Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0104/14.2BEMDL-A
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DECISÃO
PROCESSO CAUTELAR
EXECUÇÃO
Sumário: Por incidir sobre matéria complexa e juridicamente relevante, considerando sobretudo a forma genérica como fora fixado o dever de executar, justifica-se admitir a revista onde está em causa apurar se uma decisão cautelar destinada a evitar o risco de desmoronamento de várias habitações foi integralmente cumprido.
Nº Convencional:JSTA000P31929
Nº do Documento:SA1202402210104/14
Recorrente:MUNICÍPIO DE MIRANDELA
Recorrido 1:AA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

l. AA, e mulher BB, CC e mulher DD; EE e mulher FF; GG e filhas HH e II, melhor identificados nos autos, intentaram, no TAF, contra o Município de Mirandela, ao abrigo do art.° 162.°, do CPTA, execução, onde pediram que fosse dada execução integral ao acórdão de 3/6/2014, que havia julgado parcialmente procedente o processo cautelar, condenando o referido Município “a realizar, por si ou por intermédio de empresa com habilitações técnicas para o efeito, a monotorização das estruturas e do talude para verificar se os movimentos estão ou não estabilizados e a elaboração e execução de um plano de intervenção temporária, de modo a evitar o desabamento dos edifícios e de acordo com os resultados do estudo feito”.
Em 24/1/2018, o TAF de Mirandela proferiu sentença, já transitada em julgado, que julgou a execução procedente e condenou o executado a, no prazo de 120 dias, “proceder à execução de trabalhos que garantam:
i) que o aterro impede os movimentos de deslizamento para Norte do Lote...7 e o deslizamento na zona Sul do Lote ...5 para Este;
ii) que o aterro assegura rigidez e adequado suporte ao talude superior que suporta os edifícios, impedindo a deformação do maciço deslizante quando solicitado;
iii) resistência mecânica às sapatas dos alçados posteriores (nomeadamente as de canto), de forma a evitar o seu eventual descalçamento;
iv) a protecção do pilar NE do Lote ...7;
v) o reforço e/ou contenção do solo, particularmente na zona em que se localiza o pilar NF do Lote ...7 (...)
Em 5/7/2018, os exequentes, alegando que a referida sentença não fora executada, pediram que “o Tribunal adopte as providências executivas que se tornem necessárias ao cumprimento integral da sentença exequenda nomeadamente a aplicação da sanção pecuniária compulsória e a instauração do respectivo procedimento criminal por crime de desobediência qualificada”.
Em 23/1/2023, foi proferido despacho que julgou improcedente este incidente, absolvendo-se o executado do pedido condenatório formulado pelos exequentes.
Os exequentes apelaram para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 05/05/2023, decidiu “negar provimento ao recurso, embora com fundamentação diferente (designadamente quanto à questão do cumprimento do julgado que se considera incumprido)”.
Deste acórdão, o Município de Mirandela interpôs recurso de revista que, em 13/7/2023 foi admitido por esta formação de apreciação preliminar.
Em 28/9/2023, foi proferido acórdão pela 1.a Secção deste STA, onde se decidiu “declarar nulo o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, para que aí, se nada mais obstar, seja dirimida a obscuridade e ambiguidade de que padece o acórdão”.
Em 15/12/2023, o TCA-Norte proferiu o seguinte acórdão:
“Em cumprimento do acórdão do STA de 28.09.23 e para colmatar a nulidade ínsita no acórdão do TCAN de 05.05.23, acordam em fazer constar do dispositivo deste aresto, em substituição do que dele consta, o seguinte:
V- DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em:
1. Julgar parcialmente procedente o recurso e revogar o despacho recorrido (de 04.01.23) na parte afectada;
2. Declarar incumprido o acórdão cautelar, bem como a sentença de 24.01.18;
3. Declarar que permanece por parte do Município o dever de executar os trabalhos adequados a assegurar os resultados/objectivos que constam das subalíneas i) a iv) da alínea a) do dispositivo da sentença de 24.01.18, o que o Município deve fazer em 120 dias sem curar de saber se tais obras encerram soluções definitivas ou provisórias;
4. Manter o despacho recorrido quanto ao demais decidido, embora com diferente fundamentação.
(…)”
Notificado deste acórdão, o Município de Mirandela vem pedir a admissão do recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. Para admitir o recurso de revista que o Município de Mirandela havia interposto do acórdão do TCA-Norte de 5/5/2023, que ficou referido, esta formação, no mencionado acórdão de 13/7/2023, entendeu o seguinte:
"O recorrente justifica a admissão da revista com a “capacidade expansiva da controvérsia”, susceptível de ultrapassar os limites do caso concreto e com a necessidade de uma melhor aplicação do direito, por o acórdão enfermar das nulidades previstas nas als. c) e d) do n.° 1 do art.° 615.° do CPC - por ser ambíguo e contraditório quando nega provimento ao recurso ê confirma a sentença que considerara cumprido o julgado exequendo, quando dá por provado simultaneamente os factos 60 e 65 e quando entende que este julgado não foi executado apesar dos factos que deu por provados e por se ter pronunciado sobre questões que não foram analisadas pela 1.ª instância nem invocadas pelas partes - e de erro de julgamento, em virtude de considerar irrelevante que as obras a executar tivessem carácter provisório ou definitivo, esquecendo a natureza instrumental e provisória da tutela cautelar, em violação do disposto no art.° 364.°, do C.P. Civil.
A questão sobre que as instâncias divergiram e que está em causa na revista reside em saber se a decisão cautelar se encontrava integralmente executada, considerando os trabalhos que haviam sido determinados pela sentença de 24/1/2018 e a natureza instrumental e provisória da tutela cautelar que esteve subjacente a esta decisão.
Além da importância dos interesses em jogo, que respeitam a várias habitações em risco de desabamento, é patente que a revista incide sobre matéria complexa e juridicamente relevante, considerando sobretudo a forma genérica com que foi fixado o dever de executar.
Justifica-se, pois, a intervenção do Supremo num assunto que suscita interrogações jurídicas e que reclama uma clarificação de directrizes”.
Tendo o acórdão da Secção de 28/9/2023 se limitado a conhecer da nulidade prevista na 1.ª parte da alínea c) do n.° 1 do art.° 615.° do CPC, o recorrente alega que os motivos que levaram esta formação a admitir a revista permanecem válidos, continuando por isso a sustentar que tal admissão é justificada pela relevância jurídica e social das questões a apreciar e pela necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão as nulidades vertidas na 2.ª parte da al. c) e na al. d) do citado art.° 615.°, n.° 1 - por contradição entre os seus fundamentos factuais e por excesso de pronúncia - e de erro de julgamento em virtude de se considerar irrelevante que as obras a executar tivessem carácter provisório ou definitivo, esquecendo a natureza instrumental e provisória da tutela cautelar, em violação do disposto no art.° 364.° do CPC.
E, efectivamente, a motivação do anterior acórdão desta formação justifica também a admissão da presente revista.

4. Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. - Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José