de ser concedida.

O tribunal de 1ª instância julgou parcialmente procedente a acção, mantendo a decisão administrativa de recusa do pedido de asilo mas condenando a entidade demandada, o SEF, a conceder ao autor a autorização de residência por protecção subsidiária.

Entendeu, para tanto, que a recusa do pedido de asilo é inteiramente válida, por o mesmo «carecer de qualquer fundamento» [artigo 3º, nº1, da Lei nº27/2008, de 30.06, na redacção da Lei nº26/2014, de 05.05], mas que o pedido formulado pelo ora autor «a título subsidiário» devia ser deferido por estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 7º, nº1 e nº2, da Lei nº27/2008, de 30.06, na redacção dada pela Lei nº26/2014, de 05.05. Nomeadamente, foi entendido pelo tribunal, com base na informação prestada pelo «Conselho Português para os Refugiados» [CPR - folhas 310 a 336 dos autos] que o autor, embora não se encontrasse em situação justificadora da concessão de asilo, não deixava de «estar impedido de regressar ao país de origem sem risco de sofrer ofensa grave».

Interposto recurso de apelação pelo SEF, relativamente a este deferimento, a 2ª instância entendeu que da simples leitura daquela «informação» do CPR «resulta evidente, que dali não consta qualquer indicação coerente e completa da realidade político-social do Paquistão. Diversamente, o indicado “parecer” é uma amálgama de notícias, com relatos sucessivos e incompletos, que não servem, manifestamente, para que a partir dali se possa retirar uma consideração séria sobre a indicada realidade paquistanesa. Da mesma forma apesar de no caso em apreço se estar a falar de um requerente de protecção internacional que é proveniente da zona MARDAN e fará parte do grupo PASHTU, não se considera especificamente essa factualidade, nem se explicam as especificidades que podem derivar face ao restante território do Paquistão» [folhas 11 e 12 do acórdão recorrido].

Chamou a atenção para que neste domínio - do «direito de asilo e de protecção internacional» - há um «ónus de prova partilhado» entre o requerente e o Estado impetrado, uma vez que este último «está mais bem apetrechado e posicionado» para aceder a determinados tipos de informação, e que a própria «Directiva Procedimentos», no seu artigo 10º, nº3, determina que os Estados obtenham informações precisas e actualizadas junto de várias fontes, como o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo [EASO], o ACNUR e organizações de direitos humanos pertinentes, quer sobre a situação dos países de origem dos requerentes quer ainda sobre os países por onde estes tenham passado.

E, foi assim que o tribunal de 2ª instância entendeu lançar mão das publicações levadas aos pontos 9 a 13 do provado, habilitando-se sobre a actuais condições político-económico-sociais do Paquistão para desse modo aferir da existência ou não de risco para o ora autor, de sofrer ofensa grave, no caso de regresso ao seu país de origem, uma vez que nem ele nem o SEF o tinham feito devidamente. Nesta base, e depois de convocar jurisprudência nacional, europeia, e internacional - AC do TJUE nºC-285/12, de 30.01.2014, Aboubacar Diaquité contra Comissaire Genéral aux refugiés et aux apatrides; AC do TJUE nºC-465/07, de 17.02.2009, Meki Elgafagi e Noor Elgafagi contra Staatssecretaris van Justitie; Acs do TEDH de 15.10.2015, nº40081/14; nº40088/14; nº40127/14; e de 26.06.2005, nº38885/02; e do STA de 06.10.1998, nº042928; 27.10.1998, nº043511; 07.11.1998, nº043797; 18.03.1999, nº042793; 15.04.1999, nº041416; 22.02.2001, nº046290; 18.06.2003, nº01840/02; 29.10.2003, nº0151/03; 01.07.2004, nº0996/03; e 09.02.2005, nº01397/04 - o tribunal a quo entendeu, «em suma, que da conjugação do que vem indicado nos supra-referidos Relatórios com o relato feito pelo recorrido, não decorre que se lhe deva atribuir a protecção subsidiária nos termos do artigo 7º, nº1 e nº2, da Lei nº27/2008, de 30.06».

O autor da acção, recorrido na apelação, não põe em causa, em sede de revista, o acerto do julgamento realizado pela 2ª instância, apenas se manifesta contra o facto de terem sido aditados, pelo tribunal de apelação, os «pontos 9 a 13» da factualidade provada. Em seu entender, o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação de facto [artigo 615º, nº1 alínea b), do CPC], e além disso faz uma «errada aplicação» dos artigos 662º, nº1, 665º, e 412º, nº1, do CPC - aplicáveis ex vi artigo 1º do CPTA.

2. Na alegação do recorrente, A……., o acórdão recorrido é nulo ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 615º do CPC «por falta de fundamentação». A seu ver, não são as «publicações» levadas aos pontos 9 a 13 do provado que servem de base ao julgamento de direito nele realizado, mas antes a «factualidade» que consta das mesmas, mas não consta do acórdão.

Dispõe o nº1 do artigo 615º do CPC - aplicável ex vi artigos 666º, nº1 e nº2, do CPC, e 140º, nº3, do CPTA - que o acórdão é «nulo», e além do mais, quando «b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Os «fundamentos» justificativos da decisão são constituídos pelos factos e pelas regras jurídicas - normas e princípios - em que a mesma se alicerça, que lhe dão apoio, que a impõem.

Constatamos que o tribunal de apelação, ao abrigo dos artigos 662º nº1, e 665º, do CPC - ex vi artigo 1º do CPTA - acrescentou à matéria de facto dada como provada pela 1ª instância cinco factos, consistentes na existência de várias «publicações oficiais», que identifica, e para cujo conteúdo remete, a fim de poder aferir qual a situação político-económico-social do Paquistão, nomeadamente na «zona de MARDAN» donde o autor é natural.

Isto significa que, se o tribunal a quo se serviu, no seu «julgamento de direito», de parte do conteúdo dessas publicações oficiais - do EASO, do ACNUR, da AI, e da HRW - tal julgamento se apoia no «relato da situação no país e zona de origem do autor», feito em relatórios actuais e devidamente especificados, cuja credibilidade sustenta a sua utilização pelo tribunal, e não, directamente, nos factos concretos referidos nesses relatórios para emanação da respectiva apreciação.

Temos, portanto, que o acórdão recorrido não padece de nulidade «por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão», dado que tal especificação está efectuada no caso, de forma bastante, mediante a enumeração e a remessa para o conteúdo das ditas publicações oficiais.

3. Relembremos as normas processuais agitadas pelo ora recorrente A……… O artigo 412º do CPC, ínsito nas disposições gerais sobre a instrução do processo, diz que «1- Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral. 2- Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove».

Os artigos 662º, nº1, e 665º, também do CPC, sobre o julgamento do recurso de apelação, dizem, e respectivamente, que o tribunal de instância «deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» e que «1. Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação. 2. Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, [o tribunal de 2ª instância], se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários. 3. O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias».

4. Como já dissemos supra [ver o último parágrafo do anterior ponto 1], o ora recorrente, sem pôr em causa o mérito do julgamento de direito realizado pelo TCAS, manifesta-se contra o aditamento dos pontos 9 a 13 da factualidade provada, efectuado ao expresso abrigo dos artigos 662º, nº1, e 665º, do CPC, e defende que o mesmo não é permitido nem por estas normas nem pelo artigo 412º, nº1, do CPC.

Os momentos processuais e as funções destas normas, são diferentes. A última - artigo 412º, nº1 - aplica-se «em sede de instrução do processo», antes do respectivo julgamento, e tem por função, visando a «verdade do caso», permitir ao julgador que se sirva de factos que não constam dos autos porque nem sequer chegaram a ser alegados. Por seu turno, as outras duas - 662º nº1, e 665º do CPC - prescrevem sobre o poder do «tribunal de apelação» relativamente ao «julgamento de facto» que integra a sentença recorrida - em boa verdade, o artigo 665º, que é invocado no aditamento feito pelo TCAS, não tem aplicação ao caso, pois nele não se configura uma situação em que o tribunal de apelação se deva substituir ao tribunal recorrido.

E a verdade é que desses poderes não consta o de aditar factos notórios ou factos de conhecimento oficioso do tribunal. No respeito pela decisão recorrida quanto à matéria de facto, o tribunal de apelação apenas a deve alterar se essa alteração se mostrar imposta pelos factos assentes, pela prova produzida, ou por documento superveniente. E, no caso específico da indispensabilidade da ampliação da matéria de facto, o tribunal de apelação deve ordená-la ao tribunal a quo, anulando, para tanto, a decisão recorrida [artigo 662º, nº2, parte final da alínea c)].

Acontece, porém, que pela simples circunstância de o TCAS ter acrescentado os pontos 9 a 13 à matéria de facto da 1ª instância, não se nos impõe concluir, sem qualquer espírito crítico, que a factualidade provada foi objecto de aditamento de quaisquer factos para além dos da mera existência das publicações em causa. E o certo é que tais publicações oficiais não necessitam de estar no acervo factual provado para poderem ser utilizadas pelo tribunal na sua argumentação alusiva à situação político-económico-social do Paquistão. Estes relatórios internacionais, nos quais é retratada, de forma actualizada, oficial e credível, a «referida situação», estão à disposição de todos, também dos tribunais, que os podem e devem usar no seu afã de fazer justiça sempre que se trate de utilizar elementos que neles encontram a sua fonte de consulta privilegiada.

É assim que, por certo, a utilização «desses relatórios» pelo tribunal de apelação, passa ao lado da «questão da possibilidade ou não de aditar factos», ainda que notórios ou de conhecimento oficioso do tribunal, em sede de apelação.

Como o julgamento de direito, feito nesta base, não foi problematizado em sede de revista, resta mantê-lo, o que significa negar provimento ao recurso.

IV. Decisão

Nestes termos, decidimos negar provimento a este recurso de revista, e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

Sem custas - artigo 84º da Lei nº27/2008, de 30.06

Lisboa, 28 de Junho de 2018. - José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos.